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A BELEZA

Nada mais conhecido do que o sentimento do belo; nada mais difícil de definir do que a
sua ideia. A Beleza produz dois efeitos nas pessoas: dá-lhes prazer e provoca um juízo.
O juízo estético é universal, isto é, quando afirmamos que certo objeto é absolutamente
belo, todos devem estar de acordo.

A emoção estética é um sentimento agradável, composto de simpatia, de prazer e de


surpresa, que pode ser resumido em admiração. Segundo S. Tomás de Aquino, a beleza
é a ordem, isto é, a unidade na variedade. Poder-se-ia objetar que há certa ordem, certa
regularidade que nada tem a ver com a beleza. Por outro lado, dizia Boileau que "uma
bela desordem é o efeito da arte".

Toda a beleza é essencialmente expressiva; um objeto é belo por causa das ideias e
sentimentos que nos sugere. A beleza é expressiva porque exprime a vida e, em
particular, a vida da alma. No dizer de Platão, "a graça das formas provém de elas
exprimirem, na matéria, as qualidades da alma". Segundo diz Aristóteles na Poética,
"toda a beleza se deve assemelhar à vida". A beleza é a expressão da vida, mas não de
uma vida qualquer; há certas formas de vida que são diminuídas, disformes ou abortivas
da vida, que são objeto de compaixão, de desgosto, de aversão e até de horror. O que
excita em nós a simpatia, a admiração, o entusiasmo, é a expressão de uma vida rica,
livre e harmónica. Assim sendo, podemos definir a beleza como sendo:

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A expressão de uma vida particularmente rica, livre e harmoniosa, a qual sendo
conhecida, estimula agradavelmente o uso das nossas faculdades representativas e
emotivas: os sentidos, a imaginação, a razão e o sentimento.

Esta definição reúne e harmoniza todos os elementos essenciais contidos nas definições
de Aristóteles, de S. Agostinho e de S. Tomás de Aquino.

A Beleza, a Verdade e o Bem


São íntimas as relações e as analogias entre estas três ideias, que muitas vezes se
empregam para se definirem mutuamente. É conhecida a definição falsamente atribuída
a Platão: "a beleza é o esplendor da verdade". Outros definiram: a beleza é o esplendor
do bem. O bem moral é frequentemente designado sob o nome de belo. De facto, o
verdadeiro, o belo e o bem, em si mesmos, identificam-se no mesmo ser, do qual são
três aspectos diferentes.

Esta é a razão por que Deus, sendo Ser absoluto, é também a verdade perfeita, a
beleza suprema, e o bem infinito; por isto mesmo todo o ser vivente que é, – e na
medida em que é, – é verdadeiro, é belo e é bom.

Mas, ainda que no ser absoluto estes três conceitos se identifiquem unidos, em relação
ao homem eles são distintos; isto porque o homem os identifica por meio de faculdades
diferentes, o que obriga a distingui-los de maneira específica, à semelhança do prisma
que decompõe a luz nas cores elementares.

O verdadeiro, percebido pela inteligência, é o objeto da ciência; o bem, realizado pela


vontade, é o objeto da moral; e a beleza, conhecida pela imaginação e sensibilidade
superior, é o objeto da estética.

O Sublime, o Bonito e o Feio


O sublime não é somente o belo no seu grau mais elevado. O sublime distingue-se
essencialmente do belo, de acordo com Kant, que diz: "O sublime é a expressão sensível
do infinito". O belo é a expressão harmoniosa da vida, em particular, da vida humana; o
carácter do sublime é a intensidade, a ilimitação. O sublime pode encontrar-se no caos e
até no horrível, onde a imaginação se confunde e a razão se espraia à vontade, estando
ali como no seu elemento, pois nasceu para o infinito.

O bonito, gracioso, lindo ou encantador, é forma inferior do belo. Entre o belo e o bonito
não há diferença essencial. "bonito– diz Ch. Lévèque –ainda é belo, mas belo sem a
grandeza, sem a amplitude, sem o brilho da energia do belo em toda a sua intensidade".
Assim, um carvalho secular, um grande lago, podem ser belos; mas um riacho ou uma
flor, são só lindos. O feio opõe-se ao belo; o que não significa que lhe faltem todos os
elementos do belo, mas simplesmente que lhe falta algum destes elementos em grau
elevado.

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A Beleza e as Belas Artes
A beleza fala à alma; excita a admiração e a simpatia. No dizer de Plotino, admirar é
imitar; simpatizar é vibrar em uníssono, e não se pode amar uma coisa sem procurar
assemelhar-nos a ela: Amor pares invenit aut facit.

O primeiro efeito da beleza é, assim, levar-nos instintivamente à imitação e a reproduzi-la


em nós. A admiração, quando atinge determinado grau, estimula a atividade, provoca a
exaltação e, sob certas circunstâncias, fecunda a inspiração. A partir deste momento já
não é suficiente compreender a sublime linguagem da arte; passa-se a desejar falar essa
linguagem, isto é, a exprimir o que se sente. Assim, a Arte apresenta-se sob a forma
reflexa. A criação reflexa da beleza pelo homem constitui a própria Arte.

De acordo com a forma pela qual exprimem a beleza, as artes dividem-se em Artes
Plásticas e Artes Fonéticas. As Artes Plásticas – arquitetura, escultura, pintura, desenho
– Empregam as formas e as cores. Projetam os objetos no espaço, em três dimensões,
como a escultura e a arquitetura, ou em somente duas, como a pintura e o desenho,
suprindo a terceira dimensão através dos artifícios da perspectiva.

As Artes Fonéticas – música, canto, oratória, poesia, teatro – exprimem a beleza por
meio de sons musicais ou de sons articulados. Estas obras de arte desenvolvem-se no
tempo. Não estando localizadas no espaço, como as artes plásticas, as artes fonéticas
são mais expressivas do que descritivas. Apesar disso, a poesia, devido às metáforas
que emprega e devido à imaginação, que representa as coisas ao vivo, participa
grandemente do privilégio das artes plásticas.

Aos interessados em aprofundar o conhecimento sobre os conceitos de Beleza


recomendamos fortemente a leitura da Estética – O Belo Artístico ou o Ideal de Hegel,
filósofo nascido em Stutgart em 1770 e que grandemente influenciou o pensamento
filosófico e político em todo mundo, a partir da sua morte em 1835.

Para terminar, para descontrair, uma pequena história sobre a Beleza e o Belo, escrita
pelo Irmão e filósofo irreverente, Voltaire:

Perguntem a um sapo o que é a beleza, o belo admirável, e ele responderá que á a


fêmea dele, com os seus dois grandes olhos redondos, salientes, espetados na
pequenina cabeça, com um focinho largo e achatado, barriga amarela, dorso
acastanhado. Perguntem ao diabo, e ele dirá que é um belo par de cornichos, quatro
garras afiadas e um rabios que enrolado. Consultem, por fim o filósofo, e este
responderá com uma algaraviada desconexa, numa gíria arrevesada; é-lhes
indispensável algo de conforme o arquétipo do belo.

Um dia, assistia eu a uma tragédia na companhia de um filósofo. " –Como isto é belo! –
exclamava ele. Mas onde está a beleza disto? Perguntei-lhe. –Está em que o autor
atingiu a finalidade que pretendia". No dia seguinte, o tal filósofo tomou um purgante que
lhe fez grande efeito. "Atingiu a finalidade", comentei. " Ora, aí está um purgante belo! "
Então percebeu que não se pode dizer que uma purga é bela e que para darmos a

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qualquer coisa o título de beleza será indispensável que vos cause admiração e prazer.
Concordou comigo que a tal tragédia lhe proporcionara esses dois sentimentos, e que
consistia nisso o belo.

Em seguida, fizemos uma viagem pela Inglaterra: ali vimos representar a mesma peça
teatral, traduzida na perfeição; mas aqui os espectadores bocejavam. "Ah! Ah! "
exclamou o filósofo, "o belo não é o mesmo para franceses e ingleses". Concluiu, depois
de refletir, que o sentimento do belo é coisa muito relativa, do mesmo modo que aquilo
que é decente no Japão é indecente em Roma, e o que está em moda em Paris é
detestado em Pequim; e desistiu de elaborar um longo tratado sobre o belo e sobre a
beleza.

António Rocha Fadista

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