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DIREITO CONSTITUCIONAL

Inês Espinhaço Gomes

T2 e T3: 2022/2023
SEMANA 3| SUMÁRIO
• O poder de revisão constitucional. A rigidez formal e a rigidez material. O
procedimento da revisão constitucional portuguesa. Limites temporais,
procedimentais, circunstanciais e materiais ao poder de revisão.
• A evolução constitucional: as revisões à Constituição da República Portuguesa
de 1976.
• Análise do texto: “Mude-se a Constituição – I II” de Catarina Santos Botelho.
• Distinção entre mutação (transição) constitucional e revisão (alteração)
constitucional.

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O PODER DE REVISÃO
CONSTITUCIONAL

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Rigidez constitucional
Constituição rígida

v Poder constituinte originário v Poder constituinte derivado


• Poder de criar (revelar ou dizer) uma • Poder de rever (alterar) a Constituição
Constituição, segundo um procedimento • Procedimento de revisão: limites formais e
próprio materiais
• Poder originário, autónomo, omnipotente, • Paradoxo democrático (Rousseau): como
inesgotável (Sieyès) pode um poder impor limites às futuras
• Poder titulado pelo povo (soberania gerações?
popular) • Natureza mista: de poder constituinte e de
• Poder com limites materiais horizontais e poder constituído
verticais

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1. OS LIMITES DE REVISÃO CONSTITUCIONAL
Como se altera uma constituição?

1. Limites formais (em sentido amplo)


a) Temporais, art. 284.º CRP
b) Procedimentais, arts. 284.º, 285.º, 286.º, 287.º CRP
c) Circunstanciais, art. 289.º CRP

2. Limites materiais, art. 288.º CRP

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1.1. OS LIMITES FORMAIS DE REVISÃO CONSTITUCIONAL
Exigem a observância de um procedimento de revisão

a) Temporais, art. 284.º CRP


• Distinção relevante: revisão ordinária e revisão extraordinária

• Por regra: 5 anos após publicação da última lei de revisão ordinária, n.º 1 > ordinária
- Garantia de estabilidade

• Mas pode acontecer em qualquer momento (sem prazo), n.º 2 > extraordinária

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b) Procedimentais

i) Iniciativa: deputados, art. 285.º, n.º 1 CRP

• Ordinária: 1 deputado, arts. 285.º, n.º 1 e 156.º, al. a) CRP

• Extraordinária: 4/5 dos deputados em efetividade de funções (= 184), arts. 284.º, n.º 2
e 156.º, al. a) CRP
- Maioria qualificada mais exigente prevista na Constituição. Justificação?
> Podem acontecer a qualquer momento
> Maior consenso reconhece a natureza necessária e inadiável da revisão

Nota: art. 285.º, n.º 2

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b) Procedimentais

ii) Titularidade:
• competência exclusiva da AR, arts. 161.º, al. a) e 284.º, n.º 1 CRP

iii) Maioria deliberativa:


• 2/3 dos deputados em efetividade de funções (=154), art. 286.º, n.º 1 CRP

Perante aprovação, veto político do PR está vedado, art. 286.º, n.º 3 CRP

iv) Forma e publicação


• Alterações aprovadas numa única lei, art. 286.º, n.º 2 CRP Revisão expressa
¹ revisão tácita
• Forma de lei constitucional, art 166.º, n.º 1 CRP
• Alterações publicadas em diploma anexo à lei constitucional, art. 287.º, n.º 1 CRP
• Publicação da lei de revisão e Constituição, art. 287.º, n.º 2 CRP
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c) Circunstanciais

• Impossibilidade de alteração durante estado de sítio ou estado de emergência, art. 289.º CRP

> Estados de exceção


> arts. 19.º, 134.º, al. d), 138.º (161.º, al. l) , 197.º, n.º 1, al. f) CRP

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Limites Ordinária Extraordinária
a) Temporais 5 anos após publicação da última lei de revisão Qualquer momento, art. 284.º, n.º 2
ordinária, art. 284.º, n.º 1

b) Procedimentais

i) Iniciativa (1) deputados, arts. 156.º, al. a), 285.º, n.º 1 4/5 deputados em efetividade de funções, arts.
(Nota: art. 285.º, n.º 2) 156.º, al. a), 284.º, n.º 2

ii) Titularidade Competência exclusiva da AR, arts. 161.º, al. a) e 284.º, n.º 1
iii) Maioria deliberativa
2/3 dos deputados em efetividade de funções, art. 286.º, n.º 1

Veto político do PR vedado, art. 286.º, n.º 3

iv) Forma e publicação Única lei de revisão (art. 286.º, n.º 2) + forma de lei constitucional (art. 166.º, n.º 1) + alterações
(substituições, supressões, aditamentos) em lugar próprio (art. 287.º, n.º 1) + publicação da lei de
revisão e Constituição (art. 287.º, n.º 2)
= Revisão expressa

c) Circunstanciais Impossibilidade de alteração em estado de emergência ou estado de sítio, art. 289.º


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ANÁLISE DO TEXTO: ” MUDE-SE A CONSTITUIÇÃO – I E II”, CATARINA SANTOS BOTELHO

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1.2. OS LIMITES MATERIAIS DE REVISÃO CONSTITUCIONAL
Proíbem a alteração de certas matérias constitucionais

• Valem tanto para as constituições rígidas, como para as constituições flexíveis

• Distinção
1. Limites materiais expressos:
• formalizados no próprio texto, art. 288.º CRP
• cláusulas pétreas/cláusulas de eternidade (eternity clauses)

2. Limites materiais implícitos:


• retiram-se da importância que as matérias têm no texto, na realidade e na cultura
constitucional

Revisão parcial
¹ revisão total
Qual o sentido a conferir aos limites materiais expressos previstos no art. 288.º da CRP?

1. Gomes Canotilho e Vital Moreira: valor absoluto (posição inicial)


• Limites imprescindíveis e insubstituíveis
• Acentuam distinção entre poder constituinte originário e derivado

2. Isabel Magalhães Colaço: postulado democrático


• Podem sempre ser alterados: lei posterior revoga lei anterior
• Recusa superioridade do poder constituinte originário em relação ao derivado: ambos como
expressão de soberania popular

3. Vieira de Andrade, Jorge Miranda, Manuel Afonso Vaz: valor declarativo e relativo
• Declarativo: art. 288.º esclarece limites, não os cria
• Relativo: serão verdadeiros limites se corresponderem a princípios basilares da Constituição
Seguindo a última tese: que limites materiais expressos correspondem a elementos
identificativos da Constituição?
a) Limites materiais de revisão próprios ou de 1.º grau
> não podem ser alterados
- ex. als. a) (independência e unidade do Estado), b) (forma republicana) , c) (laicidade
do Estado) e d) (DLG) ...

b) Limites materiais de revisão impróprios ou de 2.º grau


> Podem ser alterados
- ex. Atualmente: al. l), 2ª parte (fiscalização por omissão de normas)
> Como?
Dupla revisão (Jorge Miranda)
1.º: revisão das normas que consagram os limites de 2.º grau
2.º: alteração das matérias formalizadas como limites

Alguns dos limites previstos no art. 288.º são também limites ao poder constituinte originário
- ex: als. a) e d)
o Rousseau (“paradoxo democrático”): como pode um poder estabelecer limites às gerações futuras?

o Thommas Jefferson: uma geração de homens tem o direito de vincular outra?

o Richard Albert: “algemas constitucionais” (constitutional handcuffs) das gerações presentas impostas pelas
gerações passadas > tensão entre democracia e constitucionalismo

o Catarina S. Botelho: perigo do “narcisismo constitucional” (tentativa de perpetuar ad aeternum os traços


essenciais de uma Constituição, ideia de uma Constituição perfeita e acabada)
EXERCÍCIO

Num acórdão do Tribunal Constitucional, pode ler-se:


“Só uma revisão ao artigo 27.º, n.º 3, da Constituição permitiria a imposição de
um internamento compulsivo de pessoas portadoras de doenças infectocontagiosas,
por perigo de propagação, mediante decisão ou confirmação judicial”.
Subsequentemente, o Governo apresenta uma proposta de lei de revisão, nesse
sentido.

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EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL: AS 7 REVISÕES

CRP 76 na versão originária


• Constituição semântica: extremamente ideológica e programática > desfasamento com
realidade e cultura constitucionais
• Impossibilidade de revisão durante 1ª legislatura (1976-1980) (compromisso constitucional)
• 4 revisões ordinárias e 3 revisões extraordinárias
1982 Ordinária Foco político Fim das narrativas socialistas
LC n.º 1/82, 30 set. Extinção do Conselho de Revolução e criação do TC

1989 Ordinária Foco Fim da constituição económica socializante: abertura do mercado


LC n.º 1/89, 30 set. económico

1992 Extraordinária Tratado de Transferência de soberania estadual em algumas matérias


LC n.º 1/92, 25 nov. Maastricht Aditamento: arts. 7.º, n.º 6, 15.º, .nº 5 e 102.º

1997 Ordinária Sem força Reforço dos direitos fundamentais: tutela jurisdicional efetiva (arts. 20,
LC n.º 1/97, 20 set. dominante n.º 5), identidade genética (26.º, n.º 3) ...
Desconstitucionalização do serviço militar obrigatório (art. 276.º, n.º 2)

2001 Extraordinária Estatuto do Internacionalização do direito penal, art. 7.º, n.º 7


LC n.º 1/01, 12 dez. TPI Objeto alargado em virtude do 11 de setembro

2004 Ordinária Sistema Alterações no âmbito das Regiões Autónomas


LC n.º1/04, 24 jul. político Aditamento: art. 8.º, n.º 4 – regime vigência do DUE

2005 Extraordinária Constituição Referendo sobre a aprovação de um tratado para construção e


LC n.º1/05, 12 ago. Europeia aprofundamento da UE (art. 295.º)
EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL: REVISÕES, MUTAÇÕES E RUTURAS CONSTITUCIONAIS
Como pode o texto constitucional adaptar-se à realidade e cultura constitucionais?

• Interpretação constitucional (remissão)

• Mutação ou transição constitucional


> Altera-se o sentido da norma, sem alterar o texto
> Compatível com o programa normativo

• Revisão constitucional Acórdão do TC n.º 359/2009: julgou não inconstitucional


a proibição de casamento entre pessoas do mesmo sexo.
> Altera-se o texto
> Sujeita a limites formais e materiais Acórdão do TC n.º 121/2010: pronunciou-se pela não
inconstitucionalidade do casamento entre pessoas do
• Rutura constitucional mesmo sexo.
> Nova constituição
“(...) o povo pode entender que a plasticidade constitucional oferecida pelo processo de revisão não
é suficiente para responder às alterações da sociedade ou do ethos político.” C. Santos Botelho
Acórdão do TC n.º 121/2010 (pedido de fiscalização abstrata preventiva pelo PR)

§ 18

“Na verdade, a opção normativa sujeita a fiscalização de constitucionalidade não tem por efeito denegar a
qualquer pessoa ou restringir o direito fundamental a contrair (ou a não contrair) casamento. (...)

A redacção dos n.ºs 1 e 2 do artigo 36.º permanece inalterada desde o texto originário da Constituição. No
momento histórico em que a Constituição foi escrita e começou a vigorar, entregando a disciplina dos “requisitos”
e “efeitos” do casamento ao legislador ordinário, o Código Civil já dispunha, no seu artigo 1577.º, que o
“casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente (...).

Não é possível deixar de atribuir relevância interpretativa a esta circunstância, não porque o sentido da
Constituição deva determinar-se de acordo com o direito ordinário, mas porque, fazendo o texto constitucional
presa na realidade social e no contexto jurídico em que emergiu, o casamento era então o que desde há séculos
(...) tem sido nos sistemas jurídicos que se inserem no mesmo espaço cultural do nosso: um acordo entre um
homem e uma mulher, feito segundo as determinações da lei e dirigido ao estabelecimento de uma plena
comunhão de vida entre eles.
A pretensão de admissibilidade do casamento com identidade de género entre os cônjuges é fenómeno que
ainda não assumia expressão no espaço público, nem em Portugal nem, com expressão significativa, noutros
países. No que respeita à homossexualidade, o que então se considerava desfasamento entre a realidade
social e o enquadramento jurídico eram os aspectos repressivos (ex. punição ou agravamento da punição no
domínio dos actos sexuais com pessoa do mesmo sexo), não a omissão de tutela para uniões estáveis desse tipo.
Tardou mais de uma década até que a progressiva integração dos homossexuais na sociedade provocasse
um “deslizamento” de posições de contestação ao sistema para pretensões “conservadoras” de tomar
parte nas instituições, designadamente no matrimónio, como reconhecimento público da orientação sexual em
termos de estrita igualdade com os heterossexuais.

Mas esta mesma evidência arrasta outra. Se pode, sem hesitação, dizer-se que o casamento que a Constituição
representou foi o casamento entre duas pessoas de sexo diferente, também pode seguramente concluir-se que
não houve qualquer opção deliberada na matéria que agora nos ocupa no sentido de proibir a evolução da
instituição matrimonial. O problema era político-juridicamente desconhecido, pelo que o elemento histórico
deve ser mobilizado com cautelas ainda maiores do que aquelas que geralmente já merece na interpretação do
texto constitucional.”

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