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Braquetes autoligáveis alinham os dentes mais rapidamente?

Article · December 2014

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Renato Parsekian Martins

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 B I O MECÂ N I CA

Braquetes autoligáveis alinham os

dentes mais rapidamente?
Renato Parsekian Martins
Professor Colaborador da Pós-graduação em Ciências Odontológicas, Área de Ortodontia, FOAr – UNESP

É impressionante como os fabricantes fazem alegações sem confirmação aparente sobre

a validade ou veracidade de suas declarações, ao mesmo tempo que lutamos por apoio à
pesquisa científica1.

Não há como questionar, nos dias de hoje, o aumento da popularidade dos braquetes
autoligáveis. O marketing agressivo dos fabricantes, associado ao tom quase messiâni-
co de bons palestrantes, faz com que o ortodontista, geralmente o menos experiente,
seja  seduzido pelas promessas de tratamentos mais rápidos, com menos efeitos co-
laterais e com ganhos monetários maiores do que o dos tratamentos realizados com
braquetes convencionais.

O conhecimento anedótico, amplamente disponível em panfletos comerciais e na internet,

somado ao desdenho pelas evidências científicas sérias, pode fazer com que a vontade de
que uma hipótese seja verdadeira se torne mais sedutora do que acreditar na realidade. En-
tretanto, o fato de um conceito ser muito bom não é suficiente para que ele seja verdadeiro.

Entre as afirmações creditadas aos braquetes autoligáveis estão o menor tempo de tra-
tamento2, o menor índice de reabsorções radiculares3, a diminuição das extrações e das
cirurgias ortognáticas4, a não utilização de disjunções palatinas4, e o maior conforto dos
pacientes5,6. Todavia, infelizmente, não há evidências científicas de qualidade que supor-
tem essas afirmações. Não obstante, indo um pouco mais além, há evidências suficientes
para refutar, com uma boa margem de segurança, a maioria delas. Analisaremos, aqui,
uma dessas afirmações, que seria a suposta maior velocidade no alinhamento dos den-
tes utilizando braquetes autoligáveis.

Como citar este artigo: Martins RP. Braquetes autoligáveis alinham os dentes mais rapidamente? Rev Clín Ortod Dental Press. O autor declara não ter interesses associativos, comerciais, de
2014 dez-2015 jan;13(6):10-5. propriedade ou financeiros que representem conflito de interesse
nos produtos e companhias descritos nesse artigo.
Enviado em: 17/11/2014 - Revisado e aceito: 21/11/2014
O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo
Endereço de correspondência: Renato Parsekian Martins autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias
E-mail: dr_renatopmartins@hotmail.com faciais e intrabucais, e/ou radiografias.

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Já foi demonstrado, em um grande número de estudos
clínicos bem desenhados, que braquetes autoligáveis
não alinham os dentes mais rapidamente do que os bra-
quetes convencionais7-14, e que, talvez, até demorem um
pouco mais15,16. Adicionalmente, há revisões sistemáti-
cas17 e metanálises18,19 que corroboram essa posição,
sendo que, na metanálise mais recente19 — em que 25
trabalhos foram selecionados, totalizando 1.321 pacien-
tes avaliados —, os autores concluíram que:
O uso de braquetes autoligáveis parece estar significa-
tivamente associado a um tratamento, em média, dois
meses mais longo, com um mínimo de aumento na dis-
tância intercaninos e com um mínimo de aumento na
distância intermolares19.
Por incrível que pareça, para alguns de nós, não há
controvérsias quanto ao aspecto da velocidade de ali-
nhamento com braquetes autoligáveis: a discussão já
passou desse ponto. A própria comissão para assun-
tos científicos da Associação Americana de Ortodon-
tia avaliou, em 2010, algumas vantagens atribuídas
aos braquetes autoligáveis20, e concluiu que não há
evidência científica que aponte para um alinhamento
mais rápido. Portanto, segundo as evidências cientí-
ficas existentes, braquetes autoligáveis NÃO alinham
dentes mais rapidamente do que braquetes conven-
cionais. Nos dias de hoje, qualquer tipo de propagan-
da, comentário ou opinião pessoal de que esses bra-
quetes são superiores aos convencionais, quanto à
rapidez no alinhamento, é pseudocientífico e contrário
ao preestabelecido por meio do método científico.
Mas a pergunta que fica no ar é: como isso pode ser
possível? O fato de esses braquetes demonstrarem,
in  vitro, uma menor resistência ao deslizamento21 não
faria com que, na prática, eles alinhassem os dentes de
maneira mais rápida?
A resposta é: não necessariamente. A rapidez do alinha-
mento depende mais de como os dentes estão posicio-
nados e de qual sistema de forças a geometria entre os
braquetes gera.
Contraintuitivamente, o atrito nos ajuda a alinhar os
dentes quando há falta de espaço (e é exatamente
nos casos mais apinhados que gostaríamos de ver
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Braquetes autoligáveis alinham os dentes mais rapidamente?
um alinhamento mais rápido). A resistência ao desli-
zamento causada pelas forças que produzem o tra-
vamento elástico do fio, ou binding, nos casos com
moderada irregularidade inicial, produz os espaços
necessários para a correção de rotações e inclina-
ções dos dentes22 (Fig.  1). O pensamento de que
esse travamento, que impede o fio de deslizar, im-
pediria o funcionamento do aparelho ortodôntico não
condiz com a realidade, já que ele não impede um fio
de níquel-titânio, por exemplo, de querer retornar ao
seu formato original (Fig. 2).
Entretanto, nos casos onde existem espaços su-
ficientes para o alinhamento — isso é, quando há
diastemas entre dentes inclinados e rotados —, um
baixo atrito auxiliaria o alinhamento, sem que mais
espaços fossem abertos (Fig.  3). Nesse caso, um
baixo atrito não quer dizer que a correção do apinha-
mento seria mais rápida, mas, sim, que seria mais
eficiente, pois esses espaços não precisariam ser
fechados após o alinhamento. Nessas situações, o
clínico deve tentar diminuir ao máximo o travamento
do fio, utilizando fios flexíveis, de baixo calibre em
relação ao slot do braquete, evitando grandes angu-
lações entre o fio e os braquetes.
Em minha opinião, esse talvez seja o único caso em
que braquetes autoligáveis poderiam se mostrar mais
eficientes do que os braquetes convencionais. Assim,
fica a pergunta: será que não estamos buscando a efi-
ciência desses braquetes no “lugar” errado, isso é, em
casos com muita falta de espaço, em vez de em casos
com sobra de espaço? Pode até ser... mas, apesar de
fazer sentido, essa hipótese precisaria ser testada de
forma clínica, já que existem inúmeras variáveis bioló-
gicas e mecânicas que interagem com o funcionamen-
to do aparelho e que podem interferir, compensando
ou descompensando, no efeito dos braquetes.
Caso as pesquisas clínicas venham a mostrar o
contrário... paciência! Apesar de parecer boa, a
hipótese estava errada.
/ 11 /
Martins RP

Figura 1: Caso com rotação severa, em que as forças geradas pelo fio ortodôntico (setas azuis) nos braquetes criam um alto atrito,
que trava o fio de forma elástica, impedindo-o de deslizar e, portanto, fazendo com que seu efeito colateral de expansão ocorra. A ex-
pansão será responsável pelo espaço necessário para a correção da rotação do incisivo lateral.

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 Braquetes autoligáveis alinham os dentes mais rapidamente?

A B

C D

Figura 2: A) Caso com rotações severas e falta de espaço, em que um fio de níquel-titânio com forças setorizadas (Stepped Force,
Orthometric) de 0,016" x 0,022" foi utilizado como primeiro fio em braquetes autoligáveis com slot de 0,018", a fim de aumentar o tra-
vamento elástico, potencializando a criação dos espaços necessários ao alinhamento. Quanto menor é a folga na interface fio/braquete,
mais facilmente o travamento ocorre. B) Após 30 dias de tratamento, observa-se, ainda, um travamento elástico entre o canino e o lateral
direito. C) Após dois meses de tratamento. D) Após três meses de tratamento, com a inserção do fio de trabalho (0,016" x 0,022", aço).

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Martins RP
Figura 3: Situação em que um mínimo de atrito é desejado.
Um travamento elástico pode ser causado se o fio for totalmente
encaixado dentro do slot, abrindo espaços desnecessários. O ideal
seria defletir o fio de forma diferente, encaixando-o parcialmente
no slot e evitando uma grande angulação entre os braquetes do
lateral e do canino (linha pontilhada). Infelizmente, alguns braque-
tes autoligáveis não possibilitam essa situação — pois o clip preci-
sa permanecer fechado, devido à oclusão —, tornando-os menos
versáteis do que os braquetes convencionais.
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Figura 4: A) Caso em que o travamento do fio foi evitado não
amarrando-o totalmente nos slots dos caninos. Nessa situação,
optou-se por um fio NiTi 0,014", de forma a tentar evitar, ao má-
ximo, o travamento elástico. Elásticos em cadeia foram utilizados
para auxiliar na correção das rotações, gerando um momento nos
caninos. B) O mesmo caso, 30 dias depois (antes do paciente
ser dispensado), quando pode-se ver a correção total de um dos
caninos e a correção parcial do outro, sem que espaços desne-
cessários fossem abertos.

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