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MAX WEBER E A QUESTÃO DO MÉTODO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES AO ESTUDO DAS ORGANIZAÇÕES

Max Weber e a questão do método


nas ciências sociais
Adriane Vieira*
Alexandre de Pádua Carrieri**

RESUMO
A grande contribuição de Max Weber foi promover a integração do método da
causalidade das “ciências da natureza”, com o método da compreensão, en-
tendido como o mais adequado às “ciências da cultura”. O paradigma da ação
recobre toda sua obra e a tipologia da ação vai forjar uma estratégia para cap-
tar o sentido da ação. Ao usar a burocracia como tipo ideal e a institucionaliza-
ção da dominação e poder que advém da burocratização das estruturas orga-
nizacionais, a TO promoveu a criação de um padrão de organização conside-
rada mais eficiente e criou uma representação convencional de seus estudos e
pesquisas.
Palavras-chave: Weber; Paradigma da ação; Burocracia; Ciência social.

O
ponto central para a compreen- A ação sobre a qual Weber centra sua
são da obra de Weber é o para- análise é a ação racional com relação a
digma da ação, quando o autor fins, pois a característica central do mun-
distingue entre ação racional com rela- do contemporâneo é a racionalização.
ção a fins, ação racional com relação a Para falar do sentido da ação Weber cons-
valores, ação afetiva e ação tradicional. truiu uma démarche cognitiva específica,
De certo modo esta classificação elucida diferente da démarche das ciências da na-
todas as concepções de Max Weber, uma tureza, mas não isenta de normas de exa-
vez que a sociologia é uma ciência que tidão e de rigor metodológico. Esta dé-
procura compreender a ação social. marche é formada por dois aspectos in-

*
Doutora em Administração pela UFMG, professora da FUMEC e da Faculdade Promove.
**
Doutor em Administração pela UFMG, professor da PUC Minas, Membro do Grupo de Estudos
Avançados em Gestão Internacional (GGI/UFMG).

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separáveis do conhecimento, a compre- tão do método, evidenciado em sua obra


ensão e a explicação, que levam à inter- A ética protestante e o espírito do capi-
pretação dos fenômenos sociais. talismo. Ao lidar com a questão das ori-
A compreensão implica numa classi- gens do capitalismo nesta obra, segun-
ficação dos tipos de conduta e leva à per- do Boudon (1989), Weber, embora soció-
cepção de sua estrutura inteligível. O logo, trabalha com uma questão de his-
objetivo da tipologia da ação construída toriador. No entanto não responde a ela
por Weber era forjar uma estratégia para especificamente na condição de histori-
captar o sentido da ação, ordenando o ador. Sua busca não está em tornar pa-
real no plano analítico e estabelecendo tente o conjunto de causas que permiti-
relações entre ações. riam explicar o surgimento do capitalis-
O sentido da ação está intimamente mo. Seu empenho consiste, antes, em
vinculado à noção de “fim”, uma vez que estabelecer o parentesco de estrutura
para Weber os outros processos ou esta- entre o sistema de comportamento do
dos que não expressam um sentido, em empresário capitalista ocidental, histori-
termos de meios e fins, permanecem es- camente inédito, representado pelo cal-
tranhos ao observador. O grande propó- vinismo. Neste trabalho, Weber expõe
sito de Weber é mostrar que é possível um dos seus temas mais importantes de
alcançar um conhecimento objetivo den- sua metodologia, o fato de que os con-
tro das Ciências da Cultura, embora o ob- ceitos das ciências sociais não se definem
jeto de conhecimento dessas ciências se exatamente, tal como os das ciências na-
encontre dentro da esfera de valores. Pa- turais ou dos da filosofia. Eles se obtêm
ra isso o cientista precisa fazer a distin- privilegiando determinados caracteres
ção entre “juízos de valor” e “relação com do fenômeno em questão e abandonan-
valores”. No âmbito pré-científico é per- do outros.
mitido se posicionar frente aos valores Outrossim, o intuito primeiro é de
como forma de recortar o objeto próprio compreender como Weber situa as Ciên-
das Ciências da Cultura, mas para fazer cias Sociais em relação a seu objeto de
ciência é preciso afastar-se dos juízos de estudo. Além disto, pensar no autor co-
valor, ou seja, a ciência não poder dizer mo um representante da Hermenêutica,
o que deve ser. Dessa forma Weber dife- enquanto estratégia de compreensão e
rencia o papel do cientista do papel do interpretação da ação.
homem de ação. O presente texto está dividido em
O que impressiona na obra de Weber duas partes. A primeira trata sobre os
é a sua variedade, caminhando dos es- conceitos e método desenvolvido por
tudos metodológicos às obras históricas, Weber. A segunda aborda algumas am-
aos trabalhos de sociologia da religião, à bigüidades que podem ser apontadas na
discussão da ciência e da política. O pre- obra deste pensador. Na seqüência tra-
sente trabalho tem como objetivo refle- ça-se algumas considerações sobre We-
tir sobre uma parte da obra de Max We- ber enquanto representante da Herme-
ber, mais especificamente sobre a ques- nêutica e, ao final, registra-se as apreen-

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sões sobre Max Weber e sua relação com dem a superação desta opção, buscando
a Teoria Organizacional. elementos metodológicos nos dois tipos
de estudo que, mesmo considerados
completamente diferentes, ofereçam pos-
WEBER, O MÉTODO, O TIPO IDEAL E SUA sibilidades que permitam um alto nível
OBRA A ÉTICA PROTESTANTE E O de compreensão dos fenômenos sociais,
ESPÍRITO DO CAPITALISMO quando adequadamente utilizadas. Para
Weber, a validade da sociologia enquan-
Max Weber representa uma das mais to ciência está unicamente nos problemas
importantes expressões teóricas da cha- específicos que ela se propõe a resolver.
mada sociologia que desenvolveu-se nos Aquilo que caracteriza o acontecimen-
primeiros anos do séc. XX. to social (objeto de estudo da sociologia),
Para compreender melhor as preocu- é o que se refere a valores, ou seja, à pró-
pações teóricas e metodológica de Max pria ação humana. Esta é a uma questão
Weber, é preciso ainda evidenciar que o central na reflexão epistemológica de
que estava em questão era todo o edifí- Weber: a observação de que diferente-
cio das Ciências Sociais, tanto seus fun- mente das ciências naturais, nas ciênci-
damentos quanto seus instrumentos as sociais a realidade empírica está sem-
metodológicos. A grande preocupação pre referida a alguma ordem de valora-
de Weber é trazer para um plano técnico ção. Assim, será preciso libertar o pes-
o pressuposto da validade e da objetivi- quisador de seus valores para que as ci-
dade, que passarão a ser consideradas ências sociais se fundamentem, e este
como propriedades metodológicas. A representará o esforço para construir
validade do conhecimento científico de- uma metodologia adequada a especifi-
penderá, então, da confiabilidade dos cidade do fato social.
métodos empregados, no sentido de que Partindo da premissa de que aquilo
a estrutura lógica dos mesmos possa ga- que justifica a existência de uma ciência é
rantir a transmissão da verdade dos a proposição de um problema específico
enunciados observáveis às hipóteses e a solucionar, para Weber não cabe buscar
vice-versa, pois por essa via poder-se-á um método universal, ao contrário, a
cumprir o requisito fundamental da ob- oportunidade da utilização de um deter-
jetividade científica exigido por Weber: minado processo metodológico deve va-
a verificação empírica dos resultados riar de acordo com o problema a ser re-
obtidos. (Saint-Pierre, 1991) solvido. Desta forma, podem existir tan-
Weber cria, assim, um sistema socio- tas ciências quantos pontos de vista espe-
lógico de interpretação dos acontecimen- cíficos no exame de um dado problema.
tos sociais, profundamente marcado pelo Weber, assumindo o espírito da epis-
debate que dividia os intelectuais ale- temologia Kantiana, nega que o conhe-
mães do seu período, acerca do estatuto cimento possa ser uma reprodução ou
das ciências “humanas” em relação às uma cópia integral da realidade, tanto no
ciências naturais. Seus trabalhos preten- sentido da explicação como da compre-

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ensão. O real é infinito e inesgotável, e partida a própria discussão sobre a pos-


assim, ao método cabe a função de fazer sibilidade de dar às ciências sociais o sta-
progredir o saber, e não de tentar ser fiel tus de ciência autônoma.
a um pretenso ideal de conhecimento. Weber entendia que, para lidar com a
Com este tipo de reflexão, Weber se opõe questão de que as ações humanas estão
as tentativas de diferenciar ou classifi- referidas a valores, e precisam nestes ter-
car as ciências de acordo com os méto- mos serem investigadas, as ciências so-
dos utilizados na pesquisa científica. ciais não deveriam tratar de prover nor-
De forma genérica, podemos afirmar mas e ideais obrigatórios (que resultem
que toda a análise weberiana se caracte- em controle da atividade prática), mas
riza por ter como unidade empírica o que sim buscar construir estimativas.
se chama de “ator social”, definido em A ação social é referenciada em valo-
sua obra como o responsável por uma res, esta enquanto objeto da ciência soci-
ação social orientada pelas ações dos ou- al, está constantemente sujeita a sofrer
tros. Este é o objeto de estudo ou o ponto alterações, sempre sendo organizada e
de vista específico da sociologia. reorganizada pelos sistemas de valores.
Em sua obra, aparece com bastante cla- Como a ciência social precisa se consti-
reza o conceito de ação social que deve tuir em uma ciência empírica da realida-
orientar os estudos dos cientistas sociais de concreta, Weber pontua que a relação
Seria a ação que, circunscrita em um mo- com valores estabelecida pelo pesquisa-
mento histórico específico, pode ser com- dor no trabalho científico dever ser rei-
preendida em suas relações causais e terada. Ao seu ver nenhum sociólogo tem
apreendida em seus significados, ou seja, condições de fornecer um conhecimento
na riqueza de seus componentes subjeti- completo das relações sociais, por causa
vos (Weber, 1987). Pode-se citar ainda que da sua relação com os valores. Ele pode
a ação está definida em sua obra como a realizar abordagens, levantar problemas
conduta humana, pública ou não, a que o e descobrir novos aspectos.
agente atribui significado subjetivo. Freund (1970) subdivide a relação
Deste modo, percebe-se que Weber com os valores no trabalho científico,
realiza uma distinção fundamental en- buscando precisar sua importância nos
tre as ciências naturais e as ciências espi- seguintes momentos da pesquisa:
rituais. Estas últimas permitem ir além • determina a seleção do tema a tra-
de observações e deduções de uniformi- tar, isto é, permite destacar um ob-
dades presentes nos processos estuda- jeto da realidade difusa.
dos, também proporcionando uma espé- • escolhido o tema, orienta a triagem
cie de compreensão das ações baseada entre o essencial e o acessório, isto
nas intenções subjetivas dos agentes. é, define a individualidade históri-
ca ou a unidade do problema.
O método e os tipos ideais • se constitui na razão do relaciona-
A compreensão da construção meto- mento entre os diversos elementos
dológica weberiana, tem como ponto de e as significação que se lhes atribui.

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• indica igualmente quais as relações é particular, não permitindo conhecer o


da casualidade a estabelecer a até geral das coisas humanas. Podemos, isto
que ponto é preciso levar a regres- sim, partindo de pontos de vista relati-
são causal. vos, estruturar leis e regras que apenas
• por não ser uma avaliação e exigir atingem aspectos do real, permitindo
um pensamento articulado que per- conhecer totalidades relativas, nunca o
mita o controle e a verificação do todo. O homem somente pode penetrar
acerto das proposições, afasta o que na realidade através da ciência empírica
é simplesmente vivido ou vagamen- e não deduzi-la ou apreendê-la como to-
te sentido. talidade.
Desta forma, podemos dizer que toda Nestes termos, Weber, como sociólo-
ciência humana, necessariamente, reali- go empírico, combate conceitos metafísi-
za-se por interpretação, que consiste no cos como o de “espírito de um povo” ou
método destinado a proporcionar a com- o da idéia enquanto uma força presente,
preensão do sentido de uma atividade assim como é contra a noção de um de-
ou de um fenômeno e a significação dos senvolvimento necessário ou a concepção
diversos elementos uns em relação aos materialista da história. Na pesquisa we-
outros. beriana não cabe nenhuma construção da
Jaspers (1977) explica que, muito em- história universal ou nenhuma visão da
bora somente a distância em relação ao totalidade da história humana. Nenhuma
objeto e a si próprio possibilite ao pes- totalidade se completa.
quisador o questionamento sereno do A ação social é o objeto da sociologia.
real, existem valorações decididas, con- Esta tem como meta sua compreensão in-
tidas no ato de conhecer, que se consti- terpretativa, buscando obter uma expli-
tuem em condições essenciais do conhe- cação de suas causas, de seu curso e de
cimento. São estas valorações que edu- seus efeitos. A ação social pode ser de-
cam para a sensibilidade em face de to- terminada de quatro diferentes manei-
das as valorações possíveis. Para Weber, ras:
a neutralidade valorativa da ciência não 1) Pode ser classificada racional em
está em oposição ao ato de valorar a vida, relação a fins. Esta classificação se
mas mais do que isto, é a paixão de valo- baseia na expectativa de que, obje-
rar e do querer que engendra, como seu tos em condição exterior ou outros
próprio esclarecimento e auto-educação, indivíduos humanos, comportar-
a legítima objetividade da pesquisa. A se-ão de uma maneira e pelo uso
neutralidade valorativa não significa que de tais expectativas, como “condi-
as escolhas dos problemas a serem pes- ções” ou “meios” para atingir com
quisados não repouse sobre valorações. sucesso os fins racionalmente esco-
A realidade, na perspectiva weberia- lhidos pelo indivíduo. Esta ação é
na, é individual, infinita, inesgotável em denominada ação em relação a fins.
cada uma das suas figuras, e assim, ina- Uma ação absolutamente orienta-
cessível ao pesquisador. Toda pesquisa da a fins, ou seja, à pura finalidade,

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sem qualquer referência a valores tor, de que não há conceitos históricos


básicos, é em essência apenas uma passíveis de serem transformados em
exceção. leis, definitivos. Os indivíduos históricos,
2) A ação social pode ser determina- assim como os conceitos e valores, são
da pela crença consciente no valor variáveis. Desta forma, é preciso estudá-
absoluto da ação como tal, indepen- los com cada vez maior precisão, nisto
dente de quaisquer motivos poste- consiste a comparação com o caráter de
riores, e medida por algum padrão tipo ideal. Só mediante fórmulas concei-
tal como ética, estética ou religião. tuais típico-ideais é que se chega a com-
Ocorre a orientação racional para preender realmente a natureza particu-
um valor absoluto, denominada lar dos pontos de vista, que interessam
ação em relação a valores. no caso particular, graças a um confron-
3) Pode ser determinada pela afetivi- to entre o empírico e o tipo ideal.
dade, especialmente de modo emo- O tipo ideal é, portanto, uma constru-
cional, como resultado de uma con- ção mental. Estrutura-se pela exageração
figuração especial de sentimentos ou acentuação de um ou mais traços, ou
e emoções por parte do indivíduo. pontos de vista, observáveis na realida-
4) Pode ser determinada tradicional- de. Raramente se encontram, se é que se
mente, tornando-se costume devi- encontram, na própria vida, fenômenos
do a uma longa prática. que correspondam com exatidão ao tipo
Para designar a situação na qual duas mentalmente construído. Um tipo ideal
ou mais pessoas estão empenhadas nu- ou puro difere de uma média estatística,
ma conduta, onde cada um leva em con- um instrumento essencial na análise so-
ta o comportamento da outra de uma ma- cial, mas para fins diversos. Constitui um
neira significativa, estando assim orien- instrumento para a análise de aconteci-
tada, usa-se o termo “relação social”. A mentos históricos concretos. Essa análi-
relação social consiste inteiramente na se exige conceitos claramente definidos.
probabilidade de que os indivíduos com- É um conceito limitador com que se com-
portar-se-ão de um modo significativa- param, no processo de investigação, as
mente determinável. ações ou situações de vida. (Cohn, 1986)
Timasheff (1960) afirma que o estudo Weber utilizou-se constantemente do
da ação social, conforme Weber o conce- tipo ideal em seus escritos. Para Tima-
bia, requer o método do tipo ideal ou pu- sheff (1960), a sociologia que ele preten-
ro. A construção dos tipos ideais não in- dia centralizar em torno do conceito da
teressa como fim, mas como meio de co- ação social, envolvendo o significado
nhecimento das ações. O tipo ideal é uma subjetivo, tornou-se em larga medida e,
tentativa de apreender os indivíduos his- infelizmente, um estudo do comporta-
tóricos, suas ações e seus diversos ele- mento humano encontrado em média ou
mentos em conceitos genéticos (que faz mesmo em circunstâncias hipotéticas.
referência a certos significados culturais Para este autor, no que diz respeito à in-
importantes). Parte-se, segundo este au- vestigação metodológica, o conceito de

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tipo ideal das ações sociais propõe for- ensão subjetiva das ações sociais estuda-
mação de um juízo de atribuição. Não é das. Thimasheff (1960) caracteriza dois
nunca uma “hipótese”, mas pretende modos de elaboração da compreensão ao
apontar o caminho para a formação de nível do significado das ações. Primeiro
hipóteses. Embora não constitua uma ex- há a compreensão por observação direta
posição da realidade, pretende conferir do significado subjetivo do ato de ou-
a ciência meios expressivos unívocos. trem. Pode-se apreender estes significa-
Freund (1970) explica que o tipo ide- dos porque temos consciência das inten-
al é um outro momento da seleção, feita ções subjetivas que atribuímos a nossas
pelo historiador e o sociólogo, por abor- próprias ações iguais. Segundo, há uma
darem necessariamente o real a partir de compreensão de motivo. Caracteriza-se
certos pontos de vista, em função da re- pela reprodução, no observador do raci-
lação com os valores. É ele, o modo de ocínio do agente ou, se sua ação não for
construção de conceitos peculiar ao mé- racional, compreende-se o contexto emo-
todo histórico ou individualizante, cujo cional em que ocorre a ação através da
objeto é o estudo da realidade e dos fe- participação simpatética ou da empatia.
nômenos em sua singularidade. Por Não há necessidade de participar dos
exemplo, o capitalismo, sendo uma ma- pontos de vista teóricos ou dos fins últi-
nifestação singular da vida econômica, mos ou valores do agente, mas intelec-
não poderia ser determinado pela adi- tualmente compreende-se a situação e a
ção das características comuns a todas as conduta correspondente.
formas de capitalismo, ou mesmo pela Na obra de Weber, continuadamente
média dos traços peculiares às diversas utiliza-se a comparação como técnica pa-
formas de fenômeno. A solução estaria ra relacionar entre si eventos totalmente
no conceito de tipo entendido de certa diversos. Segundo Jaspers (1977), o au-
maneira. Esta noção pode tomar o senti- tor utiliza a comparação como um dos
do de um conjunto de traços comuns (o caminhos para encontrar o possível. Ao
tipo médio), mas também o de uma esti- comparar desenvolvimentos na China,
lização que põe em evidência os elemen- na Índia ou no Ocidente, ele não procu-
tos característicos, distintivos ou típicos. ra encontrar leis históricas ou tipos so-
A grande maioria dos tipos não se ciológicos como abstrações do idêntico
aplica diretamente a ações, mas a coleti- ou do semelhante, mas faz do semelhan-
vidades sociais. A ação existe somente te o meio para se chegar a captação tan-
como conduta de um ou mais seres hu- to mais decisiva do especificamente di-
manos individuais, as coletividades de- ferente. Nas situações históricas seme-
vem ser tratadas como resultantes de lhantes os possíveis também são seme-
modos de organização de atos pratica- lhantes. No entanto, ao longo do tempo,
dos por indivíduos. ocorre o oposto ou simplesmente o dis-
Ao pesquisador interessa construir crepante. A partir das semelhanças, em
seus trabalhos nos termos daquilo que contraste com elas mesmas, pode-se en-
Weber determina como sendo a compre- contrar aquilo que se particulariza em ca-

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da caso. Este particular que se procura é pode ser obtida quando este processo de-
pensado enquanto o possível. monstra oferecer uma adequação de sen-
Há um princípio de método, que de- tido e também pode ser demonstrado
preende-se da utilização da comparação, tanto significativa como casualmente
hoje denominado de homologia estrutu- adequado. No caso de nenhum sentido
ral, conforme Boudon (1989), que no tex- se ligar a uma tal ação típica, então, inde-
to A ética protestante e o espírito do ca- pendentemente do grau de uniformida-
pitalismo destaca-se por explicar um fe- de ou de precisão estatística da probabi-
nômeno, no caso o capitalismo, não por lidade, ela ainda permanece uma proba-
se tornar patente um feixe de causas e bilidade estatística incompreensível, em-
circunstâncias históricas, mas sim um pa- bora lide com um processo manifesto ou
ralelismo entre duas estruturas: a do subjetivo. A garantia possível de ser ob-
comportamento do empresário capitalis- tida em termos da casualidade significa-
ta e a da mentalidade puritana. A inter- tiva da adequação de sentido das ações
pretação de Weber deste paralelismo se advém da determinação, com algum
dá de maneira causal. O protestantismo grau de freqüência de aproximação, de
é descrito como uma das causas do capi- um tipo médio ou ideal.
talismo moderno. Para Weber, um saber só se adequa ao
Deste modo temos que um dos con- rigor da análise científica quando procu-
ceitos mais expressivos de Weber é o de ra ser acessível a todas as pessoas, ou
casualidade. Parece que o objetivo fun- seja, se submete à transformação concei-
damental da análise weberiana está em tual, à verificação, aos processos de ve-
buscar compreender as relações de cau- rificação da prova, etc. Seja qual for o pa-
sa-efeito dos acontecimentos sociais. É pel da intuição, e Weber não o minimi-
preciso identificar que sua concepção de za, a experiência vivida nunca é como tal
causa leva em conta o princípio de que um conhecimento científico. (Freund,
aquilo que de um certo ponto de vista se 1970)
considera como efeito, pode por sua vez O objeto, a entidade de que Max We-
agir como causa, e aquilo que se chama ber se ocupou, é realmente uma entida-
causa, pode, sob outro ponto de vista, de histórica singular: em parte alguma,
agir como efeito. De outra maneira, po- em qualquer outra sociedade e em ne-
de-se dizer que tudo o que é produzido, nhuma outra época, se viu desenvolver
produz por sua vez uma ação. este processo que constitui o capitalismo
Weber (1987) condiciona uma inter- ocidental. A questão a que se propõe,
pretação causal correta de uma ação con- então, é tentar compreender melhor por-
creta ao fato desta ação manifesta e seus que os comportamentos historicamente
motivos serem corretamente estabeleci- inéditos que caracterizam o empresário
dos e se, ao mesmo tempo, o relaciona- capitalista puderam desenvolver-se.
mento entre eles tornar-se inteligível, de (Boudon, 1989)
acordo com seu sentido. Uma interpre-
tação causal correta de uma ação típica

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Weber, a ética protestante e o espírito vidades dos órgãos de administração da


do capitalismo religião católica, especialmente o papa-
do que, segundo alguns autores, contri-
A questão da filiação religiosa e buiu para facilitar a acúmulo de riqueza
o desenvolvimento necessário para a expansão do capitalis-
Os dados da estatística ocupacional, mo.
apontando para o fato de os líderes do Sem a difusão universal das qualida-
mundo dos negócios e proprietários do des metódicas e princípios de um modo
capital, assim como dos níveis mais al- de vida metódico, mantido através das
tos da mão-de-obra qualificada serem comunidades religiosas protestantes, o
preponderantemente protestantes, le- capitalismo moderno não seria o que é.
vam Weber a procurar explicações em (Weber, 1963)
fatores históricos, que chegam à formu- Os protestantes (especialmente em
lação da questão das relações entre o alguns de seus ramos), tanto como clas-
maior desenvolvimento econômico e a se dirigente, quanto como classe dirigi-
revolução da Igreja Católica. A emanci- da, demonstram uma tendência especí-
pação do tradicionalismo econômico fica para o racionalismo econômico, que
aparece certamente como um fator de não pode ser observada entre os católi-
apoio à tendência de duvidar da santi- cos em qualquer uma dessas situações,
dade da tradição religiosa, e das autori- portanto, a razão dessas diferentes ati-
dades religiosas. tudes deve ser procurada no caráter in-
A religião certamente pode influir so- trínseco permanente de suas crenças re-
bre a vida em geral e sobre a atividade ligiosas. (Weber, 1987)
econômica em particular, quer como sis- A Reforma engendrou um movimen-
tema de doutrina, quer como organiza- to de substituição do controle vigente da
ção. A Igreja Católica, mesmo não se Igreja na vida cotidiana, por uma nova
opondo aos instrumentos do capitalismo, forma de regulação de novas condutas
certamente reprova em larga medida o nos setores da vida pública e privada. A
fim e o modo da sua organização. Numa ética católica sustenta um maior alhea-
época em que a concepção católica da mento do mundo, levando seus segui-
vida estivesse firmemente arraigada nos dores a uma maior indiferença frente aos
espíritos, não teria sido possível qualquer bens deste mundo. Assim, os católicos
manifestação capitalista, a não ser como teriam menos impulso aquisitivo e uma
manifestação pecaminosa, reprovada e forte tendência a buscar mais segurança
esporádica. Assim sendo, num momen- e menor risco.
to histórico perfeitamente católico não Weber relaciona o maior sucesso eco-
haveriam condições objetivas para o de- nômico de certas regiões sobre outras, a
senvolvimento do modo capitalista de partir da constatação da predominância
produção. (Fanfani, 1958) das religiões protestantes naquela mais
Estas afirmações se colocam mesmo desenvolvidas. Contudo, nem todos os
se levarmos em conta a questão das ati- ramos do protestantismo parecem ter

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tido esta influência. Weber, ao determi- os funcionários, caixeiros, operários e


nar o tipo ideal de ética religiosa que sus- empregados domésticos que surgiam na
tenta sua análise, defende que, inclusive divisão do trabalho capitalismo, alinha-
certos tipos de concepção, como o velho ram-se a esta doutrina, enquanto que os
protestantismo de Lutero, Calvino, Knox, denominados empreendedores capitalis-
ou Voet, quase nada tinham a ver com o tas eram mais identificados como calvi-
desenvolvimento econômico. nistas.
Para Weber, o Calvinismo com sua
doutrina de predestinação, decretava que A essência do capitalismo
os escolhidos por Deus já nascem bendi- Para Fanfani (1958), a concepção ca-
tos, e nada podem fazer para mudar seus pitalista da vida apóia-se essencialmen-
destinos traçados segundo finalidade te numa cisão dos fins que os homens
divina, secreta deliberação e arbítrio de visam. Deste modo, fixa-se o olhar nos
Sua vontade. Uma intensa ati-vidade fins naturais, em particular nos fins eco-
profissional passa a ser recomendada – nômicos, dispensando os sobrenaturais
assim como o combate as dúvidas e a e religiosos. Embora não se negue que
resistência às tentações do demônio – possa existir, ou que os homens possam
como o meio mais adequado para que acreditar numa ordem religiosa, não se
cada um mantenha a fé de ser um dos pode conceber que esta se oponha à or-
escolhido, pois Deus ajuda a quem se aju- dem econômica, e menos ainda, que seja
da e o calvinista criava sua própria con- capaz de dominá-la a fim de harmoni-
vicção acerca de sua salvação através de zar as leis desta com a sua. Um critério
uma vida dedicada ao trabalho e às boas de racionalidade, o da natureza econô-
obras. Neste sentido, o Calvinismo foi mica, é que possui a prioridade na orga-
aquele que, mais do que outros movimen- nização capitalista da vida.
tos, parece ter promovido o progresso do Weber define como melhor ponto de
espírito do capitalismo. vista para determinação do caráter indi-
Haveria ainda o Pietismo e as Seitas vidual e especificadamente único do es-
Batistas derivadas do Calvinismo. E o pírito do capitalismo, o fato de que este
Metodismo nascido no interior da Igreja se constitui em um estilo de vida norma-
Anglicana na Inglaterra. O interessante tivo baseado e revestido de uma ética. O
a se destacar é que nas Seitas Batistas re- conceito espiritual do capitalismo é usa-
jeita-se a doutrina da predestinação. As do neste sentido único, especifico do ca-
obras que seriam os meios de se conhe- pitalismo moderno. Este capitalismo
cer o “estado de graça” de alguém, o ta- maduro não corresponde à uma necessi-
manho da benção divina, perdem para a dade meramente aquisitiva. É uma ati-
racionalização da conduta e para prática vidade racional com ênfase na discipli-
do ascetismo laico. Com penetrações na e na hierarquia na sua organização.
destes valores na vida profissional de Em todas as outras formas de capitalis-
seus crentes. Uma outra coisa a se desta- mo já vivenciadas não encontramos es-
car, particularmente ao Pietismo, é que tes determinantes.

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MAX WEBER E A QUESTÃO DO MÉTODO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES AO ESTUDO DAS ORGANIZAÇÕES

Do capitalismo moderno, Weber irá ros obstáculos, e o trabalho muito mais


reter a idéia de acumulação do capital, intensivo que é exigido do empreende-
do cálculo racional e da circulação das dor moderno.
riquezas. Esta simplificação interessa por Há um sentido utilitarista nas princi-
salientar a originalidade do capitalismo pais atitudes morais destes homens. A
industrial em relação ao dos usuários ou honestidade, a pontualidade, a laborio-
dos fornecedores de guerra, que todas as sidade, a frugalidade asseguram o cré-
sociedades conheceram (Boudon, 1989). dito. É esta a razão pela qual são virtu-
Esta racionalidade, adotada como um des. Nestes termos, a obtenção de mais e
princípio autônomo, de outras ordens mais dinheiro, combinada com o estrito
também consideradas autônomas, con- afastamento do gozo espontâneo da vida
siste na grande inovação do sistema. passa a ser vivida como algo de superi-
A aquisição econômica deixa de estar or à felicidade ou utilidade do indivíduo.
subordinada ao homem como meio de O capitalista de então uniu a idéia de
satisfazer suas necessidades materiais. dever ao conceito de riqueza. Esta idéia
Esta inversão daquilo que pode ser cha- em vez de significar limitação na aquisi-
mado de relação natural, torna-se, na ção, significou a missão de não perder
análise weberiana, um princípio orien- nada, a fim de que a produtividade do
tador do capitalismo. Ocorre que ganhar seu esforço se elevasse ao máximo. Uma
dinheiro dentro da ordem econômica vez quebrado o elo que unia a idéia de
moderna é, enquanto for feito legalmen- riqueza, como um meio à idéia de salva-
te, o resultado e a expressão de virtude e ção eterna, como um fim alcançável, sob
de eficiência em uma vocação. Aparece determinadas condições de uso e aqui-
deste modo um sentimento ligado a cer- sição de bens, e ainda, sendo aceito que
tas idéias religiosas. não existia oposição alguma entre a in-
A ética social do capitalismo desen- tensidade da ação econômica e o fim úl-
volve-se fundamentalmente a partir da timo dos homens, desapareceram as li-
idéia do dever profissional, como uma mitações impostas pela moral religiosa
obrigação que o indivíduo deve sentir e à aquisição de riqueza. (Fanfani, 1958)
que realmente sente, independentemen- Podemos compreender a essência do
te do que consista sua atividade, desde espírito capitalista, observando que para
que corresponda à utilização de seus po- o homem pré-capitalista (que tinha liga-
deres pessoais ou mesmo, apenas de suas do a idéia de riqueza à idéia de instru-
possessões materiais. mento social, e tinha relacionado a ativi-
O empresário deste novo estilo apri- dade econômica com o conjunto das ne-
mora uma força moral calcada em quali- cessidades correspondentes ao estado)
dades éticas muito definidas, angarian- era preciso estabelecer uma discrimina-
do assim a confiança indispensável de ção não apenas entre os meios lícitos e
seus fregueses e trabalhadores. Weber sa- ilícitos de aquisição da riqueza, mas,
lienta que nada mais poderia ter dado a principalmente, uma discriminação en-
força necessária para superar os inúme- tre a intensidade lícita e intensidade ilí-

Economia & gestão, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 9-31, jul./dez. 2001 19


Adriane Vieira; Alexandre de Pádua Carrieri

cita do uso dos meios lícitos. Para o ho- duta no mundo, devendo, deste modo,
mem pré-capitalista, a moral não só con- provar-se a si mesmo. Não importa até
denava os meios ilícitos, como também que ponto o mundo, como tal, é religio-
limitava a utilização dos ilícitos. (Fanfa- samente desvalorizado, pois este será o
ni, 1958) espaço da atividade desejada por Deus
Weber observa que a questão das for- na “vocação” que se tem neste mundo.
ças motivadoras da expansão do capita- O ascetismo desejou racionalizar o
lismo moderno não é, a princípio, uma mundo eticamente de acordo com os
questão de origem das somas de capi- mandamentos do Senhor. No ascetismo
tais disponíveis para o uso capitalístico, do mundo, a graça e o estado escolhido
mas, fundamentalmente, do desenvolvi- do homem religiosamente qualificado,
mento do espírito do capitalismo. Onde submetem-se à prova na vida diária, nas
ele aparece e é capaz de se desenvolver, atividades metódicas e racionalizadas de
ele produz seu próprio capital e seu su- vida de trabalho diário a serviço do Se-
primento monetário como meios para nhor. Transformada racionalmente numa
seus próprios fins, e não o inverso. vocação, a conduta cotidiana torna-se
central para a comprovação do estado de
A ética protestante enquanto tipo ideal graça. Assim, as seitas ocidentais fermen-
Weber (1963) sustenta que quando os tam a racionalização metódica da con-
virtuosos religiosos, aqueles religiosa- duta, inclusive a econômica.
mente qualificados, combinam-se numa O protestantismo introduziu no mun-
seita ascética ativa, alcança-se dois obje- do a idéia de vocação, segundo a qual
tivos fundamentais: o desencantamento cada indivíduo se entregaria de corpo e
do mundo e o bloqueio do caminho da alma a cultivar a atividade a que era cha-
salvação através da fuga do mundo. mado a desenvolver, convencido de que
Ocorre um desvio bastante significativo era este o seu único dever para com Deus
no caminho da salvação, que deixa de ser (Fanfani, 1958). Está na raiz desta idéia,
encontrado na “fuga contemplativa do a crença de que o trabalho é executado
mundo” e passa a estar no “trabalho nes- em benefício de todos, da própria huma-
te mundo”. Um trabalho ativo e ascéti- nidade. A divisão do trabalho é essenci-
co. Estes objetivos foram alcançados ple- almente colaborativa, e eticamente repre-
namente pela grande Igreja e organiza- sentada como uma vontade direta de
ções sectárias do protestantismo ociden- Deus.
tal e ascético. Weber (1987) estuda diferentes seitas
Agora o virtuoso religioso pode ser e entre as que ele chama de representan-
colocado neste mundo como o instru- tes históricos do protestantismo ascéti-
mento de um Deus, e isolado de todos co, conclui que o calvinismo foi aquela
os meios mágicos de salvação. Não obs- que melhor elaborou os fundamentos
tante, ele deve se provar acima de Deus, que determinaram o sentido ético de
como tendo sido chamado exclusiva- uma conduta, de uma concepção de vida,
mente pela qualidade ética de sua con- que será apontada em sua obra como o

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MAX WEBER E A QUESTÃO DO MÉTODO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES AO ESTUDO DAS ORGANIZAÇÕES

espírito do capitalismo, muito embora, tais do espírito do capitalismo, e não so-


observe que mente dele, mas de toda a cultura mo-
derna, que é a conduta racional baseada
... parece um mistério como a indubitá-
vel superioridade do calvinismo na orga- na idéia da vocação, nasceu do espírito
nização social pôde se relacionar com suas da ascese cristã. Para ele a leitura dos tre-
tendências para arrancar o indivíduo dos chos de Franklin, transcritos no seu tra-
mais fortes laços pelos quais ele se liga
balho, mostra que os elementos funda-
no mundo... (p. 75)
mentais daquilo que lá se denominou es-
A explicação está na forma peculiar pírito do capitalismo, são os mesmos que
que o amor fraternal cristão assumiu, representam o conteúdo da ascese voca-
através da fé calvinista. Em primeiro lu- cional do puritanismo, embora já despro-
gar, o mundo existe para a glorificação vido da fundamentação religiosa. Des-
de Deus. Esta é uma afirmação de cará- de que o ascetismo começou a remode-
ter dogmático. Em segundo lugar, Deus lar o mundo e a nele se desenvolver, os
requer obras sociais do cristão, para que bens materiais foram assumindo uma
a vida seja organizada se acordo com crescente e, finalmente, uma inexorável
seus mandamentos. O trabalho especia- força sobre os homens, como nunca an-
lizado em vocações, justifica-se em ter- tes na história.
mos de amor ao próximo. O autor considera comprovada a rela-
O ascetismo secular do protestantis- ção de causa-efeito entre as duas estru-
mo opunha-se fortemente ao espontâneo turas comparadas em sua obra.
usufruir das riquezas e restringia o con- A discordância, que vários autores
sumo, especialmente o consumo do luxo. manifestam com relação a esta conclu-
De outro lado, libertava psicologicamen- são, prende-se em diferentes níveis de
te a aquisição de bens das inibições da análise, mas podemos salientar duas crí-
ética tradicional, rompendo os grilhões ticas bastantes comuns: primeiro por que
da ânsia de lucro, com o que não apenas exclui a hipótese de ter existido o espíri-
a legitimou, como também a considerou to capitalista, anteriormente à idéia pro-
(de acordo com seu sentido ético) como testante de vocação, embora Weber te-
diretamente desejada por Deus. nha discutido o tema, caracterizando di-
Como o real não pode ser convertido ferenciadamente o espírito capitalista a
imediatamente em objeto de pesquisa que se refere de outras experiências capi-
empírica, Max Weber busca toda e qual- talistas anteriores e, em segundo lugar,
quer forma de existência empírica, não discute-se o fato de que o homem efeti-
se perdendo em nenhuma, inquirindo vamente passe a procurar racionalmen-
cada qual sobre sua importância causal. te o lucro somente depois da idéia voca-
Desta forma tudo se converte em objeto cional.
empírico como importância relativa. (Jas- Jaspers (1977), embora concorde com
pers, 1977) o fracasso de Weber na interpretação cau-
Weber conclui esta sua obra mostran- sal das estruturas analisadas, sustenta
do que um dos componentes fundamen- que mesmo tendo fracassado como in-

Economia & gestão, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 9-31, jul./dez. 2001 21


Adriane Vieira; Alexandre de Pádua Carrieri

vestigador da realidade, o autor desen- nada a falta de precisão se o sentido


volve um esforço que consiste em captar “imediato” da ação vivida, o sentido que
positivamente aquilo que é propriamen- é “antecipado” que está no projeto desta
te um não-saber dentro do saber empíri- ação e o sentido encontrado por aquele
co, ilimitado, determinado, chegado à que “reflete” sobre ela são exatamente os
coisa, e em abrir para si a possibilidade mesmos. A terceira ambigüidade tem a
de um ser enquanto ser autêntico e não haver com o fato da ação racional com
como um ser conhecido. relação a fins estar relacionada à noção
Ainda Jaspers (1977) observa que: de liberdade, quando com o avanço do
processo de racionalização as opções de
... esse fracasso leva tanto mais profun- ação são cada vez mais definidas pela si-
damente ao ser quanto mais o saber se tuação em que os agentes estão envolvi-
torna abrangente: por isso são tão gigan-
tescos os projetos de investigação Webe- dos e independe deles. A quarta e últi-
rianos, a ponto de jamais ele conseguir ma refere-se à noção de objetividade e
completá-los, e suas obras, a despeito de de transcendentalidade dos pressupos-
sua amplitude, são apenas formidáveis
fragmentos, construções não terminadas tos das Ciências Culturais.
de um titã... (p. 135)
Quanto ao processo de compreensão
Para não ser confundido com os posi-
AMBIGÜIDADES E PARADOXOS NO tivistas, Weber afirma que não adianta
PENSAMENTO DE MAX WEBER apontar as regularidades no comporta-
mento humano, mas é preciso compre-
Mesmo cientes da grandiosidade da ender porque as pessoas “agem assim”.
obra de Weber e da perfeita integração Ao falar do sentido da ação ele se apóia
entre todos os conceitos e constructos uti- em dois aspectos complementares do co-
lizados por este autor, não podemos dei- nhecimento: a compreensão e a explicação.
xar de mencionar alguns hiatos ou gaps Segundo Cohn (1979), o tratamento
presentes em sua obra, que compreen- que Weber dá a estas terminologias é
demos estarem muito mais relacionados complicado e hesitoso, chegando ao pon-
ao “terreno escorregadio” das ciências to das duas se confundirem. Como estas
humanas, propiciado pela falta de con- são questões de difícil solução, em fun-
ceitos precisos para dar conta da reali- ção da restrição do repertório conceitu-
dade estudada. A análise do que chama- al, acabaram por ficar sem resposta. Em
remos de “ambigüidades” na obra de vários pontos de sua obra Weber deixa
Weber acontecerá com o apoio principal de retomá-las, permanecendo pois a im-
das contribuições de Colliot-Thélène precisão e a incerteza.
(1995) e de Cohn (1979). A compreensão para Weber está atre-
A primeira ambigüidade examinada lada à sua teoria da causalidade. Com
deriva justamente da própria terminolo- isso ele afirma que o método naturalísti-
gia da palavra compreensão que guarda co não é suficiente para tornar o compor-
certa imprecisão. A segunda está relacio- tamento humano inteligível, uma vez

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MAX WEBER E A QUESTÃO DO MÉTODO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES AO ESTUDO DAS ORGANIZAÇÕES

que se limita à relação exteriores. Mas, da ação de muitos agentes, e como essa
configuração singular pode dar origem a
para ser válida, a compreensão deve ven-
linhas de ação, a sentidos ou então a va-
cer os equívocos da pura subjetividade. lores novos, que por sua vez possam ser
Isto significa rejeitar a revivescência e a reincorporados na dinâmica das diferen-
tes esferas da existência histórico-social.
intropatia. Compreender é, então, cap-
(Colliot, 1995, p. 44)
tar a evidência ao sentido de uma ativi-
dade. O grau mais alto da evidência é o Fica claro que sujeito e dominação são
da compreensão intelectual de uma ati- categorias fundamentais nesse esquema.
vidade racional, como a de uma opera- No entanto, a noção de sujeito se com-
ção matemática, mas quando trata-se da plica no momento em que estabelece o
compreensão das experiências alheias vínculo com as noções de compreensão
(por exemplo erros cometidos) que po- e de sentido, dado o importante papel
dem ser revividos por intropatia, Weber ao processo de racionalização. Em outras
atribui a estas apenas o grau de evidên- palavras:
cia “suficiente”, apesar da captação de
um sentido subjetivamente visado se fa- para o caso puro de ação racional refe-
zer melhor pela compreensão via revi- rente a fins, é perfeitamente plausível o
argumento de que, conhecidos os fins, os
vescência por intropatia.
meios e as máximas de ação correspon-
No entendimento deste autor, reviver dentes, o sentido mais adequado da ação
o comportamento alheio é importante pode ser derivado inequivocamente sem
passar pelo sujeito, mesmo porque só há
para a evidência da compreensão, mas
um único curso de ação que maximiza os
não é uma condição absoluta de uma in- resultados da relação meios-fins. (Cohn,
terpretação significativa. A evidência que 1979, p. 139)
se obtém pela intropatia, quer seja a ex-
periência vivida pessoal, quer seja revi- Isso não tira a importância do recur-
vescência da experiência alheia, não tem so à compreensão, mas deixa claro que
a validade de uma observação científi- ela só é possível, ou necessária, quando
ca. Weber se opunha tanto a medidas a margem de autonomia do agente não
puramente intuitivas que renunciam a permite outra via mais direta de acesso
conceituação rigorosa, quando a medi- a hipóteses adequadas sobre os seus cur-
das naturalistas, e afirmava que só a cau- sos de ação.
salidade garante à pesquisa compreen-
siva a dignidade de uma proposição ci- Quanto ao sentido da ação
entífica. Para Weber o objeto da sociologia
Por causalidade Weber não entende compreensiva é o agir social e esse agir é
uma seqüência linear e unívoca com va- “um comportamento humano ao qual o
lidade universal, agente(s) associa(m) um sentido subjeti-
vo”. (Colliot, 1995, p. 113)
mas interessa a ele saber como, em situa- Segundo Colliot este sentido subjeti-
ções particulares, as legalidades próprias
das diversas esferas da ação se articulam vo, mencionado por Weber pela primei-
para resultar numa orientação específica ra vez em 1903, num ensaio dedicado a

Economia & gestão, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 9-31, jul./dez. 2001 23


Adriane Vieira; Alexandre de Pádua Carrieri

Roscher, e depois em 1921 nos Funda- das práticas inspiradas pela ética religio-
mentos Metodológicos, no início de Eco- sa e suas conseqüências sobre a econo-
nomia e Sociedade, deixa uma série de mia, Weber dissocia o sentido das inten-
ambigüidades. A primeira está na afir- ções dos profetas ou reformadores, bem
mação: o agente “associa” à sua ação um como dos adeptos desse fim.
sentido subjetivo. Para Colliot (1995, p.
Os efeitos sociologicamente significantes
103) este sentido não é algo que se junte das religiões são, em regra geral, os efei-
à ação vindo do exterior, mas ele é cons- tos não pretendidos. O protestantismo é,
titutivo da ação, isto é, “essa ação não é a esse respeito, exemplar. O puritano não
buscava a riqueza, mas a prova de sua
inteligível como tal independentemente eleição. (Colliot, 1995, p. 105)
deste sentido, nem os seus efeitos são in-
teligíveis como efeitos dessa ação se sua Por fim resta questionar se existe di-
lógica simbólica é deixada de lado”. Em ferença entre o sentido imediato da ação
resumo, não é o entendimento do senti- vivida, no momento em que ela é vivi-
do o objetivo da sociologia compreensi- da, o sentido que possui a ação no proje-
va, mas aquele da ação, enquanto estru- to que a antecipa e o sentido obtido quan-
turada por um sentido. Esta nuança se- do se reflete sobre ela a posteriori e a ra-
ria importante, pois marcaria a diferen- cionaliza?
ça entre o projeto da filosofia hermenêu- A resposta à esta questão é mais com-
tica e o de uma ciência empírica da ação. plicada. Para Colliot, Weber parece não
Domingues (1998) 1 discorda desta reconhecer que uma ação é o que se ex-
afirmação, uma vez que Weber nunca plicita na reflexão que dá razão à ela,
pretendeu afirmar que o sentido vinha mesmo quando ele argumenta que boa
descolado da ação. Quando Weber afir- parte das ações se desenvolvem sem que
ma que o agente associa um sentido, isto o sujeito tenha consciência do sentido.
não quer dizer que ele venha depois da Essas considerações permitem por em
ação, ao contrário, estão imbricados. evidência, mais uma vez, o papel da
Outra questão que pode causar algum compreensão no esquema de Weber.
desconforto na leitura da obra de Weber
é se o sociólogo entende o sentido da Quanto à ação racional em relação a fins
ação como sendo o sentido subjetivo do e a noção de liberdade e autonomia
agente. Para Colliot esta dúvida é fácil Como os homens criam valores e são
de ser esclarecida e a resposta é negati- capazes de atribuir significados à condu-
va, ou seja, Weber tinha consciência de ta, está aberto o caminho para a compre-
que os agentes não tinham domínio so- ensão da racionalidade da ação pelas vias
bre as conexões significantes buscadas racionais do método científico no proces-
pela sociologia e pela história. Um exem- so de explicação causal.
plo disso é que ao interpretar o sentido Para Weber a ação racional com rela-

1
Notas de sala de aula.

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MAX WEBER E A QUESTÃO DO MÉTODO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES AO ESTUDO DAS ORGANIZAÇÕES

ção a fins é a única verdadeiramente Weber tinha plena consciência de que,


com o avanço do processo de racionali-
compreensível. Haveria então uma gra-
zação, os sujeitos convertem-se cada vez
duação, a ação racional em relação a fins mais em meros portadores de sentido e
num extremo, na outra ponta a ação afe- suas opções cada vez mais definem-se
univocamente e de modo independente
tiva (ou não compreensível), e entre elas
deles, nas situações em que estão envol-
a ação racional orientada por valores e a vidos. Mas sua postura crítica básica em
ação tradicional. O curioso é que o mun- relação a isso acaba exprimindo-se nas
do empírico é dominado justamente por ambigüidades das suas formulações e
conceitos. (Cohn, 1979, p. 140)
aquelas ações mais difíceis de serem
compreendidas, e a ação racional com re-
lação a fins, ainda que marginal no con- Quanto a objetividade na ciência e
junto das atividades sociais, é elevada ao a pretensão de uma demonstração
estatuto de norma da ação significativa. científica universal
Além disso, a ação racional com rela- Para Weber a ação do cientista é raci-
ção a fins é identificada por Weber como onal com relação a fins, uma vez que cabe
aquela que leva à liberdade, uma vez que a ele propor enunciação a respeito de fa-
fixados os fins pode-se escolher os mei- tos, estabelecer relações de causalidade
os mais adequados para atingi-los. Nes- e interpretação compreensivas que sejam
te contexto, a escolha racional com rela- universalmente válidas, mas é um juízo
ções a fins pressupõe que nenhuma nor- de valor que leva, ou impulsiona o cien-
ma ou autoridade iniba a escolha, o que tista em direção à demonstração pelos
é incompatível com o tipo de domina- fatos. A ação do cientista é, portanto, uma
ção legal com administração burocráti- combinação da ação racional em relação
ca. O próprio Weber admitiu as duas con- a um objetivo e da ação racional em rela-
seqüências irreversíveis deste tipo de do- ção a um valor, que é a verdade.
minação. De um lado a dominação legal A pergunta que se pode formular en-
com administração burocrática fornece tão é: como pode existir uma ciência ob-
uma maior precisão nas previsões, com jetiva que não seja falseada pelos nossos
amplo espectro de aplicabilidade dos cál- julgamentos de valor? E ainda: se Weber
culos e uma crescente eficiência adminis- pretende que o objetivo da ciência seja a
trativa, de outro, sua natureza carrega validade universal, ou melhor, uma con-
uma perda sensível da liberdade, tanto duta racional cuja finalidade é atingir
dos dominados quanto dos próprios exe- julgamentos de fatos universalmente
cutores do quadro administrativo. válidos, como é possível formular tais
Se Weber associa a racionalização da julgamentos por meio de obras ou ações
ação à liberdade, porque ela leva a linhas que se constituem por meio de valores?
únicas de conduta dos agentes? Para Weber sai desse impasse distinguindo
Cohn (1979), a resposta está na ênfase da- juízos de valor e relação a valores.
da à racionalidade e no processo de raci- O julgamento de valor é para Weber
onalização, ao mesmo tempo “fraqueza” uma afirmação moral. A relação com va-
e “força” do pensamento weberiano. lores é um procedimento de seleção e de

Economia & gestão, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 9-31, jul./dez. 2001 25


Adriane Vieira; Alexandre de Pádua Carrieri

organização da ciência objetiva. Esta dis- ria e a sociologia como ciências. (Colliot,
1995, p. 123)
tinção permite marcar a diferença entre
a atividade do cientista e a do político, con- Com esta afirmação Colliot aponta a
tudo, não responde as questões acima. ambigüidade de Weber em relação a in-
Como uma ciência é orientada por terpretação da formação do ocidente mo-
questões que se modificam (uma vez que derno. Ela afirma que mesmo tendo sido
cada reconstrução do sentido da ação é prudente quanto a distância que guar-
seletiva e comandada por um sistema de dava quanto à “racionalidade” ociden-
valores) haverá tantas perspectivas his- tal, seu “valor” e sua “significação”, ele
tóricas ou sociológicas quanto sistemas não conseguiu romper totalmente com a
de valores orientando a seleção. Na me- antropologia racionalista, onde reside a
dida em que a seleção e a construção do força da sua sociologia compreensiva.
objeto da ciência dependem das questões Ele se esforçou para mostrar o estilo te-
propostas pelo observador, os resultados leológico de seus argumentos e concei-
científicos estão relacionados com a cu- tos como resultante dos questionamen-
riosidade do cientista, e as respostas às tos (o historiador e sociólogo constróem
questões já estão condicionadas aos fe- o objeto em função dos interesses do seu
nômenos que ele seleciona. tempo), mas por outro lado,
A pretensão de uma demonstração
porque as formas de discursividade que
científica universal também é problemá-
utilizam os saberes sócio-históricos são um
tica, uma vez que objetiva-se o conheci- dos componentes da modernidade ociden-
mento pela “compreensão da ação”. Co- tal, e porque Weber não se resolveu a du-
vidar de sua universalidade, ele teve que
mo mostra Colliot, o próprio Weber reco-
pagar seu tributo ao eurocentrismo vulgar
nheceu algumas vezes que a compreen- do pensamento da história universal. Mais
são da ação remete aos “nossos hábitos de dez anos depois da morte de Weber, Ed-
medianos de pensar e de conhecer”. Po- mund Husserl colocará, sem desvio a
questão que persegue as análises weberi-
de-se então supor que esses hábitos ul- anas: a humanidade européia carrega em
trapassem as regras lógicas do pensa- si uma “idéia absoluta”, ou então, ela não
mento e cedam lugar aos elementos cul- é senão “um simples tipo antropológico,
como a China ou a Índia. O comparativis-
turalmente condicionados. Então, as re- mo em Weber estava sem dúvida inclina-
gras através das quais reconstruímos a do para a segunda parte da alternativa,
lógica que torna inteligível o comporta- mas o epistemológico jamais consentiu
uma proposição que implicava, a seus
mento dos agentes sociais na cultura oci- olhos, uma apostasia da racionalidade ci-
dental moderna pode permanecer incom- entífica. (Col-liot, 1995, p. 124)
preensível, por exemplo, ao “chinês”.

A inscrição da racionalidade com relação


a fins no coração da compreensão das ci- CONTRIBUIÇÕES AO ESTUDO
ências empíricas da ação significa clara- DAS ORGANIZAÇÕES
mente que apenas a civilização ocidental
contemporânea, resultado da racionaliza-
ção solidária das práticas e das represen- O debate sobre o estatuto das ciênci-
tações do mundo, torna possível a histó- as Sociais se fazia presente na Alemanha

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MAX WEBER E A QUESTÃO DO MÉTODO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES AO ESTUDO DAS ORGANIZAÇÕES

do final do séc. XIX, através de Dilthey, A preocupação de Weber está muito mais
Windelband e Rickert, contribuindo for- relacionada com o sentido da ação e me-
temente para que a preocupação de We- nos com a sua figuração. Neste aspecto
ber fosse dirigida à questão do método a categoria ação é mais ambiciosa que a
nas Ciências Sociais, ou Ciências da Cul- categoria comportamento, pois no pla-
tura como ele preferiu denominar. Pou- no do comportamento não há diferença
co a pouco ele foi construindo uma dér- entre o comportamento do homem e do
mache própria e se afastando de um e ou- primata. O homem lida com o problema
tro autor em aspectos diferenciados. Re- ao mesmo tempo diferencial e capital que
jeitou a divisão das ciências entre nomo- é o do “sentido”, ou seja: como conferir
téticas e ideográficas, como proposto por sentido aos nossos gestos e ações?
Windelband, afastou-se de Rickert ao Weber não acreditava na possibilida-
opor-se à divisão das ciências em “ciênci- de do pesquisador (sociólogo) apreender
as da natureza” e “ciências da cultura”, e a totalidade de uma realidade, os tipos
se distanciou de Dilthey ao recusar a in- ideais seriam uma forma de observar o
tropatia como método de conhecimento. que é dominante na ação social. A idéia
Weber tendo como referência a indi- é de explicar os fenômenos na sua sin-
vidualidade, ou seja, os papéis desem- gularidade, adquirindo a análise um ca-
penhados pelos atores sociais preocupa- ráter de parcialidade e não totalidade
se em trabalhar conceitos tais como ação O método proposto por Weber objeti-
social, agente individual, papéis repre- va o entendimento da ação social, ou seja,
sentados e, principalmente, como em si- o entendimento da ação estruturada por
tuações específicas à ação de indivíduos um sentido. O interesse está na compre-
se constitui enquanto uma ação estrutu- ensão da racionalidade particular de
rada por um sentido, enquanto orienta- uma ação social numa situação específi-
ção para a ação de outros. Sua grande ca. Neste sentido, o método permite a
contribuição foi promover a integração apreensão da diversidade dos fenôme-
do método da causalidade das “ciências nos existentes em uma realidade qual-
da natureza”, com o método da compre- quer. O método se dirige a explicação de
ensão, entendido como o mais adequa- situações específicas, propondo que para
do às “ciências da cultura”, mas com a apreender a ação social deve-se observar
diferença de que este último deveria es- as regularidades empíricas de uma ação
tar submetido aos rigores dos métodos ligada a uma determinada situação, e se
positivos. Deste modo ele vai aproximar construir tipos ideais. No confronto des-
a hermenêutica, proposta por Dilthey, tes tipos ideais com o empírico é possí-
aos métodos positivistas de explicação, vel compreender a natureza particular do
e ao assim fazer ele renova tanto a her- caso em estudo. Ou seja, busca-se conhe-
menêutica quanto o positivismo. cer certas regras dos fenômenos esta-be-
O paradigma da ação recobre toda sua lecendo uma hipótese (tipo ideal) sobre
obra e a tipologia da ação vai forjar uma a linha de ação dos agentes. Busca-se or-
estratégia para captar o sentido da ação. denar o real no plano analítico estabele-

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Adriane Vieira; Alexandre de Pádua Carrieri

cendo-se relações entre os fenômenos. espécie de esquema racional de onde o


Pois, segundo Weber a tarefa do pes-qui- pesquisador recuaria em relação ao real,
sador social consistiria em fazer uma or- pondo-se ao abrigo das contingências
denação racional da realidade empírica. perturbadoras, para melhor propiciar a
O modelo e o tipo ideal, conforme investigação intelectual. Neste aspecto
empregados por Weber, querem dizer a não são verdadeiros nem falsos, mas fer-
mesma coisa. Não se trata de um decal- ramentas úteis dependendo da habilida-
que ou um resumo do real, mas uma de do investigador.
construção do espírito que serve para ori- Um exemplo é a obra A ética protes-
entar a pesquisa e validar os resultados. tante e o espírito do capitalismo. Nela
Neste sentido, o método por ele desen- Weber fala no tipo ideal de protestantis-
volvido não é nem coletivizante nem in- mo, o asceticismo laico, enquanto uma
dividualizante, mas há uma mistura dos doutrina e praxis que implica numa fuga
dois. Ele não aceita o individualismo me- do mundo estando no mundo. Ascético
todológico e nem o enfoque holístico, o porque é contrário a prazeres e implica
desafio foi justamente ajustar os dois: o em renúncias e ordenamento do corpo e
holístico e o individual. Neste aspecto ele mente. Weber nos mostra que a esfera de
vai diferir de Marx e de Durkheim, no ação do asceticismo laico é o mundo do
que toca à holística, e da psicologia no trabalho e que o capitalismo do ocidente
que toca aos indivíduos. dependeu desta ética para seu sucesso.
Através dos tipos, e dos elementos Contudo, é preciso registrar que ele não
que o compõem, Weber percorre as vari- quis dizer com isso que o capitalismo e a
ações dos diferentes aspectos de uma ética protestante estão relacionados em
multidão de fenômenos momentanea- qualquer lugar, mas que essa confluên-
mente cristalizadas num quadro mental. cia se deu particularmente no norte da
Contudo, é importante frisar que eles na- Europa.
da têm a haver com a média ideal esta- No campo das ciências sociais Weber
tística ou com um quadro ótimo, eles é notadamente citado, em grande parte
apenas servem como referência para o por pesquisadores que se enquadram no
atingimento da compreensão. São uma paradigma funcionalista,2 muito em fun-

2
Morgan (1980) e Burrel e Morgan (1979) desenvolvem a noção de paradigma enquanto uma visão
alternativa de realidade social. Através do cruzamento de duas dimensões: a) a dos pressupostos
sobre a natureza da ciência social dentro de um continuum subjetivismo-objetivismo; e b) a dos
pressupostos sobre a natureza da sociedade (em termos de ordem x conflito) dentro de um conti-
nuum regulação – mudança radical, estes autores constroem quatro paradigmas: funcionalista, in-
terpretativo, humanista radical e estruturalismo radical. O paradigma funcionalista está baseado no
pressuposto de que a sociedade tem uma existência real e concreta e uma orientação sistêmica para
produzir um estado de relação ordenado e regulado. Os pressupostos ontológicos garantem a pos-
sibilidade da objetividade na ciência social, o cientista mantêm-se distante e neutro do cenário que
analisa através de métodos e técnicas rigorosas. Também apóia-se na possibilidade de generaliza-
ção dos conhecimentos empíricos. Teorias incluídas neste paradigma se interessam pelo estudo do
status quo, ordem social, integração solidariedade, etc. São exemplo deste grupo a teoria de sis-
temas sociais, teoria integrativa e teoria da ação social.

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MAX WEBER E A QUESTÃO DO MÉTODO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES AO ESTUDO DAS ORGANIZAÇÕES

ção de que apenas uma parte de sua obra pretadas e debatidas. Dessa forma pode-
é destacada, principalmente os modos de se compreender a dominação, e portan-
dominação e o tipo ideal burocrático. Por to o poder, distribuída entre os atores so-
conta disso muitas más interpretações se ciais, conforme suas estratégias frente às
fazem presentes, a começar pelo uso do organizações.
termo burocracia, associado à disfunção Clegg (1994) também argumenta que
do sistema administrativo. os estudos e as pesquisas organizacionais
Por conta dos estudos relacionados à sobre estrutura, têm predominantemen-
importância alcançada pelas organiza- te interpretação e influências weberianas.
ções pública e privadas, burocratizadas Ao usar a burocracia como tipo ideal e a
ou não, na sociedade moderna, Weber institucionalização da dominação e po-
possibilitou à Teoria Organizacional uma der que advém da burocratização das
fundamentação epistemológica e tam- estruturas organizacionais, a TO promo-
bém ideológica. O fenômeno burocráti- veu a criação de um padrão de organi-
co, no pensamento weberiano, se situa, zação considerada mais eficiente e criou
em termos históricos, no nascimento do uma representação convencional de seus
mundo moderno, e é exatamente ele que estudos e pesquisas. Além disso, Weber
distingue a época capitalista ou moder- quando propôs a concepção metodoló-
na e das pré-capitalistas. O grande méri- gica de construção de um tipo ideal, re-
to deste autor foi o de ter identificado ceava que esta fosse confundida com um
formas de organização socioeconômicas modelo da realidade. Sua proposta de
diferentes daquelas típicas da idade mo- Tipo Ideal é de que este fosse um modo
derna e de ter considerado-as como espe- de construção de conceitos, de abstração
cificidades históricas. Contudo, o rótulo da realidade Sua preocupação era meto-
Burocracia, tem sido freqüentemente mal dológica, ou seja, o tipo ideal co-mo meio
empregado e o erro fundamental tem para apreensão de fenômenos históricos
consistido em abstraí-lo do contexto do e seus elementos em conceitos genéticos.
discurso weberiano, apresentando-o co- Para a TO enquanto método, a cons-
mo autônomo, como um modelo uni- trução de tipos ideais pode configurar-
versalmente válido. Assim procedendo- se como instrumento importante para a
se, de um lado perde-se sua especifica- compreensão das organizações e das
ção histórica, e de outro não se conside- ações dos indivíduos. Para Weber cada
ra seu fundamento real, não como mode- objeto a ser estudado possibilita a cons-
lo, mas como um tipo, uma abstração da trução de tipos ideais. A metodologia
realidade. (Reed, 1996; Vianello, 1976) proposta por Weber possibilita a apreen-
As análises da dominação e também são da diversidade de organizações exis-
do poder tem aparecido nos estudos or- tentes na realidade, ou seja, a diversida-
ganizacionais, proporcionando uma de de racionalidades presentes no mun-
“gramática”, além de recursos simbóli- do organizacional. Também permite
cos e técnicos, através dos quais a natu- apreender o movimento geral, a orienta-
reza das organizações podem ser inter- ção da ação organizacional em situações

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específicas. como Weber, entre outros, que era o de


Para Clegg (1996) é preciso romper a pensar a diferença entre as ciências na-
visão de que Weber somente pode ser turais e as sociais ou culturais, e desen-
apreendido como um teórico que desen- volver métodos para estas últimas que
volveu a racionalidade formal e admi- possibilitassem seu desenvolvimento te-
nistrativa evidenciadas nas estruturas or- órico-metodológico, parece estar sendo
ganizacionais. É preciso ver Weber como esquecido. Pode-se observar, mesmo ain-
um teórico cultural, pois na perspectiva da muito incipiente, um movimento que
weberiana, mostradas em suas análises, quer dar a Biologia, novamente, o status
as organizações através dos valores cul- de equacionar a realidade social. A Soci-
turais adotados constroem determinadas obiologia tem aparecido constantemen-
estruturações de dominação e poder. Afi- te em algumas publicações acadêmicas
nal, uma adequada analise organizacio- como a ciência que poderia explicar tam-
nal é sempre uma análise cultural, e que bém o social. Ou as discrepâncias que
no fundo é sempre uma análise de valo- aparecem na realidade e que não podem
res. (Clegg, 1994, p. 150) ser explicadas pelas ciências sociais.
Uma perspectiva interessante que
também pode ser destacada, neste fim de
século, e que o trabalho de pensadores

ABSTRACT
The most important contribution of Max Weber was the integration between
the method of “natural sciences” with the method of comprehension of “cul-
ture sciences” The paradigm of action has recovered all your works and the
typology of action has created a strategy to captive the directions of action.
When the OT used the bureaucracy as ideal type and the institutional domina-
tion and power of bureaucrational structures had cried a standard of organi-
zation, and this standard has influenced the studies and researches about or-
ganizations.
Key words: Weber; Paradigm of action; Bureaucracy; Social science.

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MAX WEBER E A QUESTÃO DO MÉTODO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES AO ESTUDO DAS ORGANIZAÇÕES

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