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AM301 – APOLOGÉTICA

Humanidades e Cultura Geral


Prof. Filipe Fontes

Aula 01

O que é apologética?

1. Apresentação

Seja bem-vindo à disciplina: Apologética. Nestas primeiras aulas, tencionamos que


você comece a se familiarizar com o novo campo de estudos ao qual você está
adentrando. Nesta, especificamente, realizamos um desafio de definição, respondendo à
pergunta: o que é apologética?

2. Desafio

No fórum da disciplina, à luz do seu conhecimento prévio, produza uma definição


pessoal de apologética.

3. Conteúdo

Apologética é uma derivação do termo grego apologia cujo significado mais literal
é defesa. O termo é de origem grega, embora tenha sido importado para a língua
portuguesa literalmente. Embora não seja muito comum em nossos dias, apologia ainda
é um termo utilizado, na maioria das vezes com conotação negativa, quando nos

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referimos, por exemplo, à apologia ao crime, às drogas, ao aborto etc. A razão desse uso
mais frequente me é desconhecida.
Originalmente, apologia era um termo de natureza jurídica. Referia-se à defesa
proferida diante de um tribunal.1 E foi com esse sentido que ele adentrou à literatura
ocidental pelos caminhos da filosofia. O texto antigo mais conhecido, no qual o termo
ocupa um lugar importante é a Apologia de Sócrates, que é o relato do julgamento e,
principalmente, do discurso proferido por este filósofo diante do tribunal de Atenas, que
terminou com sua condenação e morte.2
Apologética, por sua vez, costuma ser compreendida como “a disciplina que tem
por objeto a defesa (apologia) de determinado sistema de crenças”3.
O entendimento mais comum – inclusive entre acadêmicos – é o de que a
apologética seria uma disciplina exclusiva de tradições religiosas, principalmente do
cristianismo. Abbagnano encerra a sua breve definição dizendo que o termo apologética
“se refere, mais frequentemente, à defesa das crenças religiosas: por exemplo, a cristã”.
Semelhantemente, Japiassu e Marcondes definem o termo dizendo que:

“...em seu sentido negativo, a apologética designa a parte da teologia


tradicional que tem por objetivo defender racionalmente a fé cristã
contra todo e qualquer ataque a um de seus dogmas; e em sentido

1
Cf. McGRATH, A. Apologética pura e simples. São Paulo: Vida Nova, 2013, p.13. “O termo se refere a uma ‘defesa’,
um arrazoado que prova a inocência de um acusado no tribunal, bem como a demonstração de que uma crença ou
argumento é correto”.
2
Uma curiosidade interessante: Sócrates sofreu, principalmente, duas acusações: a de ateísmo e a de perversão da
juventude, o que nos remete exatamente aos dois principais objetos da apologética na tradição cristã: a crença ou
doutrina e o comportamento ou moral. Oportunamente, veremos que as acusações contra as quais os primeiros
cristãos precisaram se defender teve a ver, exatamente, com esses dois aspectos. Entender isso é importante
porque, frequentemente, algumas pessoas se mostram contrárias à apologética, valendo-se de um argumento
falacioso, que peca na falta de compreensão do objeto da apologética: o de que a apologética seria desnecessária
porque Deus não precisa de defesa. Oportunamente, também lidaremos com esse argumento.
3
ABBAGNANNO, N. Dicionário de filosofia, p.84 (APOLOGÉTICA).
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positivo, é a parte da teologia que visa estabelecer, através de


argumentos históricos e racionais, o fato mesmo da Revelação cristã.”4

De fato, a tradição religiosa e, mais especificamente, a tradição cristã, se valeu da


apologética enquanto procedimento e, ao longo da história, promoveu reflexões que nos
permitem falar desta da apologética enquanto uma disciplina teológica. Contudo, a
apologética transcende os limites da teologia e da religião. Há, principalmente na filosofia,
textos de natureza profundamente apologética. É o caso, por exemplo, de O
existencialismo é um humanismo de Jean-Paul Sartre, que começa com a seguinte
declaração: “gostaria de defender aqui o existencialismo contra um certo número de
críticas que lhe tem sido feitas”5.
Na maioria das vezes, quando tomamos contato com a palavra apologética, o que
nos vem à mente é uma disciplina acadêmica; mais especificamente, uma subdisciplina
da teologia, com seus conceitos fundamentais, pensadores principais, textos básicos,
classificações metodológicas etc. Isso não é, necessariamente, um problema. Mas é
preciso esclarecer que, além de ser uma disciplina acadêmica (e, num certo sentido, até
mesmo antes de ser uma disciplina acadêmica), a apologética é um procedimento e uma
perspectiva.
Quando afirmamos que a apologética é um procedimento, desejamos esclarecer
que ela é, antes de tudo, algo que fomos chamados para fazer e não apenas para pensar.
Esclarecer isso – distinguindo assim a apologética como procedimento e a apologética
como disciplina acadêmica – é fundamental para respondermos à questão sobre a quem
a apologética diz respeito; ou: quem deve se envolver com apologética? Quando não

4
JAPIASSU, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia, p.14 (apologética).
5
SARTRE, J.P. O existencialismo é um humanismo In: SARTRE. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Os pensadores), p.3.
Nesta obra, Sartre propõe uma apologética do existencialismo contra as críticas do marxismo e do cristianismo. Seu
argumento central, do qual obviamente discordamos [principalmente da primeira parte], é o de que o
existencialismo é uma “doutrina que torna a vida humana possível e, por outro lado, declara que toda a verdade e
toda a ação implicam um meio e uma subjetividade humana” (p.4).
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fazemos essa distinção, temos a tendência de imaginar que reflexões apologéticas são
úteis para um grupo específico de cristãos, mas não para todos nós, o que é um grande
equívoco.
Quando afirmamos que a apologética é uma perspectiva, desejamos esclarecer
que, para além de algo que fazemos pontualmente – quando estamos envolvidos em um
diálogo com um não cristão – a apologética é um modo de ser ou de conceber o mundo,
a vida e a Revelação de Deus em sua Palavra. Esse esclarecimento é importante, para que
a ampliação de nossa compreensão da utilidade prática da apologética. Sendo uma
perspectiva, a apologética não nos é útil apenas na atividade evangelística, como
costumamos pensar. Na verdade, os cristãos podem ser beneficiados pela apologética no
aprofundamento da sua vida cristã e no desempenho do seu serviço eclesiástico; o
teólogo pode ser beneficiado por ela na elaboração de sua teologia, no que diz espeito a
seus objetivos, escolhas metodológicas e conteúdo; e o pastor pode ser beneficiado pela
apologética em sua atividade de liderança, aconselhamento e pregação, por exemplo.
Provavelmente, essas distinções ficarão mais claras ao longo das aulas. Por ora,
importa-nos saber que podemos nos referir à apologética em sentidos diferentes: como
um procedimento prático, como uma perspectiva hermenêutica/existencial e como uma
disciplina acadêmica. Enquanto procedimento prático ela exige certas habilidades;
enquanto perspectiva hermenêutica/existencial, certos hábitos e virtudes; e, enquanto
disciplina acadêmica, certas ideias e conceitos.
Outra distinção tríplice com respeito à apologética é encontrada nos escritos de
John Frame. Na obra Apologética para a glória de Deus, ele faz referência a três aspectos
da apologética6, e considerá-los também pode promover certa ampliação em nosso

6
f. FRAME, J. Apologética para a glória de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p.13-14. Distinção semelhante pode
ser encontrada em Apologética pura e simples, de Alister McGrath. No capítulo 1, McGrath distingue os temas mais
importantes da apologética e trabalha com os conceitos de defesa, apreciação e tradução
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entendimento de nosso assunto. De certa forma, os aspectos apresentados por Frame


nos dão uma ideia das ocasiões nas quais estamos envolvidos com a apologética e
antecipa, em certa medida, nossa tratativa a respeito da sua utilidade.
O primeiro aspecto mencionado por Frame é a apologética como prova. O que ele
tem em mente ao se referir à apologética nesses termos é o desafio de oferecer uma base
racional para a fé, no intuito de demonstrar que o cristianismo é verdadeiro. O segundo
é a apologética como defesa. Neste caso, o que ele tem em mente é o desafio de
responder as objeções à fé, levantadas frequentemente pelos incrédulos. O terceiro e
último é a apologética como ofensiva, que consiste no desafio de atacar a tolice da
incredulidade.
Segundo John Frame:

Esses três tipos de apologética são perspectivamente relacionados. Isso


quer dizer que cada um deles, tomado completo e corretamente, incluirá
os outros dois, de modo que cada um é uma maneira de ver (i.e., uma
perspectiva) da totalidade da empreitada apologética. Para fornecer uma
explanação completa da razão da crença (n.1), a pessoa terá de justificar
o raciocínio contra as objeções (n.2) e as alternativas (n.3) colocadas pelos
descrentes. Igualmente, uma explanação completa do número 2 incluirá
os números 1 e 3, e uma explanação completa do número 3 incluirá os
números 1 e 2. (...) Não obstante, será bom distinguirmos essas três
perspectivas, pois elas certamente representam ênfases diferentes e
genuínas que se complementam e se fortalecem. Por exemplo, um
argumento em favor da existência de Deus (n.1) que não leve em conta as
objeções dos incrédulos ao mesmo argumento (n.2) ou à maneira que
esses incrédulos se satisfazem com suas cosmovisões alternativas (n.3)
enfraquecerá o próprio argumento. Assim, em termos de apologética,
será quase sempre útil indagar se um argumento tipo 1 poderá ser
melhorado com alguma argumentação suplementar do tipo 2 ou 3 ou
ambos.7

O que aprendemos com essa distinção feita por John Frame é que, embora a

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apologética seja comumente descrita em termos de defesa, ela possui um escopo mais
amplo. Para manter a metáfora, ela tem a ver também com um movimento ofensivo
[invasão do território inimigos] e um movimento de estabilidade [firmeza de nosso
próprio território].

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