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Mecânica de Locomotivas II

Aula 9
Motores Elétricos de Tração

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9.1. Motores Elétricos de Tração

Os motores elétricos de tração, normalmente um em cada eixo, devem ser do tipo


blindado e são caracterizados pela construção compacta e pelo volume reduzido,
pois o espaço disponível para eles é sempre muito limitado.

Figura 9.1- Motor de tração DC e motor de tração AC


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Os motores elétricos de tração são máquinas que convertem a energia elétrica


em energia mecânica para movimentar a locomotiva.

A energia elétrica é fornecida ao motor através dos cabos de alimentação, que


acessam o interior dos mesmos através de dispositivos especialmente vedados.

A energia mecânica é disponibilizada pelo motor na ponta de seu eixo. Devido


às características do serviço de tração das locomotivas diesel-elétricas de baixa
velocidade, possuem regime variável de funcionamento e sua velocidade normal
está compreendida entre 𝟓𝟎𝟎 𝒆 𝟑. 𝟎𝟎𝟎 𝒓𝒑𝒎.

A transmissão do movimento do motor para as rodas é efetuada por meio de um


par de engrenagens cilíndricas, denominadas de pinhão e engrenagem.
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O pinhão é fixado na ponta do eixo do motor,


enquanto que a engrenagem é fixada
diretamente no eixo do rodado.

A relação de transmissão é estabelecida pela Figura 9.2- Pinhão e engrenagem

relação entre o número de dentes do pinhão e o


número de dentes da engrenagem.
O tipo de suspensão feita por meio de mancais
de fricção ou de rolamentos no próprio eixo das
rodas permite ao motor oscilar sem variar a
distância entre o eixo do motor e o eixo da
roda. Figura 9.3- Rodado completo

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A montagem direta do motor sobre o eixo das rodas teria a vantagem de evitar
a perda de energia nas engrenagens, mas obrigaria o uso de motores lentos e,
por conseguinte, volumosos e de custo elevado.
O resfriamento dos motores de tração se
dá através da passagem forçada pelo seu
interior de certa quantidade de ar, que é
produzida por um soprador acionado
diretamente pelo eixo do motor diesel ou
por um motor elétrico.

Figura 9.4- Soprador do motor de tração

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Os motores destinados à tração elétrica devem possuir as seguintes


características:

➢ Elevado conjugado de partida, sem que a corrente alcance valores


excessivos;
➢ Regulação motora variável;
➢ Permitir a frenagem elétrica, possivelmente com recuperação de energia;
➢ Construção sólida;
➢ Rendimento elevado.

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Normalmente não têm vida longa, pois são máquinas sujeitas à desgastes
pronunciados,
uma vez que são submetidas a todas as variações de carga impostas à
locomotiva.

Sua vida útildepende grandemente do modo como o operador solicita a tração


através do
acionamento do acelerador e dos freios.

O reparo dos motores elétricos de tração é demorado e tem custo altamente


significativo.

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9.2. Motores em corrente contínua


Os motores em corrente contínua são compostos fundamentalmente de
duaspartes:

• Estator;
• Rotor.

Na figura 9.5 representa-se em corte um motor de tração em corrente contínua


montado, onde podemos ver ilustradas as suas partes fundamentais.

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Componentes principais de um motor de


tração em corrente contínua:
- Duto de ar
- Cabos de saída
- Porta-escovas
- Braço de apoio da caixa de graxa
- Comutador
- Armadura
- Rolamento
- Interpolo
Figura 9.5- Representação em corte de um motor - Mancal
de tração em corrente contínua
- Campo
- Capa do Mancal
- Bandagem
- Reservatório de óleo de lubrificação do
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mancal.
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9.2.1. Estator

O Estator é formado por:


➢ Carcaça
A carcaça é uma estrutura de ferro fundido, que tem a
Figura 9.6- Carcaça do motor
finalidade de suportar o conjunto e conduzir o fluxo
magnético.
Podemos observar da figura, que seu contorno é
octogonal, o que possibilita um melhor
aproveitamento dos espaços, levando a uma redução
do seu volume.
Figura 9.7- Contorno
Sua forma deve facilitar as inspeções e os eventuais octogonal da carcaça
reparos a serem feitos. 10
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➢ Polos de excitação
Os polos de excitação, ou simplesmente polos, têm a finalidade de gerar o fluxo
magnético.
São constituídos por condutores
retangulares de cobre enrolados,
formando uma bobina,
sobre um núcleo de lâminas de aço-
silício, que é chamado de sapata polar,
cuja extremidade possui um perfil
cilíndrico que se ajusta à curvatura da
armadura.
Figura 9.8- Polo de excitação

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Normalmente os motores de tração possuem quatro polos.

➢ Polos de comutação
Os polos de comutação são constituídos por condutores retangulares de cobre
enrolados, formando uma bobina, sobre um núcleo maciço de aço-silício.
Têm a finalidade de compensar o efeito da
reação da armadura na região de comutação,
reduzindo a possibilidade de centelhamento.
Para tanto, são colocados na região entre os
polos, por isso, também denominados de
interpolos, e percorridos pela mesma corrente da
Figura 9.9- Pólo de comutação
armadura.
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➢Porta-escovas e escovas
As escovas, compostas de material condutor a base de carvão eletro-grafítico, são
centradas, guiadas e devidamente pressionadas contra o coletor por suportes
especiais denominados de porta-escovas.

As molas mantêm constante a pressão das escovas sobre o comutador à medida


que estas sofrem desgaste.

Figura 9.10- Escovas e porta-escovas 13


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Os porta-escovas são montados sobre pinos de


sustentação, os quais são fixados à carcaça
através do suporte de porta-escovas, de tal
modo a permitir que as escovas, pressionadas
por molas, deslizem sobre o comutador quando
este gira, proporcionando a ligação elétrica Figura 9.11- Fixação dos porta-escovas na
carcaça
entre a armadura e o exterior.
Os porta-escovas são fixados à carcaça de modo
que as escovas sejam posicionadas em
correspondência com a zona de inversão polar,
permitindo assim o funcionamento em marcha à
ré do veículo. Figura 9.12- Montagem dos polos, dos
interpolos e dos porta-escovas no interior da
Carcaça 14
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9.2.2. Rotor

Na figura 9.13 vemos o conjunto de um rotor,


que também é denominado de armadura.

Basicamente é formado por: Figura 9.13- Armadura


➢ Eixo
O eixo é o elemento que transmite a potência
mecânica desenvolvida pelo motor.
Moldado em aço carbono, suporta o pinhão em
uma de suas extremidades.
Figura 9.14- Eixo do motor de tração

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➢ Rotor com enrolamento


O rotor é um tambor formado por um pacote de lâminas de aço-silício, centrado
no interior da carcaça, com ranhuras axiais na periferia para acomodar o
enrolamento da armadura, que é constituído por várias espiras defasadas no
espaço, de modo a se obter um conjugado constante durante um giro completo
do rotor.

Figura 9.15- Lâmina, pacote laminado e montagem das bobinas da armadura


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Nas aplicações em serviço de tração ferroviária a periferia completa do motor


pode ser inacessível para manutenção e reposição das escovas.

O enrolamento de a armadura indicado para essa aplicação é o do tipo ondulado,


por causa da possibilidade de usar apenas dois conjuntos de escovas, dispostos
de forma a serem facilmente acessados.

O motor com enrolamento ondulado é recomendado para aplicações em alta


tensão e baixa corrente, o que indica que o motor deve operar em altas
velocidades.

A especificação de tensão é limitada pelo aparecimento de arco elétrico entre os


segmentos adjacentes do comutador e pela qualidade do isolamento das bobinas
da armadura. 17
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No enrolamento ondulado, cada bobina do enrolamento da armadura está em


contato elétrico com uma determinada lâmina do comutador.

➢ Comutador
O comutador, mais comumente chamado coletor, é uma peça vital de todos os
motores de corrente contínua.
O comutador é o conversor mecânico que
transfere a energia elétrica ao enrolamento da
armadura, possibilitando a circulação de
corrente alternada pelo mesmo quando
alimentado por uma fonte de corrente contínua.
Figura 9.16- Comutadores
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Os comutadores de motores de tração são construídos pelo princípio denominado


Arc Bound, isto é, é constituído por um elevado número de lâminas de cobre
(barras) em forma de cunha, com seção trapezoidal de 𝟑 𝒂 𝟖 𝒎𝒎 de espessura,
ajustadas em forma de cilindro e separada eletricamente uma das outras por meio
de lâminas de mica de muito boa qualidade de 𝟎, 𝟓 𝒂 𝟏 𝒎𝒎 de espessura.

As lâminas de mica são rebaixadas em relação à superfície das barras para não
interferirem no deslizamento das escovas sobre a superfície do coletor.

O elevado número de lâminas obriga o uso de comutadores com diâmetro quase


igual ao do rotor.

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Cada barra possui uma bandeira em uma


de suas extremidades, onde é feita a
ligação com a bobina da armadura.

As barras são mantidas em posição pela


ação de aperto de uma tampa de aço
aparafusada em uma carcaça também em
aço.

Figura 9.17- Detalhes do comutador

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Os cones de mica, com contorno adequado para se encaixarem entre a tampa e


a carcaça, isolam eletricamente as barras da terra.

Uma bandagem de teflon ou de resina


epóxi, denominado de colarinho,
aplicada sobre o isolamento exposto do
cone de mica, protege a mica contra
avarias e apresenta uma superfície lisa de
isolamento superficial que é fácil de ser
mantida limpa.
Figura 9.18- Detalhe da fixação das barras do comutador

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Na ocorrência de arco (flash) durante uma falha de comutação, o ar se torna


ionizado, criando um caminho de curto circuito entre os porta-escovas positivos
e negativos e posteriormente na direção da tampa do comutador.

Devido a corrente em direção a terra, as temperaturas nos pontos de passagem


se elevam bastante, carbonizando o colarinho.

A troca das escovas e a limpeza do comutador são feitas através de janelas


apropriadas na carcaça, providas de tampa com fechamento hermético,
facilmente removível.

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Os comutadores exercem três funções básicas:

➢ Fornecem o contato elétrico deslizante indispensável entre as escovas fixas e a


armadura em rotação;

➢ Atuam como chave de reversão. À medida que as pontas das bobinas de


armadura passam pelas escovas, o comutador transfere-as de um circuito para
outro, fazendo com que todas as bobinas sejam atravessadas por corrente
elétrica, fluindo sempre na direção correta.

➢ Conduzem à superfície das escovas a voltagem de cada bobina da armadura


do circuito. Essas voltagens são adicionadas, lâmina por lâmina, entre as
escovas. Em consequência, a voltagem total de operação da máquina aparece
nas escovas. 23
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Durante a manufatura dos comutadores a palavra chave é denominada pressão


de arco, pois é ela que assegura a estabilidade do comutador depois de
concluído, garantindo que as lâminas não se movimentarão entre si.

As boas práticas dos fabricantes mundiais de máquinas recomendam que para


estabilizarmos um comutador, devemos submetê-lo a um processo denominado
de sazonamento dinâmico ou simplesmente sazonamento.

Como o nome sugere, este é um processo no qual são aplicados ao conjunto


completo do comutador diversos ciclos de aquecimentos, apertos a alta
temperatura, giros e resfriamentos, até que se obtenha a estabilização mecânica.

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Um grande número de comutadores para motores e geradores de tração é


sazonado em cavaletes de rotação, depois de terem sido montados nas armaduras
e de estas terem recebido as bobinas.

Nesses cavaletes, os comutadores são submetidos a ciclos sucessivos de


aquecimento e esfriamento durante sua rotação, a velocidades que excedem de
cerca de 20% à máxima velocidade de funcionamento.

Esse ciclo é repetido diversas vezes, até serem obtidos os resultados desejados.
O sazonamento dinâmico previne:
- A perda de estabilidade mecânica a longo termo;
- O risco de levantamento de lâminas;
- O maior consumo de escovas;
- A dificuldade de comutação. 25
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9.2.3. Motor em corrente contínua com excitação série

O comportamento dos motores de tração pode ser representado por meio de


curvas que reproduzem graficamente as relações entre as diferentes grandezas
elétricas e mecânicas que caracterizam o motor.

Tais curvas são chamadas de Características do Motor de Tração.

A característica mais importante de um motor de tração é a que apresenta o


conjugado mecânico desenvolvido pelo motor na ponta do eixo com a variação
da corrente de alimentação do motor com a potência de entrada mantida igual à
nominal.

Esta curva é chamada de Característica Mecânica do Motor de Tração. 26


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Outras características importantes são:

➢ Tensão x corrente;
➢ Velocidade do eixo x corrente;
➢ Rendimento x corrente.

Os motores de corrente contínua possuem dois circuitos:

➢ Circuito de armadura- constituído pelas quatro bobinas de interpolo ligadas em


série com a bobina de armadura.
➢ Circuito de campo -constituído pelas quatro bobinas de campo ligadas em
série.
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Os motores de corrente contínua que possuem as características mais


apropriadas para atender o serviço de tração são os de excitação série.

O circuito de campo dos motores de corrente contínua com excitação série está
ligado em série com o circuito de armadura, isto é, a corrente que circula pelo
circuito de armadura também circula pelo circuito de campo, sendo responsável
pelo fluxo magnético gerado.

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9.2.3.1. Conjugado no eixo do motor


Na figura 9.19, representamos esquematicamente um rodado de uma
locomotiva acionado por um motor de tração de corrente contínua com ligação
de campo série, em regime estacionário, desde os seus terminais de
alimentação até o contato roda trilho.

Figura 9.19- Esquemático do rodeiro acionado por um motor de tração de corrente


contínua com ligação de campo série 29
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O funcionamento de um motor de corrente contínua está baseado nas forças


produzidas pela interação entre o campo magnético e a corrente de armadura, que
tendem a mover o condutor da armadura num sentido que depende do sentido do
campo e da corrente na armadura. Com o deslocamento dos condutores da
armadura no campo, surgem tensões induzidas, forças contra-eletromotriz,
atuando no sentido contrário ao da tensão aplicada.

Do circuito de campo em estado de regime permanente, composto pela


resistência de campo em paralelo com a resistência do shunt, podemos obter a
seguinte equação:

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Vemos que a introdução do resistor de shunt produz uma redução da corrente de


campo e, conseqüentemente, um enfraquecimento do campo magnético.

Fazendo: Obtemos:

Considerando o efeito da saturação, o fluxo magnético do motor é uma função da


corrente de campo expressa por:

onde 𝒂 e 𝒃 são constantes do motor.

Para o circuito elétrico do motor podemos definir a seguinte equação:

onde 𝑹𝑻 é a resistência elétrica total do motor. 31


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A força contra-eletromotriz é diretamente proporcional ao produto do fluxo


magnético pela velocidade angular do eixo do motor:

Onde a constante da força contra-eletromotriz é dada pela expressão:

Onde:
𝒑- Número de pólos do motor;
𝒈 - Constante do motor.

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Substituindo a expressão do fluxo magnético na expressão da força contra-


eletromotriz e fazendo, obtemos:

Substituindo essa expressão na equação do circuito elétrico do motor, obtemos:

que é a expressão da velocidade de rotação do motor em função da tensão


aplicada aos seus terminais e da corrente de alimentação do motor.

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Na partida da locomotiva a velocidade de rotação do motor é nula. Para que isso


seja verdadeiro é necessário que a equação abaixo seja satisfeita, isto é:

Como solução dessa equação, temos:

O que demonstra que no instante da partida da locomotiva, a corrente do motor


de tração é limitada pela tensão aplicada aos seus terminais e pela resistência
elétrica total do motor.

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A soma das forças que atuam sobre os condutores da armadura cria um


conjugado eletromagnético diretamente proporcional ao produto do fluxo
magnético pela corrente da armadura, dado por:

Onde a constante do conjugado é expressa por:

𝒑 - Número de pólos do motor;


𝒛 - Número de condutores periféricos da armadura;
𝒌𝒑 - Número de caminhos em paralelo na armadura.
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Substituindo a expressão do fluxo na expressão do conjugado e fazendo:

obtemos: e para 𝒙 = 𝟏:

Da expressão acima, vemos que para o motor fornecer o elevado conjugado de


partida exigido pela locomotiva, é necessário que a corrente assuma valores
também elevados.

Devido ao aquecimento não uniforme do comutador quando parado, que pode


causar uma ovalização do comutador, é recomendado que a corrente não assuma
valores excessivos e que sua aplicação não exceda um tempo máximo em função
da carga. 36
Mecânica de Locomotivas II

A partir da equação do conjugado podemos traçar as curvas dos motores de


tração GM D31 e GE 761 ANR5 utilizados em locomotivas de bitola métrica

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Figura 9.20 Curvas conjugado x corrente dos motores GM D31 e GE 761
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9.2.3.2. Esforço de tração no rodado

Partindo de que:
➢ O conjugado é igual ao produto da força pela distância do ponto de aplicação
da mesma:

➢ A potência desenvolvida num eixo que gira é igual ao produto do conjugado


pela velocidade angular:

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➢ A potência mecânica entregue pelos motores de tração as rodas:

podemos obter:

Ou:

Lembrando que: temos:

Substituindo a expressão do conjugado desenvolvido no eixo, na expressão


acima, temos a expressão do esforço de tração desenvolvido no rodeiro em
função da corrente entregue a cada um dos motores de tração:

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Figura 9.21- Curvas esforço de tração x Corrente dos motores GM D31 e GE 761 ANR5 40
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Da Figura 9.21 se pode verificar que, enquanto não é atingida a saturação


magnética, a velocidade do motor aumenta de forma quase inversamente
proporcional à intensidade da corrente de armadura, de onde se pode concluir
para o caso da carga se tornar muito pequena, a velocidade do motor se torna tão
grande que as forças centrífugas podem destruir sua armadura.

Por isso, quando por alguma razão o eixo do motor perde o engrenamento com o
eixo do rodeiro, acontece a desintegração da armadura do motor.

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9.2.3.3. Esforço de tração da locomotiva

Para uma locomotiva de 𝑵 rodeiros, o esforço de tração desenvolvido pela


locomotiva em função da corrente entregue a cada um dos motores de tração é
dado por:

Normalmente, ao especificarem uma locomotiva, os fabricantes indicam apenas


dois valores de força de tração:
- Força de tração na partida;
- Força de tração contínua.
- A curva de esforço de tração em ponto 8 de aceleração.
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Conhecendo-se as características do motor de tração, do engrenamento e da


roda, podemos traçar as curvas de força de tração x velocidade para cada ponto
de aceleração da locomotiva utilizando a expressão acima e:

Utilizando a expressão traçamos as curvas de esforço de tração de uma


locomotiva de 𝟑. 𝟎𝟎𝟎 𝒉𝒑, com seis motores de tração GE 761 ANR5, para
cada um dos oito pontos de aceleração, conforme mostrado na figura.

As potências referenciadas em [𝒉𝒑], são as fornecidas pelo motor diesel em


cada um de seus oito pontos de aceleração.

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Figura 9.22- Curvas de esforço de tração x velocidade de uma locomotiva diesel-elétrica 44


de 3.000 hp com seis motores de tração GE 761 ANR5
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Conforme pode ser verificado da figura, o esforço de tração produzido pelo


motor com excitação em série decresce à medida que a velocidade aumenta, e
vice-versa.

A curva representativa da variação do esforço de tração com a velocidade é


hiperbólica. Assim sendo, após a partida, em que é solicitado um esforço de
tração elevado, o esforço de tração diminui automaticamente enquanto a
velocidade aumenta. Numa sobrecarga, o acréscimo de resistência mecânica que
se opõe à rotação é facilmente vencido, pois o motor automaticamente diminui a
velocidade, mantendo a potência absorvida quase constante.

Podemos concluir que o motor de excitação série modifica a sua velocidade ao


variar a carga, adaptando seu funcionamento às necessidades de serviço, sem
provocar elevadas variações de corrente na linha que o alimenta. 45
Mecânica de Locomotivas II

A curva de esforço de tração em ponto oito de aceleração oferece os seguintes


pontos
singulares:
➢ Esforço de Tração Contínuo da locomotiva.

𝟐𝟗. 𝟕𝟏𝟔 𝒌𝒈𝒇 @ 𝟐𝟐, 𝟔𝟔 𝒌𝒎/𝒉 e 𝟕𝟎𝟓 𝑨 – 𝒄𝒐𝒏𝒕í𝒏𝒖𝒐

É o esforço de tração que a locomotiva pode desenvolver indefinidamente, sem


risco de superaquecimento dos seus motores de tração.

A corrente de 𝟕𝟎𝟓 𝑨 é a corrente nominal dos motores de tração.

A velocidade de 𝟐𝟐, 𝟔𝟔 𝒌𝒎/𝒉 corresponde a Velocidade Mínima Contínua da


locomotiva. 46
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➢A locomotiva pode, entretanto, por curtos intervalos de tempo utilizar um


esforço de tração maior, sem perigo de superaquecimento dos seus motores
de tração.

𝟑𝟏. 𝟑𝟗𝟖 𝒌𝒈𝒇 @ 𝟐𝟏, 𝟒𝟓 𝒌𝒎/𝒉 e 𝟕𝟑𝟓 𝑨 − 𝟔𝟎 𝒎𝒊𝒏 : É o esforço de tração que
a locomotiva pode desenvolver por um período de 𝟏 𝒉𝒐𝒓𝒂. É conhecido como
regime uni-horário.

𝟑𝟐. 𝟐𝟒𝟖 𝒌𝒈𝒇 @ 𝟐𝟎, 𝟖𝟖 𝒌𝒎/𝒉 e 𝟕𝟓𝟎 𝑨 − 𝟑𝟎 𝒎𝒊𝒏: É o esforço de tração que
a locomotiva pode desenvolver por um período de 𝟑𝟎 𝒎𝒊𝒏𝒖𝒕𝒐𝒔.

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𝟑𝟑. 𝟔𝟕𝟔 𝒌𝒈𝒇 @ 𝟐𝟎, 𝟎𝟎 𝒌𝒎/𝒉 e 𝟕𝟕𝟓 𝑨 − 𝟐𝟎 𝒎𝒊𝒏: É o esforço de tração que a
locomotiva pode desenvolver por um período de 𝟐𝟎 𝒎𝒊𝒏𝒖𝒕𝒐𝒔.

𝟑𝟓. 𝟒𝟎𝟗 𝒌𝒈𝒇 @ 𝟏𝟗, 𝟎𝟐 𝒌𝒎/𝒉 e 𝟖𝟎𝟓 𝑨 − 𝟏𝟎 𝒎𝒊𝒏: É o esforço de tração que a
locomotiva pode desenvolver por um período de 𝟏𝟎 𝒎𝒊𝒏𝒖𝒕𝒐𝒔.

𝟑𝟗. 𝟖𝟑𝟑 𝒌𝒈𝒇 @ 𝟏𝟔, 𝟗𝟏 𝒌𝒎/𝒉 e 𝟖𝟖𝟎 𝑨 − 𝟎𝟓 𝒎𝒊𝒏: É o esforço de tração que a
locomotiva pode desenvolver por um período de 𝟓 𝒎𝒊𝒏𝒖𝒕𝒐𝒔.

𝟒𝟔. 𝟖𝟓𝟑 𝒌𝒈𝒇 @ 𝟏𝟒, 𝟑𝟕 𝒌𝒎/𝒉 e 𝟗𝟗𝟓 𝑨 – 𝒑𝒂𝒓𝒕𝒊𝒅𝒂: É o esforço de tração que
a locomotiva pode desenvolver na partida.

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9.2.4. Sentido de rotação do motor de tração


Os motores de tração devem funcionar em ambos os sentidos de rotação, horário
e antihorário, sem prejuízo da ventilação, do conjugado ou da potência. Para
inverter o sentido de rotação do motor, deve-se inverter a polaridade da ligação
da armadura ou do campo.A inversão de ambos ao mesmo tempo não trará
resultados.

Figura 9.22- Ligação do circuito de campo para definição do sentido de rotação 49


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Normalmente a inversão do sentido de rotação é obtida através da inversão do


sentido da corrente no circuito de campo. Isso é executado pelos contatores do
armário elétrico da locomotiva.

Para a realização da operação de definição do sentido de deslocamento da


locomotiva, é necessário um conjunto de chaves, que devem possuir contatos
com capacidade de conduzirem a corrente máxima solicitada pelo motor de
tração e serem operadas sempre com corrente zero em seus contatos.

Figura 9.23- Chave reversora e chave P 50


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9.2.5. Ligação dos motores de tração


Eletricamente, os motores de tração de uma locomotiva podem ser associados
em série, paralelo e série-paralelo, sendo mais comuns as duas últimas. O tipo
de ligação a ser utilizada é definido pelos limites nominais de tensão e corrente
do gerador de tração.

Se para toda a faixa de velocidades da locomotiva, a corrente total exigida por


todos os motores de tração para suprir a carga, for menor que a corrente
nominal do gerador de tração, podemos manter os motores de tração associados
através de uma ligação em paralelo, o que resulta num melhor aproveitamento
da aderência.

Caso contrário, necessitamos reduzir a corrente exigida do gerador de tração


pelos motores. 51
Mecânica de Locomotivas II

A ação tomada para que isso ocorra é denominada de transição, que pode ser
obtida através:

➢ Da alteração da ligação em paralelo para uma ligação em série-paralelo dos


motores de tração;
➢ Da alteração da ligação em série-paralelo para uma ligação em paralelo dos
motores de tração.

9.2.5.1. Ligação dos motores de tração em paralelo


Nesse tipo de ligação, todos os motores são ligados diretamente aos terminais do
alternador de tração.

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Mecânica de Locomotivas II

Figura 9.24- Ligação dos motores de tração em paralelo

Do circuito da Figura 9.24 podemos observar que a tensão sobre os motores de


tração é igual à tensão na saída do alternador de tração, isto é:
𝑽𝑮𝑻 = 𝑽𝑴𝑻

enquanto que cada um dos motores demanda 1/6 da corrente total produzida
pelo alternador de tração, ou seja:
𝑰𝑮𝑻 = 𝟔 ∙ 𝑰𝑴𝑻 53
Mecânica de Locomotivas II

9.2.5.2. Ligação dos motores de tração em série-paralelo


Nesse tipo de ligação, cada associação de dois motores em série é ligada
diretamente aos terminais do alternador de tração.

Figura 9.25- Ligação dos motores de tração em série-paralelo

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Mecânica de Locomotivas II

Do circuito da Figura podemos observar que a tensão desenvolvida sobre cada


um dos motores de tração é igual à metade da tensão do alternador de tração,
isto é:

𝑽𝑮𝑻 = 𝟐 ∙ 𝑽𝑴𝑻

enquanto que cada um dos motores demanda 1⁄3 da corrente total produzida
pelo alternador de tração, ou seja:

𝑰𝑮𝑻 = 𝟑 ∙ 𝑰𝑴𝑻

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Mecânica de Locomotivas II

9.2.5.3. Transição

Para baixas velocidades da locomotiva, uma associação de todos os motores de


tração em paralelo pode demandar uma corrente maior do que o limite nominal
de corrente do gerador de tração.

Quando isso ocorre, devemos reduzir a corrente exigida do gerador de tração,


sob pena do mesmo não ter condições de manter constante a potência fornecida.

No momento em que o limite de corrente do gerador de tração está para ser


alcançado, podemos promover uma transição através da passagem da ligação
em paralelo para a ligação em série-paralelo dos motores de tração.
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A fim de garantir uma transição suave, isto é, sem que haja redução e nem
aumento da velocidade da locomotiva durante a transição, a corrente que circula
nos motores de tração deve ser a mesma antes e após a transição, de modo a
manter o conjugado constante.

Mantendo na ligação em série-paralelo, o mesmo valor da corrente que circula


em cada um dos os motores de tração na ligação em paralelo, resulta numa
redução da corrente do gerador de tração, conforme demonstrado a seguir:

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Da curva tensão-corrente do gerador de tração, vemos que uma redução da


corrente, implica numa elevação da tensão, a fim de manter a potência constante.

Figura 9.26- Curva tensão x corrente

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A potência fornecida pelo gerador de tração em cada um dos tipos de ligação dos
motores de tração é dada pelas seguintes expressões:

Mantendo a potência do gerador de tração após a transição igual à potência antes


da transição, ou seja:

temos, que a tensão no gerador de tração para a ligação em série-paralelo é o


dobro da tensão para a ligação em paralelo, isto é:

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Essa elevação de tensão resultante será dividida igualmente entre os motores de


cada uma das ligações série, de modo que a potência em cada um dos motores
também será mantida constante. Assim, na partida da locomotiva, quando há uma
maior solicitação de corrente, os motores estarão ligados em série-paralelo.

À medida que a locomotiva ganha velocidade, cresce a força contra-eletromotriz


dos motores, fazendo com que a corrente diminua. O gerador aumenta a tensão
para contrabalançar a queda da corrente, pois a potência é mantida constante.

O estágio seguinte consiste em fechar os contatores de enfraquecimento de campo


dos motores de tração para novamente aumentar a corrente que circula pelos
motores, e com isso aumentar o conjugado motor e continuar elevando a
velocidade da locomotiva.
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Mecânica de Locomotivas II

Chega-se num instante em que a força contra-eletromotriz limita a corrente nos


motores. A partir daí se deve aplicar uma transição, passando para a ligação em
paralelo com campo pleno, de modo que os motores recebam a tensão plena do
gerador de tração, aumentando mais o conjugado motor.

Durante essa transição, é necessário que a corrente de campo da excitatriz seja


retirada e, por conseguinte dos motores de tração, para que o conjunto de chaves
e contatores de acionamento sejam operados.

Somente depois de completada a nova ligação é que os motores voltarão a serem


alimentados pelo Gerador de Tração.
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Mecânica de Locomotivas II

Durante esse período de tempo a locomotiva deixará de tracionar, podendo


provocar choques no trem quando do restabelecimento da tração.

Quando acopladas com locomotivas sem transição ou com transição em


velocidades diferentes, poderão provocar deslizamento de rodas e perda de
tração.

Na Figura 9.27 vemos a curva de esforço de tração em ponto 8 de aceleração, de


uma locomotiva de 2.000 hp, com 6 motores tração, onde são destacadas as
faixas de velocidade de cada uma das transições de enfraquecimento de campo e
de troca de ligação dos motores de tração.

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Mecânica de Locomotivas II

Figura 9.27- Curva de esforço de tração x velocidade com transição 63


Mecânica de Locomotivas II

Podemos analisar a operação dessa locomotiva, descrevendo seu


funcionamento em cada estágio de velocidade.

➢ Primeiro estágio
A partida da locomotiva se dá com o gerador de tração fornecendo sua corrente
máxima a uma ligação 3 paralelo de 2 motores de tração em série, sem
shuntamento de campo, isto é, corrente de campo de 100%.

➢ Segundo estágio
É aplicada uma redução na corrente de campo dos motores de tração para
83,33%, mantendo a ligação dos motores em 3 paralelos de 2 séries.

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➢Terceiro estágio
É aplicada nova redução na corrente de campo dos motores de tração para
66,66%, mantendo a ligação dos motores em 3 paralelos de 2 séries.

➢ Quarto estágio
Como a tensão de saída do gerador de tração atinge seu valor máximo no final
do terceiro estágio, se faz necessário alterar a ligação para 6 motores de tração
em paralelo, com corrente de campo de 100%. O gerador de tração volta a
fornecer a máxima corrente.

➢ Quinto estágio
É aplicada novamente uma redução na corrente campo dos motores de tração
para 83,33%, mantendo a ligação dos motores em 6 paralelos.
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Mecânica de Locomotivas II

O enfraquecimento da corrente de campo é realizado através da ligação de um


resistor em paralelo com o circuito de campo do motor, com o objetivo de fazer
motor alcançar no estágio uma velocidade final maior.

Durante o tempo de passagem do terceiro para o quarto estágio, quando a


ligação dos motores de tração é alterada de 3 paralelos de 2 séries para 6
paralelo, a corrente de excitação de campo do gerador de tração é retirada e, por
conseguinte, dos motores de tração, para que o conjunto de chaves e contatores
de acionamento sejam operados com
segurança.

O mesmo acontece quando da passagem inversa, isto é, do quarto para o


terceiro estágio.
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Mecânica de Locomotivas II

É introduzida uma histerese na velocidade de saída e retorno de cada estágio,


ou seja, a velocidade em que ocorre a saída de um estágio para outro é
diferente da velocidade de retorno de cada estágio para o anterior.

A função da histerese de velocidade é a de garantir que durante a transição de


um estágio para outro, a variação de velocidade da locomotiva não provoque o
retorno a condição anterior, o que pode causar patinações e choques internos no
trem.

Nas locomotivas que utilizam alternadores o efeito da transição pode ser obtido
pela alteração do modo de ligação dos retificadores na saída do alternador, em
série ou paralelo.
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Mecânica de Locomotivas II

Figura 9.28- Ligação em paralelo e ligação em série dos retificadores


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Mecânica de Locomotivas II

Nesse tipo de transição, é necessário que a corrente de campo da excitatriz seja


retirada e, por conseguinte dos motores de tração, para que o conjunto de chaves
e contatores de acionamento sejam operados.

Somente depois de completada a nova ligação é que os motores voltarão a


serem alimentados pelo gerador de tração.

Durante esse período de tempo a locomotiva deixará de tracionar, podendo


provocar choques no trem quando do restabelecimento da tração.

Quando acopladas com locomotivas sem transição ou com transição em


velocidades diferentes, poderão provocar deslizamento de rodas e perda de
tração.
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Mecânica de Locomotivas II

Em locomotivas de grande potência, mantendo os motores de tração ligados em


paralelo em toda a faixa de velocidades da locomotiva, pode resultar numa
velocidade mínima contínua relativamente alta, incompatível com a velocidade
mínima das locomotivas das outras frotas.

Para proporcionar a compatibilidade das velocidades mínimas é aplicada uma


redução de potência nas velocidades baixas da locomotiva, denominado de
Power Match.

Este tipo de transição é realizado pelo circuito de controle de excitação e


potência de forma automática, sem acionamento de contatores para modificação
da ligação dos motores de tração.
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Mecânica de Locomotivas II

Na Figura vemos a curva de esforço de tração de uma locomotiva de 3.600 hp com 8 motores
operando com transição de potência.

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Figura 9.29- Curva de esforço de tração x velocidade com Power Match
Mecânica de Locomotivas II

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