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Unidade II
5 OS ESTÁDIOS DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO SEGUNDO PIAGET
Por volta de 1920, Piaget ainda jovem desenvolve trabalhos no Laboratório de Alfred Binet
(1857-1911), investigando o desenvolvimento intelectual de crianças a partir de testes psicométricos.
Em seus estudos, observa que crianças francesas da mesma idade cometem os mesmos erros e conclui
que o pensamento lógico se desenvolve gradualmente.
Com isso, passa a ter uma compreensão psicogenética da inteligência e não psicométrica como
seus colegas Alfred Binet (1857-1911) e Théodore Simon (1872-1961). Em outras palavras, enquanto os
psicometristas medem ou quantificam a inteligência, Piaget preocupa-se em compreender o modo como
o pensamento das crianças desenvolve-se durante a infância e a adolescência, propondo sequências
universais do desenvolvimento cognitivo.
Dessa forma, para entender a lógica do adulto, Piaget estudou o desenvolvimento do pensamento
infantil, entrevistou e observou crianças de idades diferentes e chegou a períodos que denominou
estádios do desenvolvimento cognitivo.
Lembrete
De acordo com Macedo (2009), Estádio ou estágio?, manuscrito não publicado, estádio é quando
o processo de equilibração toma a forma de períodos sequenciais, em que existe, sempre, uma fase de
preparação e outra de acabamento, e em que as estruturas formadas num período integram-se em
outras superiores, do período seguinte. Ao final do processo, temos fases do desenvolvimento integradas
umas nas outras, e os esquemas construídos em cada uma delas são utilizados pelo sujeito de maneira
interdependente. Por isso seu caráter é de integração ou de inclusão.
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Unidade II
Por oposição a essa ideia, temos a definição de estágio, em que se pressupõe a falta de algo
para completar uma determinada formação; são experiências, observações, atividades práticas, que
completam uma formação, por isso seu caráter é de superação de um estágio mais simples em direção
a um estágio melhor ou superior.
Segundo Macedo, confundir ou reduzir estádio a estágio leva a uma compreensão e aplicação
equivocada da teoria de Piaget. Se pensarmos estádio como estágio, então faz sentido ler o
desenvolvimento e a aprendizagem da criança na perspectiva do que lhe falta, do que ela não tem. Ora,
estádio em Piaget tem uma característica positiva (é o melhor do que podemos ser em determinado
momento de um processo). Estágio, nesse outro sentido, representa algo negativo (caracteriza alguém
por aquilo que ele não é, que lhe falta ser).
Observação
O bebê nasce com atos e ações reflexas, inatas e automáticas (sucção, preensão) e é, no início,
um sujeito passivo que constrói esquemas simples que funcionam isoladamente de maneira circular e
repetitiva (pegar, olhar, bater, sugar).
Durante esse período (do nascimento até aproximadamente 2 anos), irá desenvolver comportamentos
voluntários e conscientes, encadear ações para um determinado fim, tornando-se um sujeito ativo
(domínio e variação das ações). Os esquemas passam a ser complexos com invenção e criação de
ações (pegar, ouvir, olhar/ouvir, pegar, olhar/levantar, andar, pegar, sugar). Piaget afirma que esses
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PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
comportamentos são atos inteligentes e que é no período sensório-motor que ocorre o nascimento
da inteligência da criança.
Observação
Segundo Piaget, o estádio sensório-motor é composto por seis subestádios. A seguir, vamos estudar
cada um deles a fim de compreender como a criança vai coordenando e organizando as informações
de seu ambiente para, progredindo na sua aprendizagem, utilizar símbolos e conceitos na resolução de
situações-problema.
Quadro 2
Estádio sensório-motor
Subestádio Idade Características
Exercício dos reflexos
1º 0 a 1 mês Esquemas simples
Atividade reflexa
Reação circular primária
2º 1 a 4 meses
Primeiras diferenciações
Reação circular secundária
3º 4 a 8 meses
Reprodução de eventos interessantes
Noção de objeto permanente
4º 8 a 12 meses Coordenação de esquemas
Nascimento da inteligência
Reação circular terciária
5º 12 a 18 meses
Invenção de novos meios
Fase de transição
6º 18 a 24 meses
Representação
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Unidade II
Formação dos primeiros esquemas por meio do exercício dos reflexos (sucção, preensão, visão,
audição). Ao exercitar seus reflexos inatos, o bebê constrói um controle sobre eles. Um exemplo disso
seria o sugar, os recém-nascidos sugam por reflexo quando seus lábios são tocados, ao interagirem
com o seio materno, aprendem a encontrar o mamilo mesmo quando não são tocados e apresentam
o movimento de sugar mesmo quando não estão com fome. Assim sendo, quando um objeto lhe é
colocado na boca, ele passa a sugá-lo e, quando um objeto é colocado em sua mão, ele o agarra, mesmo
não tendo ainda a compreensão do que seja.
Portanto, todos os estímulos são incorporados (assimilados) aos esquemas reflexos e modificados
(acomodação) como resultado do seu uso repetitivo (circular) e pela interação com o meio. Com isso,
o uso dos reflexos pelo bebê torna-se essencial para o desenvolvimento das estruturas cognitivas dos
estádios seguintes.
Lembrete
2º Subestádio (1 a 4 meses)
Reação circular
primária
Repetir Reflexos
ações
Figura 4
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PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
Assim, é o momento da formação de hábitos adquiridos, por exemplo, o hábito de chupar o dedo
polegar é um comportamento tipicamente adquirido nesse período, pois se torna habitual e não mais
puramente reflexo, uma vez que pode ser controlado pela criança (coordenação mão-boca).
Outro aspecto interessante é que o movimento dos objetos começa a ser seguido pelos olhos
(coordenação da visão), e a cabeça movimenta-se em direção aos sons (coordenação da visão-audição).
Embora avanços tenham ocorrido, ainda não existe intencionalidade – ato de iniciar um comportamento
dirigido a certo fim.
3º Subestádio (4 a 8 meses)
Essa é uma fase de transição entre os atos pré-inteligentes (ao acaso) para os atos inteligentes
(intenção). Há coordenação entre visão – apreensão (agarra o que vê, sacode chocalhos, puxa cordões).
Em relação ao conceito de objeto, a criança não tem a noção de objeto permanente, existe a
busca do objeto, mas restrita à trajetória ou à ação e não ao objeto (o que vejo existe, o que não
vejo não existe).
4º Subestádio (8 a 12 meses)
Existe a intencionalidade e o desejo (objetivo), no entanto, ela não cria meios novos para atingir um
fim, utilizará apenas os meios conhecidos. Não existe planejamento, apenas o estímulo do meio.
Nesse sentido, a criança constrói a noção de objeto permanente, busca o objeto que é tirado de seu
campo visual, presenciando o momento em que é escondido. No entanto, se escondido uma segunda
vez em outro local (sob sua vista), irá procurar no primeiro lugar novamente – repetição do
que deu certo.
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Figura 5
O bebê apresenta reação circular terciária, ou seja, repete uma ação para conhecer e explorar as
propriedades do objeto. Por exemplo, deixar cair um objeto várias vezes no chão ou pisar de diferentes
modos em um brinquedo de plástico para ouvir as diferentes possibilidades de som.
Começam, assim, a experimentar novos comportamentos para ver o que acontece. Como já
caminham, podem explorar o ambiente, variando suas ações ao invés de simplesmente utilizar para isso
a repetição, mostrando, com isso, originalidade na resolução de problemas.
Lembrete
A criança, nesse momento, apresenta três condutas inteligentes:
suporte, barbante e bastão.
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PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
Este é um momento de transição, marcado pelo final do estádio sensório-motor e início do estádio
pré-operacional, em que ocorre a passagem da ação para a representação (imaginar acontecimentos).
Esse momento é marcado pela passagem da ação explícita para a representação mental, com o
aparecimento, por exemplo, da linguagem. Piaget exemplifica isso com a seguinte observação: apresenta
à sua filha, Jacqueline, uma corrente e uma caixa de fósforos. Ele manuseia a caixa várias vezes, de
modo que ela possa acompanhar todos os movimentos: abre, fecha, coloca a corrente dentro da caixa,
fecha, chacoalha, abre novamente e retira a corrente. Em um dado momento, coloca a corrente dentro
da caixa, fecha e a entrega a sua filha. Jacqueline pega a caixa, chacoalha, tenta abrir para retirar a
corrente, mas não consegue, olha para seu pai e sem expressar uma linguagem oral, uma vez que se
encontra em processo de aquisição de linguagem, abre e fecha a boca, representando o movimento
de abrir e fechar a caixa, como forma de comunicação. Eis que nesse momento surge a capacidade de
representação: utilização de um significante com um significado, capacidade unicamente humana,
diferindo o homem de outros animais.
Vamos, então, conhecer o que ocorre no desenvolvimento cognitivo da criança nesse próximo estádio.
Saiba mais
Isso ocorre porque, a partir dos 2 anos, a criança passa a ter uma função de pensamento, chamada
de função simbólica ou semiótica, que possibilita a representação de um objeto ausente (significante)
por meio de um significado, que pode ser expresso de várias maneiras.
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Lembrete
Assim, são vários os tipos de representação que têm relevância no desenvolvimento nesse período.
Pela ordem de aparecimento, são eles: imitação diferida, jogo simbólico, desenho, imagem mental,
linguagem ou evocação verbal. Vamos compreender o significado de cada um deles no desenvolvimento
do pensamento da criança.
Piaget (2003) apresenta o exemplo de uma criança que vê um amigo zangar-se, chorar e bater os pés
(espetáculos novos para ela), e somente após algum tempo, longe do colega, ela imita a cena.
Outro exemplo é a criança que após observar sua mãe na cozinha enrolando bolinhos de carne,
longe da cena, imita a ação de sua mãe enrolando bolinhos de areia. Não se trata de uma cópia literal,
mas de uma capacidade para representar mentalmente, lembrar-se do fato, e poder representá-lo; por
isso, diferida.
É quando a criança constrói símbolos que representam qualquer coisa que ela deseja, isso quer dizer
que pode dirigir-se ao mundo real por meio de símbolos, gestos e jogos de simulação. Embora tenha um
caráter imitativo, é também uma forma de autoexpressão, uma vez que não é dirigida ao outro, apenas
a si mesma.
O jogo simbólico é um jogo de faz de conta em que a criança atribui significado às coisas e brinca
com elas em um contexto mágico e imaginário. Por exemplo: brincar de escolinha, brincar de casinha
fingindo fazer comidinha, de mamãe e filhinha, de super-heróis etc.
Lembrete
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PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
Piaget (1966, 2003) considera indispensável ao equilíbrio afetivo e intelectual da criança a utilização
do jogo simbólico durante o desenvolvimento. Mas por que o jogo simbólico tem uma função essencial
para o desenvolvimento psicológico infantil? Porque permite à criança satisfazer necessidades afetivas
e intelectuais do seu eu, as exigências a que é obrigada na adaptação ao mundo social, cujos interesses e
regras, muitas vezes, não lhe são imediatamente significativos.
As primeiras formas do desenho não são imitativas do real, mas um jogo de exercício no qual a
criança se diverte rabiscando a parede, o chão ou o papel em movimentos amplos e repetitivos.
Por volta dos 2 anos, ela passa a atribuir um significado a seus rabiscos, reconhece formas em suas
garatujas, tenta repetir de memória um modelo, há um empenho para representar as coisas por meio
do desenho de maneira realística. Surge, portanto, a intenção de representar a realidade por meio do
grafismo, pela imitação e imagem mental (recordação). No decorrer deste livro-texto, iremos estudar
mais amplamente essa forma de representação.
Observação
Quando uma criança começa a desenhar com intenção de representar?
Quando surge o desenho na criança? Essas são boas perguntas para
serem respondidas.
São representações internas (símbolos) de objetos ou experiências perceptivas passadas, por meio de
imagens mentais (imitação interiorizada).
Piaget (2003) apresenta duas grandes categorias de imagens mentais: as imagens reprodutivas,
que se limitam a evocar espetáculos já conhecidos e percebidos anteriormente, portanto, estática; e as
imagens antecipadoras, que são cinéticas e imaginam movimentos ou transformações, assim como seus
resultados, mas sem haver assistido anteriormente a sua realização.
No estádio pré-operatório, as imagens mentais da criança são quase que exclusivamente estáticas
(como desenhos ou fotografias), ela apresenta dificuldade para reproduzir movimentos e transformações.
Somente por volta dos 7/8 anos, no nível das operações concretas, as imagens tornam-se dinâmicas, são
antecipadoras, com possibilidade de movimentos e de transformações (como filmes).
Quadro 3
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Por volta dos 2 anos, a criança começa a utilizar as palavras faladas para representar objetos, são
as evocações verbais de acontecimentos não atuais. Por exemplo: quando uma criança diz “au-au”, já
sem ver o cachorro, há a representação verbal, a imitação e a imagem mental. Assim, ela utiliza palavras
faladas como símbolos ao invés de gestos ou objetos.
Piaget (2003) observou, nas conversas entre crianças, duas formas de linguagem no estádio pré-
operacional: a fala egocêntrica e a fala socializada. Na fala egocêntrica, não há intenção de comunicação,
por isso não há necessidade de um interlocutor, a criança fala na presença de outras pessoas, mas sem
qualquer intenção de se comunicar com elas, fala consigo mesma. Piaget chamou essas conversações
de monólogos coletivos – as crianças estão juntas, brincando, conversando, mas não há um diálogo
efetivo entre elas. Tal fala é nitidamente egocêntrica, há um pensamento em voz alta de suas ações, sem
o desejo de comunicação efetiva. Exemplo: a Profa. Carolina conta a seus alunos sobre o passeio que irá
acontecer na próxima semana.
• Felipe afirma: eu gosto da bola que eu ganhei do meu pai, ela é azul.
Por volta dos 7 anos, a linguagem se torna socializada, ou seja, as conversas entre as crianças se
tornam comunicativas, envolvem a troca de ideias, o falar aos outros com a intenção clara de ser ouvido.
Como vimos, embora o estádio pré-operatório seja marcado pela capacidade representativa, o
que indica um avanço em seu desenvolvimento cognitivo, a criança ainda apresenta um pensamento
pré-lógico, ou seja, encontra dificuldade para estabelecer relações lógicas entre fatos e acontecimentos,
não consegue coordenar diferentes pontos de vista de maneira lógica, expressando ações cognitivas
com um critério particular de elaboração, marcado por várias características que são interdependentes,
descritas a seguir:
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Quadro 4
Pensamento egocêntrico – a criança parte de seu próprio eu para julgar a realidade e os outros, sem se
preocupar com a verdade dos fatos, utiliza seu ponto de vista, sua lógica, não assume o papel ou o ponto de
vista do outro, acredita que todos pensam como ela. Por exemplo: é difícil ao adulto convencer uma criança
que não quer brincar porque está cansado, pois para a criança, que está presa às suas próprias perspectivas,
a referência é sempre ela mesma e, com isso, não consegue perceber o outro. Portanto, ela não pode assumir
o ponto de vista do outro, pois acredita que todos pensam como ela, ou seja, as mesmas coisas que ela
está pensando ou desejando. Não questiona seus pensamentos, pois acredita que são os únicos possíveis e
verdadeiros. É interessante ressaltar que, quando ocorre uma contradição, a criança egocêntrica conclui que
a evidência está errada e que seus pensamentos estão certos.
Centração – o pensamento egocêntrico da criança é centralizado, rígido, inflexível, pois ela não
consegue levar em consideração várias relações ao mesmo tempo. Por exemplo: não entende como sua
mãe pode ser ao mesmo tempo sua mãe e filha de sua avó.
Pensamento transdutivo – a criança apresenta um raciocínio primitivo, ou seja, para pensar parte da
experiência, do particular (concreto) para outro particular (concreto). Com isso, não estabelece relações
lógicas entre eventos, é incapaz de raciocinar com sucesso sobre as transformações. Por exemplo: não diz
todos os animais se movem ou todas as plantas crescem, porque não consegue realizar generalizações
sobre os fatos, coloca cada elemento lado a lado, não entendendo a relação recíproca entre eles. Por isso,
percebe cada experiência de maneira isolada, justapondo as informações.
Justaposição – a criança pré-operacional assimila, mas não discrimina e generaliza, apenas coloca as
informações lado a lado. Um exemplo disso é quando os professores propõem aos alunos que levem para
a escola um brinquedo de casa para brincar, é muito difícil para eles emprestarem seus brinquedos ou não
tomarem, sem empréstimo, o brinquedo do colega. Não se trata de egoísmo, e sim, em função das características
de pensamento, de uma dificuldade da criança compreender o porquê do empréstimo ou da troca. Vemos
nesse exemplo os conceitos egocentrismo cognitivo e pensamento transdutivo, além da justaposição. Como
dissemos, os conceitos piagetianos devem ser compreendidos de maneira interdependente.
Lembrete
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Pensamento animista – a criança atribui vida (anima) a seres inanimados, como bonecas,
personagens de histórias etc. Por exemplo: ao tropeçar em uma cadeira e machucar-se, bate na cadeira
acreditando que a mesma sentirá dor, afirmando: “a cadeira está chorando”. Em função do pensamento
animista, a criança, verdadeiramente, acredita que os brinquedos e os personagens de histórias têm vida
humana, por isso os medos que sentem são, para ela, reais.
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Pensamento intuitivo – a partir dos 4 anos, a criança apresenta um pensamento intuitivo, embora
seja bastante rápido, é ainda pré-lógico, porque se fundamenta basicamente na percepção. Como não
há estrutura operativa nesse pensamento, não existem duas funções de pensamento muito importantes:
a conservação e a reversibilidade.
Conservação – é definida por Piaget como sendo a capacidade de perceber que, apesar das variações
de forma ou arranjo espacial, uma quantidade ou valor não varia se dele não se retira ou adiciona
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algo. Na criança, essa noção é construída entre 7 e 12 anos, no estádio das operações concretas.
A partir dos 6/7 anos, começa a conseguir conservar números, comprimento e quantidade de líquido.
Em seguida, vem a conservação de substância (7/8 anos), área (9/10 anos) e volume (11/12 anos). No estádio
pré-operacional, a criança não apresenta a noção de conservação.
Saiba mais
Piaget e colaboradores criaram diversos experimentos em que podemos verificar a transição entre
as respostas – e, portanto, do pensamento – da criança pré-operatória para a criança operatória: as
conhecidas provas operatórias piagetianas.
Observação
A característica principal desse estádio é que o pensamento deixa de ser pré-lógico e passa a ser
operatório, ou seja, a criança tem a capacidade cognitiva de coordenar diferentes pontos de vista
de maneira lógica, expressando ações cognitivas mais elaboradas. No entanto, embora tenha essa
possibilidade de maior expressão do pensamento, para poder utilizá-lo de maneira lógica, é necessário
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o manuseio e a observação de objetos concretos. Isso porque lidar com ideias puramente abstratas e
hipotéticas será uma aquisição do estádio seguinte, das operações formais.
Piaget enfatiza que essas novas formas de organização completam as aquisições esboçadas
no período precedente (o pré-operatório), dando-lhes mais estabilidade (maior equilíbrio entre
assimilação e acomodação) e inaugurando novas e ininterruptas construções. Isso confirma sua visão
de continuidade e ampliação, e não de ruptura ou substituição, entre os estádios.
Podemos dividir os progressos da criança, a título didático, em três domínios, lembrando que na vida
prática ocorrem interligados:
Uma marca fundamental desse período é que a criança se libertará do egocentrismo intelectual
e social, capaz de novas coordenações, pois serão fundados os alicerces da inteligência lógica, isto é,
coordenação de pontos de vista entre si (tanto de diferentes pessoas como de uma mesma pessoa). O
que, do ponto de vista social e afetivo, implicará o início da moral de cooperação e da autonomia.
Vale destacar que essa vivência mais intensa com outras pessoas, e especialmente entre seus pares,
impulsionará, portanto, a necessidade de conexão lógica entre ideias e justificativas.
Uma questão que Piaget coloca é: a reflexão é uma discussão interiorizada ou a discussão socializada
corresponde a uma reflexão exteriorizada? Na realidade, o autor afirmará que elas são construções
paralelas e simultâneas, que se constroem reciprocamente.
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PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
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Verificam-se, portanto, progressos significativos quanto aos relacionamentos sociais, pois ocorre a
diminuição do egocentrismo social e a criança tem a capacidade de perceber pensamentos, sentimentos
diferentes dos seus (descentração). Isso permitirá maior interação social tanto com crianças como com
os adultos, pois agora ela tem maior flexibilidade de pensamento e entenderá melhor as regras grupais,
manifestando condutas de cooperação.
No plano dos jogos de regras – um tema caro para Piaget –, ocorrem importantes conquistas,
que influenciarão diretamente o desenvolvimento da moralidade. Em item específico na próxima
unidade, esse tema será mais aprofundado; porém, brevemente, destacamos aqui algumas de suas
principais características.
Para crianças pequenas, antes dos 7 anos, as regras são eternas. Além disso, as crianças imitavam os
mais velhos, jogavam juntas, mas sem compartilharem exatamente das mesmas regras. Todas podiam
ganhar, por exemplo, sem que isso fosse contraditório. A condição moral que está por trás dessas
posturas é a heteronomia: a dependência de uma autoridade moral externa ao indivíduo (no caso, os
pais, adultos em geral ou crianças mais velhas).
A partir dos 7 anos, observaremos que as regras eternas darão lugar a uma percepção de que elas
são fruto do acordo mútuo entre os jogadores. Haverá um duplo progresso: ao mesmo tempo em que
buscarão igualdade de regras, ao menos durante uma partida, controlando-se mutuamente, as crianças
atribuirão um sentido coletivo ao ato de ganhar (que significa ser bem-sucedido após uma competição
com regras), mesmo que passível de discussões. Progressivamente, veremos que os indivíduos passarão
a seguir as regras por uma adesão autônoma e coletiva, e não por motivos exteriores. Isto é, tanto por
uma pressão interna, do desenvolvimento lógico e moral, como por uma pressão externa, pelo convívio
com seus pares. A mentira adquire status efetivo, pois as crianças serão capazes de reconhecer – e
condenar – a intenção por trás dos atos (a responsabilidade subjetiva).
Assim, à medida que os valores ganham maior estabilidade, a reciprocidade – irmã gêmea da
reversibilidade operatória – prepara o terreno socioafetivo para o estabelecimento de relações igualitárias,
fundadas no respeito mútuo. A moralidade, até então heterônoma posto que dependente de uma
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consciência externa, caminha em direção à autonomia. Esta, vinculada à cooperação, criará condições
para uma forma de equilíbrio superior à moral da simples submissão, característica do período anterior.
Em termos gerais, a marca desse estádio será o declínio da causalidade movida pela atividade
própria, com novas formas de relação causa-efeito, sustentadas pela descentração e pela objetividade.
O pensamento é indutivo, por meio do qual a criança parte da experiência, do particular (concreto),
para um princípio geral. As conclusões sobre os fatos dependem de um conjunto de experiências
individuais, portanto ainda possuindo certa fragilidade frente às trocas sociais (o que se fortalecerá com
o desenvolvimento da lógica e do pensamento formal, este último no próximo estádio).
No estádio anterior, a característica era um pensamento marcado pelo egocentrismo, e que também
se baseava nos princípios do animismo, do artificialismo e do finalismo – todos centrados em uma visão
de mundo antropomórfica (moldada segundo a vida humana).
Vejamos por meio de um exemplo, dentre os muitos estudados por Piaget e seus colaboradores, que
ilustra essa evolução. Ao perguntar a crianças de diferentes idades: “Qual a origem dos astros/a origem
do Sol?”, encontramos as seguintes explicações:
Antes dos 7 anos, são comuns respostas baseadas no animismo e no artificialismo misturados: “Ele
nasceu e cresceu como nós nascemos”. Isso porque nas crianças o animismo sustenta uma espécie de
causalidade, fundada no princípio de identidade: a explicação por identificação. A criança entende que
tudo – os astros, a natureza, os objetos – tem uma existência semelhante à sua.
Depois, surge a ideia de transmutação das substâncias: a formação não é mais devida a um processo
biológico (semelhante à vida humana), mas a transmutações físicas (por exemplo: a fumaça e o ar
geram as nuvens). Em seguida, surgem explicações atomísticas: explicação da origem dos astros baseada
em grânulos (“poeira”).
Somente a partir dos 7 anos (lembrando que as idades servem como referência no universo piagetiano
e não como condição fixa), a criança se tornará capaz de atribuir uma existência independente dos
astros, e diferente da sua, seguindo outros processos naturais.
Vejamos mais um exemplo, relacionado a uma experiência feita junto com as crianças. Um
experimentador pega dois copos com água pura e, em um deles, dissolve – na frente da criança – dois
pedaços (torrões) de açúcar. Enquanto o açúcar se dissolve, pergunta: para onde vai o açúcar? O peso
da água vai mudar em relação ao copo de água pura? O nível da água vai mudar ou continuará igual?
Antes dos 7 anos, as crianças negam qualquer conservação da matéria, peso ou volume: para elas,
o açúcar simplesmente desaparece (pois é isso o que ela consegue perceber visualmente). Mesmo se
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for convidada a provar a água adocicada, ela dirá que o gosto desaparecerá em alguns dias (como uma
sombra que se dissipa...).
A partir dos 7 anos, inicialmente ela fornecerá uma explicação com base na transmutação, como se
o açúcar se transformasse em água, Depois, com base na “metafísica da poeira”, ela defenderá que o
açúcar se dissolve em pedacinhos, mas o peso não muda. Num momento posterior, por volta dos 9 anos,
ela dirá que o peso se alterará pela soma do peso das “bolinhas” de açúcar (que ficará igual ao dos dois
pedaços de açúcar submersos), mas ela ainda acreditará que o volume final da água abaixará. Por volta
dos 11/12 anos é que se generaliza a explicação, baseada na invariância das substâncias, mesmo após
elas entrarem em contato e se misturarem.
Lembrete
Outro exemplo que verificamos corriqueiramente entre as crianças diz respeito à compreensão
temporal. A criança operatória será capaz de considerar diferentes referências simultaneamente, o que
antes não conseguia. Por exemplo, ela aceitará que uma pessoa que faz aniversário em outubro seja
mais velha do que uma que faz em janeiro, pois ela levará em conta não somente a ordem dos meses,
mas os anos em que ambas nasceram (janeiro de 2000 e outubro de 1999, por exemplo). Para uma
criança mais nova, ao contrário, parece impossível que quem faz aniversário em outubro possa ser mais
velho do que alguém nascido em janeiro.
Estamos falando da evolução do pensamento da criança neste terceiro estádio e, para isso, é essencial
que você compreenda o sentido do termo “operação”, no vocabulário de Piaget. De forma sintética,
podemos dizer que uma operação é uma ação interiorizada e reversível. Mas o que isso quer dizer?
Lembrete
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Nessa definição, retomamos a essência das conquistas dos estádios anteriores. Ação: você se lembra
que a inteligência sensório-motora era eminentemente prática, concreta? Ou seja, para Piaget, a base de
todo conhecimento é a ação. Já quando falamos em uma ação interiorizada, isso pressupõe a capacidade
de representação, simbolização dessa ação: algo que se consolidou no estádio pré-operatório, não é
mesmo? E a capacidade de identificar a reversibilidade dessa ação interna/mental é, portanto, a grande
conquista do presente estádio. Vejamos isso um pouco mais detalhadamente. “Uma operação é então,
psicologicamente, uma ação qualquer (reunir indivíduos ou unidades numéricas, deslocar etc.), cuja
origem é sempre motora, perceptiva ou intuitiva” (PIAGET, 2003, p. 48).
E como se dá a passagem das intuições para as operações? Vejamos os dois passos necessários:
2. Duas ações do mesmo gênero tornam-se operatórias logo que puderem compor uma terceira, do
mesmo gênero, e que possam ser invertidas. Ex.: a ação de reunir (adição lógica ou aritmética) torna-
se uma operação porque várias reuniões sucessivas podem ser reunidas em uma só (composição das
adições) e podem ser invertidas por dissociações (subtração).
• Composição – duas operações podem compor-se entre si e originar uma terceira, por exemplo:
2 + 2 = 4 – o que serve de esquema abstrato para muitas outras situações.
• A operação direita e sua inversa dão uma operação nula ou idêntica, por exemplo: – 2 + 2 = 0.
• As operações podem associar-se entre si (grupos/agrupamentos), isto é: “as noções e relações não
podem se construir isoladamente, mas constituem organizações de conjuntos, nas quais todos os
elementos são solidários e equilibram-se entre si” (PIAGET, 2003, p. 52).
Considerando, então, o que expusemos até aqui, fica claro que o pensamento lógico é expresso pela
capacidade de: reversibilidade das operações mentais, conservação de quantidades, inclusão de classes,
classificação, seriação, sequenciação, descentração. Lembrando, entretanto, que isso tudo só é possível,
ainda, no plano das ações concretas: falta habilidade para imaginar e organizar possibilidades não
visíveis e não vividas (isto é, situações puramente abstratas). A criança operatória concreta, e mesmo
anterior, é capaz de imaginar, mas não de sustentar sua imaginação logicamente (o que será a conquista
do próximo estádio).
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PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
Lembrete
Com as operações mentais, a criança adquire a noção de classes ou se torna capaz de realizar
classificações – o sistema essencial das operações lógicas. E, além de classificar, ela poderá unir e dissociar,
simultaneamente, os diferentes agrupamentos. Vejamos um exemplo: colocamos, diante da criança,
20 peças de madeira em uma caixa, sendo 18 delas da cor marrom e 2 da cor branca. Se perguntarmos
a ela: “Há mais peças de madeira ou peças marrons?”, antes dos 7 anos, ela dirá que há mais peças
marrons, pois ela não consegue, ao mesmo tempo, comparar as cores e as relações entre as partes (no
caso, cores) e o todo. Depois dessa idade, ela facilmente responderá que há mais peças de madeira, pois
não se prenderá a apenas uma dimensão (a cor).
As aplicações e implicações da teoria de Piaget são inúmeras e bastante atuais, dando sustentação
a diferentes estudos e pesquisas. Selecionamos uma, realizada em 2005, pelo professor Vandeir Robson
da Silva Martins, do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Londrina (PR). Seu trabalho,
intitulado: Percepções da natureza por crianças do estágio do pensamento operatório lógico-concreto
tal como descrito por Jean Piaget, buscou verificar a compreensão de crianças entre 7 e 8 anos de idade
sobre temas relacionados ao meio ambiente e à sustentabilidade. Os sujeitos foram convidados a fazer
uma representação de um ambiente natural (por meio de desenho ou elaboração escrita), segundo seu
ponto de vista, de dois temas:
• O que é natureza?
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Unidade II
Figura 7
O pensar da criança, ao tornar-se operatório, expande-se, relativiza-se e amplia o universo das suas
generalizações, ganha poder e autonomia: o pensamento formal da adolescência, como vimos, atinge
a esfera dos ideais e do futuro. Mudanças correspondentes acontecem no plano afetivo (incremento da
vontade e hierarquização de valores), incidindo sobre a esfera coletiva. O sentido e a imutabilidade das
regras são questionados e a decisão de aceitá-los, ou não, também. Submeter-se a elas passará a ser
uma questão de um querer autônomo (auxiliado, ou não, pela força de vontade): torna-se uma questão
ética. Não se trata, no entanto, de ser livre para agir de qualquer maneira, mas de aceitar limites (assim
como a lógica permanecerá vinculada à coerência): o que seria um retrocesso à posição egocêntrica.
54
PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
Observação
Assim como o pensamento operatório tornou-se possível graças à reversibilidade, nas relações a
criança valorizará a reciprocidade, a qual assegurará o desenvolvimento da autonomia e uma coesão
maior nas relações. Piaget falará aqui do aparecimento dos sentimentos normativos (regulados e não
dependentes da intuição ou percepção imediata), cuja base é o respeito mútuo. Antes, a criança vivia
o respeito de forma unilateral: ela obedecia aos mais velhos sem muito questionar e sem sentir a
obrigação da reciprocidade. A partir de agora – e os pais sabem muito bem disso, pelo aumento de
questionamentos dos filhos frente às regras –, o respeito se tornará mútuo, recíproco e baseado em
relações igualitárias e não mais assimétricas.
Um dispositivo afetivo – e cognitivo – importante que começará a fazer parte da vida infantil é a
vontade, ou melhor, a organização de vontade, que possibilitará uma melhor integração do eu e
regulação da vida afetiva.
Analisando esse trecho, verificamos que a vontade é diferente de quando dizemos simplesmente
“estar com vontade” de algo; ela implica um conflito entre tendências, o qual exigirá uma regulação,
uma postura ativa no sentido do enfrentamento dessa tensão. Por exemplo, imaginemos um menino
de 8 anos que estuda no 3º ano do Ensino Fundamental e adora jogar futebol com os vizinhos do seu
prédio. É véspera de prova de matemática e ele não está bem nessa matéria, e os amigos o chamam para
jogar bola na quadra. Para Piaget, a vontade será um instrumento interno fundamental que auxiliará
essa criança (e posteriormente esse adolescente e esse adulto) a tomar melhores decisões, no caso,
permanecer estudando – o que é um dever e cujo ganho só ocorrerá futuramente – em vez de descer
para jogar bola –, o que fornece um prazer mais imediato, mas pode prejudicar o projeto de passar de
ano. É importante destacarmos que não se trata de uma proposta moralista por parte do autor, pois
podemos pensar que, em outras circunstâncias, a decisão a serviço da vontade poderia ser a inversa.
Vejamos. Uma criança da mesma idade, que é muito tímida, estudiosa (a conhecida pejorativamente por
nerd) e que se sente bem sozinha lendo e estudando, e que está ficando obesa. Os vizinhos a chamam
55
Unidade II
para jogar bola e, nesse caso, fazer essa segunda opção seria a melhor decisão baseada na vontade:
de cuidar da saúde e de enturmar-se mais com as outras crianças. A vontade implica sempre uma
regulação entre forças em conflito, fazendo vencer uma tendência superior e fraca a uma tendência
inferior e forte.
Para Piaget, portanto, a vontade é o verdadeiro equivalente afetivo das operações da razão; a
vontade é uma lógica das ações, assim como a operação implica uma moral do pensamento. A vontade,
assim como operações da lógica, é reversível, diferente dos sentimentos intuitivos, menos estáveis e
irreversíveis, característicos dos estádios anteriores.
Como bem sintetiza La Taille: “longe de significar isolamento e impermeabilidade às ideias presentes
na cultura, autonomia significa ser capaz de se situar competentemente na rede de diversos pontos de
vista e conflitos presentes na sociedade” (1992, p. 17).
Lembrete
Nesse terceiro estádio, que se estenderá dos 7 até por volta dos 11 anos, mais uma vez ficam claras
as correspondências entre os avanços da inteligência e as transformações no plano afetivo. Assim
como as operações mentais favorecem a coordenação entre ações, conservam-se, são reversíveis e
generalizáveis, da mesma forma o sujeito passa a contar com uma nova e poderosa aliada no exercício
de sua afetividade: a vontade, conceito nodal do ponto de vista da afetividade, para Piaget.
56
PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
Saiba mais
Em uma interessante entrevista a Márcia Junges e Patrícia Fachin,
Fernando Becker comenta algumas das implicações do construtivismo para
a escola que se mantêm atuais, destacando que Piaget foi considerado o
Einstein da Psicologia. Disponível em:
FACHIN, P.; JUNGES, M. A escola como laboratório e não auditório.
Revista do Instituto Humanitas Unisinos, ed. 281, 10 nov. 2008. Disponível
em: https://bit.ly/3ogI7z8. Acesso em: 24 jan. 2022.
No estádio anterior, tanto os esquemas conceituais como as operações mentais são dependentes de
objetos e situações que existem concretamente na realidade. Na adolescência, essa limitação deixa
de existir e o sujeito é capaz de formar esquemas conceituais abstratos (amor, justiça, saudade)
e realizar operações mentais de acordo com uma lógica formal mais sofisticada em termos de
conteúdo e flexibilidade de raciocínio.
A partir desse estádio, é capaz de discutir sobre valores morais dos pais, construir seus próprios valores,
adquirindo autonomia, é capaz de levantar hipóteses e expressar proposições para depois testá-las e
refletir sobre seus próprios pensamentos, buscando justificativas lógicas para seus julgamentos. Isso o
levará à construção de autonomia e identidade.
Dessa forma, temos a passagem da lógica indutiva para a lógica dedutiva. O sujeito tem a capacidade
cognitiva de pensar a partir de um princípio geral e chegar à antecipação de uma experiência (caminhar
do geral para o particular – G → P). É o raciocínio mais difícil e sofisticado, pois libera o pensamento do
concreto e passa a trabalhar com ideias (pura abstração).
De acordo com Piaget, o sujeito atingiu sua forma final de equilíbrio e uma capacidade tão complexa
de pensamento que permite a construção e a compreensão de doutrinas filosóficas e teorias científicas.
Ainda que essa capacidade de formalização e abstração do pensamento não finalize nessa etapa da vida,
mas, ao contrário, poderá (e deverá) ser aprofundada e consolidada durante os anos futuros.
Podemos, então, sintetizar as três aquisições essenciais deste quarto e último estádio piagetiano:
57
Unidade II
Ao tratar desse estádio, é importante mencionar que Piaget insistirá, novamente, que são comuns os
desequilíbrios nos períodos de mudança e transição entre estádios, o que ocorrerá com o adolescente.
Ou seja, a oscilação que nós percebemos, ora agem e pensam como crianças menores, ora se colocam
e expõem argumentos mais elaborados e complexos. Isso é compreensível pela instabilidade das novas
estruturas, ainda em formação. Veremos, então, uma ampliação das operações mentais, que ganham
em abstração e, com isso, possibilitam a construção de sistemas explicativos e teorias. Junto com
isso, tornam-se capazes de lidar e mostram-se genuinamente interessados em temas como filosofia,
estética e política.
Mas vejamos, por meio de um exemplo simples e didático, de que se trata exatamente essa capacidade
do pensamento hipotético dedutivo. Analisemos a seguinte proposição: “Ana tem cabelos mais escuros
que Luana. Ana tem cabelos mais claros do que Suzana. Qual tem cabelos mais escuros?” Crianças
menores costumam fazer relações aos pares, respondendo que Ana e Luana têm cabelos mais escuros e
que Ana e Suzana têm cabelos mais claros e, portanto, Luana tem cabelos escuros, Suzana tem cabelos
claros e Ana tem cabelos meio claros e meio escuros. Se tivessem diante de si três bonecas, responderiam
corretamente, mas, apenas com base em enunciados verbais, não conseguem desvendar a questão. Após
11 ou 12 anos, o pensamento formal torna-se possível, ou seja, ele opera independente das percepções
ou manipulações concretas, de maneira que as crianças respondem com facilidade que Suzana tem
cabelos mais escuros.
A ampliação indefinida da reflexão que permite esse novo instrumento que é a lógica das
proposições leva, inicialmente, o adolescente a uma indiferenciação entre esse poder novo e
imprevisto que o eu descobre e o universo social ou cósmico que é objeto dessa reflexão. Em outras
palavras, o adolescente passa por uma fase que atribui um poder ilimitado ao seu pensamento
(INHELDER; PIAGET, 1976).
58
PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
Lembrete
As mudanças no plano cognitivo favorecem uma nova organização afetiva e de valores e um novo
posicionamento do adolescente perante o grupo social. A reversibilidade cognitiva estende-se ao
campo das relações interindividuais, na forma de relações de reciprocidade, causando, muitas vezes,
turbulências. Isso porque, num primeiro momento, devido ao egocentrismo característico dessa fase
(não mais ligado às ações como no período sensório-motor, mas às ideias), predomina uma postura de
confronto com os valores da sociedade (e seus representantes, como pais e professores) e tentativas
de reformá-la. Esse modo de pensar e agir, com seu colorido messiânico e prepotente, não deve
ser qualificado por características negativas ou patológicas, uma vez que, como assinalou Piaget,
justifica-se pela própria natureza do processo de desenvolvimento cognitivo.
Seguindo esse mesmo movimento, ao caracterizar o egocentrismo típico dessa fase, Elkind sublinha
a forte indiferenciação entre aquilo que o adolescente pensa e os pensamentos alheios, o que sustenta
sua crença em uma “audiência imaginária”. Um exemplo característico são as reuniões entre eles
“no sentido de que cada jovem é, simultaneamente, um ator para si mesmo e uma audiência para
os demais” (ELKIND, 1982, p. 107). Ao crer que os outros compartilham de suas ideias e sentimentos,
o adolescente pode tentar monopolizar as atenções ou tornar-se excessivamente suscetível à crítica
alheia e a sentimentos de vergonha. Um aspecto importante desse movimento é que, no transcorrer
da própria adolescência, as ideias que atribui aos outros passarão a ser tratadas como hipóteses a
serem verificadas, aproximando-o de uma visão mais realista, diferenciada e integrada em relação a si
59
Unidade II
mesmo, aos outros e ao mundo. O grupo de pares se tornará um lugar privilegiado de trocas cognitivas
e afetivas, proporcionando ao adolescente o fortalecimento de ideias, valores e sentimentos.
Observação
No primeiro caso, da consolidação de afetos normativos, o que se observa é uma presença maior
e mais consistente de atos de vontade. Como agora tem ao seu alcance ferramentas para fazer
hipótese e proposições, o adolescente possui mais argumentos para levar adiante as negociações
internas em favor de objetivos menos imediatos, porém mais sólidos. Planejar um futuro profissional
e pessoal, escolher uma carreira ou desenhar os contornos de uma vida afetiva adulta são situações
que dependerão do quanto ele será capaz de abrir mão de gratificações imediatas, projetando-se
confiante e persistentemente num projeto virtual. Ao enfrentar a tarefa de estabelecer um programa
de vida para si, a relação não só com o trabalho, mas também com o grupo social, será essencial para
dar suporte real aos planos e ideias.
No segundo caso, dos sentimentos relativos a ideais, o que se observa é a possibilidade de refletir
sobre conceitos e temas não apreensíveis diretamente e que dependem de operações cognitivas e
afetivas mais complexas: noções de justiça, ética, pátria, solidariedade ocupam tanto os pensamentos
solitários como os debates acalorados entre grupos de adolescentes. E, como insiste Piaget, essa
vida social estimulará, precisamente, uma descentração que é também intelectual, além de moral: “é
principalmente nas discussões com os colegas que o criador de teorias frequentemente descobre, pela
crítica às dos outros, a fragilidade das suas” (INHELDER; PIAGET, 1976, p. 257). Considerar a opinião do
grupo não significa de modo algum mera repetição ou sujeição à opinião alheia (o que, no entanto,
pode ocorrer), mas poder enriquecer-se de maneira autônoma e responsável.
60
PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
Saiba mais
Na monografia a seguir você encontrará uma descrição detalhada de
situações reais de interação entre adolescentes e diferentes procedimentos
da pesquisadora no sentido de favorecer o desenvolvimento da cooperação
entre eles. Sugerimos sua leitura:
Para Piaget, o principal fator que irá impulsionar a reaproximação necessária, trabalhosa e lenta,
entre o pensamento e a experiência concreta será o trabalho. Por meio dele, os ímpetos idealistas
por reformas podem transformar-se em realizações criativas e úteis. “A metafísica própria ao
adolescente, assim como suas paixões e megalomanias, são preparativos reais para a criação pessoal”
(INHELDER; PIAGET, 1976, p. 64). Ou seja, fica aqui um alerta para nós, educadores, será que deixamos
o adolescente sonhar? Será que valorizamos essa capacidade como vinculada ao desenvolvimento
criativo do pensamento?
61
Unidade II
Convidamos você a ler o artigo “Autonomia intelectual e moral como finalidade da educação
contemporânea”, do professor Jesus Garcia Pascual, da Universidade Federal do Ceará. Ele apresenta
conceitos teóricos que vimos nesta unidade – como reversibilidade/reciprocidade; submissão/cooperação;
heteronomia/autonomia, discutindo a atualidade desses temas no campo pedagógico. Destacamos um
trecho para motivar você à leitura do texto completo:
Saiba mais
O artigo completo está disponível em:
Boa leitura!
De acordo com Piaget, ao final do estádio Sensório-Motor (por volta dos 2 anos), surge na criança
uma capacidade cognitiva de representação – um significado por meio de um significante –, e o meio
que utiliza para isso pode ser a linguagem, o jogo simbólico, a imitação, a imagem mental e o desenho.
O desenho, nessa perspectiva, não é apenas um ato criativo e espontâneo da criança, mas sim
uma função de pensamento, simbólica e semiótica, que possibilita a representação da realidade. Em
outras palavras, o desenho é uma das manifestações da função simbólica ou semiótica que surge na
criança por volta dos 2 anos (estádio pré-operatório), possibilitando a representação intencional da
realidade por meio do grafismo.
62
PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
Saiba mais
No livro a seguir, Piaget apresenta um estudo muito interessante sobre
as relações espaciais elementares e o espaço gráfico. Vale a pena conferir:
Piaget considera o desenho uma forma de representação do pensamento e, embora não tenha
estudado o desenvolvimento do grafismo infantil, refere-se em seus textos aos célebres estudos de
Georges-Henri Luquet (1876-1965), que foi o primeiro a tabular em etapas evolutivas.
Luquet inicia seus estudos observando de maneira sistemática os desenhos de seus filhos, Simone
e Jean Luquet. Percebe o desenhar como um ato de representação da realidade, uma imitação do real
através da representação e, nesse sentido, afirma que o desenho é realista na intenção. Portanto, o
“realismo” do desenho é uma concepção-chave em sua teoria.
A característica fundamental do desenho infantil é ser realista, a criança quando desenha expressa
uma intenção de representar a realidade tal qual ela se apresenta. Nesse sentido, o desenho infantil
é uma imitação do real por meio de uma representação e, por isso, é realista na intenção. Compreende o
desenvolvimento do grafismo infantil em quatro importantes etapas, demonstrando que o desenho sofre
mudanças e destacando um realismo que se desenvolve à medida que a criança vai avançando em idade.
Essa característica realista apontada por Luquet sofre modificações ao longo do desenvolvimento
infantil. Gradativamente o desenho vai evoluindo em etapas e, em cada uma delas, há um tipo de
realismo. Em outras palavras, o realismo do desenho infantil ocorre em diferentes fases:
63
Unidade II
Por volta dos 2 e 3 anos, a criança começa a fazer traços intencionais no papel, percebe certa
analogia entre seus traçados e objetos da realidade e faz uma interpretação: surge, então, o desenho
intencional, o desenho como representação. A criança que antes rabiscava aleatoriamente passa a fazer
uma analogia entre um objeto e seu traço, dando-lhe um nome e isso acontece de modo fortuito
(LUQUET, 1927, p. 138), uma representação da realidade ao acaso.
Essa representação, por ser fortuita, não se mantém em todos os desenhos que a criança faz: é
apenas acidentalmente que ela é capaz de fazer um traçado que se pareça com um objeto, e isso explica
o porquê de ora nomear seu desenho de uma maneira, ora de outra.
Na segunda fase de evolução do desenho infantil, a criança desenha com a intenção realista
(LUQUET, 1927) de representar, mas encontra dois obstáculos que dificultam a representação da realidade:
um de ordem física (LUQUET, 1927) ou gráfica, que consiste em coordenar seus movimentos motores
para dar ao traçado o aspecto do objeto desenhado; e o outro de ordem psíquica (LUQUET, 1927), que
consiste na falta de atenção da criança para desenhar pormenores. Por causa desses obstáculos, o
desenho infantil nessa fase é marcado por sucessos e fracassos; por isso, Luquet o chamou de “réalisme
64
PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
manqué ou l’incapacité synthétique” (1927, p. 151-155), uma fase de imperfeição geral do desenho, que
se inicia geralmente entre 3 e 4 anos.
Observação
65
Unidade II
Segundo Piaget e Inhelder, também nessa fase a criança inicia a representação da figura humana,
que passa por estágios: inicialmente são representados os “bonecos-girinos ou badamecos girinos”
(PIAGET; INHELDER, 1966, p. 51), com cabeça, pernas e braços sem tronco e, em seguida, os “bonecos ou
badamecos” (PIAGET; INHELDER, 1966, p. 51), a figura humana propriamente dita.
Por volta dos 4 anos, inicia-se o principal estádio, que irá estender-se até por volta dos 8/9 anos.
Essa fase se caracteriza pela superação da incapacidade sintética e, por isso, a criança passa a desenhar
de maneira realista, isto é, desenha os pormenores do objeto, levando em consideração as suas relações
recíprocas, o conjunto. Em outras palavras, o que caracteriza essa fase do realismo chamado por Luquet
de intelectual (LUQUET, 1927, p. 165) “é a concepção infantil de que para que o desenho seja parecido
deve conter todos os elementos visíveis e invisíveis do objeto do ponto de vista do sujeito, buscando a
sua exemplaridade”.
66
PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
Lembrete
O plano deitado (LUQUET, 1927) consiste em representar o objeto projetado no solo, no plano,
como se fosse visto por cima, do alto e não de lado, e o rebatimento consiste em rebater as laterais
dos suportes dos objetos desenhados: perna de animais, pés de móveis, roda de carros. Esse tipo de
procedimento é utilizado em objetos vistos do alto, em plano deitado, pois desse ponto de vista os
suportes estão encobertos pelo corpo e, para a criança, não há outra forma de representá-lo.
Para Piaget, a fase do realismo intelectual é a mais importante, pois a criança desenha o que sabe
sobre os objetos e não aquilo que vê deles, dando ao desenho a característica de exemplaridade, sem
preocupação com a perspectiva visual: um rosto de perfil tem dois olhos, as pernas do cavaleiro serão
vistas por meio do cavalo e a comida no interior do boneco.
Na última fase de evolução do desenho infantil, que se inicia por volta dos 8/9 anos, uma série de
fatores levam a criança a abandonar o realismo intelectual e a adotar o realismo visual como forma de
representação gráfica.
O desenho infantil, para ser plenamente realista na fase do realismo visual, deve representar o objeto
da forma como é visualmente percebido. As contradições e a insuficiência do realismo intelectual em
relação a isso levam a criança a abandonar os procedimentos utilizados na etapa anterior. Por isso, no
lugar da transparência, ela utiliza a opacidade (LUQUET, 1927), que consiste em suprimir os pormenores
que são objetivamente invisíveis no objeto representado; e, no lugar do rebatimento e do plano, utiliza a
perspectiva, que consiste na modificação do aspecto da silhueta de um objeto ou de pormenores vistos
de frente. O resultado disso é o abandono da exemplaridade.
Para Luquet, há uma submissão da criança às leis da realidade, com perda da espontaneidade ao
desenhar, diminuindo a produção artística (figuração adequada do real).
Em resumo, o realismo visual é marcado pela descoberta da perspectiva e pela submissão às suas leis.
Isso leva a um empobrecimento do desenho infantil, pois a criança, pela preocupação em desenhar aquilo
que vê e não o que sabe sobre os objetos, passa a limitar os detalhes de seu grafismo, tornando-o pobre
e pouco frequente, assemelhando-se às produções adultas (veja um exemplo de desenho empobrecido
de um adulto na figura a seguir).
com a realidade. As partes escondidas não são figuradas, os objetos em segundo plano são diminuídos
em relação ao primeiro plano (perspectiva). Como na maioria das vezes não há um aprendizado sobre
essas técnicas de desenho, o sujeito irá apresentar um empobrecimento em sua produção gráfica e
uma inibição para expressar seus pensamentos por meio dessa forma de representação. Esta é uma das
maiores críticas dos estudiosos do grafismo infantil.
Observação
Para Luquet, há uma submissão da criança às leis da realidade, com perda da espontaneidade ao
desenhar, diminuindo a produção artística (figuração adequada do real).
A seguir, é apresentado um desenho em que, embora no realismo visual, o sujeito não perdeu a
espontaneidade e a criatividade ao desenhar, pois teve a oportunidade de estudar técnicas de desenho
e, com isso, pôde representar a realidade da maneira como a vê (não apenas como pensa sobre ela).
A escola construtivista é aquela que possibilita ao sujeito interagir com situações de aprendizagem
favoráveis ao desenvolvimento do grafismo.
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PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
Saiba mais
Para conhecer mais sobre o desenvolvimento do desenho infantil,
sugerimos a leitura da reportagem “Pequenos Artistas”, em que são
entrevistados vários especialistas nessa área, articulando a psicologia do
desenho infantil com sua ação pedagógica.
ACHCAR, T. Pequenos artistas. Nova Escola, 1º maio 2006. Disponível
em: https://bit.ly/3t0GGIc. Acesso em: 10 jul. 2012.
Viktor Lowenfeld (1903-1960) também realizou vários estudos sobre o grafismo infantil e, entre
as publicações a respeito, destacam-se no Brasil duas obras: A criança e sua arte (1954/1976) e
Desenvolvimento da capacidade criadora (1947/1977), em coautoria com W. Lambert Brittain.
Os resultados de suas pesquisas revelaram que há uma transformação no grafismo infantil, que
se inicia na infância e vai até a adolescência, percorrendo sucessivas fases de desenvolvimento. São
elas: Garatujas (2 aos 4 anos); Pré-Esquemática (4 aos 7 anos); Esquemática (7 aos 9 anos); Realismo
(9 aos 12 anos).
69
Unidade II
Assim como Bernson (1957, 1962) e Mèredieu (1974, 1979), Viktor Lowenfeld (1977) observou em
seus estudos um desenvolvimento nas garatujas. Para esse autor, a criança por volta dos 18 meses
apresenta traços desordenados no papel, que evoluem para desenhos mais reconhecíveis aos adultos.
As primeiras garatujas são chamadas por Lowenfeld de desordenadas (1977). Para garatujar, por
volta de 2 anos, a criança utiliza o lápis de vários modos: apoia no papel qualquer uma das extremidades
ou lado e segura entre os dedos ou com a mão toda, realizando movimentos amplos sobre o papel,
sem um planejamento prévio ou um controle de suas ações, e isso lhe causa muito prazer. Ela está
mais interessada em explorar as propriedades físicas dos materiais (tocar, cheirar, ver, saborear) do que
desenhar. Muitas vezes coloca o lápis na boca ou bate a ponta repetidas vezes no papel. Como não
possui controle muscular, movimenta o braço para a frente e para trás, tanto pode olhar para a folha
enquanto garatuja como para o outro lado, e não para o papel.
O resultado irá variar, dependendo da qualidade dos traços aleatórios que foram feitos, sendo que na
maioria das vezes ultrapassa o limite da folha, garatujando também a mesa, a parede ou o chão onde se
encontra apoiado o papel. Isso ocorre porque não há controle motor de seus movimentos.
70
PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
É importante lembrar que, para Lowenfeld (1977), as garatujas não são tentativas de representar a
realidade, e sim rabiscos que fazem parte do desenvolvimento físico e psicológico da criança. Sendo
assim, é o primeiro registro permanente, anterior à linguagem, e será a partir dessa expressão inicial que
mais tarde iniciará a pintura, o desenho e a palavra escrita.
Lembrete
Por volta dos 2 anos e meio, seis meses após ter começado a garatujar, a criança passa a ter um
controle visual e motor de seus traços e, por isso, Lowenfeld chamou essa fase de “garatujas controladas”
(1977, p. 120). Nas palavras do autor:
Assim, a criança começa a variar seus movimentos, tornando as garatujas mais elaboradas, embora
ainda não haja uma relação entre sua atividade e aquilo que na realidade representa o objeto. Seus
traços podem ser horizontais, verticais ou em círculos, e não ultrapassam mais os limites do papel. Não
levanta o lápis da folha, por isso não representa pontos ou pequenos modelos repetidos.
71
Unidade II
Nessa fase, a criança passa mais tempo garatujando, demonstra interesse em utilizar diferentes
materiais, em preencher todo o espaço do papel e inicia, sozinha, o treino para segurar corretamente o
lápis. Fica inteiramente absorta em suas garatujas e, às vezes, aproxima-se tanto do suporte que encosta
seu nariz no papel, sem percebê-lo.
Segundo Lowenfeld (1977), o adulto tem um papel muito importante a partir dessa fase, porque, ao
compartilhar com a criança a alegria de garatujar, estará auxiliando no desenvolvimento do grafismo.
Por volta dos 3 anos e meio, há uma grande transformação no pensamento da criança, ela começa
a atribuir nomes (significados) às suas garatujas, é a fase das garatujas nomeadas. Antes havia um
simples prazer em realizar movimentos, agora os movimentos estão ligados ao mundo ao seu redor.
“Transferiu-se do pensamento cinestésico para o pensamento imaginativo” (1977, p. 123), onde a
imagem mental tem um papel importante: a criança tem uma ideia do que irá fazer e é influenciada por
aquilo que desenhou.
Nesse sentido, a criança agora desenha com uma intenção, ela anuncia o que vai desenhar. Isso
não significa que tenha uma noção preconcebida do aspecto final de suas garatujas: o que no início é
anunciado como árvore, pode terminar recebendo um nome diferente. Segundo Lowenfeld, os traços
podem não ter sentido para os adultos, mas possuem um significado real para a criança.
Em suma, nessa fase, a criança passa mais tempo desenhando, suas garatujas são mais elaboradas,
distribuídas por toda página e acompanhadas de uma descrição verbal do que está representado no
papel. Não costuma dar seu desenho a alguém, porque a garatuja, nesse momento, é um registro que
faz sobre o ambiente.
Lowenfeld (1977) adverte os adultos para não atribuir uma realidade visual aos rabiscos feitos pela
criança, porque dar uma interpretação própria ou forçar a criança a dar um nome ou explicação para
72
PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
o que desenhou pode prejudicar seu desenvolvimento. Os pais e professores, segundo o autor, devem
apenas estimular essa nova representação que se inicia e será fonte para novas aquisições.
Ao final da fase das garatujas, surge uma etapa muito importante. É o momento em que a criança,
por volta dos 4 anos, cria conscientemente desenhos que têm alguma relação com o mundo à sua volta,
para Lowenfeld é o início da “compreensão gráfica” (1977, p. 149). Os movimentos corporais passam a
ser controlados, relacionando-se a objetos visuais.
O primeiro símbolo criado é um homem, desenhado com um círculo para a cabeça e duas linhas
verticais para as pernas. Nas palavras do autor: “Tipicamente, o homem é desenhado com um círculo,
indicando a cabeça e, duas linhas verticais, as pernas. Essas representações ‘cabeça-pés’ são comuns nas
crianças de 5 anos.” (LOWENFELD, 1977, p. 149). Em outras palavras, a criança pensa a figura humana
dessa maneira, uma vez que não há cópia de um objeto visual, e sim a interpretação que faz dele.
Nesse momento, está desenhando a si mesma, o que sabe sobre si e não uma representação visual
de um modelo.
Segundo Lowenfeld (1977), essas primeiras experiências representativas da figura humana não
são símbolos imaturos, e sim uma abstração, um processo mental ordenado. Aos poucos, a criança
vai acrescentando pormenores a essa representação cabeça-pés: braços saem da cabeça, aparece um
73
Unidade II
umbigo entre as pernas e há a inclusão do corpo. Por volta dos 6 anos, a criança já consegue fazer um
desenho da figura humana bem organizado. Dessa forma, aos 4/5 anos surgem os desenhos de
pessoas, casas e árvores que, aos 6 anos, evoluem para desenhos mais organizados, com temas e
claramente identificáveis. É importante lembrar que a criança está em contínua busca de novos
conceitos, por isso seus símbolos representativos mudam constantemente e somente na próxima
fase irá estabelecer um esquema.
Outro aspecto importante é a maneira como organiza espacialmente os desenhos no papel. Desenha
os objetos e os nomeia separadamente, sem estabelecer uma relação entre todos: uma árvore, uma casa,
um homem. Na verdade, o espaço está relacionado ao seu corpo e consigo mesma, não estabelece relação
entre os objetos desenhados, desenha o que está a sua volta de maneira aparentemente desordenada e a
figura humana é o centro de toda representação. Por isso acaba fazendo uma justaposição dos modelos
ao invés de coordená-los em um todo. Nas palavras do autor: “Nenhuma relação espacial foi ainda
estabelecida, fora do conceito do eu da própria criança. Portanto, o espaço é concebido como algo que
gravita em torno dela” (LOWENFELD, 1977, p. 155).
Lowenfeld (1947, 1977, p. 181) denomina esquema a possibilidade que a criança encontra, a partir dos
7 anos, de desenhar utilizando símbolos que representam um objeto real. Esse esquema é flexível, passa
por alterações, é altamente individualizado e não inclui experiências intencionais. Em outras palavras,
o esquema de um objeto é o conceito que a criança chegou a partir de várias experiências, representa
seu conhecimento ativo sobre o objeto. Esse esquema pode sofrer alterações a partir da experiência
particular e está revestido de um significado especial para ela. Dessa forma, podemos distinguir os
desenhos de uma criança dos de outra, observando as representações esquemáticas, pois, como já foram
mencionadas, elas são particulares.
74
PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
O esquema humano é o conceito da figura humana que a criança criou após muita experimentação. À
medida que constrói a percepção do conceito de forma, desenvolve o símbolo do homem, que irá repetir
várias vezes, enquanto não tiver uma experiência particular que a influencie a mudar esse conceito. Essa
figura humana, nesse período, é um símbolo facilmente reconhecível pelo adulto: possui as diferentes
partes corporais, a roupa cobre o corpo e vários detalhes são desenhados, como cabelo, nariz, boca,
pescoço, mãos, dedos e pés. A simetria do corpo é muito importante, por isso procura desenhar os dois
lados com as mesmas características. As figuras são retratadas de frente e o esquema de perfil pode vir
associado ao frontal: dois olhos e o nariz perfilado (LOWENFELD, 1977).
Em relação ao esquema espacial, há uma grande descoberta: a criança percebe que é parte de seu
meio e indica isso utilizando um símbolo que Lowenfeld denomina linha de base (1977, p. 185). Em outras
palavras, a criança inclui todos os objetos desenhados em uma relação espacial comum, estabelece uma
relação mútua entre esses elementos, por meio da colocação de tudo nessa importante linha básica.
Dessa forma, não apresenta mais os objetos em relação a si mesma, mas começa a representá-los com
certa relação lógica entre si.
Para Lowenfeld (1977), a linha de base é universal e pode ser considerada parte do desenvolvimento
da criança, como correr ou pular. Nas várias pesquisas que realizou, pôde observar a existência desse
esquema em crianças de diferentes culturas e seu significado é sempre de um solo, de um chão onde
pisam. Esse esquema é representado por uma linha horizontal na parte inferior do papel, a base em
que as coisas estão colocadas, e no alto são representados o céu com nuvens, o sol, a lua e as estrelas.
A criança tanto pode fazer um risco no papel para representar essa base como desenhar os objetos
emparelhados sob uma linha imaginária, facilmente identificável. Muitas vezes, ela faz, em um mesmo
desenho, duas linhas de base, uma acima e outra abaixo, para representar dois episódios ou para desenhar
duas situações concomitantes. Como não sabe representar no plano tridimensional, desenha no plano
75
Unidade II
Embora a linha de base seja a maneira mais usual de a criança representar o espaço, algumas vezes
utiliza a “dobragem” (LOWENFELD, 1977, p. 191) como forma de representação, que consiste em desenhar
os objetos perpendicularmente à linha de base, os quais parecem estar colocados de pernas para o ar.
É a representação subjetiva que faz com que a criança utilize essa maneira de desenhar e que, para
o adulto, pode ter maior significado se dobrar a folha ao longo da linha de base ou ao meio para ter a
dimensão do que foi representado.
Outro aspecto importante das experiências espaciais subjetivas da criança é o “plano e a elevação”
(LOWENFELD, 1977, p. 193). O desenho é feito de lado, mas alguns objetos são representados como
sendo vistos por cima. A partir da importância que a criança dá a esse objeto, ela irá desenhá-lo para
que possa ser visto. Como vimos anteriormente, Luquet (1969) denomina isso plano.
A “representação do tipo raios X” (LOWENFELD, 1977, p. 200) é a outra maneira utilizada pela
criança em seus desenhos, que consiste em mostrar o interior e exterior dos objetos, misturando em
seus desenhos os conceitos de dentro e fora. Em outras palavras, ela desenha a parte exterior e interior
dos objetos como se fossem transparentes. Luquet (1969) também observou essa mesma forma de
representação pela criança e, como já foi dito, chamou isso de transparência.
Lembrete
O conhecimento dos diferentes tipos de esquemas utilizados pela criança nos permite compreender
o processo de seu pensamento, a forma como constrói o significado dos objetos a partir de sua
representação. Lowenfeld (1977) apresenta três aspectos importantes a serem observados: o exagero de
partes do desenho consideradas importantes para a criança, a negligência ou omissão de partes menos
importantes e a mudança de símbolos para partes significativas. Esses aspectos são observados somente
pelo adulto, pois, para a criança, não representam exageros ou omissões, e sim uma importância maior
76
PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
ou menor que atribui para algum elemento do desenho. Podemos observar isso na figura em que o
lápis e os braços exagerados revelam sua importância para a temática e a redução de um dos braços, na
segunda figura, expressa sua menor importância naquele momento.
Por fim, Lowenfeld (1977) sugere uma série de temas a serem apresentados aos alunos pelos
professores como forma de exploração de todos os esquemas utilizados pela criança nessa fase: linha
de base, dobragem, plano, elevação, representações de espaço-tempo e desenhos do tipo raios X.
Dessa maneira, o professor estará dando oportunidade para a criança explorar essas técnicas e propor
intervenções nas representações de seus alunos.
No período entre 9 e 12 anos, a criança vivencia a “idade da turma” (LOWENFELD, 1977, p. 229),
ou seja, uma fase do desenvolvimento em que as amizades grupais ganham importância e são formados
grupos do mesmo sexo. Em função disso, o jovem, nessa idade, começa a tomar consciência da realidade,
do seu mundo real, repleto de emoções, amigos, planos e recordações e, em seus desenhos, rompe com
o esquema da fase anterior e passa a retratar as características sexuais na figura humana, com muitos
detalhes. Descobre que as linhas e formas geométricas não são suficientes para desenhar a figura
humana, por isso se preocupa com os pormenores e não usa mais exageros ou omissões. O desenho do
tipo raios X e dobragem agora são julgados como não apropriados.
Em relação à representação do espaço, modifica o uso da linha de base para uma representação
mais naturalista, pela crescente conscientização visual. Os desenhos passam a incluir várias linhas de
base e os espaços entre elas ficam totalmente preenchidos. Passa a utilizar o plano e os espaços entre
as linhas de base e, por isso, essas linhas começam a desaparecer como única base. Adquire, também,
a consciência de profundidade e sobreposição, que utiliza largamente em seus desenhos: o céu ganha
significado de horizonte e um objeto pode encobrir outro.
77
Unidade II
A criança desenvolve um senso crítico em relação a si mesma e aos outros, por isso pode esconder
seus desenhos dos adultos ou fazer comentários depreciativos sobre suas produções e a dos colegas.
Segundo Lowenfeld (1977), em vários estudos realizados, o desenho da criança nessas últimas fases
se assemelha ao do adulto que não teve educação artística formal ou que passou por forte pressão
escolar. Os adultos forçam a criança a uma adaptação aos desejos sociais, sendo a imitação de modelos
e o conformismo fortes aliados nesse sentido.
Por isso, o autor salienta a importância de explorar a capacidade criadora da criança, a fim de que
se torne um adulto mais criativo, por meio da exploração de diferentes materiais, da não imposição de
técnicas e do incentivo a trabalhos coletivos e individuais.
Quadro 7
Luquet Lowenfeld
Garatujas desordenadas, controladas,
Realismo fortuito nomeadas e diagramadas
Realismo malsucedido Pré-esquemática
Saiba mais
78
PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
Resumo
Estudamos as etapas do desenvolvimento cognitivo apresentadas por
Jean Piaget, desde o nascimento do bebê até a adolescência, estruturada
em quatro estádios do desenvolvimento: sensório motor (0 a 2 anos),
pré-operatório (2 a 6 anos), operatório concreto (7 a 11 anos) e operatório
formal (12 a 15 anos).
Vimos, ainda, que este primeiro estádio é composto por seis etapas:
exercícios reflexos e esquemas simples; reação circular primária; reação
circular secundária; noção do objeto permanente; reação circular terciária;
e fase de transição.
79
Unidade II
80
PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
Vimos, por fim, que todas as conquistas nos diferentes estádios não
seguem um determinismo genético, biológico, mas dependerão das
condições fornecidas pelos ambientes em que crianças e adolescentes
forem expostos e, por essa razão, nós, educadores, devemos ter consciência
e refletir continuamente sobre como vemos, como compreendemos, como
interagimos com nossos alunos.
81
Unidade II
Exercícios
Com base no exposto e nos seus conhecimentos, considere as afirmativas a seguir e assinale a
afirmativa correta.
C) A palavra “estádio” designa um período em que se pressupõe a falta de algo para completar
determinada formação antes de passar para o período seguinte.
D) É possível obter uma boa compreensão da teoria de Piaget, mesmo desconhecendo sua descrição
dos períodos de desenvolvimento cognitivo.
A) Alternativa correta.
B) Alternativa incorreta.
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PSICOLOGIA CONSTRUTIVISTA
C) Alternativa incorreta.
D) Alternativa incorreta.
Justificativa: é impossível obter uma boa compreensão da teoria de Piaget sem conhecimento
de sua descrição dos períodos de desenvolvimento cognitivo.
E) Alternativa incorreta.
Questão 2. Jean Piaget considera que o desenvolvimento cognitivo se dá ao longo de quatro períodos de
desenvolvimento: (1) sensório motor, de 0 a 2 anos; (2) pré-operatório, de 2 a 6 anos; (3) operatório concreto,
de 7 a 11 anos; e (4) operatório formal, de 12 a 15 anos. Preencha corretamente a lacuna de cada uma das
afirmativas apresentadas a seguir com uma das expressões reunidas do banco de expressões:
1 Sensório-motor (0 a 2 anos)
2 Pré-operatório (2 a 6 anos)
3 Operatório concreto (7 a 11 anos)
4 Operatório formal (a partir dos 12 anos)
I – O estádio ____________ caracteriza-se pela inteligência prática, não verbal, e pela construção
das quatro categorias que formam o real (a realidade): objeto permanente, espaço contínuo, tempo
sucessivo e causalidade objetiva.
II – No estádio ____________, é conquistada a capacidade simbólica, ou seja, a capacidade de
representar objetos ausentes do seu campo imediato.
III – Durante o estádio ____________, são conquistadas as operações mentais, ou seja, a criança
avança da experiência particular, concreta, para um princípio geral, ainda com pouca capacidade de
abstração para além das experiências concretas.
IV – Durante o estádio ____________, a criança mostra-se capaz de pensar no futuro, fazer
conjecturas e construir hipóteses. O pensamento formal e hipotético dedutivo continuará se expandindo
e consolidando até o fim da vida, propiciando condições para que a pessoa elabore um projeto de vida e
insira-se de modo responsável na sociedade adulta.
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Unidade II
Análise da questão
É durante o estádio sensório-motor que a criança apresenta uma inteligência prática e não verbal
e percebe a realidade com base em quatro categorias fundamentais do real: objeto permanente, espaço
contínuo, tempo sucessivo e causalidade objetiva.
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