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- Florinda (nome fictício), 30 anos: sexo feminino, negra, ensino médio completo, nível
socioeconômico baixo, noiva e católica praticante.
No decorrer dos atendimentos iniciais, explicitou mais algumas queixas, como a falta
de autoconhecimento e inassertividade.
"Eu não entendo porque eu não impedi que eles fizessem isso (abuso sexual)
comigo"
“Eu não sei dizer não para as pessoas... Meus irmãos e cunhados sempre pedem
dinheiro para mim e não pagam. Quando digo que não tenho ou não posso, as pessoas
parecem que sabem que estou mentindo, aí eu acabo emprestando mesmo".
Variáveis históricas
Histórico Familiar: Família extensa, com pai falecido, mãe e seis irmãos, dentre eles
quatro homens e duas mulheres. Ficou responsável por administrar o dinheiro de sua
mãe após o falecimento do pai, o que gerava pedidos corriqueiros de empréstimo de
dinheiro por parte dos parentes, que não pagavam e, às vezes, Florinda contraía dívidas
em decorrência disso. Ela se recusava a emprestar, inicialmente, mas terminava cedendo
à insistência. Como exemplo dessa situação, relatou uma dívida contraída com compra
de material de construção para levantar o barraco em que a mãe morava. Enquanto
todos os outros irmãos contribuíam com o pagamento do material, a paciente cobria o
rombo mensal deixado pelo irmão (que cometeu o abuso sexual) que, além de não arcar
com a parte que lhe cabia, ainda retirava produtos da loja de materiais de construção
para si sem avisar aos demais irmãos e acrescentava à conta.
Histórico Social: Na adolescência, as colegas zombavam dela pelo fato de ter medo de
homens. Marcavam encontros com rapazes que a cumprimentassem apenas para vê-la
fugindo deles. Numa dessas "brincadeiras", ela conheceu o noivo e, depois, começaram
a namorar. Relatou que "tento ser amiga, mas não tenho amigos; as pessoas brincaram
muito comigo, já sofri muito com amizades";"meu único amigo é meu noivo".
Florinda comentou em uma sessão que certa vez, uma colega de sua igreja, ao conhecer
o seu noivo comentou: "Nossa, esse que é o seu namorado", "todos na minha casa vêem
e não fazem nada!". “Por que meus familiares não me ajudam, não me defendem?”
Florinda afirmou que o dia do seu noivado foi o dia mais feliz de sua vida e que
almejava casar-se para sair de casa o quanto antes. Revelou que, quando tinha que
resolver algum compromisso fora de casa, demorava propositalmente para adiar seu
retorno. Entretanto, logo o irmão abusador ligava para saber em que local estava; as
colegas, quando viam seu noivo, costumavam dizer "ele é bonito, né?... Pensei que ele
fosse igual àqueles neguinhos da rua". A paciente se sentia diminuída e magoada, pois
compreendia que as colegas a julgavam incapaz de namorar um homem branco por ser
negra (situação de discriminação racial), porém a paciente nada fazia.
Frequentava a igreja habitualmente e disse gostar muito do que fazia. Além disso,
participava de um grupo religioso que rezava terços na casa de pessoas assiduamente.
Muitas vezes, chorava na frente de outras pessoas, dizendo que sentia uma enorme
tristeza. As pessoas costumavam ir até ela, acolhiam-na e perguntavam o que ela estava
sentindo. Ela respondia: "Não sei”.
Os episódios de abuso cometidos pelo irmão (cinco anos mais velho) foram frequentes e
diversos: em "brincadeiras” nas quais ele a tocava. Ao falar dos abusos do irmão,
sensibilizava-se e afirmava: "Ele é meu dono”. “O meu pai era um homem bom, mas ele
era dominado pelo meu irmão". "Ele só queria me usar".
A paciente dizia não se lembrar quantos anos tinha quando ocorreram os abusos; nem da
idade da primeira menstruação, ocasião na qual os episódios de abuso se encerraram,
pois ela poderia engravidar. Dizia também não se lembrar de nada falado nas sessões
terapêuticas nas quais o abuso fora tratado. Lembrava-se, contudo, de outras datas
relevantes.
Relatou que, apenas quando foi esclarecendo-se sobre o ocorrido, começou a sofrer
bastante e culpabilizar-se, e isso afetava diretamente sua vida até o momento presente.
Poucas pessoas tinham conhecimento do ocorrido; dentre elas, um padre, o noivo e duas
psicólogas. Temia que esse assunto, algum dia, viesse a ser revelado à família, pois
ninguém acreditaria nela e a acusariam de tê-los provocado.
Nunca havia tido envolvimento sexual com o noivo, seu primeiro namorado, com quem
estava há cinco anos. Defendia o sexo só depois do casamento, devido a preceitos
religiosos. Vale ressaltar que ela costumava usar camisas com imagens de santo e um
terço envolto entre os dedos. Disse que sexo era algo importante para o casal quando
vivido no casamento, que desejava casar-se e ter filhos com esse noivo e que não o via
apenas para a reprodução. Costumava namorar na praça; no entanto, quando estavam na
casa dela, evitava aproximar-se dele, para evitar comentários moralistas da mãe.
Após ter iniciado a terapia, deixou currículos em uma empresa e fez inscrição em um
concurso público, com o auxíliofinanceiro do noivo para o pagamento da inscrição.
Resistiu em aceitar a ajuda financeira do noivo, pois acreditava que não deveria aceitar
dinheiro de homem (regra da mãe), principalmente: "se ele ainda não é seu marido, não
deve decidir nada por você". Todavia o noivo insistiu, disse que não cobraria dela
depois e a cliente acabou aceitando. Animou-se em fazer o concurso, pois teria prova
prática de corrida e ela lembrou-se de ter corrido e caminhado no passado e que ainda
gostava muito dessas atividades. No entanto, não estudou regularmente para o concurso
e hesitou várias vezes em fazer as caminhadas, conforme havia se comprometido. Além
disso, foi chamada para entrevistas de emprego e as recusou, afirmando estar atribulada
com os preparativos para o casamento e que não sobraria tempo para fazer as duas
coisas.