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A RT I G O I N É DI TO

Princípios gerais da mecânica com


braquetes autoligáveis
Resumo / O presente trabalho tem a finalidade de apresentar, de forma simples e ob-
jetiva, alguns princípios gerais que norteiam a mecânica com aparelhos autoligáveis na
clínica diária. Serão discutidos tópicos clínicos relevantes, como as características ideais
dos braquetes autoligáveis, sua eficiência clínica, conforto e tempo de tratamento, bem
como o emprego de suas diferentes prescrições, o posicionamento dos acessórios e
mecânica peculiar (uso de elásticos no início do tratamento, desarticulação, sequência
e troca dos fios de nivelamento, emprego de cadeias elastoméricas sob o fio, uso de
stops e molas abertas, além de desgastes interproximais). Dessa forma, o artigo visa
apresentar, segundo a visão dos autores, uma orientação clínica para que se obtenha
um tratamento de qualidade e com resultados estáveis e eficientes. / Palavras-chave /
Ortodontia. Aparelhos ortodônticos. Braquetes autoligáveis.

Weber Ursi
Doutor em Ortodontia, USP. Professor Livre-docente, UNESP.

Murilo Matias
Mestrando em Ortodontia, FOB/USP.

Como citar este artigo: Ursi W, Matias M. Princípios gerais da mecânica com braquetes autoligáveis. Rev Clín Ortod Dental Press. Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais,
2015 fev-mar;14(1):90-109. de propriedade ou financeiros que representem conflito de
interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.
Enviado em: 23/10/2014 - Revisado e aceito: 27/11/2014
O(s) paciente(s) que aparece(m) no presente artigo
Endereço de correspondência: Weber José da Silva Ursi autorizou(aram) previamente a publicação de suas fotografias
Avenida 9 de Julho, 685, conjunto 21, 2º andar, CEP 12243-000 - São José dos Campos/SP - E-mail: weber@weberursi.com.br faciais e intrabucais, e/ou radiografias.

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Princípios gerais da mecânica com braquetes autoligáveis

INTRODUÇÃO cadas de sua introdução, os braquetes Straight-Wire não


Diferentemente do que presenciamos atualmente em comprovaram superioridade mecânica sobre os Edgewi-
um consultório de Ortodontia, há décadas não havia se convencionais (não pré-ajustados), além da diminui-
motivo para a conclusão rápida do tratamento ortodôn- ção da necessidade de ajustes no fio. Mesmo assim, os
tico, tendo em vista a forma de pagamento efetuada ao braquetes Straight-Wire se tornaram paradigma na Orto-
profissional, geralmente com as chamadas “manuten- dontia mundial. Seriam os braquetes autoligáveis o novo
ções” mensais. Porém, desde o surgimento dos braque- paradigma de nossa especialidade?
tes autoligáveis, essa mentalidade vem sendo gradativa-
mente alterada e o fator tempo tem sido explorado no Os braquetes autoligáveis, embora tenham se popula-
marketing da especialidade ortodôntica22. rizado apenas na década de 1990, não são novidade
na Ortodontia. Já se contabilizam quase 80 anos desde
No anseio de se obter um elemento diferencial para que Stolzenberg, em 1935, descreveu o primeiro bra-
atrair os pacientes, os próprios ortodontistas têm se quete autoligável, o Russel Lock (Fig.  1)12. Esse apa-
tornado os principais divulgadores dos braquetes auto- relho usava um sistema de porca e parafuso, criando
ligáveis. Contudo, isso, muitas vezes, é feito de forma uma quarta parede na canaleta do braquete. Até os dias
distorcida, repercutindo apenas a opinião de pesquisas atuais, diversos aparelhos autoligáveis foram introduzi-
realizadas com fins comerciais, ou relatos de casos clí- dos, porém, apenas alguns chegaram a ser comerciali-
nicos ou pesquisas com métodos inadequados ou até zados, e muitos desses somente por pouco tempo.
mesmo com vieses, tanto para o lado de comprovação
quanto para o de descrédito. O primeiro braquete autoligável a ser comercializado foi
o Edgelock (Ormco Corporation), em 1972. Entretanto,
A Ortodontia baseada em evidências — parâmetro que não teve grande aceitação por parte dos ortodontistas,
nos guia para a credibilidade —, deve ser sempre o ob- devido a dificuldades em se abrir e fechar o dispositivo,
jetivo comum. No passado, virtudes apregoadas como no controle rotacional e por ser muito volumoso12. Nesse
verdades estabelecidas deixaram um rastro de frustração mesmo ano, também foi desenvolvido o primeiro apare-
e de descrédito. Como exemplo disso, podemos citar os lho autoligável com mecanismo de fechamento por uma
braquetes Straight-Wire2, que foram usados para divulgar mola ativa, o aparelho Speed (Strite Industries). Esse
que os tratamentos ortodônticos feitos com eles seriam aparelho foi comercializado apenas a partir de 19803,
mais fáceis para o profissional, sendo usados durante mas foi pioneiro em aceitação em escala, continuando a
anos como um diferencial. Hoje, após mais de quatro dé- ser fabricado até os dias de hoje.

Figura 1: Braquete Russel Lock.

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O design dos aparelhos autoligáveis sofreu importantes clínica diária, visando obter um tratamento de qualidade,
modificações, de acordo com as deficiências particula- com resultados estáveis e eficientes. Esses princípios
res de cada aparelho. Essas inconveniências existentes retratam a opinião dos autores, sendo o primeiro autor
nos primeiros modelos foram responsáveis por uma fal- usuário desses dispositivos por 15 anos, e sendo sua
ta de entusiasmo e descrença pelos ortodontistas da clínica exclusiva de autoligáveis nos últimos 8 anos.
época, mesmo quando as deficiências já haviam sido
corrigidas pelos fabricantes. Isso refletiu em menores PRINCÍPIO 1: CARACTERÍSTICAS IDEAIS
investimentos das grandes indústrias, e a evolução dos DOS BRAQUETES AUTOLIGÁVEIS
modelos sofreu uma fase de desenvolvimento mais Os braquetes autoligáveis, para se mostrarem eficientes
lento. Os braquetes autoligáveis mais recentes foram e justificarem o investimento em um material mais caro,
beneficiados pela experiência clínica com os primeiros devem apresentar algumas características para permitir o
modelos e pela evolução tecnológica de fabricação. total aproveitamento do conceito. Na escolha de um ou
Atualmente, toda grande marca comercial disponibiliza outro sistema, deve-se considerar que, por apresentarem
um ou mais modelos de braquetes autoligáveis em sua um custo maior que os braquetes convencionais, seu de-
linha de produtos, confirmando a grande demanda por sempenho também deve ser melhor. Infelizmente, algu-
esse tipo de aparelho (Fig. 2)25. mas considerações importantes, como a dificuldade na
abertura e fechamento dos braquetes, somente podem
Com base na apresentação do desenvolvimento dos ser observadas durante sua utilização clínica, ao longo
braquetes autoligáveis aqui exposta, o presente traba- do tratamento, principalmente à medida que os fios mais
lho pretende mostrar, de maneira clara e objetiva, alguns calibrosos são inseridos, como os retangulares de sec-
princípios que norteiam o emprego desses braquetes na ção 0,019” x 0,025”, utilizados na finalização dos casos.

In-Ovation Damon 2 Smart Clip

Damon 3 Damon 3MX Clarity SL

Figura 2: Exemplos de braquetes autoligáveis empregados hoje em dia.

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Princípios gerais da mecânica com braquetes autoligáveis

Nesse aspecto, a experiência em situações de labo-


ratório, ou mesmo em typodonts, mostra-se bastante
favorável à maioria dos sistemas, mas, à medida que
o tempo passa, em situações clínicas reais, alguns
mostram-se deficientes, mesmo no quesito mais bá-
sico de sua indicação, que seria a eficiência na troca
dos fios de nivelamento.

a) Resistência: o braquete deve resistir à sua aber-


tura e fechamento durante todo o tratamento.
Sistemas com fechamento frágil levam à perda
da hipotética vantagem do sistema, e geram frus-
tração no operador. Obviamente, existe uma cur-
va de aprendizado para a operação de abertura e
fechamento de cada sistema. Quando testam-se
esses sistemas em typodonts, por exemplo, eles
apresentam um comportamento irrepreensível, de-
vido às condições em que são testados. Não apre- Figura 4: Interface slot/fio.

sentam, por exemplo, todas as características de


má oclusão que observamos clinicamente; as con-
dições de higiene bucal são irreais, pois não existe
acúmulo de tártaro e placa bacteriana no dispositi- A parede extra desses braquetes favorece uma interface
vo e não se encontra o mau posicionamento den- mais eficiente do fio com o slot do braquete, principal-
tário, que altera o comportamento biomecânico mente se apresentar um preenchimento adequado e su-
da relação entre braquetes. Tudo isso altera a per- ficiente para expressar as características que estiverem
cepção de como o sistema funciona plenamente construídas no sistema, como in-set, torque e rotação.
em um paciente, gerando, em alguns usuários, um Para se obter uma interface com adequado controle tri-
sentimento negativo na experiência, influenciando dimensional, o ajuste do fio dentro do slot deve se man-
decisivamente a opinião pessoal. ter constante, até a expressão total do ajuste pretendi-
do; provavelmente esse seja o melhor diferencial que um
O que se observa é que, à medida que o calibre dos fios braquete autoligável promete. A sequência de fios deve,
é aumentado, os sistemas autoligáveis ativos tendem a progressivamente, preencher o slot, e esses devem ser
apresentar uma maior dificuldade na inserção/remoção mantidos por tempo adequado para expressar o contro-
desses arcos, devido ao desempenho de seu sistema le tridimensional que está fabricado em cada braquete.
de fechamento. Por outro lado, os braquetes passivos, No mínimo, cada fio deve ser mantido por oito semanas,
nesse quesito, só permitem a troca dos fios de calibre sendo que, algumas vezes, até quatro a seis meses são
maior quando os braquetes estiverem adequadamen- necessários para que toda ativação da interface slot/fio
te nivelados entre si. Como tudo na vida clínica, nada tenha sido expressada.
é perfeito, e devemos ter consciência dessas imperfei-
ções para corrigi-las e aperfeiçoar o design dos produ- Como se pode observar na Tabela 1, a folga do fio dentro
tos que utilizamos, dando um feedback aos fabricantes. do slot diminui à medida que aumentamos seu calibre.
Um fio com dimensão de 0,014” x 0,025” apresenta uma
b) Interface slot/fio: essa parece ser uma das carac- folga de 28°; assim, para que apresente algum controle
terísticas que colocam os braquetes autoligáveis em de torque, a posição horizontal do slot do braquete deve
situação de superioridade aos convencionais, uma estar fora desse limite. Deve-se lembrar que a posição do
vez que apresentam uma quarta parede de fecha- slot depende da prescrição escolhida e da posição ori-
mento, semelhante a um tubo de molares (Fig. 3). ginal do dente em que esse braquete está posicionado.

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Tabela 1: Comparação da expressão de torque nos diferentes calibres de fios retangulares.

Slot do braquete Calibre do fio Diferença (dimensão vertical) Folga na interface

0,014” x 0,025” 0,008” 28º

0,017” x 0,025” 0,005” 17,5º


0,022” x 0,028”
0,019” x 0,025” 0,003” 10,5º

0,021” x 0,025” 0,001” 3,5º

Para que exista controle de torque, é  necessário que A força de atrito deriva da soma desses três fatores:
a folga na interface braquete/fio seja pequena — daí a fricção clássica (FR) + binding (BI) + notching (NO).
necessidade de utilização de fios de nivelamento cada Um movimento de deslizamento pode ocorrer em três
vez mais calibrosos. De maneira geral, cada 0,001” de estágios (Fig. 4).
diferença na altura do fio e do slot equivale a 3,5° de
folga na interface, guardadas as mesmas profundidades Quando comparados aos braquetes convencionais e
do fio (0,025”) e do slot (0,028”). autoligáveis ativos, os sistemas passivos demonstram
menores forças de atrito; porém, também existe uma
c) Eficiência mecânica: os braquetes autoligáveis po- maior folga na interface fio/slot, o que pode gerar de-
dem ser caracterizados como ativos quando o me- ficiências no posicionamento individual de dentes pre-
canismo pressiona o fio dentro do slot, e passivos viamente desalinhados. Um correto alinhamento dos
quando o fechamento do braquete funciona como pontos de contato necessitaria de ajustes no fio, para
uma quarta parede, como se fosse um tubo de mo- compensar essas folgas. Por outro lado, os sistemas
lares. O termo “passivo” não deve ser interpretado ativos, por tracionarem os fios em direção ao fundo do
como se não houvesse forças de atrito desenvolvi- slot, geram maiores forças de atrito, diminuindo a efi-
das na interação braquete/fio de nivelamento, uma ciência mecânica quando é necessário o deslizamento
vez que isso só ocorrerá quando o dente, ou dentes, do fio pelo braquete, ou vice-versa.
estiver posicionado de maneira ideal ao final do trata-
mento ortodôntico. O atrito é necessário em algumas O baixo atrito, como dito anteriormente, é um dos gran-
situações clínicas, como na correção de rotações des atributos positivos dos braquetes autoligáveis passi-
ou para o controle de torque; portanto, é inerente à vos, principalmente o atrito estático, também chamado
mecânica ortodôntica presente em alguma fase do de atrito de ligação. O atrito gerado entre as superfícies
tratamento. Kusy e Whitley18 classificaram a força de dos braquetes e os fios ortodônticos reduz o deslizamen-
atrito em três tipos fundamentais: to relativo entre um e outro, e, dessa maneira, diminui a
1) Atrito clássico: provocado pela ligadura elástica velocidade da movimentação dentária, sendo necessá-
ao comprimir o arco contra o fundo da canaleta. ria a utilização de forças com maiores intensidades para
2) Binding: atrito produzido pela deformação do se atingir o movimento desejado. Segundo Hain et al.10,
arco ao comprimir as paredes da canaleta do o braquete Damon II virtualmente produz atrito estático
braquete. (ligação) próximo de zero nos fios iniciais de nivelamen-
3) Notching: atrito produzido pela deformação ex- to; já um amarrilho do tipo elastômero produz uma força
cessiva do arco, que provoca engastamento en- entre 50 e 150g, dependendo do fabricante e do grau
tre fio e braquete e impede o movimento dentário. de estiramento necessário para a ligação.

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Princípios gerais da mecânica com braquetes autoligáveis

1) Inicialmente, existe uma folga entre o fio e o braquete, havendo des-


lizamento entre esses sem que o fio toque as paredes da canaleta. Isso
ocorre quando o ângulo de contato fio/braquete (θ) é menor do que o
ângulo de contato crítico (θc), que é o menor ângulo onde ocorre contato
entre o fio e a borda da parede do braquete. Nesse caso, a resistência
ao deslizamento é representada apenas pela fricção clássica (FR), pois
θ = θc o binding (BI) e o notching (NO) são iguais a zero.

2) Posteriormente, o dente sofre angulação ou o fio é flexionado (dentro


do limite elástico), havendo contato entre o fio e a borda do braquete. Esse contato chama-se binding e ocor-
re a partir do momento em que o ângulo de contato (θ) é maior ou igual ao ângulo de contato crítico (θc).

3) Em um terceiro estágio, o ângulo de contato fio/braquete (θ) se torna tão alto que produz deformações
permanentes ao fio, constituindo o notching. À medida que BI e NO aumentam, reduz-se a importância de
FR no valor final de RD.

Figura 4: Descrição das etapas ocorridas durante um movimento de deslizamento17,30.

Nos estudos realizados por Thorstenson e Kusy31,32,33, é, justamente, a redução na quantidade de atrito ge-
os autores concluíram que o sistema passivo gera me- rado, tanto estático quanto dinâmico. Em Ortodontia,
nor atrito quando comparado ao mecanismo ativo. o atrito estático, também denominado atrito de ligação,
Além do método de fixação do fio ao braquete, con- se refere à força de ligação entre o braquete e o fio,
vencional ou autoligável, outros fatores influenciam o e é afetado pelo tipo de amarração (metálica/elasto-
comportamento mecânico de qualquer sistema de bra- mérica/autoligável), pela composição da superfície do
quetes. O calibre, os materiais de confecção das su- braquete e do fio, além de seu calibre. Já o atrito di-
perfícies do fio e slot dos braquetes e o ângulo formado nâmico é a força que surge quando essas superfícies
entre esses dois são fatores que podem aumentar as estão em movimento, uma em relação à outra. Além de
forças de atrito7,15,16,31,32,33. depender do ângulo relativo entre o fio e o slot do bra-
quete (binding), ele também é dependente dos fatores
Pesquisas que avaliaram o atrito concluíram que meno- mencionados no atrito estático. Quanto maior for esse
res valores na interface braquete/fio são encontrados ângulo, maior será o atrito dinâmico.
nos sistemas autoligáveis, mesmo com a incorporação
de dobras de segunda ordem em condições experi- d) Nível de desconforto do tratamento: o descon-
mentais4. Na presença de folga entre o fio e o slot, o forto presente no tratamento ortodôntico é deri-
atrito é mínimo nos sistemas passivos, mesmo em fios vado, em primeiro lugar, da própria presença dos
de maiores calibres. Já nos sistemas ativos, isso só acessórios ortodônticos, e, em segundo lugar, da
ocorrerá se o dispositivo de fechamento do braquete reação dolorosa frente à movimentação dentária
não contatar o fio, o que só ocorre nos fios redondos propriamente dita.
de calibres menores.
Embora o conforto com o uso do aparelho seja citado
A interface braquete/fio ortodôntico deve apresentar como um diferencial positivo dos braquetes autoligá-
os menores níveis possíveis de atrito, uma vez que o veis, alguns pacientes ainda relatam desconforto, e até
pressuposto da utilização dos braquetes autoligáveis se observa o aparecimento de lesões na mucosa bucal,

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principalmente na região dos incisivos inferiores. Até o dos dentes é atingida pela adequada interação do fio
momento, não existem pesquisas independentes que ortodôntico e dos slots dos braquetes. Como vimos
comprovem a superioridade, nesse quesito, de um ou anteriormente, para que as características construí-
outro sistema de braquetes. das nos braquetes se expressem totalmente, é ne-
cessário o preenchimento quase total da luz do slot.
O que ocorre é que a maioria dos sistemas autoligáveis Além disso, o ideal seria que não ocorresse degrada-
apresenta uma espessura vestibulolingual maior do que a ção da força de ativação dada pela ligação slot/fio,
dos braquetes convencionais, em função da presença do principalmente para o controle do torque. O sistema
sistema de fechamento. Essa maior espessura aumenta a autoligável é binário: o fio tem de estar totalmente
percepção de volume, principalmente em pacientes que posicionado dentro do slot do braquete, ou o me-
já foram tratados com braquetes convencionais. Para se canismo não se fecha. Normalmente, não é possível
contornar esse problema, normalmente basta se colocar aumentar o calibre do fio se o dente não estiver em
amarrilhos elastoméricos (borrachinhas, no jargão leigo) uma posição que permita o fechamento total do slot,
nos dentes que apresentarem maior desconforto, até que contrariamente ao que se observa no sistema con-
a mucosa tenha sofrido processo de adaptação. vencional, que permite certa folga, seja com elastô-
meros ou com amarrilhos metálicos.
Se os pacientes tratados com os braquetes autoligá-
veis realmente apresentam menores níveis de sensação No caso dos sistemas convencionais, os elastômeros
dolorosa é algo controverso na literatura. Tagawa28 ve- não imprimem força suficiente para a adequada intera-
rificou menor relato de desconforto com os braquetes ção fio ortodôntico/fundo do slot, perdendo grande par-
Damon SL, e Pringle et al.27 relataram o mesmo para te da força inicial em função de sua rápida degradação,
os braquetes Damon 3. Por outro lado, Miles et al.22 e além de aumentar o atrito estático e acumular mais pla-
Fleming  et  al.9 não constataram qualquer diferença no ca bacteriana29,36.
desconforto causado por braquetes convencionais e
autoligáveis, pelo menos não na primeira semana ou no Todavia, as ligaduras metálicas propiciam maior eficiên-
primeiro mês de tratamento. Pressupõe-se uma supe- cia do que os elastômeros em manter o fio adaptado
rioridade dos braquetes autoligáveis em comparação ao slot do braquete, mas consomem um tempo signi-
aos convencionais, em função de seu aparente menor ficativo para serem instaladas e apresentam risco de
nível de força; portanto, intuitivamente, se conclui que o contaminação — por terem pontas e serem perfurantes,
paciente deveria relatar menos desconforto. Outro fator aumentando a chance de lacerações, tanto ao paciente
a ser considerado é que, em alguns braquetes autoligá- quanto ao operador. Outro problema é a variabilidade
veis, como os Damon MX e Q, as dimensões mesiodis- intra e interoperadores, uma vez que a força aplicada
tais tendem a ser menores, o que aumenta significativa- varia entre dentes e entre profissionais. Um mesmo mé-
mente a distância interbraquetes, diminuindo ainda mais todo de amarrilho pode desenvolver forças distintas nos
as forças aplicadas aos dentes. vários segmentos do arco. Esse problema pode ser exa-
cerbado com a delegação da função às auxiliares, uma
Entretanto, não existem informações na literatura que vez que a força aplicada varia muito entre cada opera-
comprovem ou rejeitem essa afirmação, sendo a norma dor. Poderíamos até especular que muitos profissionais
a resposta individual de cada paciente. Alguns pacien- tendem a subativar os amarrilhos metálicos, com o re-
tes que já foram tratados com braquetes convencionais ceio de imprimir uma força que provoque desconforto
relatam sentir menos desconforto com os autoligáveis, ao paciente ou que frature a adesão da colagem.
mas isso pode ser somente uma percepção subjetiva,
carecendo de comprovação científica. Quando se utilizam braquetes convencionais, a degra-
dação da força inicial se dá tanto pela movimentação
e) Eficiência nos ajustes: essa característica é uma dentária quanto pela própria degradação da força do
das grandes virtudes dos autoligáveis. Assim como sistema de amarração, seja ele metálico ou elastoméri-
no sistema Straight-Wire, a posição final desejada co. No elastomérico, principalmente, a força inicial após

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a inserção é, muitas vezes, excessiva; porém, após compatíveis14) demonstraram tratamentos de quatro
24 horas, a força residual diminui para 60% da inicial. a seis meses mais rápidos, com, aproximadamente,
No  sistema autoligável, a degradação da força de ati- quatro a sete visitas a menos ao ortodontista, nos
vação é dada somente pela desativação do fio, conco- casos tratados com o aparelho Damon.
mitantemente à movimentação dentária, principalmente
nos autoligáveis passivos. Harradine11, em um estudo com casos tratados conse-
cutivamente, comparou a eficiência clínica de braquetes
Com relação ao tempo despendido para as trocas dos convencionais e Damon SL, encontrando que os pacien-
fios ortodônticos, normalmente existe um ganho subs- tes tratados com o Damon tiveram seus casos terminados
tancial de tempo nos autoligáveis, particularmente nos quatro meses antes, com quatro consultas a menos. Re-
fios iniciais de menor calibre19,34. À medida que o calibre sultado semelhante foi verificado por Eberting et al.8, que
do fio aumenta, particularmente nos fios retangulares constataram uma redução de seis meses e de sete con-
de maiores dimensões, há certa dificuldade e maiores sultas no tempo de tratamento, para o grupo Damon SL.
cuidados para o fechamento dos dispositivos, aumen-
tando o tempo necessário para a troca ou ajuste dos Pandis et al.24 observaram que, em casos com apinha-
fios. Mesmo assim, o tempo para troca ou ajuste nos mento moderado na arcada inferior (índice de irregula-
fios é substancialmente menor nos braquetes autoli- ridade <  5mm), o grupo tratado com Damon 2 foi 2,7
gáveis do que nos convencionais. A comparação mais vezes mais rápido do que o grupo com aparelhos con-
justa não é entre o tempo de ligação dos autoligáveis vencionais. Em um estudo mais recente, Pandis et al.25
versus amarração com elastômeros, mas sim com os compararam o tempo de alinhamento da arcada inferior,
amarrilhos metálicos, que requerem tempo significativo em pacientes tratados sem extrações, com os apare-
para serem instalados (Fig. 5). lhos Damon 3MX e o convencional, utilizando a mesma
sequência de arcos em ambos os grupos. Contrariando
f) Tempo de tratamento: outra controvérsia sempre o que havia sido encontrado, observou-se que o tipo de
presente é se, realmente, o tempo de tratamento aparelho não teve qualquer influência sobre o tempo de
é menor no sistemas autoligáveis. Vários trabalhos tratamento. No entanto, a quantidade de apinhamento
foram desenvolvidos com o intuito de comparar a inicial confirmou ser um importante fator preditivo para
eficiência dos aparelhos autoligáveis e dos conven- um maior tempo de tratamento.
cionais. Todos os estudos retrospectivos encontra-
dos observaram um menor tempo de tratamento Em outro estudo recente, DiBiase et al.6, ao avaliar pa-
com aparelhos autoligáveis do que com aparelhos cientes com apinhamento, tratados com extrações de
convencionais8,14,35. Dois desses estudos8,14 (res- pré-molares e os aparelhos Damon 3 ou convencionais,
saltando que apenas um deles apresentou grupos com o mesmo protocolo de fios em ambos os grupos,

A B

Figura 5: A) Maior eficiência, conforto e segurança no sistema autoligável, em caso cirúrgico, com ganchos bola. B) Na versão conven-
cional, com amarrilhos metálicos e ganchos soldados.

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concluíram que o tipo de braquete não reduz o tempo aos arredores dos braquetes convencionais, quan-
total de tratamento ou o número total de visitas e não do os pacientes foram avaliados após uma e cinco
ajuda a atingir melhores resultados oclusais. semanas da colagem do aparelho.

Provavelmente, essa discussão sobre o tempo de trata- Por outro lado, ao se comparar a condição periodon-
mento continuará por muitos anos, dada a subjetividade tal dos pacientes com aparelhos autoligáveis com a
utilizada na Ortodontia para se determinar o término do daqueles que utilizam aparelhos convencionais, Pan-
tratamento. Embora existam parâmetros que guiem o dis et al.23 não encontraram diferença estatisticamente
ortodontista — como redução do índice PAR, as Seis significativa entre os grupos. Posteriormente, o mes-
Chaves de Andrews e o OGS (Objective Grading Sys- mo grupo de pesquisadores não encontrou diferença
tem), do American Board of Orthodontics —, a realidade significativa na contagem de Streptococcus mutans
é que ainda não existe um estudo com métodos que, na saliva de pacientes com aparelhos autoligáveis ou
ao mesmo tempo, respeitem a mecânica preconizada convencionais ligados com elastômeros23. Porém, es-
pelos introdutores de um dado sistema (por exemplo, o ses autores ressaltam que, nas áreas próximas aos
Damon), com relação à sequência de fios e o tempo de braquetes, a situação pode ser completamente dife-
troca, e os compare com outros sistemas, de maneira rente, e que, independentemente do tipo de braquete
inequívoca. O que se verifica é que a grande maioria dos utilizado, um programa de higiene bucal deve ser ad-
trabalhos têm fortes tendenciosidades embutidas em ministrado durante o tratamento ortodôntico.
seus métodos, tanto para o lado da constatação quanto
para o da negação de possíveis diferenças. Uma constatação frequente nos incisivos inferiores co-
lados com sistemas autoligáveis é o acúmulo de cálculo
g) Acúmulo de placa bacteriana: ainda com rela- no interior dos braquetes e na região gengival desses.
ção à eficiência dos aparelhos autoligáveis, já foi Provavelmente, as cerdas da escova dental não conse-
demonstrado que o uso de ligaduras elastoméricas guem atingir a parte interna dos slot dos braquetes, por
facilita o acúmulo de placa, em comparação às li- terem suas faces vestibulares completamente fechadas;
gaduras metálicas1. Foi especulado que o uso de assim, a partir dessa região mais cálculo se acumula.
braquetes autoligáveis, em comparação aos con- A cada consulta é necessário checar o acúmulo no inte-
vencionais, reduziria o acúmulo de placa bacteriana rior e na porção gengival dos braquetes, e até dos fios
próximo dos braquetes, por não utilizarem nenhum de nivelamento. Um ótimo investimento é a aquisição de
tipo de ligadura23. Em um estudo in vitro, Voudouris36 aparelhos de ultrassom para profilaxia dos acessórios,
demonstrou que os braquetes autoligáveis retêm quando necessário, e dos próprios fios, quando forem
menos placa bacteriana do que os convencionais mantidos por mais tempo. A respeito da melhor higieni-
ligados com módulos elastoméricos. Corroborando zação com os braquetes autoligáveis, isso dependerá,
esse achado, em um estudo in vivo, Pellegrini et al.26 obviamente, de cada paciente; não sendo possível atri-
constataram uma menor quantidade de bactérias ao buir esse diferencial a eles, uma vez que outras variáveis
redor dos braquetes autoligáveis, em comparação podem eliminar suas potenciais vantagens (Fig. 6).

Figura 6: Manutenção e melhora da condição periodontal, resultado de forças biológicas e adequado controle de placa bacteriana.

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Princípios gerais da mecânica com braquetes autoligáveis

h) Necessidade de extrações: os conceitos biológi- merecem uma consideração mais profunda sobre a
cos da movimentação ortodôntica não mudam com viabilidade de uma extração dentária.
o tipo de braquete, uma vez que as reações histoquí-
micas são as mesmas, desde que o nível das forças Já os casos de apinhamentos que sejam limítrofes para
aplicadas seja semelhante. Casos claros e evidentes braquetes convencionais, muitas vezes são corrigidos
para extrações, com braquetes convencionais, pro- com braquetes autoligáveis sem exodontias, principal-
vavelmente também o serão com braquetes autoli- mente em pacientes adultos. Talvez a maior superiorida-
gáveis, principalmente se envolverem correções de de para os braquetes autoligáveis esteja nesses casos
discrepâncias interarcadas ou protrusões, isoladas de pacientes adultos que desejam um melhor alinha-
de uma arcada ou de ambas. As exodontias conti- mento dentário e uma linha de sorriso mais harmoniosa,
nuam a ser indicadas em casos de acentuado api- os quais têm sua queixa principal tratada de maneira
nhamento e severo comprometimento periodontal, rápida e eficiente (Fig. 7).
devido à quantidade de movimentação necessária
para a correção do apinhamento; também nos ca- Para compensações dentoalveolares, quando se trata
sos em que se deseja uma melhora no perfil facial de da retração de incisivos superiores, não existe diferen-
um paciente biprotruso ou uma melhora das relações ça, entre um braquete e outro, no que se refere à fre-
intra-arcada, para a correção da sobressaliência ou quência de exodontias, uma vez que esse movimento
da sobremordida. Todos esses são aspectos que requer espaços distais aos caninos para ser realizado.

A B

C D

Figura 7: A) Paciente adulto, tratado sem exodontias, por dois anos; B) resultado imediato após colagem da contenção; C) na remo-
ção da contenção colada; D) alinhamento após dois anos sem contenção.

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Por outro lado, más oclusões de Classe II passíveis de existentes, como no sistema Damon (standard, high
serem corrigidas com protrusão dos dentes inferiores torque e low torque) ou Capelozza (Padrão I, II ou III)
são beneficiadas pela combinação de forças leves e bai- torna-se extremamente importante para um bom de-
xo atrito possibilitadas pelos autoligáveis passivos em sempenho clínico. Cada prescrição deve ser utilizada
associação ao uso de propulsores mandibulares ou de conforme as características da má oclusão do paciente
elásticos intermaxilares. Obviamente, existem limitações e do objetivo de tratamento proposto pelo profissional.
biológicas a esse movimento, particularmente nos ca-
sos em que existam recessões gengivais prévias ao tra- Merece reforço a informação, já mencionada, de que
tamento ou quando a gengiva marginal for muito fina21. as prescrições usadas no sistema Damon levam em
consideração a mecânica utilizada, como elásticos e
PRINCÍPIO 2: NECESSIDADE DE outros auxiliares (APM, FLF, Forsus, Jasper Jumper,
PRESCRIÇÕES VARIÁVEIS Herbst), funcionando em um princípio de torque re-
“Prescrição” é o conjunto de características que sistente. Por exemplo, em um caso de Classe II, os
são incorporadas aos braquetes, referentes ao tor- torques na mecânica Damon são escolhidos para se
que, angulação e rotação, de maneira a atingir os contrapor aos efeitos secundários. Uma prescrição
melhores resultados possíveis em uma má oclusão. high torque superior e outra low torque inferior devem
As  prescrições podem ser únicas, como a de Roth, ser utilizadas concomitantemente, com a finalidade
ou variáveis, como a de Capelozza e de Damon. de compensar uma tendência de inclinação vestibular
Os  valores escolhidos nas prescrições refletem a fi- dos incisivos inferiores e uma inclinação palatina dos
losofia de tratamento de seus proponentes, e são, incisivos superiores, claramente percebida naquelas
de maneira geral, baseadas na prescrição original de situações clínicas em que fazemos uso dos aparelhos
Andrews. A prescrição Capelozza, por exemplo, é funcionais fixos (Fig. 8).
eminentemente compensatória, ou seja, visa favore-
cer a adaptação dos dentes ao arranjo dentoesque- PRINCÍPIO 3: POSICIONAMENTO DOS BRAQUETES
lético do paciente. Conceitualmente, as prescrições Como nas demais filosofias de tratamento ortodônti-
Damon são diferentes, uma vez que usam como re- co, o correto posicionamento dos acessórios no dente,
ferência o conceito de torques resistentes às mecâ- durante a montagem do aparelho, no início do trata-
nicas utilizadas no tratamento de cada má oclusão, mento, significa um grande passo dado em direção ao
principalmente as sagitais. sucesso clínico (Fig.  9). O procedimento de colagem
dos braquetes deve ser realizado atentamente, seguin-
A disponibilidade de múltiplas prescrições de braquetes, do a posição central da coroa clínica, conforme esta-
calibres e materiais de fios em um sistema autoligável belecido pelo sistema Straight-Wire de Andrews, a fim
passivo pode propiciar um controle de torque adequa- de se evitar efeitos colaterais, como mudanças no tor-
do. Por isso, o conhecimento das diferentes prescrições que e in-sets e off-sets.

Figura 8: Uso contínuo de mecânicas auxiliares para correção de desarmonias dentoalveolares, e de torque resistente para contrapor
o efeito de elásticos.

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Princípios gerais da mecânica com braquetes autoligáveis

Figura 9: O adequado posicionamento dos braquetes simplifica a mecânica de término do caso, sem a necessidade, muitas vezes,
de uso de elásticos de intercuspidação.

Quando se altera em demasia a altura do acessório, marginais, nos dentes posteriores, são excelentes refe-
tudo o que foi construído e projetado na prescrição se rências; já nos anteriores, o nivelamento das margens
altera. O deslocamento do acessório muito distante do gengivais deve ser o pré-requisito primordial. A diferença
centro da coroa afeta, primariamente, a expressão do entre um caso bem tratado e um com resultado ótimo é,
torque. Deslocamentos para gengival aumentam a leitu- muitas vezes, como os braquetes foram posicionados.
ra do torque, e deslocamentos para incisal o diminuem.
O resultado dessas alterações se reflete na intercuspida- Outro passo fundamental é o reestudo do posicionamen-
ção e na relação de in-set e off-set, criando um desali- to dos braquetes, utilizando, para esse fim, modelos de
nhamento dos pontos de contato. Muitas vezes, o pro- gesso e radiografias panorâmicas. Recomenda-se que
fissional, observando esse desalinhamento, faz ajustes esse reestudo e os eventuais reposicionamentos sejam
de primeira ordem no fio, enquanto o problema é, na feitos após o uso do fio de 0,014” x 0,025” por, pelo me-
verdade, de terceira ordem (torque) (Fig. 10). nos, oito semanas. Normalmente, os dentes já estarão
com o alinhamento e o nivelamento adiantados, e o re-
Deve-se considerar, no posicionamento dos acessórios, posicionamento dos acessórios não implicará no retorno
referências funcionais, em vez de somente a ponta das ao fio inicial de nivelamento. Muitas vezes, o próprio fio de
cúspides, que podem já apresentar desgastes. As cristas 0,014” x 0,025” pode ser usado na mesma sessão.

A B

Figura 10: A) Incisivo lateral superior esquerdo apresentando um erro de terceira ordem (torque), que se reflete na quebra do ponto de
contato, costumeiramente atribuído a erro de primeira ordem (in-set/off-set). B) Após torque individual.

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PRINCÍPIO 4: MECÂNICAS ESPECÍFICAS o posicionamento adequado dos acessórios inferiores,


a) Desarticulação: assim como alguns outros proce- uma vez que não é necessário “fugir” dos contados oclu-
dimentos clínicos já citados, a desarticulação entre sais dos dentes antagonistas. A colagem deslocada para
as arcadas dentárias também se faz necessária na gengival, nos incisivos inferiores, é uma das principais cau-
grande maioria dos casos tratados com aparelhos sas da dificuldade de se corrigir uma sobremordida profun-
autoligáveis, até mesmo com os outros tipos de da; na verdade, uma colagem mais incisal é recomendada
braquetes. Uma oclusão já estabelecida e ajustada, nesses casos. Vale ressaltar que o estabelecimento de um
mesmo que em uma situação de má oclusão, muitas ângulo interincisal mais fechado, juntamente com conten-
vezes dificulta a movimentação dentária. Tomemos ção em longo prazo, controla a tendência de recidiva da
como exemplo uma mordida cruzada, anterior ou sobremordida após a remoção dos aparelhos fixos.
posterior. Para seu tratamento, muitas vezes, faz-se
necessário o levante da mordida, para que não haja Quando a desarticulação é feita nos molares, ela recebe o
contato traumático dos dentes envolvidos. A desar- nome de build-up. Pode ser usada em casos de correção
ticulação obtida, portanto, facilita a correção e é am- de mordidas cruzadas posteriores; em casos de sobre-
plamente recomendada há muitos anos. mordida profunda em que se deseja intrusão relativa dos
dentes anteriores; e em casos de mordida aberta ante-
Nos demais desarranjos oclusais, o raciocínio é o mes- rior. Como, normalmente, o descruzamento de mordidas
mo. Uma sobremordida profunda é, muitas vezes, man- posteriores é feito pelo próprio fio de nivelamento, even-
tida pela própria força oclusal dos dentes posteriores, e tualmente auxiliado por elásticos cruzados intermaxila-
temos muita dificuldade para seu nivelamento. A desar- res, a desarticulação é sempre necessária nesses casos.
ticulação cria um espaço interoclusal aumentado, permi- De  modo geral, o levante de mordida é feito tanto nos
tindo a erupção dos dentes posteriores até que a curva primeiros quanto nos segundos molares, podendo ser
de Spee esteja nivelada e a sobremordida controlada, superior ou inferior. Alguns pacientes com sobremordi-
dentro dos parâmetros de normalidade. Nesses casos, da profunda, apresentando padrão vertical e excesso de
o posicionamento da desarticulação deverá ser o mais exposição incisal, também podem receber os build-ups
anterior possível, de preferência nos incisivos, na forma para controlar a extrusão desses dentes, à medida que
de bite turbos pré-fabricados ou confeccionados com re- se nivela a curva de Spee; dessa forma, cria-se uma si-
sina composta ou ionômero de vidro (Fig. 11). tuação de intrusão relativa nos dentes anteriores, caso o
fio de nivelamento seja contínuo e de intrusão real, se for
Quando a sobressaliência não permitir, por ser exces- utilizada mecânica com arco segmentado. Obviamente,
siva, o posicionamento também pode ser nos caninos. a escolha entre uma ou outra recai sobre o diagnóstico
A vantagem adicional dos bite turbos é que permitem diferencial do fator etiológico associado.

A B

Figura 11: A) Bite turbos confeccionados com resina composta, colados nas faces linguais dos incisivos centrais (A), ou nos caninos (B).

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Princípios gerais da mecânica com braquetes autoligáveis

A terceira indicação dos build-ups posteriores é em si- rampa, que, à medida que o paciente busca a oclusão,
tuações de mordida aberta anterior. Nesse caso, os faz com que a mandíbula “deslize” para anterior. Confor-
build-ups são colocados nos molares (primeiros e segun- me o nivelamento vai ocorrendo, juntamente com o uso
dos), invadindo o espaço funcional livre (além de 2mm). de elásticos leves de Classe II (ver a seguir), a oclusão se
O estiramento muscular proveniente do aumento dimen- ajusta no sentido da correção para uma relação de mola-
sional promove, muitas vezes, uma intrusão relativa des- res e caninos em normo-oclusão (Fig. 12).
ses dentes, enquanto os dentes anteriores a eles ficam
livres para irromper e melhorar a mordida aberta. Deve-se b) Elásticos no início do tratamento: um dos con-
enfatizar que somente a colocação dos build-ups não ceitos mais arraigados na mecânica ortodôntica,
é suficiente para fechar totalmente uma mordida aberta que é o uso de elásticos somente após a inserção
anterior (MAA); outros dispositivos, mais uma vez asso- de fios retangulares, é questionado pela mecânica
ciados aos fatores etiológicos da mordida aberta, devem de autoligáveis passivos. Esse conceito foi passa-
ser utilizados. Uma análise da participação da língua, do de geração a geração de ortodontistas, sem
especificamente, no desenvolvimento da MAA, deve ser nunca ter sido questionado. A partir do uso des-
realizada e considerada para tratamento. Exercícios mio- se sistema de braquetes autoligáveis, juntamente
terápicos, grades linguais, esporões, cantiléveres para com o uso de bite turbos, os elásticos de Classe II
extrusão, dispositivos de ancoragem temporária, exodon- ou Classe III, ou mesmo os anteriores para fecha-
tias e elásticos verticais podem e devem ser associados. mento de mordidas abertas, passaram a ser indica-
dos (Fig. 13). Esses elásticos têm algumas peculia-
Outra alternativa para a desarticulação encontra-se nos ridades que merecem ser ressaltadas. Em primeiro
primeiros pré-molares. Essa opção pode ser feita quan- lugar, eles devem ser curtos e leves, normalmente
do se deseja guiar o posicionamento mandibular, nor- dos primeiros molares aos primeiros pré-molares,
malmente, no sentido anterior, como no tratamento das com uma força máxima de duas onças. Ao mesmo
relações molares de Classe II. À semelhança dos apare- tempo, bite turbos são instalados nos dentes ante-
lhos funcionais, como o Twin Block, o build-up é fabrica- riores, e, mesmo na presença de fios de pequena
do com uma inclinação anterior, como se criando uma dimensão, inicia-se o uso dos elásticos.

Figura 12: Bite turbos colocados em plano inclinado, favorecendo a correção da relação anteroposterior.

Figura 13: Utilização de elásticos inter-


maxilares já no início do tratamento.

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À medida que fios mais calibrosos são instalados, a força Ao  final dessa fase, normalmente, todos os dentes
dos elásticos é aumentada, podendo ser posicionados estarão ligados, com exceção dos segundos molares,
mais anteriormente, na região dos caninos e, quando pois, devido à grande distância interbraquetes entre os
com fio retangular, em um gancho na mesial dos incisi- primeiros e segundos molares, o fio pode escapar dos
vos laterais. A intenção da colocação dos elásticos no tubos dos segundos molares.
início do tratamento favorece uma melhora na má oclu-
são em uma fase do tratamento em que a cooperação A fase 2 do sistema inicia a expressão dos torques e
por parte do paciente é máxima. Anteriormente, os elás- maior controle das angulações e rotações, prossegue o
ticos eram instalados após muitos meses de iniciado o desenvolvimento da forma da arcada, consolida o espaço
tratamento, quando, sabidamente, os pacientes já não na região anterior da arcada e prepara a mecânica para
apresentam um alto grau de colaboração. a terceira fase do tratamento. Instala-se o fio retangular
de 0,014” x 0,025” CopperNiTi (10 a 20 semanas, com
c) Sequência e troca dos fios de nivelamento: qua- intervalo de 8 semanas entre as consultas) e, em seguida,
se todos os ortodontistas têm uma sequência de fios o de 0,018” x 0,025” CopperNiTi, quando for necessária
preferencial, e o mesmo ocorre na mecânica com au- expressão adicional de torque (quatro semanas). Essa
toligáveis. Normalmente, a escolha e progressão dos etapa funciona como uma preparação para a inserção
fios se dá conforme o grau de apinhamento ou a ne- dos fios mais pesados da próxima fase. Todos os bra-
cessidade de controle tridimensional (in-set / off-set, quetes devem estar corretamente posicionados antes do
angulação mesiodistal e torque). Ao combinar um prosseguimento para a fase 3.
braquete autoligável passivo a um fio de alta tecno-
logia, o sistema permite que baixas forças trabalhem A fase 3 é considerada a fase de trabalho do tratamento,
em conjunto com os músculos da face, língua, ossos pois inclui fechamento de espaço posterior, correção da
e tecidos. Forças de baixa intensidade minimizam o relação dentária anteroposterior e ajuste de discrepâncias
desconforto e aumentam o número de casos que vestibulolinguais. A duração aproximada é de 20 a 30 se-
podem ser tratados sem expansão obtida por meio manas, com intervalo de 6 a 8 semanas entre as consul-
do uso de forças intensas ou extrações. tas. Emprega-se o fio de aço de 0,019” x 0,025” diagra-
mado de acordo com a forma de arcada obtida na fase
O sistema Damon, por exemplo, propõe uma sequência anterior. Frequentemente, o fio de aço de 0,017” x 0,025”
de arcos que deve ser cuidadosamente seguida para é utilizado nas arcadas inferiores quando já existe um
que as forças aplicadas se mantenham dentro da “zona bom alinhamento e todos os torques estão aceitáveis.
de força ótima” durante cada uma das quatro fases do
tratamento. Ressalta-se que a resposta individual dos A fase 4 é a da finalização. Nessa etapa de detalha-
pacientes pode variar e ser influenciada pela idade, mento, se os ajustes necessários forem pequenos,
sexo, colaboração do paciente, etc.5 o arco da fase anterior pode ser utilizado. Entretanto,
se houver necessidade de dobras moderadas e tor-
Na fase inicial, são utilizados fios redondos para mi- ques, recomenda-se o uso de fios de titânio-molibdê-
nimizar a fricção entre o tubo do braquete e o arco nio (TMA), pois são mais confortáveis para o paciente e
de nivelamento. Essa etapa não tem como finalidade sua manipulação é mais fácil para o profissional. Essa
corrigir totalmente as rotações, mas alinhar os dentes e fase tem duração média de 10 semanas, com intervalo
os slots apenas o suficiente para a segunda fase. A du- de quatro semanas entre as consultas.
ração dessa fase é, geralmente, de 10 a 20 semanas,
com intervalo de 6 a 10 semanas entre as consultas. Uma adaptação muitas vezes necessária em um siste-
O fio inicial é o 0,014” CopperNiTi, ou o 0,013” Cop- ma autoligável, quando comparado a um convencional,
perNiTi, em casos de apinhamentos muito severos. é que a inserção de um fio retangular com torque ati-
Ocasionalmente, utiliza-se o 0,016” NiTi como segun- vo torna mais difícil o fechamento do sistema. Muitas
do fio, nos casos de apinhamento severo em adultos vezes, é necessário manter fios superelásticos retangu-
que ainda não estão prontos para a segunda fase. lares por extensos períodos de tempo, antes que seja

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Princípios gerais da mecânica com braquetes autoligáveis

possível a inserção de fios de aço inoxidável de calibre Porém, quando posicionado fora da linha média, em
correspondente. Uma solução é o uso de fios interme- locais específicos, esse dispositivo pode impedir o des-
diários, ou mesmo de finalização, de titânio-molibdênio lizamento do fio, funcionando como um ômega, para
(TMA), que apresentam maior facilidade para inserção facilitar a protrusão, ou como uma dobra distal, agindo
no slot e fechamento do braquete. como um obstáculo ao deslocamento anterior.

d) Usar os stops: os stops podem ser definidos como Os stops também podem ser utilizados na lateral das
sendo pequenas extensões de tubos telescópicos, arcadas dentárias, de forma uni ou bilateral. Conse-
com 2 a 3mm, posicionados em algum lugar do arco quentemente, os efeitos esperados são diferentes.
ortodôntico para evitar que o fio deslize inadvertida- Os casos beneficiados com a mecânica unilateral são
mente. Devem ser devidamente fixados ao arco uti- aqueles em que o apinhamento é maior em um dos
lizando o alicate de torque Tweed (442), a fim de se lados e que apresentam desvio de linha média para
evitar danos à estrutura do fio ao fazer a preensão. esse mesmo lado, mostrando claramente o aspecto
Na  grande maioria dos casos (>  95%), esses stops de constrição da arcada no lado apinhado e norma-
são posicionados mesiais ao apinhamento, geralmen- lidade no lado oposto. Quando utilizado de forma
te na linha média, pois, nessa região, não prejudicam bilateral, ocorre expansão e protrusão em ambos os
o alinhamento e nivelamento dentário. A justificativa lados. Isso e benéfico para casos em que a protrusão
para sua utilização está baseada na própria concep- anterior é desejada, pois o fio fica impossibilitado de
ção dos sistemas autoligáveis: por fazerem uso de deslizar para posterior.
ligas termoativadas, o ideal é que esses não sejam
dobrados em suas extremidades, pois precisariam Outras aplicações clínicas dos stops são: manutenção
ser destemperados, o que pode prejudicar a proprie- de espaços edêntulos, por meio do posicionamento
dade desses fios. Caso o operador ainda queira fazer mesial e distal ao espaço, impedindo a migração dos
a dobra distal, deve fazê-lo com muito cuidado e so- elementos adjacentes; casos em que o dente está
mente em uma pequena extensão do fio (Fig. 14). muito deslocado do rebordo alveolar, em função de
severo apinhamento, com o mesmo posicionamento
Quando posicionado na linha média, o stop apenas evi- dos stops e auxílio de molas abertas para provocar
ta o deslocamento do fio. Nessa posição, ele não cau- a manutenção desse espaço; na correção de linhas
sa qualquer efeito sobre a arcada dentária. Devemos médias, sendo posicionados nos locais em que se
posicioná-lo dessa forma quando não desejarmos sua deseja que o dente pare de se movimentar; e na ma-
interferência na mecânica, ou seja, quando a intenção nutenção de espaços fechados recentemente, como
for que o alinhamento e nivelamento ocorram simetrica- diastemas, extrações e/ou desgastes, atuando como
mente dos dois lados da arcada dentária13. um amarilho conjugado20.

Figura 14: Posicionamento dos stops para evitar o deslize inadvertido do fio.

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e) Usar tubos auxiliares para mecânica segmenta- maneira sinérgica ao mecanismo de ganho de espa-
da: alguns sistemas de braquetes apresentam tubos ço obtido pelo controle de torque e a consequente
auxiliares ao slot principal, normalmente mais um ho- verticalização dos segmentos médio (caninos) e pos-
rizontal e outro vertical. Esses tubos podem ser usa- teriores (pré-molares e molares).
dos para mecânica segmentada, com a colocação
de sobrefios (overlay), molas de verticalização, molas O desgaste interproximal, quando corretamente indicado
de torque, ganchos e cantiléveres. Como exemplo e realizado exatamente onde se faz necessário, torna-se
de utilização clínica desses dispositivos, podemos um valioso instrumento de utilização clínica, facilitando a
analisar a Figura 15, na qual um fio auxiliar está sen- movimentação dentária, diminuindo a necessidade de
do sobreposto ao fio principal, com a intenção de expansão alveolar e reduzindo o tempo total de tratamen-
realizar o tracionamento do elemento dentário mal to e os danos periodontais advindos (Fig. 16).
posicionado, auxiliado por um segmento de mola
aberta de NiTi para abertura do espaço necessário Esse procedimento pode ser realizado de diversas manei-
para sua inclusão na arcada (Fig. 15). ras e com a utilização de diferentes materiais, como lixas,
brocas de alta rotação diamantadas, broca de tungstênio
f) Desgastes interproximais: a mecânica clássica multilaminada e discos de lixa mono ou dupla face, tanto
dos braquetes autoligáveis não contempla o uso na região anterior quanto na posterior. Independentemente
rotineiro e agressivo dos desgastes interproximais. do material escolhido, deve-se atentar para os limites do
Em nossa visão, isso deve ser revisto, uma vez que desgaste: por volta de 0,5mm para cada face dos dentes
os benefícios dos desgastes interproximais agem de anteriores, e 0,8mm para os dentes posteriores.

Figura 15: Uso do slot auxiliar para nivelamento com segmento de fio.

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Princípios gerais da mecânica com braquetes autoligáveis

Os desgastes devem ser, preferivelmente, iniciados pelas grau de apinhamento e da irregularidade da posição
faces proximais que estiverem com menor apinhamento, do dente (Fig. 16). Acreditava-se que o nível de força
e, à medida que o tratamento progredir e o alinhamento resultante em um sistema autoligável passivo seria
melhorar, os demais desgastes serão realizados. Quando tão pequeno que os efeitos secundários dessa liga-
dois dentes contíguos apresentarem paralelismo ou di- ção seriam mínimos, não merecendo mais cuidados.
vergência radicular, o desgaste pode ser feito com discos Infelizmente, o  tempo e os casos tratados mostra-
diamantados dupla face. Quando houver convergência ram o quanto essa mecânica pode ser deletéria, com
radicular, deve-se utilizar as lixas, principalmente nos ca- menores efeitos que os braquetes convencionais, se
sos em que o apinhamento apresenta-se muito severo. usados na mesma circunstância, mas, ainda assim,
Seguindo uma sugestão de David Normando (nota pes- presentes e importantes. Não se conseguiu demons-
soal), utiliza-se, na própria lixa e nas interproximais, o con- trar o chamado efeito “lip bumper”, em que as for-
dicionamento ácido em gel (ácido fosfórico a 37%), nor- ças de pressão lingual dos lábios seriam capazes
malmente utilizado nas colagens dos braquetes. O ácido de contrabalançar o efeito protrusivo da mecânica.
em gel facilita o deslizamento da lixa, impedindo que o Atualmente, a recomendação é que só se ligue bra-
esmalte desgastado se imbrique nela, tornando o proce- quetes que estejam inicialmente melhor alinhados, e
dimento mais rápido e eficiente. só se incorpore os demais conforme o espaço for
desenvolvido na arcada dentária. Isso normalmente
Deve-se ressaltar que, na utilização de discos diaman- é feito por meio de desgastes interproximais, molas
tados, é fundamental a proteção dos tecidos vizinhos, abertas de NiTi e, mais tarde, pelo controle de torque
envolvendo quase totalmente o disco, deixando somen- com verticalização dos dentes posteriores, a partir
te uma pequena área descoberta. Após o uso do disco, dos caninos, inclusive (Fig. 17).
deve-se realizar um acabamento com lixas de abrasivi-
dade variável (da mais áspera para a mais fina) e aplicar Primeiramente, antes de discorrer sobre as molas de
flúor em gel, para maior proteção local. NiTi, não podemos nos esquecer de que, se existe
apinhamento, existe a necessidade de espaço; e, se
g) Não ligar todos os braquetes, usar molas aber- esse não é obtido com desgaste ou extração, o será,
tas: anos atrás, a mecânica com autoligáveis passi- invariavelmente, com protrusão. O que se pode evitar
vos recomendava a ligação de todos os braquetes, é a protrusão provocada por excesso de fio, mas não
desde a primeira sessão, independentemente do será evitada a protrusão por alinhamento e nivelamento.

Figura 16: Alinhamento dentário após


uso de desgastes interproximais e de bra-
quetes autoligáveis, com manutenção das
dimensões das arcadas dentárias.

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Figura 17: Uso de molas com pequena ativação, para abrir espaço antes de nivelar dentes fora da forma da arcada.

Isso posto, fica claro que, quando não se quer provocar mantenedor de espaço para o dente que estiver pres-
protrusão dos incisivos, há que se obter espaço antes tes a ser alinhado. Um efeito adicional da força da mola
de passar o fio por todos os dentes. é a verticalização dos caninos, que, muitas vezes, co-
laborará para o ganho de espaço necessário para o
Nesse momento, entram em cena as molas helicoidais alinhamento de todos os dentes anteriores.
abertas de NiTi, que são dispositivos bastante versáteis
em qualquer tipo de tratamento ortodôntico. No  sis- h) Elastômeros e correntes elastoméricas sob o fio:
tema autoligável, da mesma forma, elas fazem parte como vimos, os braquetes autoligáveis, por definição,
do arsenal que o ortodontista pode lançar mão para o são aqueles que não necessitam de ligaduras, sejam
gerenciamento de casos com severo apinhamento e/ elas elásticas ou metálicas, pois possuem um meca-
ou rotação dentária. Seu emprego clínico deve ser cri- nismo que pode ser aberto ou fechado para prender
terioso, fornecendo forças leves e compatíveis com os o arco ao braquete12. Aliás, nos braquetes autoligáveis
dentes que estão recebendo a força. Inicialmente, seu passivos, essa ausência de ligadura que comprime o
comprimento não deve ultrapassar a largura do espaço fio contra o slot é a responsável pela mais importante
presente mais a largura de meio braquete (aproxima- característica desse sistema, que é baixo atrito.
damente 1,5mm), e devem ser utilizadas desde o início
do tratamento, nos primeiros fios de alinhamento/nive- Por outro lado, percebemos que alguns pacientes que
lamento, a fim de contribuir no ganho transversal das procuram o tratamento ortodôntico, principalmente
arcadas e, também, agir de forma localizada no api- crianças e adolescentes, exibem certa frustração ao
nhamento, diminuindo a protrusão. Inicialmente, pode explicarmos que seu aparelho não necessita das fa-
causar espanto o fato de se indicar o uso de molas mosas “borrachinhas”. Porém, esporadicamente, po-
abertas já nos fios iniciais, o que sempre foi contraindi- demos fazer uso das ligaduras elastoméricas coloridas,
cado nas mecânicas convencionais. Em primeiro lugar, posicionadas sob o fio, de maneira a não interferir na
o atrito de ligação é muito mais baixo nos autoligáveis, mecânica empregada. Nos casos em que se deseja
o que diminui possíveis efeitos secundários. Além dis- obter um maior ajuste do fio contra a parede de fundo
so, a mola apresenta uma força muito leve nesse ní- do slot, podemos utilizar as ligaduras sobre o fio, des-
vel de ativação, funcionando praticamente como um tarte o aumento de atrito no sistema.

Figura 18: Correntes elastoméricas e elastômeros devem ser colocados sob o fio.

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Princípios gerais da mecânica com braquetes autoligáveis

Da mesma forma, o uso de corrente elastoméricas ABSTRACT


sempre deve ser feito sob o fio, mantendo, dessa General guidelines of self-ligating brackets. The aim
forma, a eficiência do sistema, sem contato entre o of this paper was to present some general guidelines
elastômero e o fio de nivelamento (Fig. 18). for orthodontic treatment performed with self-ligating
brackets in the daily clinical practice. We discussed
CONSIDERAÇÕES FINAIS relevant clinical topics, such as the ideal character-
O tratamento ortodôntico corretamente conduzido e fi- istics of self-ligating brackets, their clinical efficiency,
nalizado deve não somente corresponder aos anseios comfort, treatment time, use of different bracket pre-
do paciente quanto à sua má oclusão e estética, mas scriptions, bracket position and associated treat-
também ao custo biológico desse tratamento, ou seja, ment mechanics. The use of elastics at treatment
a forma como administramos os parâmetros da movi- onset, disarticulation, wires sequence, elastomeric
mentação dentária. Dessa forma, os princípios gerais da chains, wire stops, springs and enamel wear were
mecânica com braquetes autoligáveis apresentados no also discussed. Thus, it aimed at presenting the au-
presente artigo evidenciam alguns procedimentos clíni- thors’s view of an efficient treatment mechanics us-
cos essenciais para que se tenha uma resposta mecânica ing self-ligating brackets to obtain high quality results
eficiente e segura — aspectos fundamentais para um tra- with stable outcomes. / Keywords / Orthodontics.
tamento ortodôntico eficiente e estável em longo prazo. Orthodontic appliance. Self-ligating brackets.

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