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Contribuições para Alfabetizar Letrando

Eliana Chiavone Delchiaro

O presente texto tem como objetivo ampliar os conteúdos discutidos no livro-texto


Alfabetização e Letramento e ainda contribuir para o futuro professor com fundamentos
importantes em possíveis intervenções na sua prática docente.

A alfabetização hoje se tornou um grande desafio para os professores, principalmente


para aqueles denominados de alfabetizadores ou professores dos anos iniciais. Isto
porque a alfabetização, além de abranger a aprendizagem da escrita alfabética, deve
também desenvolver a leitura como prática social. O sujeito é considerado alfabetizado
se, além de ler e escrever, utilizar a leitura e a escrita em práticas sociais, tornando-se
assim um leitor e um escritor competente.

Encontramos na prática docente alguns equívocos provocados pela adoção do


letramento para alfabetizar, quando desconsidera algumas especificidades próprias da
alfabetização. Nesse sentido, surge a necessidade de compreender e desenvolver
alternativas metodológicas para resgatar a alfabetização sem, contudo, desvinculá-la do
processo de letramento.

As pesquisas psicolinguísticas que deram origem à teoria da psicogênese da língua


escrita e aquelas sobre o fenômeno do letramento não são novidade no Brasil, contudo,
muitas escolas brasileiras ainda alfabetizam utilizando métodos sintéticos e analíticos
de alfabetização, os chamados métodos tradicionais de ensino.

Conforme descrito por autores como Maria do Rosário Mortatti (2000), Artur Gomes de
Morais (2006) e Magda Becker Soares (2003), durante muito tempo, no Brasil, houve
uma discussão acirrada sobre os métodos de alfabetização, sua eficácia no ensino da
leitura e da escrita. Métodos sintéticos e analíticos foram analisados, reformulados e até
mesmo unificados, como aconteceu no caso do método da palavração. Assim, aquelas
dificuldades que os métodos não conseguiam solucionar foram atribuídas à não
prontidão para a alfabetização, concepção que procurou atribuir à maturidade
psiconeurológica a responsabilidade pelo fracasso dos métodos tradicionais de
alfabetização.

A partir da década de 1980 surgiram estudos e pesquisas que procuravam demonstrar


a necessidade de inovação teórica e pedagógica no processo de alfabetização.
Destacam-se, nesta época, autores como Ferreiro e Teberosky (1979), Soares (1989),
Leite (1988). As teorias cognitivistas surgidas a partir daí trouxeram duas concepções
que marcariam a educação brasileira a partir de então: a construtivista psicogênese da
língua escrita, de Teberosky e Ferreiro (1979), e a histórico-social, de Vygotsky (1984) e
Luria (1988).

As novas abordagens sobre a aquisição do sistema de escrita alfabética e sobre o


letramento são baseadas nas teorias construtivistas. Assim, Soares (2004) revela a
invenção do letramento, a desinvenção e a reinvenção da alfabetização; Morais (2006),
Leite (2010) e Colello (2010) criticam os métodos tradicionais de alfabetização, e Morais
(2012) sistematiza a importância da apreensão do sistema de escrita alfabética
associada ao letramento.

O presente texto reforça os conceitos de alfabetização e letramento já vistos no livro-


texto, o entendimento de que alfabetização e letramento são práticas indissociáveis
para a aprendizagem da leitura e da escrita e a reflexão sobre metodologias que
alfabetizam letrando.
Organizamos o material, da seguinte forma:
a) Conceito sobre Alfabetização, letramento e cidadania.
b) A apropriação do sistema de escrita alfabética e métodos.
c) A teoria da psicogênese da escrita
d) Consciência fonológica.
e) Jogo e letramento: ensino fundamental de 9 anos.

Conceitos sobre alfabetização, letramento e cidadania

Quando se trata de abordar os conceitos de alfabetização, há sempre uma associação


entre analfabetismo e a conquista da cidadania. O fato é que é preciso ir mais fundo ao
se tratar dessa concepção, uma vez que Soares (2008) nos alerta pensar como tais
conceitos simplistas acabam por ocultar outras causas da exclusão da cidadania, tais
como; os mecanismos de alienação e opressão, e a não garantia de direitos sociais,
civis e políticos. Assim, o exercício da cidadania se encontra num patamar mais
abrangente, dependendo dos determinantes políticos, sociais e econômicos,
entendendo-a como um meio, entre outros, de luta contra as diferenças e as
desigualdades sociais, reafirma a autora.

Outra questão apontada pela autora é a falsa ideia de que a conquista da cidadania
está assegurada no acesso à leitura e à escrita. O que se espera, na verdade é sua
conquista através de práticas sociais e práticas políticas que evidenciam a participação,
o direito a ter voz e a luta pelos direitos. Nessa linha, é imprescindível se considerar a
concepção de educação, sujeito e aprendizagem do professor, em especial do
professor alfabetizador. Ele não pode acreditar que a alfabetização é uma técnica
neutra e naturalmente suficiente para erradicar o analfabetismo. A alfabetização é uma
prática ideológica, cujo valor e importância dependem diretamente dos usos e funções
atribuídas no contexto social (SOARES, 2008).

Como se vê, a autora defende a alfabetização como um processo que vai muito além
de uma ”técnica”, é um processo político que vai contribuir contra as exclusões e as
discriminações. Para Soares (2008) não basta ensinar a ler, é preciso que se garanta o
acesso à leitura, associá-la a uma escrita com sentido, significado e criticidade para que
o alfabetizando possa não só conquistar, mas também exercitá-la de fato.

Freire (2008) diz que a alfabetização só tem sentido quando ela é decorrente de uma
reflexão do homem sobre sua capacidade de refletir no mundo e sobre o mundo. Assim,
esse homem terá poder para transformar seu meio. Desta feita, estaremos formando
sujeitos capazes de sentirem pertencimento às suas comunidades e preparando
pessoas livres de bloqueios da discriminação linguística, o que os impediria de se
colocar e partilhar saberes.

Alfabetização e letramento

Pode-se verificar que, nas últimas décadas, profundas mudanças teóricas e


pedagógicas ocorreram nas concepções relacionadas à alfabetização. Até a década de
1950 era considerado alfabetizado o sujeito que soubesse assinar o próprio nome;
atualmente, espera-se de recém-alfabetizados competências de leitura e compreensão
de pequenos textos, além da produção autônoma de textos práticos, de circulação
social (MORAIS, 2012).
Resgatando um pouco da história, podemos ver que a partir da década de 1970, os
países economicamente desenvolvidos verificaram uma crise na produção e passaram
a buscar, em função de necessidades tecnológicas, uma mão de obra qualificada. Esta
qualificação era traduzida diretamente na capacidade dos trabalhadores lidarem com o
uso funcional da leitura e da escrita e não apenas no domínio do código. Desta forma,
percebeu-se que uma parcela significativa dos trabalhadores dominava o código, mas
que suas habilidades eram insuficientes para envolverem-se com as práticas de leitura
e de escrita. Surgiu, a partir daí o conceito de analfabeto funcional, indivíduo que não se
diferenciava muito do analfabeto, pois ambos eram incapazes de interagir socialmente
por meio do uso funcional da escrita e da leitura, conhecido atualmente pelo termo
letramento.

O surgimento do conceito de letramento ocorreu quase de modo simultâneo entre


diversas sociedades distantes, tanto do ponto de vista econômico quanto do geográfico.
Assim, o termo letramento surgiu como uma necessidade de se nomear práticas de
leitura e de escrita mais complexas do que aquelas adquiridas inicialmente no processo
de alfabetização do indivíduo. Entretanto, embora coincidentes no momento histórico
vivenciado, as causas e os contextos deste surgimento são diferentes entre países
como França, Estados Unidos e o Brasil (SOARES, 2003).

Esta diferença, conforme explicita Soares está na forma e na ênfase nas quais
diferenciam-se a aquisição do sistema de escrita e seu uso social, ou seja, entre o
conceito de letramento (illettrisme, literacy) e o conceito de alfabetização
(alphabétisation, reading instruction, beginning literacy)”. Enquanto em países como
Estados Unidos e França o letramento é tratado de forma mais independente dos
conceitos de alfabetização (aquisição e apropriação do sistema de escrita alfabética),

no Brasil os conceitos de alfabetização e letramento se


mesclam, se superpõem, frequentemente se confundem. Esse
enraizamento do conceito de letramento no conceito de
alfabetização pode ser detectado tomando-se como análise
fontes como os censos demográficos, a mídia e a produção
acadêmica (SOARES, 2004).

O enraizamento do termo letramento no termo alfabetização causou, no Brasil, o falso


pressuposto de que o letramento é suficiente para se considerar o sujeito alfabetizado,
relegando a aprendizagem do sistema de escrita a um segundo plano, quase apagando
a alfabetização propriamente dita, isso causou um fenômeno denominado por Magda
Soares (2003) como “desinvenção da alfabetização”.

Com a chegada no Brasil, a partir da década de 1980, de novas perspectivas teóricas


(psicogênese da escrita, teorias da enunciação e do discurso na linguística) que
colocavam em duvida os métodos tradicionais de alfabetização, muitos professores
passaram não só a duvidar desses métodos, como também a negá-los. Com isso
tivemos um período em que a alfabetização seguiu sem uma proposta intencional para
ensinar a escrita alfabética. Era como se fosse natural que a criança aprendesse a ler e
escrever.

O fato é que com a má interpretação da teoria da psicogênese da escrita e uma


hegemonia do discurso do letramento, concluiu-se que para ensinar a ler e escrever não
era preciso planejar e sistematizar, os alunos aprenderiam espontaneamente. Para
Morais (2012), esse fenômeno é bem brasileiro chamado de “desinvenção” do ensino
da escrita alfabética, ou seja, não se falava mais nas salas de aula das unidades
menores (palavras ou sílabas) e, desta feita, as crianças deveriam descobrir por si sós
as convenções da escrita alfabética. Essa “descoberta”, como cita o autor, é muito difícil
para a maioria das crianças, independentemente do grupo sociocultural a que
pertençam.

É preciso, como propõe Soares (2003) “reinventar” o ensino de alfabetização, no


entanto, ela reforça que enfrentaremos outra dificuldade, que é retornar aos velhos
métodos fônicos e silábicos como solução para superar o fracasso das escolas da
alfabetização.

Quem acompanha o trabalho realizado nas salas de aulas da grande maioria das
escolas públicas brasileiras sabe que ainda continuamos a utilizar os velhos métodos,
ou quando os professores se propõem a novas práticas de leituras de texto, verifica-se
que há pouca atividade de produção de textos, sempre recaindo na apresentação das
“famílias silábicas” ou no treino das “relações fonema-grafema” (MORAIS, 2012). O
autor ainda afirma que práticas inspiradas na teoria da psicogênese de Emilia Ferreiro e
Ana Teberosky (1979), chamada por muitos de “construtivismo” acontecem muito
raramente.
Para saber mais sobre as pesquisas que abordam o tema, leia o trabalho de Inês
Mamede: Professoras alfabetizadoras e suas leituras teóricas. In: Anais da 26ª Reunião
da Anped em Caxambu, 2003 p 1-16 Disponível em:
http://www.anped.org.br/reunioes/26/trabalhos/inescristinademelomamede.rtf

Soares, ao afirmar a necessidade de se reinventar a alfabetização, nos convoca a


pensar nos processos de alfabetização e letramento que, embora distintos, são
indissociáveis. Como vimos, o letramento é o resultado da ação de ensinar e aprender
as práticas sociais de leitura e de escrita. É também o estado ou a condição que
adquire um grupo social, ou um indivíduo, como consequência de ter se apropriado da
escrita e de suas práticas sociais. Apropriar-se da escrita é torná-la própria, ou seja,
assumi-la como propriedade. Um indivíduo alfabetizado não é, necessariamente, um
indivíduo letrado, pois ser letrado implica em usar socialmente a leitura e a escritura e
responder às demandas sociais de leitura e de escrita. A alfabetização é um longo
processo circunscrito entre duas vertentes indissociáveis: a aquisição do sistema de
escrita e a sua efetiva possibilidade de uso no contexto social. Mais do que conhecer as
letras, as regras ortográficas, sintáticas ou gramaticais, o ensino da língua escrita requer
a assimilação das práticas sociais de uso, contribuindo, assim, para a conquista de um
novo status na sociedade Soares (2008).

Cabe-nos enquanto educadores buscar metodologias adequadas para alfabetizar


letrando, pois o significado de aprender a escrever, nas palavras de Emilia Ferreiro
(1979), é que a escrita é importante na escola porque é importante fora dela, e não o
contrário.

A apropriação do sistema de escrita alfabética e métodos

Para entendermos o que acontece no processo de alfabetização nas escolas é


necessário ter clareza dos pressupostos teóricos e propostas didáticas que
caracterizam os diferentes métodos. Muito mais relevante do que a simples adoção de
um método ou outro para alfabetizar, são as concepções de aprendizagem, de sujeito a
ser formado e de educação que estão implícitos em cada um deles, porque por trás de
cada método existe uma teoria que o sustenta.

Os métodos tradicionais de alfabetização são utilizados desde o século XVIII e têm


como embasamento teórico a visão associacionista empirista da aprendizagem
(MORAIS, 2012). Eles trazem em comum a concepção de que a escrita é a
representação gráfica da linguagem oral, portanto, cada som produzido pela fala
deveria ser representado por um sinal convencionado culturalmente. Sob essa
perspectiva, pode-se afirmar que ler e escrever seriam atos de codificar e decodificar.

Os métodos tradicionais têm como característica os textos repetitivos e


descontextualizados da realidade do aluno; grande ênfase no domínio do código escrito,
atividades pautadas na cópia e na memorização. O percurso da alfabetização era uma
sequência em que, em primeiro lugar, deveria o aluno aprender a codificar e decodificar,
depois aprender a gramática e, por último, a produção de textos. Morais (2012) afirma
que esta prática pedagógica que adota os métodos tradicionais, considera o aluno como
uma tábula rasa que recebe informações externas prontas e, por meio da repetição
constante de exercícios e da memorização, se apropria da escrita. A aprendizagem era
considerada como simples acúmulo de informações e o objeto de conhecimento, a
escrita, era considerada um código da língua oral. Independentemente do método
tradicional, sintético ou analítico, todos caracterizam a escrita com um mero código de
transcrição da língua oral, ou seja, uma lista de símbolos (letras) que substituem
fonemas que já estariam identificados na mente dos alfabetizandos como unidades
mínimas.

Dentre os métodos tradicionais, encontramos:

a) Os métodos sintéticos; nesse grupo encontramos três tipos principais: os


alfabéticos, os silábicos e os fônicos. Todos têm como princípio que o aluno
deve partir das unidades menores, ou seja, das letras, sílabas e fonemas, e a
aprendizagem é gradativa e cumulativa. A criança vai fazendo sínteses ou,
como explica Morais (Ibid), “somando pedaços” para poder chegar a codificar e
decodificar.

b) No que se refere aos métodos analíticos, temos três tipos também: a


palavração, a sentenciação e o método global. Eles conduzem o aluno, no
final, a trabalhar com as unidades menores. Por motivo perceptivo e
motivacional, começam com as unidades maiores, palavras, frases e histórias
e, aos poucos, os alunos são convidados a repartir as palavras em pedaços
menores.

Morais (2012) chama a atenção para o que os estudiosos sobre alfabetização estão
denominando de método fônico. De acordo com o autor, esse método tem sido tratado
por jornalistas e acadêmicos que o defendem como o ensino sistemático de letras e
sons, ou seja, aquilo que faltou nas concepções construtivistas de alfabetização. Ainda
mais, de acordo com Morais (IBID), tem ocorrido o que ele denominou como um
desserviço à população: a mídia trata o método silábico e o fônico como se fosse o
mesmo.

Para Morais (2005; 2012) torna-se necessário relembrar a característica principal do


método fônico: os alfabetizandos deveriam aprender a pronunciar isoladamente cada
fonema e memorizar a letra que o representa. Assim, os defensores do método
acreditam que

a) seria fácil para o aprendiz segmentar as palavras orais em


fonemas, pronunciando-os isoladamente; b) tal procedimento
constituiria um requisito para a aprendizagem bem sucedida das
relações letra-som e c) para aprender a “codificar” e “decodificar”
palavras, seria suficiente um casamento da habilidade de segmentá-
las em fonemas (consciência fonológica, numa acepção muito
reduzida) com a capacidade de memorizar as letras que a eles
correspondem, dominando seu traçado (MORAIS, 2006).
Outra crítica feita por Morais (2005) em relação ao método fônico é que os defensores
do método ignoram ou querem ignorar que apenas os indivíduos muito alfabetizados
conseguem isolar os fonemas das sílabas, tarefa quase impossível para alguém não é
alfabetizado, pois este indivíduo desconhece a relação entre todo e parte, entre todo e
partes faladas e todo e partes escritas. Esta compreensão não pode ser transmitida por
meio de associação entre fonemas e letras que os representam, pois o indivíduo deve
construir mentalmente essa relação por meio da reflexão sobre o sistema alfabético da
escrita (FERREIRO apud MORAIS, 2005).

Nas pesquisas que tratam da capacidade de reflexão infantil sobre as unidades


sonoras das palavras, encontradas nos trabalhos de Morais e Lima (apud Morais, 2006)
e Morais (2006) foi possível verificar que há estreita relação entre o estágio da escrita
alfabética e as habilidades metafonológicas desenvolvidas. Assim, uma criança que
esteja no estágio alfabético da escrita, conforme descrito na psicogênese da escrita, é
capaz de identificar rimas e aliterações nas palavras, segmentando adequadamente as
sílabas e verificando aliterações no nível fonêmico inicial. Além disso, esse estudo
demonstrou que essas mesmas crianças capazes de escrever já alfabeticamente
demonstraram muita dificuldade em isolar os fonemas das palavras para identificá-los,
conforme esperam os defensores do método fônico.

Mais um problema encontrado por Morais (2005, 2012) em relação à adoção do


método fônico para alfabetizar é que os materiais didáticos para esse fim
desconsideram totalmente a perspectiva do letramento. Portanto, são materiais que
“submetem as crianças a textos surrealmente artificiais e limitados, contribuindo para a
deformação das competências envolvidas na leitura e na produção de textos” (MORAIS,
2005).

Como se vê, os velhos métodos exercem um controle do ensino, com uma visão
adultocêntrica, fazem uso de material de apoio limitado e os ensinamentos são em
pequenas doses e ainda selecionando os capazes ou os mais habilitados para
aprender.

A teoria da psicogênese da escrita

A divulgação da teoria da psicogênese da escrita a partir dos anos 80 trouxe uma


mudança significativa na alfabetização, revisando princípios, tais como o entendimento
da escrita como um sistema notacional e o seu aprendizado como um processo
evolutivo. No Brasil, a teoria da psicogênese da língua escrita foi bastante divulgada,
muitas vezes pelo rótulo de construtivismo, sendo que, inclusive, fundamentam
teoricamente os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa,
instituídos em 1996 (MORAIS, 2012).

A contribuição de Ferreiro e Teberosky para a compreensão sobre como a criança


apreende o sistema de escrita – refutando as teorias sustentadas pelos métodos
tradicionais de alfabetização utilizados até então – foi muito significativa e importante,
mas também conduziu a alguns equívocos e falsas inferências que causaram o que
Magda Soares (2003) chamou de “desinvenção da alfabetização”, ou seja, “a perda da
espeficidade no processo de alfabetização”, como já abordamos anteriormente.

Esta perda de especificidade pode ter sido causada por vários fatores, mas atentando
apenas às questões de natureza pedagógica, podem ser citadas:
a reorganização do tempo escolar com a implantação do sistema de
ciclos que, ao lado, de aspectos positivos que sem dúvida tem, pode
trazer e tem trazido uma diluição ou uma preterição de metas e
objetivos a serem atingidos gradativamente ao longo do processo de
escolarização; o princípio da progressão continuada, que, mal
concebido e mal aplicado, pode resultar em descompromisso com o
desenvolvimento gradual e sistemático de habilidades, competências,
conhecimentos. Não me detenho, porém, no aprofundamento das
relações entre esses aspectos do sistema de ciclos, princípio da
progressão continuada, e a perda da especificidade da alfabetização,
porque me parece que a causa maior dessa perda de especificidade
deve ser buscada num fenômeno mais complexo: a mudança
conceitual a respeito da aprendizagem da língua escrita que se
difundiu no Brasil a partir de meados dos anos 1980 (SOARES,
2004).

É inegável o reconhecimento da teoria da psicogênese da escrita ou teoria da


psicogênese, uma vez que, entre outros avanços, conseguiu desbancar os velhos
métodos tradicionais.

Com relação ao alfabeto, seguiremos as orientações da teoria da psicogênese, que


concebe o alfabeto como um sistema notacional e nunca um código, conforme lembra
Morais (2012). Assim como o autor, ao nos referirmos ao alfabeto, ele será tratado
como SEA de forma abreviada, ou seja, Sistema de Escrita Alfabética ou ainda de
“sistema de notação alfabética”, sistema alfabético ou escrita alfabética, sem diferença.

O autor faz uma observação importante no que se refere ao não uso do termo
construtivismo à teoria da psicogênese da escrita. Isto porque, no senso comum ou
jargão pedagógico, o construtivismo se tornou uma palavra onde cabe tudo. É preciso
cuidado, porque o construtivismo é uma concepção teórica muito ampla. Ainda, o autor
nos alerta que os estudiosos, pesquisadores e educadores que praticam alfabetização
com um viés construtivista dizem não existir um consenso de como alfabetizar melhor.
Desta feita, será evitado de propósito o uso da palavra construtivismo relacionada à
teoria da psicogênese.

A teoria da psicogênese da escrita nos esclarece dois pontos fundamentais que


devem ser levados em consideração para que a criança, jovem ou adulto alfabetizando
aprenda a partir do conceito notacional:

a) é preciso reconhecer que, para qualquer desses alfabetizandos, essa não é


uma tarefa fácil, pois as regras de funcionamento ou as propriedades não estão dadas
ou prontas na sua cabeça. De início, eles não pensam como os adultos alfabetizados;

b) que o processo de internalização das regras e convenções do alfabeto não é


algo rápido, que se dá por acumulação de informações. A humanidade demorou muito
tempo para inventar o sistema alfabético. O processo evolutivo adotado pela teoria da
psicogênese para compreender e usar o SEA é como se fosse “desvendar a esfinge”,
explica Morais (Ibid).

Para compreender todo o sistema notacional, o aprendiz precisa entender o que as


letras notam ou representam e como as letras criam essas representações. As
respostas para essas dúvidas variam por etapa ou fase, dependendo em que momento
o aprendiz se encontra. O fato é que, para Ferreiro (1979), no processo evolutivo será
preciso entender dois aspectos do sistema alfabético, um de natureza conceitual e outro
convencional, que criam um conjunto de propriedades para que o aprendiz reconstrua e
compreenda o sistema alfabético.
O quadro abaixo, elaborado por Morais (2012), traz as propriedades do SEA que o
aprendiz deverá reconstruir para se tornar alfabetizado:

1. Escreve-se com letras que não podem ser inventadas, que têm repertório finito e
que são diferentes de números e de outros símbolos.

2. As letras têm formatos fixos e pequenas variações, produzem mudanças em sua


identidade (p, q, b, d), embora uma letra possa assumir formatos variados (P,p,P,p).

3. A ordem das letras no interior das palavras não pode ser mudada.

4. Uma letra pode se repetir no interior de uma palavra e em diferentes palavras, ao


mesmo tempo em que distintas palavras compartilham as mesmas letras.

5. Nem todas as letras podem ocupar certas posições no interior das palavras e nem
todas as letras podem vir juntas de quaisquer outras.

6. As letras notam ou substituem a pauta sonora das palavras que pronunciamos e


nunca levam em conta as características físicas ou funcionais dos referentes que os
substituem.

7. As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais que


pronunciamos.

8. As letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de um valor
sonoro e certos sons poderem ser notados com mais de uma letra.

9. Além de letras, na escrita de palavras usam-se, também, algumas marcas (acentos)


que podem modificar a tonicidade ou o som das letras ou sílabas onde aparecem.

10. As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes e vogais (CV,
CCV, CVV, CVC, V, VCC, CCVCC...), mas a estrutura predominante no português é a
sílaba CV (consoante – vogal), e todas as sílabas do português contêm, ao menos, uma
vogal (MORAIS, 2012, p. 50).

Assim, de acordo com Morais (2012) esse conjunto de regras sobre o sistema
alfabético é automático para o adulto alfabetizado, uma vez que ele nem pensa sobre o
sistema, é um conhecimento apreendido de tal forma que se torna automático. Mas para
a criança, esse conjunto de regras somente será internalizado se ela tiver a
oportunidade de refletir sobre ele por meio de situações planejadas para isto.

Ainda algumas explicações da teoria da psicogênese da escrita

No livro-texto Alfabetização e Letramento você encontra, nas páginas 34 a 45, a teoria


da psicogênese da escrita e, nas páginas 64 a 78, possibilidades de realizar sondagens
e intervenções.

É importante você, futuro educador, compreender que a teoria da psicogênese da


escrita numa ótica construtivista vai apresentar o processo evolutivo da escrita pela
criança, as hipóteses que ela formula para responder o que a escrita nota ou representa
e como a escrita cria representações ou notações.
Os estudos apresentam uma variabilidade de respostas que uma mesma criança pode
dar ao escrever uma palavra, como também uma variabilidade de percursos para um
mesmo grupo de alunos durante o primeiro ano de ensino regular da alfabetização.
Morais (Ibid).

Outro ponto importante da teoria da psicogênese da escrita é que os conhecimentos


do SEA se constroem num percurso evolutivo, em fases que são universais e comuns
para todos os aprendizes. No entanto, verificou-se que as diferentes oportunidades
socioculturais exercem influência no ritmo de apropriação do SEA. Ao lado disso, os
dados de pesquisa revelam diferenças de ritmo na apropriação da escrita,
especialmente por parte das crianças do meio popular, tendo em vista as poucas
oportunidades que têm com a cultura letrada. Para tanto, há que se acreditar no
trabalho pedagógico docente com o emprego de jogos de palavras e situações de
reflexão de textos da produção oral, conforme constatou a pesquisa de Vieira, Souza e
Morais (2011), é possível um bom avanço dessas crianças.

Nos cursos de formação inicial de professores há um forte empenho no entendimento


das quatro fases da escrita da teoria da psicogênese, mas nem sempre isso
desencadeia uma didática da alfabetização, ou seja, o como fica para um segundo
plano. Soares (2003) afirma que, entre as falsas inferências ou os equívocos cometidos
com a adoção da perspectiva cognitivista da psicogênese da escrita, podem ser
destacadas duas: o obscurecimento da faceta linguística fonológica da alfabetização e o
sentido negativo atribuído à adoção de métodos de alfabetização.

Sobre a primeira, destaca-se que a escrita, enquanto objeto de conhecimento em


construção, é um objeto linguístico constituído por relações convencionais e arbitrárias
entre fonemas e grafemas. Sobre a segunda, a concepção cognitivista transformou os
problemas da aprendizagem da leitura e da escrita em problemas sobretudo
metodológicos, focando nos métodos analíticos e nos sintéticos, como se estes fossem
as únicas alternativas metodológicas possíveis de serem aplicadas. De acordo com
Soares (2003, p.16) “para a prática de alfabetização, tinha-se, anteriormente, um
método e nenhuma teoria; com a mudança de concepção sobre o processo de
aprendizagem da língua escrita, passou-se a ter uma teoria, e nenhum método”.

Diante do exposto, não podemos desacreditar que é possível ter sucesso, é através de
pesquisa e estudo que saberemos contestar essas distorções, que aos poucos vêm
sendo superadas e construir um trabalho sob a perspectiva do alfabetizar letrando, no
sentido de tornar a aprendizagem prazerosa para o alfabetizando e desafiadora para o
professor ensinar.
Consciência fonológica

Os sons associados às letras são os mesmos sons da fala, para quem já sabe ler, isso
é bastante óbvio. A noção de que a linguagem falada é composta de sequências de
pequenos sons denomina-se de consciência fonêmica, ou seja, um fonema são as
pequenas unidades da fala que correspondem a um som. Os autores verificaram em
pesquisa que a 25% dos alfabetizandos escapa a percepção de pequenos sons sem o
apoio de uma instrução direta. Essa consciência sonora é muito difícil, pois, no geral, as
pessoas não prestam atenção aos sons da fala produzidos ou escutados. O desafio
para os educadores é encontrar formas de fazer com que o aprendiz note os fonemas,
descubra sua existência e tenha a possibilidade de separá-los. Nesse sentido, as
antigas brincadeiras infantis que abordam as rimas, os ritmos, o uso de escuta de sons,
são ótimas para este fim. Com esse objetivo, muitas atividades podem ser usadas a fim
de desenvolver a consciência fonológica. (ADAMS et al., 2012, p.19).

A reflexão sobre as unidades sonoras das palavras faz parte de um conjunto de


habilidades metafonológicas, também conhecidas como consciência fonológica. Deve-
se atentar para que não seja confundida consciência fonológica com consciência
fonêmica, sendo que esta última somente pode ser atingida se o indivíduo já estiver
alfabetizado (MORAIS, 2005).

As habilidades de consciência fonológica são importantes e necessárias, embora


insuficientes para que o aprendiz do sistema de escrita alcance o nível alfabético. Isso
significa que a aquisição do sistema de escrita alfabética é muito mais do que possuir
um bom desenvolvimento da consciência fonológica. Envolve outros aspectos
conceituais e de reconstrução do sistema de escrita já mencionados.

Diferenciar consciência fonológica da fonêmica ou mesmo dos antigos métodos


sintéticos fônicos torna-se muito importante, já que os estudos realizados por Morais
(2012) revelam que a tentativa de ensino do sistema de escrita por meio da consciência
fonêmica demanda um esforço cognitivo desnecessário por parte da criança, pois
memorizar o fonema e a letra que o representa não garante a aprendizagem do código
escrito.

Ainda de acordo com o autor, quanto aos antigos métodos fônicos de alfabetização,
além da crítica a respeito da memorização dos fonemas, ainda há o adiamento do
contato com textos reais por parte dos aprendizes do sistema de escrita, ou seja,
desconsideram por completo o letramento que deve ocorrer dentro do processo de
alfabetização.

Quando o aluno faz uso das habilidades metalinguísticas, busca compreender a


palavra como um todo, fazendo associações com conhecimentos prévios que já tem da
língua escrita, da mesma maneira acontece com a reflexão fonológica, buscar
semelhanças com sons iniciais ou finais, por exemplo, permite que ele compreenda o
uso repetido dos grafemas para a representação também repetida de um fonema.

A reflexão fonológica pode acontecer de maneira lúdica, cognitiva, induzida ou natural,


de acordo com os autores citados, mas o fato é que todos concordam com a
necessidade dessa reflexão para que o processo de leitura seja satisfatório ao final do
processo de ensino e aprendizagem.

Algumas atividades em sala de aula podem promover a reflexão sobre as partes orais
e partes escritas das palavras. Morais (2012) nos apresenta duas possibilidades: os
textos da tradição oral e os jogos. Como já indicamos, a exploração de textos poéticos
da tradição oral (cantigas, parlendas, quadrinhas, etc.) são propostas que as crianças
aprendem com facilidade e fazem parte da cultura infantil do brincar, favorecem a
exploração dos efeitos sonoros acompanhada da escrita das palavras. Os jogos com
palavras e situações lúdicas permitem a ludicidade, a exploração com a sonoridade e o
texto escrito, provocando reflexões sem conduzir os alfabetizandos a treinos cansativos.

No site http://centraldemidia.mec.gov.br/play.php?vid=263 você encontrará um


pequeno vídeo da equipe CEEL-UFPE com vivências do aproveitamento da cultura
lúdica em sala de aula em propostas na perspectiva do alfabetizar letrando. Elas se
desdobram em jogos na sala de aula, brincadeiras populares e na elaboração de um
almanaque.

Na busca a seguir você pode observar alguns jogos elaborados e distribuídos pelo
MEC às escolas públicas que muito contribuem para tornar a alfabetização e letramento
um processo lúdico e prazeroso.
https://www.google.com.br/search?q=caixa+jogos+de+alfabetiza%C3%A7%C3%A3o+
mec&newwindow=1&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ei=GTzpUozcIcS_kQeQ9IH
YCw&ved=0CFYQsAQ&biw=1264&bih=601.

Fonte: Acervo pessoal.

Sugerimos a leitura do texto Jogo e letramento: crianças de 6 anos no ensino


fundamental, que discute a prática curricular em que se alia o jogo ao processo de
letramento no primeiro ano do ensino fundamental de nove anos da Escola de
Aplicação da USP.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. PINAZZA, Mônica Appezzato. MORGANA, Rosana de


Fátima Cardoso. TOYOFUKI, Kamila Rumi. Jogo e letramento: crianças de 6 anos no
ensino fundamental. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.37, n.1, 220p. 191-210,
jan./abr. 2011. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ep/v37n1/v37n1a12.pdf.
Referências

ADAMS, Marilyn Jager [et al.]. Consciência fonológica em crianças pequenas. Porto
Alegre: Artmed, 2006.

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione, 2009.

COLELLO, Silvia M. Gasparian. Alfabetização e letramento: o que será que será. In:
ARANTES, Valéria Amorim (org.). Alfabetização e letramento. São Paulo: Summus,
2010.

FARIA, Ana Lucia Goulart de; MELLO, Suely Amaral (orgs.). O mundo da escrita no
universo da pequena infância. Campinas, SP: Autores Associados, 2012. Coleção
polêmicas do nosso tempo, 93.

FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre:


Artes Médicas, 1979.

FERREIRO, Emilia. O ingresso na escrita e nas culturas do escrito: seleção de textos


de pesquisa. São Paulo: Cortez, 2013.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 20ª
ed., São Paulo: Cortez, 1987.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.


São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GOMES, Lenice; MORAES, Fabiano. Alfabetizar letrando com a tradição oral. São
Paulo: Cortez, 2013. Coleção Biblioteca básica de alfabetização e letramento.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. PINAZZA, Mônica Appezzato. MORGANA, Rosana de


Fátima Cardoso. TOYOFUKI, Kamila Rumi. Jogo e letramento: crianças de 6 anos no
ensino fundamental. Educação e pesquisa, São Paulo, v.37, n.1, 220p. 191-210,
jan./abr. 2011. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ep/v37n1/v37n1a12.pdf.

MORAIS, Artur Gomes de. Sistema de escrita alfabética. São Paulo: Melhoramentos,
2012. Coleção Como eu ensino.

MORAIS, Artur Gomes; LEITE, Tânia Maria Rios. Como promover o desenvolvimento
das habilidades de reflexão fonológica dos alfabetizandos? In: MORAIS, Artur Gomes;
ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia; LEAL, Telma Ferraz (org). Alfabetização:
apropriação do sistema de escrita alfabética. Belo Horizonte, MG: Autentica, 2005, p.
71-88. Disponível em: http://www.ufpe.br/ceel/e-books/Alfabetizacao_Livro.pdf.

MORTATTI, M. R. Os sentidos da alfabetização. São Paulo: Unesp; Conped, 2000.


RANA, Débora. AUGUSTO, Silvana. Língua portuguesa: soluções para dez desafios
do professor – 1º ao 3º ano do ensino fundamental. São Paulo: Ática Educadores,
2011.

SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Anais da 26ª


Reunião Anual da ANPED, 2003.

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2008.

Sites sugeridos para saber mais:

Programa ler e escrever. Disponível em:


http://lereescrever.fde.sp.gov.br/SysPublic/InternaMaterial.aspx?alkfjlklkjaslkA=302&m
anudjsns=0&tpMat=1&FiltroDeNoticias=3

Pró letramento – Disponível em:


http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12346&Itemid
=700

PNAIC – disponível em (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa). Disponível


em: http://pacto.mec.gov.br

TV Escola. Disponível em:


http://tvescola.mec.gov.br/index.php?option=com_zoo&view=item&item_id=14984

Pacto Nacional para a Alfabetização na Idade Certa: Disponível em:


http://pacto.mec.gov.br/index.php

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