Você está na página 1de 18

CAPÍTULO 49

MEGAURETER E URETEROCELE

TÁSSIA MONTEIRO LOBOUNTCHENKO


EDSON SALVADOR
JOSELITA SOARES

INTRODUÇÃO
Por definição, o megaureter é aquele que apresenta um diâmetro maior ou igual a 7 mm,
independente de sua etiologia. Ele pode ser primário, representando uma condição intrínseca do
ureter ou secundário a processos patológicos da bexiga como bexiga neurogênica, obstrução infra
vesical ou a infecções.

O megaureter pode ser classificado em 4 categorias baseado na sua causa:

1. Obstrutivo

2. Refluxivo

3. Não obstrutivo não refluxivo

4. Obstrutivo e refluxivo

Nosso desafio consiste no balanço entre a identificação precoce e manejo dos ureteres obstru-
ídos, visando a prevenção da perda de função renal e a identificação dos ureteres estáveis evitando
intervenções cirúrgicas desnecessárias.

O megaureter refluxivo será abordado no capítulo de Refluxo Vesicoureteral deste livro.

O megaureter não-obstrutivo não-refluxivo é normalmente observado no recém-nascido e a


fisiopatologia pode estar associada a um aumento transitório da taxa de filtração glomerular (TFG)
que excede a capacidade de esvaziamento do ureter e leva a uma dilatação. O quadro se reverte em

705
MEGAURETER E URETEROCELE

alguns meses e a antibioticoprofilaxia é a única medida necessária. Outras etiologias que provo-
quem uma desproporção conteúdo x continente, como diabetes insipidus, também são descritas.

Não há consenso sobre a etiologia do megaureter obstrutivo refluxivo. Uma teoria é a de que
um segmento ureteral distal adinâmico porém implantado sob um túnel submucoso curto, poderia
justificar o achado. Neste caso, o tratamento é cirúrgico com o objetivo de preservar o trato superior
e consiste no reimplante do ureter ectópico.

Abordaremos com mais detalhes neste capítulo o megaureter obstrutivo primário e uma das
etiologias do megaureter obstrutivo secundário, a ureterocele.

Megaureter obstrutivo primário


O megaureter obstrutivo primário corresponde a 1/4 das uropatias obstrutivas em crianças e
o lado esquerdo é o mais afetado. Pode ser bilateral em até 25% e em 10-15% o rim contralateral é
ausente ou displásico (Schreuder, 2011).

Observa-se um afilamento distal do ureter e dilatação a montante. Um segmento ureteral


distal adinâmico é responsável pela obstrução e algumas alterações histológicas parecem estar as-
sociadas. São descritos em graus variados: deficiência de fibras musculares na junção ureterovesical,
infiltração de colágeno, displasia muscular e hipertrofia muscular da camada circular distal. (Vlad,
2007)

A hipótese de se tratar de uma alteração semelhante à doença de Hirschsprung, megacolon


agangliônico, foi descartada pela confirmação histológica da presença de gânglios na região.

Diagnóstico - Megaureter obstrutivo primário


Com a melhoria dos aparelhos de ultrassonografia e a sua utilização de rotina nos programas
de pré-natal, a descrição de hidronefrose antenatal (HAN) tem sido cada vez mais frequente e pode
observar também o ureter dilatado em alguns casos. Após o nascimento estas crianças são avaliadas
e o diagnóstico de megaureter pode ser esclarecido antes do surgimento de qualquer sintoma. Nos
casos de HAN, realiza-se uma ultrassonografia (USG) após 48 de vida, porque até então o exame
pode ter um resultado falso negativo por desidratação transitória. Se há hidronefrose bilateral, rim
único ou oligodramnia associada, a USG deve ser realizada imediatamente após o nascimento.

Nos casos em que o diagnóstico não é feito no pré-natal, as manifestações clínicas mais co-

706
TÁSSIA MONTEIRO LOBOUNTCHENKO, EDSON SALVADOR, JOSELITA SOARES

muns são ITU (70%), hematúria e dor (20%). O diagnóstico é feito após rotina de investigação de
ITU na infância.

Ultrassonografia (USG)
Por suas características, a USG é normalmente o exame inicial para avaliação de HAN ou de
anomalias urinárias.

No caso do megaureter, se observa hidronefrose e dilatação ureteral até próximo da bexiga.

O segmento obstrutivo distal pode ser descrito como um afilamento ureteral a poucos centí-
metros da bexiga. O trajeto, a implantação na bexiga e a identificação de outros achados ajudam no
diagnóstico diferencial. Entretanto, a USG não é capaz de fornecer dados funcionais.

FIGURA 1: USG de megaureter obstrutivo primário

707
MEGAURETER E URETEROCELE

FIGURA 2: Renograma diurético

Uretrocistografia miccional (UCM)


A UCM é importante para afastar o diagnóstico de refluxo vesicoureteral (RVU) e outras causas
de megaureter.

Pode ser normal nos casos de megaureter obstrutivo primário ou apresentar algum abaula-
mento da parede vesical por compressão do ureter muito dilatado.

708
TÁSSIA MONTEIRO LOBOUNTCHENKO, EDSON SALVADOR, JOSELITA SOARES

FIGURA 3: Urografia excretora

Renograma diurético
O renograma diurético nos fornece dados objetivos funcionais e dinâmicos. O grau de obstru-
ção pode ser inferido utilizando-se múltiplos parâmetros como a captação do radiofármaco, a ex-
creção renal e o tempo necessário para excreção de metade do traçador (T½) > 20 min (Koff, 1992).

O radiofármaco mais utilizado é o 99mTc DTPA (ácido dietileno triamino penta-acético) que tem
utilidade limitada antes de 4-6 semanas de vida, devido à baixa TFG. Nesta faixa de idade, o MAG3
(mercaptoacetilglicina) deve ser o agente de escolha, porém nem sempre está disponível.

A interpretação da cintilografia renal dinâmica nos casos de megaureter pode ser difícil e a
avaliação separada das curvas de atividade renal e ureteral seria importante para se avaliar o grau
de obstrução em cada ponto. Uma curva de eliminação renal normal com um T½ adequado não
descarta a obstrução ureteral distal, pois o rim pode esvaziar para um ureter dilatado que acomoda
e armazena o volume de urina.

Urografia excretora (UGE)


A UGE é raramente utilizada na investigação de megaureter. A imaturidade do sistema uri-

709
MEGAURETER E URETEROCELE

nário de recém-nato limita a sua utilização. Pode ter utilidade em alguns casos para uma melhor
avaliação da anatomia, principalmente em crianças mais velhas. A UGE pode fornecer uma noção
funcional grosseira.

Observa-se um atraso de eliminação de contraste no lado afetado e ureterohidronefrose com


afilamento ureteral distal próximo à bexiga.

Ressonância magnética urológica (UroRM)


A Uro-RM não é utilizada de rotina na avaliação do megaureter. No entanto, pode ser um re-
curso útil quando a função renal está muito comprometida. Nestes casos, a cintilografia dinâmica e a
UGE não apresentam filtração renal que permita visualizar o ureter. A Uro-RM pode utilizar a própria
urina retida no ureter, com sinal hiperintenso em uma sequência ponderada em T2, para desenhar
sua anatomia.

A UroRM fornece um estudo anatômico detalhado e pode ser um estudo mais utilizado no
futuro, incluindo parâmetros funcionais, sem o risco de exposição à radiação da tomografia compu-
tadorizada.

Teste de Whitaker
O teste de Whitaker avalia diretamente o gradiente de pressão intra-renal e intra-vesical, para
diagnosticar a obstrução das vias urinárias. É um teste invasivo que exige sedação, confecção de uma
nefrostomia e cateterismo vesical.

Em adultos, a infusão de soro a 10 ml/min é feita pela nefrostomia e as pressões registradas.


Uma pressão intra-renal maior que 22 cmH2O em relação à pressão de base intra-vesical indicaria
obstrução.

Entretanto, o teste tem limitações para uso na população pediátrica devido a suas caracterís-
ticas anatômicas. Novos estudos seriam necessários para estabelecer um protocolo com valores de
infusão e pressão compatíveis com a idade.

Tratamento - Megaureter obstrutivo primário


O tratamento do megaureter obstrutivo primário é inicialmente conservador. Muitos pacien-
tes com diagnóstico de HAN e posteriormente diagnosticados com megaureter obstrutivo talvez

710
TÁSSIA MONTEIRO LOBOUNTCHENKO, EDSON SALVADOR, JOSELITA SOARES

nunca viessem a apresentar sintomas. O desafio é tentar reconhecer quais pacientes não terão uma
evolução benigna. (Shokeir, 2000)

A abordagem inicial com antibioticoprofilaxia e avaliação periódica é uma tentativa de tratar


mais agressivamente somente aqueles pacientes que demonstram piora do quadro. Além disso, os
resultados da correção cirúrgica são melhores após 12 meses de vida.

O uso de antibioticoprofilaxia é discutível nestes casos se não há associação com refluxo. Po-
rém, aguardar um primeiro episódio de ITU em uma criança com grande volume de urina em estase
é uma preocupação para muitos urologistas pediátricos.

Dados objetivos como espessura do parênquima e função renal ajudam na tomada de decisão
durante o acompanhamento. Nestes pacientes a USG deve ser realizada a cada 6 meses e cintilogra-
fia renal com DTPA anualmente.

Em casos que evoluem com comprometimento renal, a opção de uma derivação temporária
pode proteger o trato urinário superior e postergar uma cirurgia maior para um momento mais ade-
quado e em condições mais favoráveis (Gimpel, 2010).

Derivação temporária
Alguns casos podem apresentar infecção grave com sepse e se necessário uma drenagem rápi-
da, uma nefrostomia pode ser utilizada, de forma temporária. Entretanto, para uma derivação mais
prolongada uma ureterostomia distal em alça é a melhor opção, garantindo uma boa drenagem.

A ureterostomia cutânea é prática e rápida, com acesso por uma pequena incisão inguinal.
O ureter é facilmente visualizado pelo seu tamanho, sendo às vezes confundido com uma alça de
jejuno. Uma punção com agulha para se confirmar a saída de urina deve ser feita antes da abertura
do ureter.

Uma referência anatômica que pode ajudar a localizar o ureter é a artéria umbilical obliterada.
Após sua secção encontra-se o ureter logo abaixo.

Reconstrução definitiva e remodelamento ureteral


A abordagem para reconstrução definitiva pode ser intravesical, extravesical ou combinada. O
ureter habitualmente se encontra dilatado e tortuoso sendo necessário reduzir seu diâmetro e com-

711
MEGAURETER E URETEROCELE

primento, de tal forma a se obter uma relação entre o túnel submucoso e o diâmetro ureteral de 5:1.

A porção distal afilada do ureter é sempre ressecada.

Existem múltiplas técnicas de ureteroplastia, utilizadas quando o ureter tem mais que 1cm
de diâmetro, incluindo a plicatura da parede ureteral e o remodelamento com ressecção parcial da
parede.

As duas técnicas mais comuns de plicatura ureteral são a de Starr e a de Kalicinski.

Técnica de Starr - É realizada uma plicatura na parede anterior do ureter, invaginando-se o


excesso. A sutura da parede é feita com um fio absorvível 6-0 e um cateter de 10 ou 12 Fr é utilizado
para calibrar o diâmetro (Starr, 1979).

Técnica de Kalicinski - Realiza-se uma plicatura na parede lateral do ureter, mantendo o tecido
dobrado fora da luz ureteral. Um cateter de 10 ou 12 Fr é utilizado para calibrar a luz e uma sutura
em “barra grega” isola o excesso de ureter. O excesso é então dobrado sobre o próprio ureter (Kali-
cinski, 1979).

Após a realização da plicatura, o ureter é reimplantado em uma abordagem tipo cruzamento


transtrigonal ou tipo Politano-Leadbetter. O uso de stents é raramente necessário.

As vantagens das técnicas de plicatura são a manutenção da vascularização e risco mínimo de


vazamento urinário. No entanto, quando o ureter é muito dilatado o resultado pode ser um ureter
espessado e difícil de reimplantar, principalmente se bilateral (Perdzynski, 1996).

Na técnica de Hendren a parede do ureter é ressecada, reduzindo seu diâmetro e o fechamento


é feito em dois planos sobre um catéter de 10-12 Fr, dependendo da idade e tamanho da criança.
Neste caso, a chance de fístula é maior e um stent pode ser mantido por 14 dias para reduzir os riscos
e uma cistostomia pode ser mantida por 7 dias no pós-operatório (Hendren, 1977).

As taxas de sucesso são de 93-95% nos casos de plicatura e 74-90% para as técnicas com res-
secção. Por outro lado, as complicações e a morbidade são maiores nas técnicas de plicatura.

Pós-operatório
O stent pode ser removido após 3-7 dias após plicatura e 7-14 dias após modelagem com
ressecção.

712
TÁSSIA MONTEIRO LOBOUNTCHENKO, EDSON SALVADOR, JOSELITA SOARES

Um edema local com persistência da dilatação ureteral pode permanecer por algumas sema-
nas e exames de imagem devem ser evitados neste período.

Após 30 dias, 3 meses e 6 meses realiza-se USG de controle e após 3-6 meses complementa-se
o estudo com renograma diurético e UCM para se descartar refluxo.

Ureterocele
A ureterocele é uma dilatação cística do ureter terminal e está associada à duplicidade urete-
ropiélica em 80% dos casos.

A duplicidade é a anomalia congênita de vias urinárias mais comum e está presente em um


a cada 150 recém-nascidos. Entretanto, na maioria dos casos, a duplicidade representa apenas um
achado radiológico. Sua importância clínica surge quando associada à ectopia ureteral e ureterocele.

Em meninas, a ureterocele é 4 vezes mais comum e está associada a duplicidade ureteral em


95% dos casos. Nos meninos, esta associação é menos comum (34%) (Caldamone, 1984).

Observa-se ureterocele bilateral em 15% dos casos.

A etiologia da ureterocele é ainda desconhecida porém algumas teorias foram propostas. A


dilatação poderia ser explicada pelo desenvolvimento anormal com deficiência de camadas muscu-
lares entre a mucosa vesical e a ureteral, podendo ainda estar associada a uma estenose de meato.
A persistência da membrana de Chwalla, que temporariamente separa o ducto de Wolf do seio uro-
genital durante a organogênese também foi sugerida (Tokunaka, 1981).

Uma terceira teoria envolve a formação do ducto mesonéfrico e do broto ureteral. Anomalias
de diâmetro e posição nestas estruturas podem justificar não só a formação da ureterocele mas
também a presença de alterações histológicas renais e displasia associadas à ureterocele. Estas alte-
rações podem levar a um resultado de perda de função renal a longo prazo, independente do grau
de obstrução, presença de infecção ou correção cirúrgica adequada precoce (Caldamone, 1984).

Classificação - Ureterocele
Múltiplas classificações foram sugeridas para descrever a ureterocele porém nenhuma é uni-
versal.

713
MEGAURETER E URETEROCELE

A classificação de Stephens pode ser utilizada para localizar o orifício e fornecer algumas ca-
racterísticas. Por esta classificação, a ureterocele pode ser intravesical ou extravesical, de acordo com
a sua extensão. A ureterocele intravesical pode ser estenótica ou não-obstrutiva. A ureterocele ex-
travesical pode ser esfinctérica, esfinctero-estenótica, cecoureterocele ou ectópica em fundo cego.

Diagnóstico - Ureterocele
A ureterocele pode ser detectada na USG morfológica antenatal e raros casos de intervenção
intra-útero foram descritos (Adiego, 2011).

É a principal causa de obstrução vesical em meninas recém-nascidas e a segunda em meninos,


sendo a primeira válvula de uretra posterior (VUP). Provoca queixas de jato fraco e interrompido e
alguns casos de obstrução vesical podem evoluir com anúria e ascite, configurando uma emergência
pediátrica.

Em meninas, pode ocorrer prolapso da ureterocele e se observa uma massa cística interlabial,
que deve ser diferenciada de outros diagnósticos, como sarcoma botrióide, cisto do ducto de Gartner
e cisto de ducto periuretral de Skene.

FIGURA 4: USG com ureterocele

714
TÁSSIA MONTEIRO LOBOUNTCHENKO, EDSON SALVADOR, JOSELITA SOARES

O quadro mais comum é o de hidronefrose por obstrução ureteral e os casos não diagnosti-
cados no período pré-natal apresentam classicamente história de ITU, antes de 3 anos de idade. A
ureterocele pode provocar ainda sintomas miccionais (DeFoor, 2003).

A avaliação inicial é feita com a USG e a UCM em todas as crianças com suspeita de anomalias
ureterais e, se confirmadas, a avaliação funcional cintilográfica é realizada. A uretrocistoscopia com-
pleta o estudo diagnóstico.

Ultrassonografia (USG)
A USG normalmente descreve a ureterohidronefrose e pode identificar a presença de dupli-
cidade associada e sinais de displasia, como hiperecogenicidade de parênquima. Na duplicidade,
pode ocorrer dilatação do polo inferior por refluxo associado.

Na bexiga, pode ser visualizada a ureterocele na região postero-lateral, como uma protrusão
cística de parede fina, porém esta imagem só é obtida com a bexiga parcialmente repleta. Uma
bexiga muito cheia pode causar colapso da ureterocele e uma vazia pode ser toda ocupada pela
ureterocele.

Um ureter ectópico dilatado pode simular uma imagem semelhante a da ureterocele ao com-
primir externamente a bexiga. Porém, a estrutura cística nesse caso tem a parede espessa e se ob-
serva a progressão do ureter até uma porção mais distal, ectópica (Sumfest, 1995).

Algumas vezes, se observa uma grande dilatação ureteral mas com um rim pequeno ou um
polo superior atrófico, nos casos de duplicidade. Tal quadro é conhecido como desproporção da ure-
terocele e nestes casos não se observa o parênquima renal (Share, 1989).

715
MEGAURETER E URETEROCELE

Figura 5: UCM com falha de enchimento vesical: ureterocele

Uretrocistografia miccional (UCM)


Na UCM, a ureterocele aparece como uma falha de enchimento vesical de base larga, próximo
ao trígono vesical. Deve-se ter o mesmo cuidado de observar a bexiga parcialmente cheia, obten-
do-se imagens precoces da fase de enchimento. O aumento da pressão intravesical pode colabar a
ureterocele ou até evertê-la para dentro do ureter dilatado formando uma falsa imagem de divertí-
culo de Hutch.

A UCM demonstra a presença concomitante de RVU, que normalmente é ipsilateral, para o


polo inferior no sistema duplicado, em cerca de 50% dos casos. O meato ureteral lateralizado e o
trajeto curto na parede vesical prejudicam o mecanismo antirefluxo na duplicidade.

Em alguns casos de refluxo maciço, a ureterocele e a unidade do polo superior podem não ser
visualizadas. A anatomia dos cálices renais pode sugerir a presença de duplicidade ao se observar a
ausência do grupamento calicinal superior, o sinal do “lírio caído”. A mesma imagem pode ser vista
na urografia excretora.

716
TÁSSIA MONTEIRO LOBOUNTCHENKO, EDSON SALVADOR, JOSELITA SOARES

Em grandes ureteroceles, pode haver refluxo contralateral por distorção da anatomia. O reflu-
xo para a ureterocele é raro.

Urografia excretora (UGE)


A UGE tem sido menos utilizada na investigação de crianças com ITU. Porém, pode ser útil em
alguns casos de ureterocele, onde permanecem dúvidas em relação à anatomia com a USG e a UCM,
principalmente nos casos de duplicidade e ectopia ureteral.

A ureterocele pode ser descrita como uma imagem de “cabeça de cobra” na topografia da be-
xiga ao ser contrastada internamente.

Figura 6: UGE com imagem de “cabeça de cobra”

Este exame tem a limitação de não demonstrar sistemas não funcionantes e alguns sinais
indiretos de sua presença precisam ser observados. O sinal do “lírio caído” também pode ser visto
aqui, ao se constatar a ausência do grupamento calicinal superior. Tal achado sugere a presença de
duplicidade e, no caso da UGE, com o polo superior não funcionante.

717
MEGAURETER E URETEROCELE

Em sistemas não funcionantes, a ureterocele aparece como uma imagem semelhante a da


UCM. Conforme a bexiga vai se enchendo de contraste das unidades funcionantes, surge uma falha
de enchimento próximo ao trígono vesical.

Cintilografia renal (DTPA e DMSA)


A cintilografia renal com 99mTc DMSA (ácido dimercapto succínico) demonstra a quantidade
de parênquima funcionante. Esta é uma informação importante para o planejamento terapêutico,
principalmente quando se considera a preservação renal. Seu resultado independe da presença de
obstrução tornando-o mais sensível que o DTPA para avaliar rins pequenos e a função do polo supe-
rior na duplicidade.

A cintilografia renal com 99mTc DTPA (ácido dietileno triamino penta-acético), ou renograma
diurético, é utilizado para quantificar a obstrução.

Os resultados dos exames cintilográficos são mais fidedignos após 4-6 semanas de vida, após
o período de transição do amadurecimento fisiológico renal do recém-nato.

Tomografia computadorizada (TC) e Ressonância Magnética (RNM)


A TC e a RNM são reservadas para os casos de anomalias complexas e para os casos de despro-
porção da ureterocele, quando os exames anteriores não forem definitivos.

Cistoscopia
Em ureteroceles menores e intravesicais observa-se uma dilatação cística que se expande con-
forme a peristalse ureteral, com um orifício puntiforme visualizável.

Em ureteroceles intravesicais maiores e nas extravesicais a anatomia pode ser difícil de identi-
ficar e nem sempre se encontra o orifício da ureterocele. A extensão para a uretra dificulta a identifi-
cação dos limites do colo vesical e uretra, estando o orifício muitas vezes além do colo vesical.

A melhor visualização é obtida com a bexiga parcialmente cheia e aguardando que a peristalse
ureteral promova o seu enchimento.

718
TÁSSIA MONTEIRO LOBOUNTCHENKO, EDSON SALVADOR, JOSELITA SOARES

Tratamento - Ureterocele
A abordagem da ureterocele deve ser individualizada e os algoritmos de tratamento tem sido
controversos. Com o diagnóstico precoce, antenatal ou neonatal, a indicação atual é de realizar a
punção precoce da ureterocele para descompressão do sistema e manter o paciente em antibiótico-
profilaxia até que se defina se há refluxo associado. A punção da ureterocele parece ser uma medida
de baixa morbidade, porém pode levar ao surgimento de refluxo (Adorisio, 2011).

Após a punção da ureterocele, a recomendação atual sugere que se defina inicialmente se há


indicação de ressecar o rim acometido, total ou parcialmente, e se há necessidade de reconstrução
vesical. Para isso precisamos estabelecer se a ureterocele está em um sistema único ou com duplici-
dade e se a unidade renal é funcionante ou não.

Sistema único e exclusão funcional


Nos casos com sistema único e exclusão funcional, a nefrectomia é o tratamento de escolha.
Após a aspiração do ureter durante a cirurgia, a ureterocele colaba e mecanismos obstrutivos vesi-
cais são resolvidos.

Episódios de ITU podem ocorrer por refluxo contralateral após a cirurgia ou raramente pela
permanência da loja de ureteroceles volumosas. A reconstrução vesical pode ser necessária poste-
riormente.

Apenas puncionar a ureterocele nestes casos não parece ser uma boa opção. Pode levar a um
quadro de refluxo para o ureter acometido e além da nefrectomia será necessário fazer a reconstru-
ção vesical.

Sistema único e rim funcionante


Nos casos associados a sistema único e rim funcionante, o tratamento inicial de escolha é a
punção da ureterocele (Di Renzo, 2010).

Após a punção, existe o risco de surgimento de RVU, que deve ser abordado como um refluxo
primário, aguardando o crescimento da criança. Entretanto, a chance de ser necessária a ressecção
da ureterocele com reimplante ureteral é maior nestes casos.

Para as ureteroceles intravesicais uma punção na região medial da base descomprime o sis-

719
MEGAURETER E URETEROCELE

tema e mantém a mucosa promovendo um mecanismo antirefluxo. Nos casos de ureterocele extra-
vesical, que se extende para uretra, procede-se à abertura ureterocele até acima do colo vesical ou
realiza-se duas punções, uma na porção intravesical e outra na extravesical.

Após 1-2 semanas se realiza uma USG para avaliar o grau de descompressão do sistema e após
3 meses uma UCM para verificar o surgimento de RVU.

Sistema duplo e exclusão funcional


Nos casos associados a duplicidade e um polo superior não funcionante, a nefrectomia polar
está indicada mas pode não ser o tratamento definitivo. Existe o risco em torno de 20% de haver
refluxo associado para o polo inferior ipsilateral ou para o ureter contralateral, que muitas vezes sur-
ge apenas após a heminefrectomia. Estes pacientes serão submetidos a um segundo procedimento
para reconstrução vesical.

A abordagem combinada, com heminefrectomia, ressecção da ureterocele e reimplante ure-


teral reduz o risco de refluxo. Porém, submete um número grande de pacientes a um procedimento
desnecessário.

Os melhores preditores de pior prognóstico e que eventualmente podem indicar a abordagem


combinada são: a presença de refluxo de alto grau, o refluxo para mais de uma unidade ureteral, o
prolapso de ureterocele e o refluxo para o ureter com uretecele. (Pearce, 2011)

Em recém-natos e crianças pequenas com anomalias graves e que provavelmente necessita-


rão de uma reconstrução vesical, existe a opção de incisar a ureterocele e transformar um sistema
obstrutivo em um refluxivo. Estes pacientes são acompanhados com antibioticoterapia até que seu
tamanho permita uma abordagem combinada.

Existe ainda a opção de manter o rim não funcionante, realizando ou não a reconstrução ve-
sical. Algumas considerações em relação à possibilidade de tratar-se de um rim com displasia pre-
cisam ser feitas. Porém, com a proposta de descomprimir o sistema com punção da ureterocele no
período neonatal, muitas crianças talvez não necessitem de cirurgia e permaneçam com um rim não
funcionante, que deverá ser acompanhado.

Sistema duplo e rim funcionante


Nos casos associados a sistema duplo e rim funcionante, pode-se considerar a heminefrecto-

720
TÁSSIA MONTEIRO LOBOUNTCHENKO, EDSON SALVADOR, JOSELITA SOARES

mia como forma de abordar cirurgicamente somente o rim. A parcela de participação desta unidade
para a função renal global é pequena e, desta forma, se evitaria uma cirurgia de reconstrução vesical.

Outra opção é manter o polo superior funcionante e realizar uma derivação alta com o ureter
dilatado, tipo ureteropielostomia ou ureteroureterostomia. Esta opção parece ser interessante nos
casos em que não há refluxo associado ipsilateral ou contralateral e, da mesma forma, evita uma
abordagem cirúrgica vesical.

A punção da ureterocele pode ser uma alternativa como abordagem inicial e alguns pacientes
que evoluem com RVU podem apresentar resolução expontânea.

Nos casos em que há refluxo associado, uma abordagem baixa, com ressecção da ureterocele e
correção do refluxo, é a conduta indicada. Este modelo descarta a necessidade de um segundo pro-
cedimento. No entanto, é preciso aguardar até que a bexiga tenha um tamanho adequado. Até que
se tenha segurança para realizar a correção, o rim estará sob risco e a antibioticoprofilaxia é essencial
(Husmann, 1995).

A ureterocelectomia é uma cirurgia complexa e consiste na ressecção da ureterocele, correção


do refluxo e reconstrução do defeito vesical. Pode ser realizada uma abordagem transvesical ou ex-
travesical.

Considerações finais
A diagnóstico de ureterocele resume uma grande quantidade de apresentações distintas, com
anatomia e fisiologia variados.

A prescrição de antibioticoterapia profilática precoce é um dos poucos pontos de consenso


no tratamento desta patologia. Uma ampla avaliação, com uma série de exames complementares,
fornecerá dados para um planejamento terapêutico racional.

Os objetivos gerais do tratamento incluem a tentativa de preservação renal, a redução dos


episódios de ITU e a redução da morbidade do próprio tratamento.

721
MEGAURETER E URETEROCELE

REFERÊNCIAS

Adiego B, Martinez-Ten P, Perez-Pedregosa J, Illescas T, Barron E, Wong AE, et al. Antenatally diagnosed renal duplex
anomalies: sonographic features and long-term postnatal outcome. J Ultrasound Med. 2011 Jun;30(6):809-15.
Adorisio O, Elia A, Landi L, Taverna M, Malvasio V, Danti AD. Effectiveness of primary endoscopic incision in treatment
of ectopic ureterocele associated with duplex system. Urology. 2011 Jan;77(1):191-4.
Caldamone AA, Snyder HM, 3rd, Duckett JW. Ureteroceles in children: followup of management with upper tract
approach. J Urol. 1984 Jun;131(6):1130-2.
DeFoor W, Minevich E, Tackett L, Yasar U, Wacksman J, Sheldon C. Ectopic ureterocele: clinical application of classifica-
tion based on renal unit jeopardy. J Urol. 2003 Mar;169(3):1092-4.
Di Renzo D, Ellsworth PI, Caldamone AA, Chiesa PL. Transurethral puncture for ureterocele-which factors dictate out-
comes? J Urol. 2010 Oct;184(4 Suppl):1620-4.
Gimpel C, Masioniene L, Djakovic N, Schenk JP, Haberkorn U, Tonshoff B, et al. Complications and long-term outcome
of primary obstructive megaureter in childhood. Pediatr Nephrol. 2010 Sep;25(9):1679-86.
Hendren WH. Technical aspects of megaureter repair. Birth Defects Orig Artic Ser. 1977;13(5):21-33.
Husmann DA, Ewalt DH, Glenski WJ, Bernier PA. Ureterocele associated with ureteral duplication and a nonfunctio-
ning upper pole segment: management by partial nephroureterectomy alone. J Urol. 1995 Aug;154(2 Pt 2):723-6.
Kalicinski H, Joszt W, Kansy J, Kotarbinska B, Perdzynski W. Surgery of megaureter. Acta Chir Acad Sci Hung. 1979;20(2-
3):245-51.
King LR. Megaloureter: definition, diagnosis and management. J Urol. 1980 Feb;123(2):222-3.
Koff SA, Campbell K. Nonoperative management of unilateral neonatal hydronephrosis. J Urol. 1992 Aug;148(2 Pt
2):525-31.
Pearce R, Subramaniam R. Partial nephroureterectomy in a duplex system in children: the need for additional bladder
procedures. Pediatr Surg Int. 2011 Aug 30.
Perdzynski W, Kalicinski ZH. Long-term results after megaureter folding in children. J Pediatr Surg. 1996
Sep;31(9):1211-7.
Schreuder MF. Unilateral anomalies of kidney development: why is left not right? Kidney Int. 2011 Oct;80(7):740-5.
Share JC, Lebowitz RL. Ectopic ureterocele without ureteral and calyceal dilatation (ureterocele disproportion): fin-
dings on urography and sonography. AJR Am J Roentgenol. 1989 Mar;152(3):567-71.
Shokeir AA, Nijman RJ. Primary megaureter: current trends in diagnosis and treatment. BJU Int. 2000 Nov;86(7):861-
8.
Starr A. Ureteral plication. A new concept in ureteral tailoring for megaureter. Invest Urol. 1979 Sep;17(2):153-8.
Sumfest JM, Burns MW, Mitchell ME. Pseudoureterocele: potential for misdiagnosis of an ectopic ureter as a uretero-
cele. Br J Urol. 1995 Mar;75(3):401-5.
Tokunaka S, Gotoh T, Koyanagi T, Tsuji I. Morphological study of the ureterocele: a possible clue to its embryogenesis
as evidenced by a locally arrested myogenesis. J Urol. 1981 Dec;126(6):726-9.
Vlad M, Ionescu N, Ispas AT, Ungureanu E, Stoica C. Morphological study of congenital megaureter. Rom J Morphol
Embryol. 2007;48(4):381-90.

722

Você também pode gostar