Você está na página 1de 11

1

Severino Morreu em Osasco:

A Turnê da Cia Teatral de Paulo Autran, com Morte e Vida Severina, pelo
Brasil, em 1969.

Romário José Borelli

Entre os grandes atores que passaram pelo TBC – Teatro Brasileiro de Comédia e
depois formaram suas próprias companhias, Paulo Autran foi aquele que constituiu a
companhia teatral mais conhecida, mais sólida e mais longeva. Ao longo de mais de
cinquenta anos de atividade artística Paulo levou para todo o Brasil um repertório baseado
em grandes autores da dramaturgia universal, tanto os modernos quanto os clássicos,
assim como atores e atrizes de maior relevância no cenário artístico e, também, os
melhores diretores nacionais.
Com sua companhia Paulo Autran expandiu as raízes do teatro brasileiro moderno
e contribuiu para o enriquecimento da cultura teatral no Brasil e a ilustração e o incentivo
de milhares de jovens para as Artes e Humanidades.
Em 1965, ao assistir Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, na
montagem dos estudantes do Teatro da Universidade Católica de São Paulo (Tuca), Paulo
foi arrebatado pela pujança e beleza do espetáculo dirigido por Silnei Siqueira, com
música de Chico Buarque. No ano seguinte o Tuca obteve o 1º lugar no Festival Mundial
de Teatro Universitário, em Nancy, na França, e teve convites para sair em turnê pela
Europa, mas os estudantes preferiram encerrar a temporada, voltar ao Brasil e seguir com
sua formação na universidade.
Paulo logo percebeu que aquele era, talvez, o mais expressivo texto do teatro
brasileiro, não se conformava com esse encerramento prematuro da temporada, mas nada
podia fazer e continuou viajando com sua companhia, que apresentava um grande
espetáculo por ano.
Morte e Vida Severina não era um texto novo, João Cabral o escrevera por volta
de 1955 e antes do TUCA houve algumas tentativas frustradas de encenação da peça-
poema. Seu enredo mostra a jornada de um homem, Severino, que para fugir da miséria,
sai a pé da árida região do Sertão pernambucano em busca de uma oportunidade de vida
melhor. Mas à medida que avança só encontra miséria, mortes, funerais, histórias de
injustiças e vidas tão áridas quanto a sua. O cenário desolador da miséria é o mesmo
enquanto passa pelo Agreste e a Zona da Mata até chegar aos mangues de Recife, onde a
pobreza é igual.
Foi o diretor Silnei Siqueira, em 1965, quem encontrou a fórmula ideal para que
o belo texto do poeta e diplomata de Pernambuco se erguesse no palco com todo seu vigor
e simplicidade, no comedimento da movimentação cênica, do palco minimalista
despojado de qualquer cenário, dos personagens que ‘a custo’ se moviam. Isso aconteceu
cerca de dez anos depois da obra ter sido escrita, quando foi sublimada pela música de
Chico Buarque. No cenário e figurino de José Armando Ferrara, apenas alguns pequenos
desníveis no piso e os atores descalços com uma simples roupa de algodão branco.
Despojamento absoluto.
Surgiu daí um espetáculo grandioso, colorido apenas pela sonoridade das palavras
e das notas musicais de dois extraordinários artistas que ali se reuniram: João Cabral de
2

Melo Neto e Chico Buarque, abrilhantados pela pujança dos jovens atores, alunos da
PUC, dirigidos por Silnei.
Em 1969, Paulo Autran acertou com Silnei Siqueira para remontar Morte e Vida
Severina e levar a encenação para todo o Brasil. Graças à minha experiência com os
musicais do Teatro de Arena, Paulo e Silnei convidaram-me para fazer a direção musical
e tocar violão no espetáculo. Paulo disse-me na ocasião: “Quero nesta remontagem a
mesma música, mesmo instrumental, mesma sonoridade do Tuca. Assim como teremos o
mesmo cenário, mesmo figurino, mesmas marcações de cena,”. Não havia o que discutir,
eu também assistira a pré-estreia de Morte e Vida, em 65, e sabia que o espetáculo era
magnífico e irretocável. E afinal de contas tínhamos ali o mesmo diretor.
Num trabalho conjugado com Silnei fiz a seleção musical do elenco, em São
Paulo, para incorporá-lo a alguns atores do Rio de Janeiro, com quem Paulo trabalhava
há anos. Destes, obviamente, escolhi apenas aqueles que se adequaram às características
da montagem (o casting) no tocante às minhas necessidades de trabalho com a música.
Com peso no coração tive que dispensar alguns nomes de grande talento e relevância no
teatro brasileiro, mas que não tinham condição de participar de um musical daquela
envergadura. Carlos Miranda, o Severino, não cantava, mas nem precisaria, seu papel não
tinha canto. E haveria ainda a presença de Paulo Autran, como Mestre Carpina, cuja cena
também não exigia canto, senão teria que dispensá-lo também (é pra rir). No final da
seleção de mais de mais de 50 candidatos, ficamos com 18 atores, mais o Paulo Autran,
e três músicos: eu, um outro violonista, um tocador de atabaque.
Era para a montagem, percorrer todo o território brasileiro e, no ano seguinte,
conforme os planos de Paulo, fazer uma turnê pela América Latina, com apoio do
Itamaraty.
Com a seleção de elenco terminada estava quase tudo pronto para começarmos os
ensaios, mas estávamos em 1969 e, desde 65, quando foi lançada a montagem de Morte
e Vida Severina pelo Tuca, muita coisa mudara no Brasil. A ditadura recrudescera seu
entusiasmo repressor: prendera dezenas de intelectuais, políticos, professores, jornalistas,
artistas, sindicalistas, para dizer o mínimo. A censura proibiu dezenas de peças de teatro,
inclusive Roda Viva de Chico Buarque (em 1968), mutilou outras peças, proibiu notícias
em jornais e revistas. Como isso tudo não lhes pareceu suficiente fechou o Congresso
Nacional com o AI-5, em fins de 1968.
Foi nesse clima que começamos os ensaios de Morte e Vida Severina em 1969,
em São Paulo. Assim que iniciamos o trabalho Paulo Autran foi ‘convidado’ a
comparecer ao comando do 2º Exército. O general que o recebeu disse-lhe secamente:
“Soube que o senhor vai montar a peça Morte e Vida Severina?”. “Sim”, respondeu-lhe
o Ator. “Sei que a censura liberou sua peça, continuou o militar, mas se as coisas não
correrem bem, o senhor sabe como é... podemos cancelar seu alvará e a peça ficará
proibida, como fizemos com Roda Viva. Queria avisá-lo que estão proibidas suas
palestras com estudantes após as sessões”. “Por que, general?” O homem não respondeu
e continuou: “Vou liberar sua viagem, mas nada de palestras com estudantes! Acabou a
apresentação, carreguem suas coisas e sigam seu destino. E na imprensa nada de grandes
comentários, apenas os horários da “função” – usou essa palavra mais pertinente as
sessões circenses, que deveria ser tudo que conhecia de arte.
–– “O senhor pode retirar-se”. Paulo ia saindo quando foi interpelado pelo
militar: “Seu Paulo!” –– “Pois não?” –– Por que o senhor não monta uma peça sobre o
Duque de Caxias?” O Ator, que naquela altura, segundo suas próprias palavras, já tinha
3

assumido seu ar de bobo para aquelas ocasiões, respondeu: “É uma boa ideia! Mas não
conheço nenhuma peça sobre ele, o senhor conhece, general?” “Peça aos seus amigos que
escrevam. Se o senhor montar essa peça terá todo meu apoio. Pagamos a montagem, os
salários, damos condução para percorrer todo o Brasil e a bilheteria será toda sua.
Integralmente.”
Ah! Negros tempos! –– Como concluiu Paulo em seu depoimento sobre esse
encontro. Obviamente ali morreu também a intenção que ele tinha de levar o espetáculo
de Morte e Vida pela América Latina, com o apoio do Itamaraty.
Iniciamos a preparação para os ensaios de mesa com sessões de introdução à
cultura nordestina através de algumas de suas expressões na arte. Assistimos ao Vidas
Secas, de Nelson Pereira dos Santos, Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha,
e vários documentários. O trabalho de ensaios foi muito dinamizado porque Carlos
Miranda já sabia de cor o texto do Severino, pois o fizera no Pará, em 1957, na primeira
montagem da peça. De resto, também o diretor, Silnei, tinha tudo concebido conforme
sua primeira montagem com o TUCA.

– Antes de sair de casa/ aprendi a ladainha/ das vilas que vou passar/
na minha longa descida... (Severino)

Com os ensaios concluídos em São Paulo, partimos para Curitiba, para estreia no
Teatro Guaíra, em 8 de abril, para uma temporada de duas semanas. Para essa estreia
tínhamos apoio do Governo do Paraná. Paulo Pimentel, governador do estado, curvara-se
ao prestígio da companhia teatral de Paulo Autran e à boa publicidade que poderia lhe
trazer. O Paraná tradicionalmente patrocinava a vinda de peças do Rio e São Paulo. Fomos
muito aplaudidos na cidade, prenunciando o sucesso ainda maior que poderíamos ter em
outras praças. Iniciava-se então a jornada pelas capitais dos estados e algumas das
principais cidades brasileiras.
Depois do Teatro Guaíra descemos para Blumenau. Dizem que o teatro municipal
da cidade, Carlos Gomes, é a adaptação de um o edifício da década de 30, construído para
ser a sede do parlamento nazista na América Latina. História que muitos tentam esconder,
mas ainda se vê, no alto de seu frontispício, uma enorme configuração arquitetônica que
reproduz o quepe militar usado por Hitler. Seja como for, nota-se que posteriormente a
administração do município procurou reconfigurar essa marca dolorosa do teatro com
símbolos nacionalistas: Teatro “Carlos Gomes”; cujo lançamento da pedra fundamental
na reconstrução foi em “XV de Novembro”; a antiga Rua das Palmeiras, onde fica o
teatro, foi rebatizada como “Alameda Duque de Caxias”.
–– “Olhe aí, Paulo! –– disse-lhe –– Você poderia tirar uma foto em frente a placa
e mandar para o general que o ‘entrevistou’ no 2º Exército”.
De qualquer forma devo dizer que fomos muito bem recebidos na cidade. À
chegada ofereceram-nos um lauto jantar e cercaram-nos de atenções e passeios. Quando
partimos levamos a melhor impressão da cidade e do povo. Ah! e também nos aplaudiram
com entusiasmo.

...Na verdade, por uns tempos/ parar aqui eu bem podia/ e retomar a viagem/
quando vencesse a fadiga... (Severino)
4

Em seguida, nós, “todos severinos”, descemos de ônibus especial para


Florianópolis e lá não havia ninguém para nos receber. Nossa reserva de hotel fora
cancelada e ficamos na Praça XV de Novembro, com nossa bagagem, como despejados
de algum lugar. A frondosa e secular figueira da praça abrigou-nos. Logo soubemos que
Paulo Autran não era persona muito benquista em Floripa. No ano anterior, ao chegar à
cidade com sua montagem de O Burguês Fidalgo, encontrou o teatro Álvaro de Carvalho,
do governo do estado, coberto de pó e os camarins imundos. Paulo fez com que o seu
contrarregra saísse a campo para formar uma equipe de limpeza. Essa equipe contratada
às pressas pela redondeza trabalhou cerca de seis horas para limpar o local. À noite o
publico veio com suas roupas finas, o governador e demais autoridades ocuparam os
camarotes, a companhia apresentou-se e, quando todos começaram a aplaudir, Paulo os
interrompeu: “Boa noite. Quero me dirigir às autoridades responsáveis por este teatro.
Senhor Governador, foi graças à minha equipe que o senhor pode assistir a este espetáculo
num teatro limpo. Ao chegarmos aqui tanto as poltronas como os camarins e o seu
camarote estavam cobertos de pó. Mal se podia distinguir a cor das poltronas. Os camarins
estavam um verdadeiro chiqueiro. Parecia um teatro abandonado. Meu contrarregra saiu
às pressas pela redondeza e montou uma equipe de limpeza para que os senhores, e meu
elenco, tivéssemos condições de estar aqui nesta noite. Tenho viajado por todo o Brasil,
muitas vezes passando por cidades humildes, mas limpas. Nunca vi tamanho desleixo!
Boa noite! –– e saiu de cena.
Fez-se um silêncio mortal. O público perplexo não sabia se aplaudia ou vaiava.
Até que um espectador começou a bater palmas lentamente e logo toda a plateia o
acompanhou de forma ensurdecedora. Naquela mesma noite o diretor administrativo do
teatro foi demitido. Quer dizer, como era um cargo de indicação política, transferiram-no
para outro lugar qualquer.
Um ano depois ali estava o troco para a Cia. Paulo Autran. Ficamos duas ou três
horas com as malas na rua esperando uma solução. Depois enfiaram-nos no pior lugar da
cidade, Luz Hotel, um prédio antigo, em plena decadência, cheio de baratas, com um
único banheiro por andar. Pelo menos o teatro estava limpo. Suportamos três dias de
sucesso na capital catarinense e saímos correndo daquele hotel que depois foi demolido.
Quem viaja com uma companhia teatral sabe que algumas vezes se tem que
engolir alguns sapos. Em cidades estranhas nem sempre é possível clamar por seus
direitos, exigir consideração. Se uma pessoa não tem apreço por você como artista é
porque isso não está no repertório de sua educação ou ela não quer sua presença naquele
lugar. Principalmente se você falar contra donos do poder. Sabíamos que muita gente ia
assistir à peça somente porque era a Companhia de Paulo Autran, dava status.
Impressionavam-se com a beleza do espetáculo, mas nem por isso alteravam seu modo
de pensar sobre o mundo ou se comoviam com o sofrimento dos “retirantes”. Para eles
era apenas um “teatro”. Isto é desolador. Não se pode dizer a mesma coisa dos jovens.
Descemos a Porto Alegre para 15 dias de apresentações no Teatro São Pedro.
Havia uma tensão em todo o elenco ao chegarmos à cidade naquele começo de inverno.
Cerca de seis meses antes atores e músicos da peça Roda Viva haviam sido espancados à
entrada de seu hotel. Não vou me estender sobre esse evento, uma vez que, no momento,
ele serve apenas acentuar o quanto de preocupação havia com a presença de Morte e Vida
Severina na cidade. Mas São Severino deve nos ter protegido e fizemos uma temporada
de sucesso na belíssima cidade, sem nenhum inconveniente, nenhuma ameaça. Érico
5

Veríssimo foi assistir-nos, como tantas personalidades o fizeram por onde passamos.
Dali descemos para a cidade de Rio Grande no extremo leste da fronteira com o
Uruguai, a mais antiga cidade do estado. Bastião português, fundada em 1737 para
garantir a ocupação de Sacramento. Depois seguimos para Santa Maria e Caxias. Nesta
cidade pegamos a temperatura de 2º. O público que lotou o local de apresentação estava
todo agasalhado com blusas de lã, casacos e toda proteção contra o frio, e nós, no palco,
com duas peças finas de algodãozinho e descalços. A administração do teatro colocou uns
aquecedores nas coxias, mas pouco serviam para local grande e gelado.

“Conheço todas a roças/ que nesta chã podem dar/o algodão, a mamona/
A pita, o milho, o caroá” (Severino)

Não vou detalhar as inúmeras cidades por onde passamos ao longo daquele ano,
mas é importante observar que o grupo foi se consolidando como uma grande família.
Constituíram-se algumas relações amorosas, e outras, de tal profundidade fraterna que se
mantêm vivas, mais de cinquenta anos depois.
Do Sul voltamos para São Paulo. Fizemos três grandes temporadas na capital: a
primeira nessa ocasião, quando Paulo fechou um contrato para nos apresentarmos durante
um mês num pavilhão de circo com dois mil lugares, montado no Ibirapuera. Choveu o
mês inteiro e toda noite o palco tinha que ser enxugado e coberto com grandes lonas secas
para podermos pisar. Mesmo assim o público compareceu em massa, obrigando-nos
algumas vezes a fazer três sessões diárias. Isso já diz como São Paulo nos recebeu, afinal
o espetáculo nascera ali; Logo em seguida fizemos uma temporada de vinte dias no velho
Teatro São Pedro antes de seguir viagem pelo resto do Brasil.
Depois de uns tirões para algumas cidades do interior do estado seguimos para
Goiânia e Brasília. Sobre Brasília pesava o desolamento do um silêncio imposto sobre o
Congresso Nacional fechado pela ditadura a poucos meses, com o Ato Institucional nº5.
Era muito triste. A arquitetura da magnífica cidade perdera sua razão de ser. Segundo
informe da portaria do teatro Martins Pena, vários generais foram assistir-nos. Não sei se
aplaudiram. E para agravar essa nossa tristeza, Antônio Ganzarolli, saindo sozinho, à
noite, pelo fundo do teatro onde ainda havia obras, caiu num fosso de cinco metros e teve
seríssima fratura de bacia. Ele teve que ser operado às pressas e nunca mais se recuperou
a contento. Foi uma imensa tristeza para todo o elenco e uma perda irreparável para o
espetáculo. Ganzarolli fazia de forma brilhante o coveiro do cemitério de Santo Amaro.
A cena dos coveiros é um momento tragicômico de maior destaque no texto de João
Cabral. Paulo, então, chamou então Jorge Chaia, um ator do Rio de Janeiro que era estável
de outras montagens de sua companhia. Chaia, também ótimo ator, pegou o papel às
pressas e continuamos a viagem.
Descemos depois para cerca de 15 dias em Belo Horizonte, no teatro Marília e,
em seguida, fomos para Rio de Janeiro. Aí, o teatro Ginástico Português, como em todos
os lugares, lotava todas as noites, mas em de 20 de junho daquele ano o homem ia descer
na lua, e nesse dia havia apenas 22 pessoas na plateia (e 22 no palco). Inspirado pelo
contraste daquele extraordinário feito histórico e tecnológico do país mais rico do mundo
e, diante da história de um retirante que caminhava no planeta Terra, a pé, descalço, na
mais absoluta pobreza, levei para o teatro uma viola sertaneja que sempre carregava nas
viagens. Então, surpreendendo a todos, abri a primeira música da peça ao som de viola.
Isso provocou um frisson emocional em todo o elenco. Com a vibração simples e singela
6

das cordas de aço, todos foram tocados pela mensagem do contraste que se explicitava
naquele momento. O outro violonista, Saulo Nunes, que estava na outra coxia, correu por
trás do ciclorama e veio me dar um beijo. Fizemos, então, um dos espetáculos mais lindos
de toda a temporada.
Depois corremos para casa para ver a descida dos americanos na lua. A Cia, nessa
ocasião, nos colocara em apartamentos alugados em Ipanema, mas no meu apartamento
não havia televisão, havia apenas um rádio, era o cúmulo da frustração. Olhando pela
janela eu via luzes de televisores através de todas as janelas dos prédios. Como se sabe,
naquele dia, mais de um bilhão de pessoas assistiram ao evento no mundo inteiro. Vi que
no prédio ao meu lado os moradores estavam com cortina entreaberta e eu podia ver a tela
de sua TV. Eu tinha um pequeno binóculo que sempre levava nas viagens, apanhei-o,
foquei na televisão do vizinho, liguei o radio e assim fiquei até às duas da madrugada.
Posso dizer com orgulho que fui o único ser do planeta que assistiu de binóculo a descida
do homem na lua. Quando digo isso, me perguntam: “Mas que potência tinha esse
binóculo?”
Do Rio de Janeiro fomos à Salvador para depois subir por todas as capitais do
Nordeste. Este quase todo percorrido em ônibus especiais, já que a distância entre as
capitais não era grande. Salvador, antiga capital da Colônia, ainda não tinha esses ares de
planejamento urbano moderno que depois a atingiu. A parte inferior do Elevador Lacerda
era caótica e suja. Na costa apodreciam carcaças de barcos abandonados. Na cidade alta,
a imponência das igrejas coloniais e do Teatro Castro Alves enchiam os olhos e o coração.
Eu já estivera no Castro Alves com o Teatro de Arena, mas a beleza, a acústica, a
acomodação dos camarins, a doçura do povo baiano e os acarajés que se comia na rua
eram tudo de bom.
O nordeste do Brasil ainda mantinha um ar arcaico, com muitas casas do século
XIX, com o que se fazia uma linda viagem visual no tempo, na cultura e pelos sabores
locais. Até então o Nordeste ainda não descobrira o potencial turístico que renovou as
cidades e inundou suas belas praias com hotéis e pousadas. Se é que isso tenha sido bom,
ainda que inevitável.
Quando se está em viagem de turnê artística, como estive tantas vezes, tem-se
muito tempo para conhecer as cidades e seus encantos pois, tendo-se que trabalhar apenas
à noite, dispomos de todo o dia livre. Assim usufruímos de museus, atrativos históricos e
arquitetônicos, praias, livrarias, comidas típicas, artesanatos e convivências com
intelectuais, artistas e pessoas interessantes das cidades. Uma vida privilegiada, sem
dúvida, ainda que temporária. No caso dessa turnê com a Cia Paulo Autran, foi um
extraordinário privilégio, pois estivemos viajando desde o mês de abril até meados de
dezembro de 1969. Fizemos quase 300 espetáculos de Morte e Vida Severina por todo o
território nacional. Além disso, é surpreendente como, ao se trabalhar com um texto da
qualidade de Morte e Vida Severina, a energia da descoberta flui de forma renovada a
cada apresentação. Às vezes lá no meio de uma frase, depois da centésima apresentação
surge uma palavra ou um sentido que te dá uma sensação de descoberta inusitada.
Algumas vezes pensei: “Onde você estava até hoje palavrinha buliçosa que só se despiu
agora?”. Tudo se torna mágico quando se repete um texto centenas de vezes.
Antes de cada espetáculo eu sempre fazia um breve aquecimento vocal com os
atores, e ao chegar aos lugares novos, o ator Humberto Magnani, assistente de direção,
dirigia um reconhecimento de palco com o “ensaio de luz”. Por isso, o iluminador, o
contrarregra e o administrador geralmente viajavam antes. Bem antes de todos viajava o
7

chamado “homem de frente” que, com bastante antecedência, cuidava dos contratos, dos
hotéis, das companhias aéreas, ônibus especiais e publicidade na imprensa. Em um ano
de viagem, vi esse homem apenas uma vez pois estava sempre vários dias à nossa frente.
Foi a companhia teatral mais organizada com a qual trabalhei. Nunca tivemos problema
financeiro e recebíamos religiosamente, em dinheiro, todas as sextas-feiras.
Seguimos subindo nosso roteiro de apresentações pelas cidades: Aracaju, Maceió,
Recife... No Recife tive o prazer de conversar com D. Helder Câmara que foi assistir
nossa estreia no Teatro Santa Isabel. Aquele homenzinho frágil, de cabeça grande, era um
gigante na coragem e na humanidade: “Quando dou comida aos pobres me chamam de
santo, quando pergunto porque são pobres me chamam de comunista”, –– foi uma de suas
famosas frases. A conversa que tive com ele, no meio do palco, após o espetáculo, foi
uma das impressões humanas mais marcantes de minha vida.
Outra noite, no Recife, jantei com João do Vale, (do Show Opinião, de Carcará,
Pisa na Fulô etc.) que estava no mesmo hotel. O João era meu velho conhecido de suas
passagens pelo Teatro de Arena, em São Paulo. Dois anos depois ainda o acompanhei,
com o meu violão, em uma apresentação num grande show, em São Paulo. Artista único,
alma toda aberta, lúcido e confiante, expressão poética pura, enraizada no Brasil e na
justiça social. Eu diria que foi quem inventou a canção de crítica social ou protesto no
Brasil; os outros o seguiram.
Estar em Recife trazia uma referência permanente ao desaguadouro da trajetória
do Severino na peça, seu objetivo final, sua frustração e esperança depois da dolorosa
jornada. A sensação de estar num lugar há muito conhecido, mas onde eu nunca estivera,
um dejà vu, criava em mim uma duplicidade de presença, uma sensação de invasão
indevida numa pesada narrativa visual que se revelava em todo meu entorno: o estuário
do rio Capibaribe abrindo seus dedos lamacentos pelos mangues, pelo entorno de miséria
das ilhas onde Severino percebera a muralha oceânica, a inutilidade de sua jornada e
pensara em suicídio. Morte que não se consuma apenas pela intervenção dramática do
nascimento de uma criança nas redondezas e pelo alento de esperanças que uma nova
vida sempre traz, mesmo na miséria.
Recife, um dos principais portos de partida para os milhões de nordestinos que ao
longo dos anos juntaram-se ao caudal da diáspora para o Sul, levando na malinha de
papelão uma inesgotável disposição para o trabalho e a mesma proposta que o Severino,
de João Cabral, ofereceu inutilmente em toda trajetória da peça:
“não há espécie de terra que eu não possa cultivar... até a calva de pedra sinto-
me capaz de arar... em qualquer das cinco tachas de um banguê sei cozinhar”. Toneladas
de argamassa eu posso hidratar, milhares de arranha-céus eu posso levantar...
Para agravar o estremecimento em nossa passagem pela ‘Veneza Brasileira”, se
ainda a chamam assim, certa noite ocorreu um evento inesperado, à saída de um jantar de
‘peixada pernambucana’, que nos foi oferecido numa casa humilde de um bairro da
cidade. Estava presente um jovem oficial do exército, à paisana, que pretendia um noivado
com a filha da família que nos recebia. Este militar puxou conversa comigo e fomos
mantendo um diálogo trivial para um momento como aquele, eu diria até cordial. Tanto,
que no fim do jantar ele me ofereceu carona para o hotel. Embarquei em seu carro com
as atrizes Cleide Eunice e Regina Vianna. Sentei-me à frente ao lado do motorista.
Durante o trajeto achei que havia algo estranho pois não reconhecia o caminho percorrido
na ida e ele olhava inquietantemente para o próprio relógio enquanto começou a fazer
críticas, de ordem política, ao nosso espetáculo. Vi que ele passou duas vezes por um
8

certo lugar estranho e escuro. Podia-se perceber que olhava pela redondeza como se
esperasse encontrar alguém. Disse-lhe que aquele não era o caminho do nosso hotel e que
ele nos levasse para o centro da cidade. Já temeroso, fui incisivo e levantei minha voz.
Talvez graças à minha impostação teatral ele cedeu quanto ao nosso rumo, mas
continuava sua peroração em favor do governo e das ‘benesses’ da ditadura. Morte e Vida
Severina, como se sabe, não faz nenhuma crítica explícita ao governo, o faz ao sistema
econômico e social que deixa a grande maioria do povo sempre na miséria. Mas isso não
o preocupava. Isso não preocupa quem não tem consciência social, falta-lhes humanidade.
Quando chegamos ao hotel ele desceu do carro e, na calçada, barrou minha passagem. As
atrizes entraram às pressas. Eu não queria discussão nem conversa com o fulano que
tentava impedir minha passagem. Paulo Autran, que estava tenso na portaria, esperando
nossa chegada, vendo as atrizes entrarem aflitas, surgiu à porta do hotel, gritou pelo meu
nome, fazendo um teatro para me desembaraçar. –– “Pare com isso!”, como se eu fosse o
culpado do incidente que ali se armava e ordenou-me que entrasse imediatamente. De
pronto entendi seu gesto salvador. O jovem militar, desarvorado, entrou em seu carro.
Anteriormente o sujeito devia ter combinado alguma coisa com comparsas, mas houvera
algum desencontro entre eles para nossa salvação.
Continuamos nosso “rosário de cidades” pelo Nordeste, cada uma mais agradável
que a outra. Magnífico nordeste violeiro, cantador, sanfoneiro, aberto para os ventos do
Atlântico: João Pessoa, Natal, com as cinco pontas do forte Reis Magos, outro bastião
português que ilustrou nossa visão do Brasil colonial, como víramos no extremo do Rio
Grande do Sul. Depois São Luiz, com seus azulejos à portuguesa e o belíssimo teatro
Artur Azevedo, o segundo mais antigo do Brasil, inaugurado em 1817, precedido apenas
pelo Teatro Municipal de Ouro Preto, que é de 1770. O Maranhão tem algumas praias de
areias pretas, monazítica, como outras do Nordeste, cobiçadas pelos países estrangeiros
para processamento atômico. Hoje, mais de cinquenta anos depois, tenho medo de rever
essas cidades e não reconhecer a beleza que tinham, ou talvez medo de não me reconhecer
na juventude que eu tinha aos 26 anos.
Na sequência deslocamo-nos para Belém: água e mais água, o estuário do “rio
mar” – Como é possível tanta água doce! –, o mercado do Ver-o-Peso, o Museu Goeldi,
o Teatro da Paz, o pato no Tucupi, as refrescantes chuvas vespertinas e mais aplausos. E,
finalmente, voo para Manaus, com escala em Santarém. O mar verdejante da floresta,
coisa de tirar o fôlego. Meu Deus, como podem destruir aquilo! –– penso hoje.
O voo Belém-Manaus foi feito num avião da Cia Paraense, um Hirondelle,
turboélice de fabricação francesa. A Companhia iniciara essa rota com doze dessas
aeronaves; quando viajamos restavam apenas duas. Por isso o acrograma da Paraense,
PA, era interpretado como “Para o Além”. Diziam: “Compre uma passagem e faça duas
viagens”. Apesar disso chegamos a salvo a Manaus, apesar, também, de um grosso fio de
óleo que saia do motor e escorria pela asa, que eu vigiei até descermos.
O Teatro Amazonas, inaugurado em 1896, no período áureo do ‘ciclo da
borracha’, é considerado um dos mais bonitos do mundo. Indiscutivelmente é
deslumbrante, porém o extraordinário calor que faz na cidade é um tormento para músicos
que tenham de afinar instrumentos com cordas. Tem-se que afiná-los levemente acima do
padrão, quando possível, pois à medida que as cordas vão sendo tangidas, o calor faz com
que os instrumentos percam de sua afinação. Avisado de antemão levei dois violões e,
afinando-os antecipadamente, trocava-os no meio do espetáculo, com auxílio do
contrarregra.
9

Fora isso ali fomos vivendo, em passeios turísticos, as emoções de uma longa
viagem que se encerrava: os barcos-gaiolas, os igarapés, as vitórias-régias, a
deslumbrante e inigualável floresta e o encontro do rio Negro com o Amazonas...

Todo o céu e a terra/ le cantam louvor/ foi por ele que a maré/
Esta noite não baixou... (Canto dos vizinhos de Mestre Carpina)

Na Zona Franca de Manaus comprei um pequeno projetor Super8, com um filme


da Apolo 11. “Ah, –– pensei –– quero ver se agora preciso de binóculo para assistir ao
homem descendo na lua”.
No grande avião que nos trazia de volta a São Paulo o coração começava apertar
pelo sentimento de terminar aquela viagem tão formidável. Era novembro, mas tínhamos
ainda uma série de apresentações que cumprimos pelos teatros dos bairros da Prefeitura
de São Paulo.
Finalmente, para encerrar a turnê, fomos convidados para levar a peça para uma
última apresentação, em Osasco. Lá estávamos, era dezembro, num espaço simples,
auditório de alguma associação cujo nome não me lembro, com a respiração afogueada
dei os primeiros acordes para entrada do coro e as vozes não entraram. A mais completa
afonia em todo o elenco, todos tinham um nó na garganta. A emoção do último espetáculo
tomara todos os corações. Minhas mãos tremiam, um ou outro ator do conseguiu soltar
algumas notas roucas, falhadas, tremulas, e assim fomos entrando em cena.
Quando Carlos Miranda, igualmente com a voz tomada pela emoção disse com
dificuldade “O... meu nome... é... Severino”, todos nós chorávamos copiosamente. O
público sabia o porquê de nossa emoção e suportou nosso momento respeitosamente.
Devagar recuperamos alguma condição mínima para passar o texto. Foi o muito que
conseguimos: passar o texto.

“Somos todos Severinos, iguais em tudo na vida” (Severino) –– olhávamo-nos


com uma identidade profunda e as lágrimas caíam.
“Antes de sair de casa aprendi a ladainha das vilas que vou passar” (idem) –– E
passáramos, e chorávamos.

Flashes de imagens sucediam-se numa confusão de memórias desencontradas, um


caleidoscópio de postais coloridos, sonoros e vívidos, palavras, presenças, ausências,
chuvas, aplausos, camarins, rumoroso ruído de pessoas falando nas antessalas, plateias
em silêncio, sucessão de refletores, explosão de aplausos, dezenas e dezenas de cidades e
teatros...

“... o que me fez retirar não foi a grande cobiça.” (idem) ––

Vultos, teatros, aeronaves, hotéis, pessoas distantes giravam num carrossel de


memórias, em metamorfose contínua: a estreia nove meses antes, em Curitiba, o peculiar
teatro de Blumenau, o frio terrível na cidade de Caxias, o abandono com nossas malas na
Praça XV de Floripa, uma apresentação para 4.500 pessoas no Auditório Araújo Vianna,
em Porto Alegre, um mês de apresentações diárias para duas mil pessoas no pavilhão de
circo montado no Ibirapuera, em São Paulo, o minuano gélido em nossas faces... o
conhecimento geográfico do Brasil todo revelado de uma só vez; e sempre, sempre, a
10

profunda mensagem humana de João Cabral, aplaudida em todos os lugares. Rodavam no


redemoinho de nossas memórias os “bonecos de barro”, de Vitalino, revividos em
milhares de cordéis; Cidades, risos e tensões misturavam-se; o amor construído naquela
família nômade, oriunda de diferentes regiões e que teve a missão de dizer ao Brasil, em
plena ditadura, que a situação de miséria de outros brasileiros não podia persistir. Dizer
que um homem não pode ser humilhado a ponto de não ter sequer o que comer, enquanto
outros têm tudo em excesso.
Cada palavra do texto amoldava-se ou se contrapunha às ideias e vivências que
nos envolveram durante toda a turnê: naquele 20 de junho, “Um grande passo para a
humanidade! Cadê?”; “Seu Paulo... por que o senhor não monta uma peça sobre o Duque
de Caxias? –– “O meu nome é Severino... (coro) é a parte que te cabe neste latifúndio”
–– a maior frase do poema de João Cabral... E as lágrimas vinham copiosas naquele último
tablado. Pobre Brasil cujas elites historicamente impuseram esse sistema tão desigual.
Pobre elite, tão desumana e achando-se tão superior!
Ao final do espetáculo em Osasco, esgotados, não agradecemos aos aplausos,
abraçamo-nos numa grande massa humana e choramos, choramos... dezenas de pessoas
da plateia acorreram para juntar-se a nós e ali ficamos lavados de lágrimas até que
conseguíssemos ir desprendendo os braços, os dedos, os fios da mais profunda ligação
humana, artística e brasileira que já se viu num palco.
Após sair do Sertão, passar pelo Agreste e a Zona da Mata, e chegar aos Mangues
do Recife... depois de passar pela Lagoa do Patos e o Rio Amazonas, Severino morreu
em Osasco.

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Colocar relação do elenco

+ Breve nota sobre o Teatro Musical Brasileiro nos anos 60.

A década de 60 trouxe uma época de grande efervescência para o teatro musical


no Brasil. Estimulados pelo extraordinário sucesso do Show Opinião, em fins de 1964,
produzido pelo Teatro de Arena, de São Paulo, com Nara Leão (depois Bethânia), Zé
Keti, João do Vale, e direção de Augusto Boal, surgiram alguns espetáculos de teatro-
musical que se tornaram antológicos. Todos com um cunho político muito forte, usando
a história brasileira ou as condições sociais adversas para denunciar as desigualdades
sociais e opor-se à ditadura militar instalada em 1964, à censura, e ao retrocesso para
ideias obscurantistas. Os expoentes dessas encenações que sucederam ao Opinião foram:
Morte e Vida Severina (65), Arena Conta Zumbi (65), “Liberdade, Liberdade” (65),
Arena Conta Tiradentes (67), Feira Paulista de Opinião (68) e Roda Viva (68), que
11

não tinha temática histórica, mas denunciava alguns aspectos da “máquina de produção”
da mídia, nas comunicações. Esta, por denunciar diretamente aspectos desumanos do
capitalismo, com a encenação provocativa de José Celso, foi aquela que mais teve
problemas com a censura e a repressão. Roda Viva acabou senso totalmente proibida em
1968.
Desde a estreia de Opinião, em 1964, até o fechamento do Teatro de Arena em 1971, essas
peças levaram milhares de espectadores aos teatros, e incentivaram o surgimento de
dezenas de grupos teatrais amadores, nas universidades e mesmo nas escolas
secundaristas. O teatro amador em São Paulo, nunca foi tão produtivo e, estimulados
pelos alunos, quase todos os colégios procuravam formar grupos de teatro. Alguns, com
mais condições financeiras, contratavam profissionais para dirigi-los, fazer música e
cenografia, como foi o caso dos colégios Rio Branco, Sion, Otavio Mendes e outros. Pelo
resto do Brasil também surgiram outros grupos e autores, muitos diretamente inspirados
no Teatro de Arena. Surgiu um Teatro de Arena de Porto Alegre, outro em Recife, além
de inúmeros novos autores e grupos atuantes em diferentes camadas estudantis e
intelectuais.

Você também pode gostar