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Da Lógica dos Sinais (Semiótica)

Tradução de António Fidalgo, Universidade da Beira Interior

Edmund Husserl
Hua XII- Philosophie der Arithmetik, pp. 340-373

[340] Mas como é possível falar de con- ral é um sinal de uma representação ge-
ceitos que propriamente (eigentlich) não te- ral, e esta por sua vez é um sinal de cada
mos, e como é que não é absurdo que sobre um dos objectos que são subsumidos sob
esses conceitos se funde a mais segura de to- o conceito abstracto correspondente; assim,
das as ciências, a aritmética? Vamos respon- cada nome geral é, nesta mediação, um si-
der a isto com uma reflexão do âmbito da ló- nal de cada um dos objectos que abarca, gra-
gica. ças à sua "co-assinalação"(Mitbezeichnung).
Conceitos, conteúdos, podem-nos ser da- Ademais, entendemos (e isso já se depre-
dos de duplo modo: primeiro, de um modo ende do último exemplo dado) como sinal
próprio, isto é, como aquilo que eles são; se- cada marca (Merkmal) conceptual, desde
gundo, de um modo impróprio ou simbólico, que sirva precisamente como marca. Qual-
isto é, pela mediação de sinais (Zeichen), quer qualidade, [341] seja ela absoluta ou
que são eles mesmos representados propri- negativa, pode servir ocasionalmente como
amente. Assim, por exemplo, cada repre- sinal marcante do objecto que a possui. É
sentação intuitiva na sensação ou na fantasia evidente que aqui reside a fonte dos equívo-
é uma representação própria, na medida em cos do nome ’marca’: no seu sentido origi-
que não nos serve de sinal de uma outra; se nário significa o mesmo que sinal, sendo de-
o fizer, porém, então é, relativamente a esta, pois restringido às qualidades tomadas como
uma representação simbólica. sinais, para no fim, em sentido figurado (in
A palavra sinal, como aqui a definimos, übertragenem Sinn), significar o mesmo que
deve ser tomada no sentido mais amplo que qualidade em geral. No entanto, não é em
é possível conceber. Não nos limitamos, todas as circunstâncias que uma qualidade
pois, aos sinais sensíveis exteriores que as- nos serve de sinal, embora cada uma possa
sociamos às coisas, a fim de mais facilmente servir ocasionalmente para esse fim. Por ve-
as distinguirmos e reconhecermos. Desse zes, interessam-nos as qualidades do alumí-
género são os nomes próprios como Pedro nio enquanto tais, na medida em que en-
e João; o mesmo se diga dos nomes das riquecem o conhecimento que temos desse
entidades abstractas. Mas também os no- metal; noutros casos, porém, podem preci-
mes gerais são sinais. Todo o nome ge- samente as mesmas qualidades, constatadas
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num corpo ainda desconhecido, serem utili- que estão incluídas como conteúdos parciais
zadas como sinais marcantes de que se trata na representação do conteúdo assinalado; as
justamente de alumínio. últimas são determinações relativas que ca-
Como sinal de uma coisa (de um conteúdo racterizam o conteúdo como o fundamento
em geral) pode servir tudo aquilo que a dis- de certas relações nele baseadas. De resto é
tingue, que é adequada a diferenciá-la de ou- digno de nota que também as marcas absolu-
tras, e pelo qual somos capazes de a reco- tas, se virmos bem, representam determina-
nhecer de novo. Não consideramos, todavia, ções relativas. Quando alguém nos descreve
esse reconhecimento como um mecanismo um objecto desconhecido, assinalando-o en-
psicológico, que funciona sem que dêmos tre outros como sendo vermelho, então não é
conta disso; que devido a uma representa- o vermelho enquanto tal que nos serve de ca-
ção nos chama à consciência uma outra, sem racterística do objecto, mas sim o ser verme-
que, contudo, sejamos capazes (pelo menos lho, isto é, a relação, por nós bem conhecida
em geral) de dar conta de que foi aquela que na sua especificidade, entre coisa e cor. Mas,
nos recordou esta e mediou o seu reconheci- deste modo são também relativas as marcas
mento. Para que o conceito de sinal seja pos- exteriores, independentemente do seu con-
sível, para que possamos utilizar e encontrar teúdo especificamente relacional. Nestas en-
intencionalmente (mit Absicht) sinais, temos contramos, portanto, uma relação múltipla:
de atender particularmente à relação entre si- a relação da coisa assinalada com outras coi-
nal e assinalado, e, na realidade, fizemos ve- sas e, além disso, a relação da mesma com
zes sem conta a experiência de que marcas a própria relação, mediante a qual o atributo
sensíveis-exteriores e conceptuais são apro- relativo enquanto atributo recebe o seu sig-
priadas para dirigir o nosso pensamento para nificado. Se, por exemplo, a primeira rela-
os conteúdos que as possuem. O conceito de ção for uma relação de semelhança entre A e
sinal é justamente um conceito de relação; B, então a última é aquela que possibilita o
ele aponta para um assinalado. atributo "semelhança com A". Podemos ex-
Os sinais permitem múltiplas divisões. primir da seguinte maneira a representação
Distinguimos: 1) sinais exteriores e concep- sinalética (Zeichenvorstellung) para marcas
tuais, ou seja, sinais em sentido restrito e absolutas e relativas: uma vez, "algo que tem
marcas. Um sinal exterior é aquele que nada a cor vermelha"; a outra vez, "algo que se en-
tem a ver com o conceito especial do assi- contra numa relação de semelhança com B".
nalado, com o seu conteúdo ou com as suas 2) Sinais unívocos e equívocos, havendo a
qualidades específicas. É nesta relação que, distinguir entre sinais que são casualmente
por exemplo, se encontra o nome de uma unívocos ou equívocos e sinais que o são
pessoa com esta mesma; ele assinala-a, mas pela sua natureza e determinação (Bestim-
não a caracteriza (charakterisiert). mung). Por determinação é unívoco, por
[342] Um sinal conceptual é uma marca exemplo, todo o nome próprio; encerra, po-
interior ou exterior que serve como sinal, no rém, uma equivocidade casual quando várias
sentido habitual destes termos. Ambas as pessoas têm o mesmo nome. Por outro lado,
marcas dependem do conceito especial do todo o nome geral é casualmente unívoco
assinalado. As primeiras são determinações quando de facto apenas existe um objecto do

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conceito por ele co-assinalado, embora seja directos; pois que esta assinalação só pode
equívoco por sua natureza e determinação. ocorrer mediante uma marca geral que, por-
Mediante a associação e a limitação re- tanto, faz a mediação entre sinal e assina-
cíprocas de vários sinais equívocos podem lado.
construir-se sinais compostos unívocos, um Nos sinais indirectos é necessário distin-
processo de que a língua se serve continua- guir: aquilo que o sinal significa (bedeutet)
mente em relação aos nomes gerais, do que e aquilo que ele assinala. Nos sinais di-
resulta uma [343] enorme economia de si- rectos identificam-se. O significado de um
nais e uma importante promoção do conheci- nome próprio, por exemplo, consiste em jus-
mento obtido com os sinais descritivos (ums- tamente designar este determinado objecto.
chreibenden). Em contrapartida, existem nos sinais indirec-
Seguidamente refira-se a divisão dos si- tos mediações entre sinal e coisa, e o sinal
nais em: 3) sinais simples e compostos (zu- assinala a coisa precisamente através dessas
sammengesetzte), que contudo não deve ser mediações, e é por isso que elas constituem o
confundida com uma outra divisão particu- significado. O significado do sinal indirecto
larmente importante e que se cruza com ela: S é de que assinala directamente S1, este di-
4) a dos sinais directos e indirectos. Sinal e rectamente S2 etc. e finalmente Sn assinala
coisa podem nomeadamente estar ligados di- directamente O. Assim, por exemplo, o sig-
recta ou indirectamente, através da mediação nificado do nome geral consiste em que ele
de outros sinais. O sinal indirecto é um sinal [344] assinala qualquer objecto na base de e
composto, em que os sinais parciais não se mediante certas marcas que este possui.
encontram uns ao lado dos outros, mas so- Todos os sinais matemáticos superiores
brepostos e relacionados uns aos outros. S são indirectos, são sinais sobrepostos de si-
é um sinal do objecto O pelo facto de S ser nais sobre sinais. É fácil de ver que esta di-
um sinal de S0 e este um sinal de O; ou en- visão se cruza com as duas divisões já referi-
tão, pelo facto de S ser um sinal de S1, este das. Em particular é de notar que os sinais
um sinal de S2 e este, por sua vez, talvez um parciais mediadores podem ser tanto uní-
sinal de S3, etc., até finalmente o sinal Sn vocos como equívos, tanto exteriores como
assinalar directamente O. Todo o nome pró- conceptuais (eventualmente ambos à mis-
prio é um sinal directo, todo o nome geral tura). Veremos como sinais indirectos, pura-
é um indirecto. De facto o nome geral assi- mente exteriores, e completamente unívocos
nala o objecto através da mediação de certas (ao lado de sinais indirectos e misturados)
marcas conceptuais. O adjectivo vermelho desempenham um papel importantíssimo na
assinala directamente o ser-vermelho (abar- aritmética.
cando a entidade abstracta vermelho como 5) Sinais idênticos e não-idênticos, equi-
parte metafísica) e justamente este pode ser- valentes e não-equivalentes. Dois sinais
vir como sinal marcante para o próprio ob- são idênticos aquando assinalam do mesmo
jecto, embora tenha que se acrescentar outro modo o mesmo objecto ou os objectos de um
para a assinalação se tornar unívoca. Todos e mesmo conjunto. Um é a simples repetição
os sinais equívocos, que co-assinalam um do outro, por exemplo, cavalo e cavalo, cinco
determinado âmbito da equivocidade, são in- e cinco. Sinais identicamente equívocos não

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assinalam em geral identicamente o mesmo meros dos sinais =, =, e dos sinais de opera-
objecto, mas sempre objectos de um iden- ções +, *, etc.
ticamente mesmo âmbito, determinado pelo
significado do sinal.
Da divisão dos sinais em naturais e
Dois sinais são equivalentes desde que as-
sinalem de diferentes modos o mesmo ob- artificiais.
jecto ou os objectos de um e mesmo conjunto As mesmas leis naturais estão na base dos
de objectos, seja através de meios exteriores sinais artificais e dos naturais. O elemento
ou conceptuais, por exemplo um par de no- novo que surge nos sinais artificiais é a in-
mes sinónimos como rei e rex; Guilherme II fluência da vontade orientada por motivos
= actual imperador alemão; 2 + 3 = 5 = 7 - 2 gnosiológicos (Erkenntnismotiven) e a capa-
= + 25. cidade de, através dela, regular, consoante
Exemplos especiais de equivalências de esses interesses, o decurso da actividade ju-
sinais são as definições no sentido de uma dicativa.
lógica verdadeiramente formal. Uma defini- A descoberta de sinais artificiais em geral
ção é uma frase que exprime o significado ocorre já ao nível mais primário do desen-
de um sinal exterior mediante um sinal equi- volvimento humano. As precondições psico-
valente desta espécie. Um sinal exterior di- lógicas que ela exige, a compreensão para a
recto não tem um significado exprimível em função dos sinais e o poder da vontade sobre
sinais, não pode portanto ser definido, por os motores psíquicos subjacentes, são justa-
exemplo, nomes próprios, nomes de entida- mente tão simples e tão frequentemente re-
des abstractas, o sinal 1 e semelhantes. alizados que não podemos admirar-nos de
Por fim, os sinais podem ser divididos em mesmo animais se entenderem, até um certo
sinais para conteúdos-de-representação e si- grau, através de sinais. Uma expressão sen-
nais para actos psíquicos, sobretudo para juí- sível, por exemplo aquela que a um indiví-
zos. A maior parte das palavras da língua são duo singular se apresenta como um sinal na-
sinais independentes (selbstständige) ou de- tural, pode tornar-se ao mesmo tempo para
pendentes para conteúdos. Juízos aparecem um outro indivíduo mediadora da compreen-
linguisticamente na forma de frases. Juí- são. O reconhecimento deste sucesso pode
zos matemáticos aparecem nas [345] formas dar azo a utilizar conscientemente o sinal na-
simbólicas das equações, inequações, con- tural como um meio de compreensão. Atra-
gruências e semelhantes. vés de um uso frequente e recíproco surgem
Os sinais para conteúdos subdividem-se assim sinais com um significado fixo e con-
em sinais para conteúdos absolutos e si- vencional. Analogamente se passa também
nais para relações (Relationen), para liga- com o surgimento de sucedâneos artificiais,
ções (Beziehungen) e conexões (Verbindun- por exemplo dos primeiros mais simples que
gen); os últimos são expressos linguisti- conhecemos, os sinais numéricos. Na maior
camente com frequência mediante palavras parte das línguas a palavra cinco significa
sincategoremáticas tais como: "e", "mas". tanto como "uma mão".
Na aritmética distinguem-se os sinais de nú- Uma outra distinção entre sinais é a entre

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sinais formais e materiais. Ela é de impor- da relação. Com efeito, as uniformidades na


tância fundamental para a lógica. É revela- construção das frases, que dão azo a classes
dor do estado da lógica formal que não se bem distintas, dependem quase sempre das
tenham até hoje clarificado as opiniões rela- formas de relação, e só as respectivas infe-
tivamente à distinção entre forma e matéria. rências permitem em maior escala um modo
[346] Duas distinções completamente hete- de tratamento formal, isto é, algorítmico.
rógenas têm sido desde sempre metidas no Vamos agora explicar melhor a distinção
mesmo saco: a distinção entre conteúdo do aqui visada. Em qualquer pensamento (Ge-
juízo e acto do juízo, por um lado, e a entre danken) composto distinguimos matéria e
fundamentos da relação e relação, por ou- forma. A matéria é representada por nomes,
tro. Confundia-se forma do acto judicativo e a forma por expressões sincategoremáticas,
(Beurteilung) e forma da relação. Na ve- sejam elas simples ou compostas. Os nomes
lha explicação do juízo como uma relação servem, e essa é a sua especial função, para
ou conexão de representações subjaz indu- designar os conteúdos absolutos, os funda-
bitavelmente esta confusão. Sem compara- mentos da relação. Em contrapartida, as ex-
ção, a maioria dos nossos juízos incide sobre pressões sincategoremáticas têm a função de
relações, e daí que se identifique o ajuizar exprimir a relação entre os elementos abso-
com o relacionar. Entretanto não se procedia lutos do pensamento (Gedanken). A [347]
com a necessária consequência e atribuiam- palavra relação é entendida aqui, como aliás
se elementos da relação ora à forma ora ao em toda a obra, num sentido muito amplo.
conteúdo. No juízo "Deus é justo"atribuia- Incluimos nela tanto as relações em sentido
se "Deus"e "justo"à matéria; no juízo "To- restrito, que pertencem ao conteúdo primá-
dos os homens são mortais"o "todos"(como rio, como também aquelas que são mediadas
em geral os sinais de quantidade) à forma, por actos psíquicos. Do último ponto de vista
na opinião de que a quantidade respeita ao apenas nos interessam os juízos e os actos re-
modo de ajuizar. As investigações epocais lacionais. Compreender uma relação a partir
de Brentano puseram um fim a estas teorias de um "ponto de vista"(Standpunkt) de um e
erróneas. De acordo com os seus resulta- de outro fundamento, é uma actividade psí-
dos, todo o juízo é uma afirmação ou ne- quica especial que pertence ao género do re-
gação de um conteúdo representativo (Vors- presentar. Se ligarmos esta com um reconhe-
tellungsinhaltes). Se nos deixarmos orientar cimento ou rejeição, então obtemos a classe
pelo princípio até agora vigente da distinção mais importante de juízos, em que a matéria
entre forma e matéria, pelo qual se atribui à se dispõe e se ordena (gegliedert und geord-
forma tudo aquilo que respeita ao modo de net ist). Se imaginarmos, por exemplo, uma
ajuizar, ou seja, ao acto do juízo, então have- semelhança de A e B, então a actividade re-
ria que encarar como matéria do juízo o con- lacional produz a representação de A com o
teúdo sobre que se ajuiza, e como forma o atributo relativo "semelhante a B"; o reco-
reconhecimento ou a rejeição. Contudo, para nhecimento, porém, produz o juízo "A é se-
uma lógica formal, o outro princípio de dis- melhante a B". Uma relação de grandezas
tinção é seguramente de bem maior impor- entre A e B produz a representação relaci-
tância, pelo qual o formal se funda no modo onal (Verhãltnisvorstellung) A maior que B,

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donde surge o juízo "A é maior que B", etc. claro o que é matéria e o que é forma. Então
Os fundamentos da relação A e B perten- perguntar-se-á sempre qual a relação que lhe
cem à matéria, as expressões complementa- está na base.
res: "maior que", "é maior que"etc. à forma. Do ponto de vista do juízo singular, per-
À forma pertence ainda a diferença da posi- tence à forma, por exemplo na frase, tudo
ção que caracteriza sujeito e predicado en- aquilo que exprime a relação judicada, e ao
quanto fundamentos da relação - digo da re- conteúdo tudo aquilo que é aqui fundamento
lação e não do "juízo". Através da activi- da relação *. Se um destes for composto,
dade relacional perdem os fundamentos rela- então pertence á matéria, relativamente a
cionais, nomeadamente, a sua equivalência: esta composição, o elemento da ligação, e à
um torna-se o fundamento principal, o su- forma o modo da ligação. No raciocínio, as
jeito, ao qual se acrescenta como atributo o premissas e a conclusão constituem a maté-
estar-em-relação com o outro fundamento. O ria e a sua disposição (Anordnung), na me-
fundamento-predicado é parte integrante do dida em que for característica da relação das
predicado gramatical. Se disser "oiro é ama- frases, a forma. Só em segunda linha é que
relo", então "oiro"é o fundamento-sujeito, a forma das frases singulares e em terceira
o abstracto (a "parte metafísica") "cor ama- linha a forma das suas matérias pertence à
rela"o fundamento-predicado, o predicado forma do raciocínio, na medida em que pro-
gramatical, porém, é amarelo, isto é, "tendo cesso e conteúdo da actividade inferencial
cor amarela"(Gelbe habend) ou "sendo ama- são também condicionados por elas.
relo". O reconhecimento incide sobre o atri- Pelo modo em que definimos matéria e
buto enquanto atributo do oiro; ele exprime * forma, temos de dizer que uma frase existen-
a disposição, estabelecida pela actividade re- cial "A é", em que "A"representa um con-
lacional, do conteúdo judicado. A diferença teúdo simples ou não articulado ou que não
entre sujeito e predicado pertence, portanto, inclui qualquer atribuição, não tem forma
por completo ao conteúdo judicado e não ao nem matéria. Para abranger todas as fra-
modo do juízo. Apenas não incluimos todo ses, poderíamos talver definir: à matéria per-
o predicado, mas só o fundamento-predicado tencem os conteúdos ou substratos das nos-
na matéria, de acordo com o nosso princípio. sas actividades lógicas, à forma estas mes-
A diferença entre matéria e forma é evi- mas. Actividades lógicas são o ajuizar e
dentemente uma diferença relativa. Qual- as actividades de representação que o ad-
quer conteúdo representado pode servir-nos juvam, sobretudo relacionar, conectar, par-
ocasionalmente de fundamento de relação, ticularizar, etc. Na frase "A é"seria então
portanto, também uma relação representada "A"a expressão da matéria, "é"a expressão
[348], um juízo de relação, uma cadeia de da forma. Na expressão "Semelhança de A
inferência, etc., podem pertencer à matéria. e B"pertenceriam à matéria "A"e "B", "Se-
Em qualquer raciocínio, os juízos singula- melhança"e o "e"e o "de"à forma; é que as
res constituem partes integrantes da matéria. últimas indicam uma actividade relacional e
É que um raciocínio é um juízo composto. disposicional que é pressuposta no juízo.
Nesses casos, porém, o ponto de vista da De que a nossa distinção entre matéria e
análise mostrará de um modo cada vez mais forma tem realmente valor para uma lógica

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formal, disso temos a melhor prova nas ciên- sível. Sem a possibilidade de sinais marcan-
cias em que uma actividade inferencial, ver- tes exteriores e permanentes enquanto apoios
dadeiramente frutuosa e [349] abrangente, da nossa memória, sem a possibilidade de re-
ocorre mediante mecanismos formais: as ci- presentações simbólicas substitutas de repre-
ências dos números, grandezas, extensões. sentações próprias, mais abstractas, e mais
Por toda a parte vemos que não se distin- difíceis de distinguir e de manejar, ou mesmo
guem nos sinais acto do juízo e conteúdo ju- de representações que nos são de todo in-
dicado, mas entre sinais para fundamentos da terditas enquanto próprias, não haveria qual-
relação e sinais para relações; sendo os últi- quer vida espiritual superior, para já não falar
mos de dulpa espécie: uns exprimem a exis- de ciência. Os símbolos são o maior meio de
tência (Bestehen) ou não-existência de uma ajuda natural com que ultrapassamos os limi-
relação, e implicam por conseguinte uma ju- tes estreitos da nossa vida psíquica, com que
dicação, enquanto os outros não o fazem, podemos tornar inofensivas, pelo menos até
mas tão só indiciam a formação de uma re- um certo grau, estas imperfeições essenciais
presentação relacional composta. Assim„ do nosso intelecto. Por desvios peculiares,
por exemplo, na aritmética os sinais =, , #, poupando actos superiores do pensamento,
&shyp;, etc, e na geometria os sinais , , etc. capacitam o espírito humano a realizações
são da primeira espécie; = significa: é igual, que directamente, com um [350] trabalho
> significa: é maior, etc. Os sinais das ope- gnosiológico próprio, nunca poderia alcan-
rações aritméticas +, *, etc. são da segunda çar. Os símbolos servem a economia do tra-
espécie. Para os métodos formais (formale balho intelectual tal como as ferramentas e as
Verfahrensweisen) não há necessidade de si- máquinas servem o trabalho mecânico. Com
nais especiais para o reconhecimento ou re- a simples mão, o melhor desenhador não tra-
jeição. çará tão bem um círculo como um rapaz de
escola com o compasso. O homem mais
inexperiente e mais fraco produzirá com uma
Outra divisão dos sinais em
máquina (desde que a saiba manejar) incom-
naturais e artificiais: paravelmente mais que o mais experiente e
Não é nossa tarefa aqui apresentar em deta- mais forte sem ela. E o mesmo se passa no
lhe o imenso significado que as representa- campo intelectual. Tirem-se ao maior génio
ções impróprias, como sejam os símbolos em as ferramentas dos símbolos e ele tornar-se-
geral, têm para toda a nossa vida psíquica. á menos capaz que a pessoa mais limitada.
Elas começam por surgir nos estádios inici- Hoje em dia uma criança que aprendeu a fa-
ais do desenvolvimento psíquico e acompa- zer contas está mais capacitada que na anti-
nham estes, cada vez mais abrangentes, assu- guidade os maiores matemáticos. Problemas
mindo funções cada vez mais gerais e com- que para eles eram de difícil compreensão e
plexas, até aos estádios mais altos. Pode- de todo insolúveis resolve-os hoje um prin-
mos até afirmar mais: não só acompanham o cipiante sem grande dificuldade e sem qual-
desenvolvimento psíquico, como o condicio- quer mérito especial. E assim como as fer-
nam essencialmente, o tornam primeiro pos- ramentas, em crescente complexificação até
às máquinas mais maravilhosas, constituem

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uma série gradativa que reflecte o progresso a coisa, quer exteriormente, quer conceptual-
da humanidade no trabalho mecânico, assim mente, é a coisa dada indirectamente através
também acontece com os símbolos relativa- do sinal; só então pode o sinal servir como
mente ao trabalho intelectual. Com a aplica- representante (Stellvertreter) da coisa.
ção consciente dos símbolos o intelecto hu- De resto, não se deve urgir o conceito do
mano eleva-se a um novo nível, a um nível sinal unívoco e do de fazer-de-representante
verdadeiramente humano. E o progresso do (Stellvertretung) num sentido lógico rigo-
desenvolvimento intelectual corre paralelo a roso. Para a possibilidade lógica de fazer-
um progresso na ciência dos símbolos. O as-vezes-de exige-se simplesmente a univo-
fantástico desenvolvimento das ciências da cidade do sinal em sentido psicológico. Em
natureza e a técnica nelas fundada consti- e para si, e logicamente considerado, pode o
tuem sobretudo a glória e o orgulho dos úl- sinal ser equívoco, mas, sob as circunstân-
timos séculos. Mas não menor título de gló- cias reais hic et nunc, nesta orientação do-
ria parece merecer, com efeito, esse notável minante do interesse, é unívoco e, por isso,
sistema de símbolos, ainda não esclarecido, apto a fazer-de-representante. Só onde qui-
a que aquelas devem imenso, e sem o qual sermos empregar representações impróprias
tanto teoria como prática ficariam completa- (eventualmente com a consciência particular
mente desamparadas: o sistema da aritmé- da sua função) para fins cognitivos, é que te-
tica geral, a mais admirável das máquinas es- mos necessariamente de nos libertar de todas
pirituais que já alguma vez apareceram. as circunstâncias contingentes e mutáveis e,
Entre os sinais desempenham as repre- desse modo, atribuir aos sinais um signifi-
sentações "impróprias"um papel particular- cado (Bedeutung) lógico bem definido que
mente importante. Conforme à nossa defi- lhes confere univocidade rigorosa. Para real-
nição, é representado impropriamente todo o çar mais vincadamente a diferença entre re-
conteúdo que nos é dado não como aquilo presentação imprópria e sinal, vamos dar a
que ele é, mas só indirectamente, mediante seguinte definição: Todo o sinal (simples ou
qualquer sinal. Assim, torna-se evidente composto, exterior ou conceptual, etc.) que
que os conceitos sinal e representação im- funciona como representante da coisa assi-
própria não coincidem. Toda a represen- nalada, é uma representação imprópria.
tação imprópria é, sem dúvida, um sinal, Este fazer-de-representante pode ser pas-
mas um sinal não é inversamente uma re- sageiro ou (mais ou menos) duradoiro. As
presentação imprópria. Se uma coisa não representações impróprias podem nomeada-
nos for dada directamente, mas apenas sob mente:
a mediação [351] de sinais, então o com- 1) servir como simples mediadores para
plexo desses sinais ou a sinal por eles com- a produção das correspondentes representa-
posto faz de representante (vertritt) da coisa. ções próprias. Deste modo funcionam, por
Mas nem todos os sinais têm esta função exemplo, os emblemas (Abzeichen) conven-
de fazer-de-representante (stellvertretende), cionais, sequências verbais mnemotécnicas,
e também nem todos têm aptidão para isso. versos decorados mecanicamente, etc.
É que só quando o sinal for unívoco, sufici- 2) As representações impróprias podem
ente por si só, para assinalar (kennzeichnen) também, enquanto representações sucedâ-

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neas, substituir as próprias. Aqui há que dis- de eles fazerem as vezes destes. Como é pos-
tinguir dois casos: sível que estes sucedâneos extremamente po-
A) As representações impróprias servem bres e, em parte, intrinsecamente estranhos
de [352] substitutos cómodos às próprias, ao verdadeiro conceito das coisas, possam
para aliviar uma actividade psíquica supe- contudo substituir estes e servir de funda-
rior. Consideram-se nesta perspectiva como mento aos juízos, às volições, etc. que so-
actividades psíquicas superiores: o represen- bre eles incidem? A resposta é a seguinte:
tar na fantasia face ao sentir; o represen- devido ao facto de que os sinais, que fazem-
tar de conteúdos mais abstractos face ao de as-vezes-de (e que em relação à mesma coisa
conteúdos mais concretos; o representar em se alteram de momento a momento), ou en-
actos de nível superior face ao representar cerrarem em si as marcas, em que cai o in-
em actos de nível inferior e, corresponden- teresse momentâneo, como conteúdos parci-
temente, também o representar de uma mul- ais ou então, pelo menos, possuirem a ap-
tiplicidade face ao representar de um con- tidão de servir como os pontos de partida e
teúdo singular; o representar de actos psí- de ligação de processos ou actividades psí-
quicos face ao de um conteúdo primário e, quicos que conduziriam a essas marcas ou
assim também, o representar de uma rela- mesmo aos conceitos plenos e que nós, [353]
ção psíquica face ao de uma relação de con- sempre que necessário, podemos provocar e
teúdo primário. Sempre que possível, os produzir. Se se tratar, por exemplo, do con-
conteúdos, que exigem uma actividade psí- ceito de uma esfera, então surge com a pala-
quica inferior, sobretudo os conteúdos pri- vra repentinamente a representação de uma
mários e as relações primárias, funcionam bola em que se dá particular atenção apenas
como sucedâneos dos conteúdos superiores. à forma. Esta representação acompanhante,
No decurso de um pensamento rápido pre- cuja marca apresenta uma tosca aproxima-
valecem num montante extraordinário as re- ção ao conceito intendido e mediante isso o
presentações impróprias do género aqui con- simboliza, pode desaparecer então de novo,
siderado. Palavras ou caracteres, acompa- ficando a simples palavra; mas o seu surgi-
nhados de fantasmas vagos e obscuros, em mento bastou para nos assegurar a familiari-
e com marcas singulares abruptas, começos dade com a coisa. Muitas vezes mesmo basta
rudimentares de actividades psíquicas supe- a palavra só com o juízo de reconhecimento
riores, ora reduzindo-se a à simples repre- reproduzido repentinamente. No decurso da
sentação verbal, ora aproximando-se, neste corrente do pensamento emerge então do te-
ou naqueles aspecto, da representação real souro da memória este ou aquele momento
(wirklichen) - isso são, vendo bem, os nos- de que justamente precisamos; por exem-
sos pensamentos. E tão perfeita e segura- plo, a definição geométrica - seja como sim-
mente substituem os conceitos realmente in- ples proposição com o complexo sonoro já
tendidos que não nos damos conta, na maior conhecido, seja num deficiente "tornar sen-
parte dos casos, da diferença entre eles, ape- sível"(Versinnlichung) (por exmplo, três ou
sar da enorme distância que os separa. Os quatro rectas partindo do mesmo ponto como
sinais e rudimentos fazem as vezes dos con- fantasmas muito imprecisos) - ou a maneira
ceitos reais, mas nós não reparamos no facto de produção através da rotação de um círculo

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ou qualquer teorema etc. Tudo isto é repro- em regra, com simples sucedâneos. Quais-
duzido com aquele grau da aproximação aos quer restos reproduzidos e, a estes ligado, um
respectivos verdadeiros conceitos, de que na- vivo juízo de reconhecimento são-nos sufi-
quele momento necessitamos, ou logo e ime- cientes. Certificam-nos da possibilidade de
diatamente ou então em passos sucessivos. que seríamos capazes a cada momento de ex-
Pressupõe-se aqui que os necessários proces- plicitar o conteúdo pleno do significado da
sos de reprodução se desenvolvem com uma palavra. Sentimo-nos familiarizados com a
fiabilidade incondicional. Se o não fizerem, coisa e prosseguimos, na expectativa de que
se a memória nos falhar, de imediato acaba o mecanismo da reprodução funcionará bem.
a compreensão, os símbolos não alcançam B) A classe de representações sucedâneas,
o seu objectivo, a corrente dos pensamentos que temos estado a tratar, caracteriza-se pelo
pára, e então damo-nos conta nós mesmos de facto de as representações próprias, que os
que nos faltam os conceitos verdadeiros. sucedâneos substituem, estarem todo o mo-
Deste modo cada representação real (wir- mento à nossa disposição. Onde o inte-
klichen) possui um complexo de recordações resse só puder ser satisfeito por elas pró-
mais ou menos extenso: palavras, frases, prias, emergem de novo da memória. Tam-
fantasmas com marcas habitualmente con- bém é claro que a existência anterior das
sideradas absolutas ou relativas que se en- representações próprias constitui a condição
contram intimamente ligadas por associação para as impróprias que servem de substitu-
e das quais, consoante a direcção do inte- tas. Completamente diferente é o que se
resse, ora são reproduzidas estas ora aque- passa, em todas estas relações, com as repre-
las. Não se entende isto como se o interesse sentações simbólicas da segunda classe. Es-
devesse ou pudesse visar algo inconsciente tas não servem a uma simples comodidade
(nomeadamente os conteúdos "inconscien- do pensamento, não são sinais ou abrevia-
tes"guardados na caixa da memória). O inte- turas para as representações próprias origi-
resse incide naturalmente sobre o conteúdo nais e a cada momento fáceis de reproduzir.
realmente presente; este acto psíquico, po- Os símbolos reportam-se, ao contrário, a coi-
rém, constitui a causa psicológica para a re- sas cuja representação própria nos é inter-
produção de um conteúdo ligado associativa- dita, seja temporariamente, seja permanen-
mente ao conteúdo presente, conteúdo esse temente. Em muitos casos, as representa-
que, [354] unido anteriormente a este último, ções próprias têm, pelo menos, uma prio-
esteve na base de um interesse semelhante. ridade psicológica relativamente às simbóli-
No decurso da corrente rápida do pensa- cas. É o caso de muitas representações da
mento, os sinais fazem de sucedâneo (como fantasia e da memória. Nas primeiras é ainda
já foi dito), sem que saibamos disso. Jul- possível, que os objectos respectivos sejam
gamos operar com os conceitos verdadeiros levados posteriormente a uma representação
(wirklichen). Mas mesmo quando, obriga- própria, como quando penso num quadro no
dos à reflexão, nos damos conta da verda- quarto ao lado e vou lá e o observo; ao
deira situação, como quando, tomados de re- contrário, os objectos da última ficam para
pente pela dúvida, meditamos sobre o signi- sempre inacessíveis a uma intendida apro-
ficado de uma palavra, não nos satisfazemos, priação (vermeinten Vereigentlichung). Ne-

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Da Lógica dos Sinais 11

nhuma força do mundo pode chamar de novo e da psicologia e, em sentido análogo, o con-
à realidade um acontecimento passado, de ceito de um animal e de uma planta, os con-
que me recordo. [355] É claro que esta dis- ceitos de ciências etc. Um enorme complexo
tinção é válida em geral. – Por outro lado, de representações impróprias, ordenado por
há imensos casos onde a representação sim- múltiplos juízos, com a possibilidade de uma
bólica tem a prioridade relativamente à pró- extensão ilimitada, mas circunscrita por mar-
pria. E também aqui se dividem novamente cas características (charakteristische Merk-
os casos em dois grupos, consoante a repre- male), constitui a soma do que o melhor co-
sentação própria intendida puder posterior- nhecedor desse conceito pode ter presente ou
mente ser realizada ou ficar-nos para sempre designar indirectamente como pertencendo-
interdita. Explicitemos isto com exemplos lhe. Naturalmente também aqui não opera-
fáceis de obter. Lemos compreensivamente mos com os próprios complexos, nem se-
um relato geográfico de uma viagem, sem quer na extensão ao nosso dispor, mas com
no entanto nunca termos visto paisagens, ho- sucedâneos concisos, por conseguinte, com
mens, animais, etc., do tipo ali descrito, para símbolos indirectos que, sob mediação de
não falar já deles próprios. Mas pode ser, marcas características (as quais constituem o
que viajemos um dia até lá e os conheça- cerne à volta do qual se [356] cristalizam to-
mos posteriormente. Os casos mais fáceis das as restantes) e de sinais exteriores, as-
são aqueles onde os objectos descritos per- sinalam e substituem os conceitos intendi-
tencem a um género que conhecemos nor- dos. A maior distância das representações
malmente bem. São-nas dadas as marcas sin- reais (wirklichen) é alcançada pela consti-
gulares, o seu agrupamento e contexto é re- tuição das representações simbólicas como
constituído facilmente na fantasia de acordo Deus, coisa exterior, espaço real, alma de um
com modelos conhecidos e a representação outro, etc., depois, na constituição de con-
de um algo, que se iguala ao fantasma cons- ceitos contraditórios como ferro de pau, qua-
truído, serve de substituto suficiente para a drado redondo, etc. Enquanto nos exemplos
coisa que agora também pode ser reconhe- anteriores mesmo assim é pensável que um
cida, caso apareça alguma vez. Logo que es- certo alargamento quantitativo das capacida-
tejamos suficientemente familiarizados com des intelectuais possibilitasse uma represen-
as representações simbólicas tão concretas tação real (por exemplo, de Àfrica), é claro,
daí resultantes, passamos à sua substituição nos exemplos agora expostos, que nenhum
através de representações sucedâneas mais aumento de que tipo for das nossas capa-
cómodas, menos concretas ou até exteriores cidades poderia levar aos conceitos intendi-
(portanto, através de uma simbolização de dos; em alguns não, porque um juízo evi-
segundo nível), de acordo com o já várias ve- dente garante-nos a impossibilidade de união
zes mencionado pendor económico do nosso das marcas; noutros não, porque o intendido,
espírito. Consideremos agora exemplos do através de determinações negativas, perten-
segundo grupo. Antes de mais, conceitos do centes ao conteúdo conceptual, é pensado
tipo Àfrica, a Terra etc., embora afins aos expressamente como extra-psíquico e, por-
exemplos citados, pertencem aqui; depois, o tanto, como irrepresentável; alguns encer-
conceito do homem no sentido da fisiologia ram, além disso, como marcas os concei-

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12 Edmund Husserl

tos de aumentos infinitos, não só no sen- facto da aplicação de representações suce-


tido de ilimitado, mas de actualmente infinito dâneas com o conhecimento dessa aplica-
(como, por exemplo, o conceito de Deus, as ção. Este último falta em muitos casos, se-
perfeições infinitas), conceitos cuja apropri- não até na maior parte deles; os rudimentos
ação pressuporia uma capacidade psíquica e sinais fazem de sucedâneo, mas que o fa-
actualmente infinita, a nós de todo imcom- zem, disso não nos damos conta. Mesmo
preensível. onde a relação-símbolo pertence ao conteúdo
A compreensão psicológica das represen- da representação imprópria, costuma perder-
tações sucedâneas da classe aqui considerada se ao realizar-se uma substituição (Surrogie-
não exige, em comparação com as da ante- rung) de segundo nível. Fala-se, por exem-
rior, novos princípios. Apenas um merece re- plo, de Bismarck. Sei muito bem que a mi-
ferência, a saber, que as representações sim- nha representação dele é imprópria e que o
bólicas, que são derivadas das representa- seu carácter simbólico pertence ao seu con-
ções próprias respectivas, têm, pela natureza teúdo pleno, mas na corrente rápida do pen-
da coisa, uma prioridade psicológica rela- samento substitui-a de novo uma abrevia-
tivamente às representações que não foram tura, seja uma imagem rudimentar da fan-
engendradas desse modo. Temos de estar tasia, e então a relação sinalética perdeu-se.
já familiarizados com a equivalência prática As representações impróprias são os funda-
das representações próprias e dos seus sím- mentos da nossa comum actividade prática
bolos, que torna possível empregar estes em de ajuizar. Portanto, se é certo que em regra
vez daquelas, a fim de que possa realizar-se operamos com sinais sem um conhecimento
uma formação de representações simbólicas particular de que o fazemos, então também
não fundadas em precedentes representações é claro que, para o nosso ajuizar prático, a
próprias. O facto de que, com a constituição circunstância de que os sinais são sinais não
da língua, as representações impróprias deste pode funcionar como motivo gnosiológico, e
tipo teriam de ganhar cada vez maior expan- isto apesar de os juízos visarem os concei-
são e importância, não precisa de uma expli- tos próprios e não os símbolos. Por con-
cação especial. Com o desenvolvimento da seguinte, é certo que não são motivos ló-
língua ocorre simultaneamente uma forma- gicos, isto é, motivos do conhecimento, a
ção superior de conceitos. Qualquer compo- guiarem-nos na actividade prática de ajuizar,
sição de conceitos marcantes (Merkmalbe- mas sim leis psicológicas cegas. Não opera-
griffen), ligada pelo conceito indeterminado mos, pois, com os sinais em vez das coisas
de um algo [357] (ou de um substituto a ele porque tenhamos feito uma indução, ou por-
equivalente), poderia agora servir como re- que uma experiência variada nos tivesse en-
presentação simbólica na base da conhecida sinado: sinais e coisas estão numa tal relação
relação entre símbolo e coisa. que um processo judicativo, fundado em si-
Queremos agora discutir alguns pontos nais, prova todas as vezes ser também certo
mais importantes que dizem respeito a todas para as respectivas coisas. Não. Procede-
as representações impróprias. Como ponto mos sem reflexão, e, portanto, também sem
de partida tomamos uma distinção a que já indução. A verdadeira situação é muito mais
aludimos aqui. Não se deve confundir o simples. No ajuizar seguimos a linha da as-

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Da Lógica dos Sinais 13

sociação de ideias que no percurso do nosso erro e só excepcionamente à verdade. Na


interesse reproduz ora este ora aquele grupo realidade passa-se precisamente o contrário.
do complexo associativo pertencente ao con- Em regra saimo-nos muito bem no ajuizar
ceito; e os nossos juízos e [358] raciocínios, com sucedâneos (e a incomparável maioria
nestes rudimentos ora mais ricos ora mais dos juízos é deste tipo). Isto é um facto me-
pobres e por vezes, como iremos ver, con- tafisicamente muito interessante. Poder-se-
tinuados e ligados exclusivamente a sinais, ia aqui dizer, recorrendo a uma observação
procedem como se tivessem por base sem- de Hume, que corresponde à sabedoria ge-
pre e em todo o lado o verdadeiro conceito ral da natureza assegurar, através de um im-
da coisa, e, com efeito, apenas porque justa- pulso mecânico, uma actividade da alma tão
mente não reparamos que operamos com su- essencial à conservação do género humano,
cedâneos em vez do conceito pleno. O que impulso que na sua actividade está em re-
se passa com os nossos juízos é análogo ao gra livre de erro, que entra em função logo
que se passa com as nossas representações, no início da vida e do pensamento e que é
em vez de juízos próprios temos juízos sim- independente das fundamentações da razão,
bólicos, mas que estes o são, disso não nos só [359] possíveis num período mais maduro
damos nós conta. do desenvolvimento. Autores mais recentes
Entretanto, não nos devemos cingir à elu- poderiam talvez preferir explicar este pen-
cidação dos factos psicológicos. Nos juízos dor teleológico da nossa natureza com prin-
aparece uma perspectiva que falta nas repre- cípios darwinistas - contudo, aqui onde não
sentações, a saber, a dupla questão da justi- se trata de metafísica, nada temos a ver com
ficação e da verdade. No que respeita ao seu isto. O que procuramos, e devemos procurar,
lado subjectivo, há que, no nosso caso, per- é uma elucidação lógica do estado de coisas.
guntar o seguinte: com que direito operamos Como? Uma elucidação de um processo re-
nós, nos nossos juízos práticos, e da maneira conhecidamente não lógico, perguntar-se-á;
atrás descrita, com símbolos em vez de con- não há aí uma contradição? Não será difí-
ceitos verdadeiros? A resposta encontra-se cil tornar clara a justeza da nossa intenção.
nas exposições anteriores. Procedemos sem Se um típico processo judicativo, apesar de
qualquer justificação, não nos guia um mo- não guiado por motivos gnosiológicos, con-
tivo gnosiológico, mas sim um mecanismo duzir a resultados certos, então teremos de
psicológico. procurar e encontrar na sua estrutura interna
Com isto, porém, não ficou resolvida o se- (inneren Bau), caso seja perscrutável, as ra-
gundo lado, o lado objectivo da questão, o zões por que é adequado a produzir a verdade
da verdade. É muito bem possível que um (embora não conhecimento). Por outras pa-
processo, logicamente injustificado, leve por lavras, tem de se indicar um processo lógico
fim ao verdadeiro resultado. Temos aqui um paralelo que explique o mecanismo do pro-
tal caso, que é com efeito extremamente no- cesso judicativo e de certo modo o esclareça
tável. A priori poder-se-ia muito bem pen- como se o tivesse inventado racionalmente;
sar que uma disposição psicológica da nossa com a sua ajuda compreenderemos porque
natureza impelisse o nosso ajuizar prático é que esse processo não-lógico tinha de agir
(extra-lógico) sempre ou de preferência ao

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como se fosse processo lógico, e isso é a ex- seguem a variação do interesse judicativo. Se
plicação lógica de que falámos acima. perguntarmos qual o valor gnosiológico des-
Perguntamos pois: Como é possível que, ses juízos, então é claro que eles têm de ter
na prática habitual do ajuizar, possamos validade para os conceitos próprios, na me-
prescindir dos conceitos próprios? Cremos dida em que estes justamente também pos-
ajuizar sobre eles, mas o que está na base dos suem as marcas particularmente considera-
nossos juízos são aqueles sucedâneos tão po- das e judicadas dos sucedâneos. Encarado
bres e tantas vezes mutáveis (e mutáveis rela- logicamente é o seguinte esquema que lhe
tivamente à mesma coisa!). Como é possível está subjacente: Um juízo liga-se exclusi-
que os nossos juízos sejam, por um lado, in- vamente a um X na medida em que pos-
dependentes destes últimos e, por outro, fiá- sui a marca O; O possui a marca O; logo o
veis relativamente aos conceitos verdadeiros, juízo também é válido para O, precisamente
que exclusivamente intendem? sob o mesmo ponto de vista. O sinal X faz
A fim de obtermos uma resposta há que de representante da nossa representação sim-
distinuir duas classes principais de casos: 1) bólica, por exemplo um fantasma de resto
aqueles em que o processo, tanto nos seus muito pouco claro, em que é exclusivamente
passos singulares como no encadeamento considerada e judicada a marca O. Ora jus-
destes, encerra um ajuizar próprio, o qual só tamente a mesma é comum à coisa inten-
possui um carácter simbólico, aliás não parti- dida (G) e, por isso, o juízo também é vá-
cularmente notório, visto a matéria ajuizada lida para esta. No decorrer natural do nosso
consistir em sucedâneos em vez de represen- pensamento não se encontra qualquer vestí-
tações próprias; 2) aqueles casos em que o gio de considerações lógicas deste tipo. O
próprio ajuizar é impróprio, e o é na medida nosso ajuizar prático não é justamente ne-
em que sinais exteriores, por exemplo, pro- nhum ajuizar lógico. Fazemos juízos na base
posições ou complexos proposicionais siste- de sucedâneos e, indiferentes à questão de
máticos, fazem as vezes de sucedâneos de legitimidade, manejamo-los sem mais como
juízos e raciocínios. juízos acerca de conceitos próprios. Mas re-
Para a primeira classe, a solução sim- conhecemos aqui porque é que tal acção não
ples do enigma reside no seguinte. [360] leva a qualquer erro; vemos que o processo
É certo que os nossos juízos implicam ape- não lógico tem de dar o mesmo resultado que
nas sucedâneos oscilantes, obscuros, mutá- o lógico, com a única diferença (essencial-
veis. Mas estes sucedâneos encerram em mente teórica, mas não prática) de que o úl-
cada momento justamente as partes e mar- timo garante evidência na sua legitimidade,
cas dos conceitos reais (wirklichen) em que ao passo que o primeiro não.
incide o interesse judicativo. Enquanto ob- Até aqui limitámo-nos a investigar as ra-
jectos de particular atenção não são obscu- zões da verdade objectiva dos juízos singu-
ros e oscilantes, mas antes são representados lares do tipo considerado. Mas é claro que
com o grau da nitidez que o ajuizar precisa- para a compreensão dos raciocínios que per-
mente requer, por mais que as restantes par- tencem a isto não há a acrescentar nada de
tes do sucedâneo sejam difusas; pode ser que essencialmente novo. Se os juízos singulares
variem momento a momento, mas nisso elas sobre sucedâneos são equivalentes aos dos

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Da Lógica dos Sinais 15

conceitos próprios respectivos, então tam- na medida em que os seus resultados se ex-
bém um raciocínio com juízos [361] de um pressam simultaneamente em sinais exterio-
tipo é equivalente a um com juízos do outro res, por exemplo em proposições, são estes
tipo. que, no decorrer subsequente do processo,
Debrucemo-nos agora sobre o segundo fazem de sucedâneo dos juízos reais, e o raci-
grupo de casos em que apenas símbolos exte- ocínio faz-se, como anteriormente, de modo
riores subjazem aos nossos juízos, enquanto, simbólico-exterior.
sem entraves, prosseguimos com o processo De novo pomos a questão quanto à legi-
judicativo. Isto é possível por o próprio timidade lógica destes métodos simbólicos.
ajuizar aqui não ser como antes um ajui- Que são simbólicos, nem sequer o notamos.
zar próprio, mas sim um exteriormente im- Seguimo-los sem reflexão, e não na base de
próprio. Sinais sensíveis das representações uma indução anterior ou de qualquer ou-
(por exemplo, nomes) são ligados precisa- tra reflexão legitimadora. Não são métodos
mente aos de reconhecimento ou rejeição; lógicos precisos (kunstgerechte), mas antes
surgem proposições; encadeamentos siste- processos mecânicos naturais. [362] A nossa
máticos de proposições simbolizam raciocí- pergunta é outra: Em que se fundamenta o
nios e o processo judicativo consiste em que valor de verdade dos resultados destes meca-
um prosseguir exteriormente ao longo da ca- nismos naturais? A resposta exige algumas
deia de sinais faz de sucedâneo do raciocinar considerações. Há que notar, em primeiro
real (wirkliche Schließen). Alguns exemplos lugar, que métodos simbólicos deste tipo não
esclarecerão isto: a é maior que b, este é possuem a mesma originalidade que os mé-
maior que c, este é maior que e, logo a é todos reais respectivos, antes se constroem, a
maior que e; a = b, b = c, c = d, d = e, logo a = partir destes, na forma de simplificações có-
e; todos os A são B, todos os B são C, todos modas. O carácter uniforme dos raciocínios
os C são E, logo todos os A são E. Sejam pe- de determinada espécie, cunhado em unifor-
las letras sempre entendidos nomes de con- midades da expressão exterior, leva por si e
teúdos visados pela nossa actividade judica- sem especial reflexão, a sequir estas unifor-
tiva. Raciocínios deste tipo realizamo-los em midades da expressão, mesmo também onde
regra simbolicamente. Frequentemente, logo faltam as actividades psíquicas fundantes.
nos passos singulares, agarramo-nos não a De novo, é a força da associação de ideias
conteúdos próprios e plenos nem a conteú- o motor invisível do processo, mas obvia-
dos parciais sucedâneos, mas simplesmente mente funciona aqui num modo muito pró-
a nomes ou letras, de modo que não pode- prio. A conclusão não é reproduzida de uma
mos falar eo ipso de um ajuizar ou racio- vez, num acto; isso pressuporia que tivésse-
cinar próprios. Mecanicamente vamos ao mos feito já repetidas vezes a mesma con-
longo da cadeia, ligamos e eliminámos ele- clusão com as mesmas premissas, quando
mentos, como o exige o modelo, e obte- precisamente o que é característico do pro-
mos assim um juízo simbólico (uma proposi- cesso reside no facto de, em cada novo caso,
ção), que nos serve de sinal de uma verdade. se aplicar mecanicamente e com sucesso. A
Mais frequentemente, porém, os passos sin- reprodução faz-se indirectamente, sob medi-
gulares são feitos numa judicação real; mas ação da forma. Por isso entendemos algo

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de parecido à lógica formal, quando fala de respectivos e desse modo possibilitam uma
formas de raciocínio, onde obviamente não reprodução plena da conclusão toda.
nos agarramos à explicação que nos dá das Após termos adquirido mediante estas
formas como tais, mas à utilização fáctica análises um conhecimento mais exacto do
que delas faz. A forma de um raciocínio mecanismo psicológico natural do raciocínio
consiste no género exterior do encadeamento simbólico, torna-se possível construir o pro-
e ordenamento das premissas Desse modo, cesso lógico paralelo que resolve a nossa per-
cada premissa e, consoantemente, cada um gunta e nos dá a experiência porque é que
dos nomes inseridos na premissa adquirem aquele processo mecânico tinha de produzir
um lugar determinado no sistema. Natural- resultados correctos. A fim de que um tal
mente são qualidades internas do sistema ju- mecanismo possa construir-se e funcionar,
dicativo, inserido no processo intelectual do têm os respectivos raciocínios e seus cor-
raciocínio, que fundamentam a forma siste- relatos linguísticos de satisfazer certas exi-
mática da expressão linguística e lhe con- gências. Enumeremo-los por ordem. An-
cedem uma universalidade muito para além tes de mais, reside na natureza dos meios
do caso concreto. Mas aqui não é preciso de assinalar linguísticos (sprachlichen Be-
aprofundar mais isso. Basta dizer que é pos- zeichnungsmittel) a utilizar, que eles, em-
sível conceber inúmeros raciocínios que se bora nem sempre em todas as circunstân-
exprimem de forma igual. Se tivermos feito cias, sejam unívocos nas ligações sistemá-
frequentemente raciocínios de uma determi- ticas aqui em causa. As formas de liga-
nada forma, e o tivermos feito realmente, e ção sistemáticas das palavras têm de reflec-
se o seu tipo sistemático for fácil de apren- tir exactamente as dos pensamentos, de ou-
der, então o mesmo inculcar-se-á na memó- tro modo não poderiam as primeiras alguma
ria, e posteriormente bastará um sistema de vez tornar-se os sucedâneos habituais das úl-
premissas conforme para [363] reproduzir a timas. Os equívocos obrigariam, apesar de
conclusão. Desde que, passo a passo ajui- toda a reprodução, a realizar sempre as re-
zando e falando, entramos na rotina bem co- presentações, juízos e raciocínios reais, e um
nhecida, a reprodução antecipatória (vora- mecanismo seria impossível. Mas há ainda
neilende) manifesta-nos a forma da conclu- uma outra qualidade, mais especial, que um
são. sistema de sinais tem de ter, tendo em conta
Mas não só isto, também o conteúdo que que uma reprodução da conclusão deve po-
preenche a forma, isto é, os nomes que a der realizar-se com base unicamente nas pre-
completam numa conclusão plena, é dado missas. Uma parte do sistema, aquela que
pela reprodução. De facto, onde, como já contém as premissas na ordem e ligação ade-
foi referido, cada nome tem o seu lugar sis- quadas, tem evidentemente de determinar de
temático, e na conclusão os nomes são liga- um ponto de vista unicamente formal (rein
dos numa posição caracterizada muito deter- formell) a outra parte, aquela que contém a
minadamente, (como nos exemplos anterio- conclusão, e mais, de a determinar univo-
res o primeiro e último nome), aí os valores camente; só então pode a fantasia reprodu-
da posição (Stellenwerte) servem como mo- tiva, em casos onde só a primeira é dada,
mentos reprodutivos que evocam os nomes [364] de imediato (no modo acima descrito)

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Da Lógica dos Sinais 17

construir a segunda parte em falta, a con- foi inventada intencionalmente com base em
clusão. Tendo em conta a univocidade da considerações lógicas; a universalidade do
assinalação segue-se que o sistema judica- mesmo concentra-se numa regra lógica que,
tivo correspondente tem de ser constituido para a classe respectiva de formas de raci-
de tal modo que o conjunto dos juízos das ocínio ensina como o raciocínio próprio se
premissas determine univocamente o juízo substitui por um operar exterior com os si-
da conclusão. Tudo isto leva a um resul- nais linguísticos e, desse modo, se constrói
tado importante. Se uma determinada forma a expressão linguística do juízo conclusivo a
de raciocínio ou uma classe de raciocínios partir dele mesmo. Nisso consiste, contudo,
por ela caracterizados preencher todos os re- todo o raciocínio formal no verdadeiro e ge-
quisitos, então o conhecimento desta situa- nuíno sentido da palavra. Mas que um racio-
ção capacitar-nos-á a substituir, com cons- cínio desse tipo não é (como se [365] pode-
ciência do objectivo e por razões lógicas, ria supor pelos exemplos simples atrás apon-
o raciocínio real por um raciocínio simbó- tados) irrelevante, mas, ao contrário, consti-
lico. Com efeito, desde que seja dado in con- tui um importantíssimo instrumento do pro-
creto um sistema de premissas pertencente a gresso científico, disso deverá a nossa teoria
esta classe, podemos, com base unicamente da aritmética dar as provas mais fortes.
nas expressões linguísticas e sem relação aos Até aqui as nossas investigações incidiram
correlatos psíquicos, construir a conclusão, e sobre os símbolos de processos simbólicos
termos a plena certeza lógica de ter no juízo de grau ínfimo, sobre aqueles que no de-
correspondente o juízo conclusivo intendido curso do pensamento natural e irreflectido,
e correcto. O que fazemos deste jeito por graças à constituição legítima da nossa na-
razões gnosiológicas, fá-lo o mecanismo da tureza, fazem de sucedâneo das representa-
reprodução por causalidade cega. Para que ções, juízos e raciocínios próprios, sem que
este possa construir-se e funcionar, são pre- haja uma consciência especial desta sua fun-
cisos, como já vimos, justamente as qualida- ção, e muito menos que motivos lógicos (an-
des dos raciocínios que, caso fossem conhe- teriores ou simultâneos) regulem a sua utili-
cidas, legitimariam logicamente o processo zação. Mas, além destes sucedâneos naturais
mecânico. A univocidade da expressão lin- (assim os podemos designar numa palavra),
guística e a determinação unívoca da con- utilizamos também, e em muito maior grau,
clusão pelas premissas, tanto pelo lado psí- sucedâneos artificiais. Inventamos símbo-
quico como pelo simbólico – isso são exi- los e processos simbólicos ou utilizamos os
gências necessárias e suficientes para o pro- que outros inventaram como apoios e suce-
cesso mecânico cego, por um lado, e para o dâneos de representações e processos judica-
processo lógico-mecânico, por outro. Deste tivos e fazemo-lo com consciência, sabendo
modo, resolveu-se a nossa tarefa: a teleolo- bem que lidamos com símbolos.
gia aparente do processo natural fica perfei- Vamos agora dedicar algumas considera-
tamente esclarecida. De particular interesse ções à lógica das representações e juízos
aqui, porém, é a circunstância de que o pro- simbólicos. A elaboração de uma tal lógica
cesso lógico paralelo também é um processo teria como objectivo fundamentar a função
mecânico, só que a instalação do mecanismo das representações e juízos simbólicos na ac-

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18 Edmund Husserl

tividade judicativa teórica e, sobretudo, elu- se justifica a nossa afirmação de que a aná-
cidar os métodos algorítmicos que se torna- lise dos métodos naturais tem de preceder a
ram, em medida tão extraordinária, no veí- dos artificiais.
culo do progresso das ciências exactas, e es- Os sucedâneos artificiais são uma classe
tabelecer as regras de exame e descoberta especial de sinais artificiais. Com efeito, si-
desses métodos. Investigações do tipo como nais artificiais não se inventam em geral com
as que fizemos atrás sobre a actividade judi- o fito de com eles substituir representações
cativa natural e prática, teriam de constituir e juízos impróprios, mas para servir como
naturalmente um fundamento para essas in- marcos da memória, como apoios sensíveis
vestigações superiores. Com efeito, um pro- da actividade psíquica, como ajudas da co-
cesso lógico não é de modo algum, face ao municação e do intercâmbio, etc. Só no se-
processo natural correspondente, diferente guimento de um uso contínuo e da associa-
toto genere. Ambos fazem uso das leis psico- ção que assim se forma, por vezes pela ex-
lógicas da nossa natureza e, em grande me- periência ou por uma mistura de ambas, to-
dida, das mesmas. Mas só em parte, e pre- mam os sinais artificiais (desde que se ade-
cisamente nisso reside a diferença. Como quem devidamente a isso) o carácter de su-
novo momento surge a influência da vontade, cedâneos, de modo semelhante como os si-
guiada por motivos gnosiológicos, e a ca- nais naturais tomam o carácter de sucedâ-
pacidade de através dela regular o curso da neos naturais. A parte de longe mais consi-
actividade judicativa justamente de acordo derável das representações e processos judi-
com estes interesses lógicos. O ajuizar natu- cativos simbólicos reside na língua. Mas os
ral precisa [366] de uma tal regulação dadas sinais linguísticos não foram com toda a cer-
as múltiplas fontes naturais de erro que fa- teza inventados para esse fim, mas sim para
zem com que os processos naturais, embora mútuo intercâmbio. Nas ciências abstractas
em média tenham uma direcção correcta, le- os sinais aritméticos e respectivas operações
vem ao erro em casos especiais. Deste ponto desempenham o papel mais significativo. No
de vista, o processo lógico serve como se- lugar de uma dedução real de relações de
gurança dos conhecimentos; por outro lado, grandeza a partir de relações de grandeza,
serve para alargar o conhecimento; é que os dedução essa de uma complexidade inapre-
métodos artificiais não só fazem o mesmo ensível, surge o mecanismo cego dos símbo-
melhor que os naturais, como fazem incom- los sensíveis. Mas se seguirmos os vestígios
paravelmente mais. Em todo o caso, a ori- do desenvolvimento histórico [367], então é
gem dos métodos artificiais reside nos natu- fácil de reconhecer que não foi a antevisão
rais. Se tomarmos especial consciência da deste objectivo que condicionou a invenção
força, produtora de verdade, dos primeiros dos símbolos. Com efeito, eles serviam ori-
métodos, então, tendo em conta o poder da ginalmente como simples sinais marcantes
vontade sobre os motores psicológicos que da distinção e rememoração e, através disso,
lhe estão subjacentes, pode realizar-se uma também como apoios para os processos judi-
invenção sistemática e uma aplicação cons- cativos próprios baseados neles. É preciso já
ciente de métodos análogos, mas agora artifi- um elevado nível de desenvolvimento da cul-
ciais. Portanto, também deste ponto de vista tura intelectual para inventar sucedâneos ar-

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tificiais com a plena consciência da sua fun- primeiro e mais facilmente a qualquer outra
ção ou mesmo apenas para utilizar os que já ideia do que à ideia de esses sistemas terem
existem. É desta espécie que têm de ser os surgido pela interacção cega de leis naturais.
símbolos e processos simbólicos de uma arit- [368] Isso vale, por exemplo, para a língua.
mética bem entendida, rigorosa e logificada, Os sinais singulares da mesma são artifici-
tal como de uma lógica formal em geral e, ais. Por mais toscos que fossem os primeiros
correspondentemente, também dos seus do- meios de assinalar no início do desenvolvi-
mínios de aplicação, as ciências abstractas. mento linguístico, eles tinham, todavia, o ca-
Entretanto, os sucedâneos artificiais que ha- rácter de invenções. A sua adequação para
bitualmente utilizamos na vida e na ciência, exprimir fenómenos exteriores (ãußere Vor-
não têm este carácter puro. Sinais artifici- gãnge) ou estados internos foi o motivo para
ais, tornados sucedâneos pela acção dos mes- a aplicação intencional dos mesmos com o
mos motores psicológicos, exigem a nossa objectivo da comunicação. E, do mesmo
actividade judicativa, sem que houvesse uma modo, são invenções os sinais introduzidos
compreensão correcta do verdadeiro estado sempre de novo. Mas dos sinais singulares
de coisas. surgiu, por via de desenvolvimento natural,
‘A distinção atrás feita queremos agora fa- o sistema da língua com a sua fina estrutura
zer juntar algumas outras, importantes para gramatical, e é tal o realce da utilidade e be-
uma teoria dos sinais. leza da sua sistemática, que a ideia de que ela
Sob o título "sucedâneo"compreendemos poderia ser produto de leis cegas da natureza,
dois tipos: Sinais ou ligações de sinais já pressupõe um desenvolvimento elevado da
que fazem de sucedâneo de representações psicologia. De modo semelhante se passa
e sinais ou ligações de sinais que fazem também com a aritmética. Os sinais singula-
de sucedâneo de juízos e raciocínios. Em res são invenções. Mais, aqui há ainda outra
maior medida e regularmente, o fazer-de- coisa: também os métodods singulares são
representante só pode ter lugar onde as re- invenções. E, no entanto, o sistema da arit-
presentações e os processos judicativos têm mética como todo na sua maravilhosa estru-
um carácter sistemático, capaz então de se tura não é produto de uma intenção prevista,
reflectir num sistema de sinais e regras uni- mas de um desenvolvimento natural.
formes da sua ligação e equivalente substi- Em cada sistema de sinais distinguimos
tuição. Para a lógica formal são, por isso, de entre sinais fundamentais (Grundzeichen) e
especial interesse os sistemas de sinais e os sinais derivados ou compostos. A deriva-
algoritmos neles fundados. Relativamente à ção dos últimos a partir dos sinais funda-
origem psicológica e histórica há que distin- mentais ocorre mediante operações de sinais
guir em cada sistema de sinais: a dos sinais (Zeichenoperationen). Estas são sistemáti-
singulares e a do sistema como tal. Sinais cas, métodos do representar, ajuizar e ra-
artificiais (inventados) podem, ao apoderar- ciocinar simbólicos, métodos esses levados
se deles o pensamento natural, desenvolver- a efeito segundo determinadas regras. As-
se em sistemas de sinais, e, na verdade, em sim, por exemplo, as operações aritméticas,
sistemas de estrutura tão rica e finamente na medida em que são constituintes de nú-
articulada, que a reflexão posterior chegará meros, são métodos regulados para a pro-

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dução de representações impróprias; mas na cos em geral, também os naturais, resultantes


medida em que constituam regras da forma- unicamente da acção da associação de ideias
ção e transformação de equações e inequa- e com exclusão de motivos lógicos. Estes
ções, são métodos para a produção de juízos pertencem no seu conjunto a um nível pre-
simbólicos (verdadeiros). Os sinais funda- lógico*.
mentais da teoria dos números (Zahlentheo- É útil chamar aqui a atenção para o facto
rie) são os sinais 0, 1,..., 9. Todos os res- de que uma aplicação sistemática de sinais,
tantes sinais numéricos, e depois os sinais feita com fins cognitivos, não é só por isso
como 2+3, 5.6, 4/2, etc. são sinais deriva- lógica. Logo ao nível pre-lógico pode ocor-
dos para números representados impropria- rer uma procura e aplicação sistemáticas dos
mente. Cda conta, por exemplo, uma adição, sinais. Pode-se muito bem notar que os si-
é uma formação simbólica de verdade (sym- nais prromovem o nosso conhecimento, sem,
bolische Wahrheitsbildung) mediante certas contudo, se ter a mínima ideia da razão dessa
operações efectuadas com os sinais funda- promoção. Isto será possível especialmente
mentais. então, quando as proposições (juízos simbó-
Cada operação artificial com sinais serve licos) obtidas por vias simbólicas levarem,
em certa medida objectivos do conheci- através da passagem de sinais aos pensamen-
mento; mas nem todas levam realmente a tos, a juízos reais que se legitimam graças
conhecimentos, no sentido verdadeiro e ge- à verificação respectiva levada a cabo. As-
nuíno da intelecção lógica. Se o processo sim se passa na matemática. Pode-se afir-
for ele mesmo lógico, se [369] tivermos a in- mar: a aritmética geral com os seus números
telecção lógica de que assim, tal como é e negativos, irracionais e imaginários ("impos-
porque é assim, terá de levar à verdade, só síveis") foi inventada e aplicada durante sé-
então será o seu resultado não uma simples culos antes de ser compreendida. Tinha-se
verdade de facto, mas um conhecimento da relativamente à significação [370] destes nú-
verdade (eine Wahrheiterkenntnis). Só en- meros as teorias mais contraditórias e incrí-
tão temos a plena certeza, de estar protegi- veis, mas isso não constituia um obstáculo à
dos do erro, e não ajuizamos por um impulso sua aplicação. Uma pessoa podia justamente
cego, nem por uma convicção mais ou menos convencer-se, através de uma verificação fá-
intensa, mas sim por uma intelecção clara. cil, da exactidão de qualquer um mediante
Neste sentido distinguimos: 1) as operações as proposições suas derivadas, e após inú-
sinaléticas pré-lógicas que visam a verdade, meras experiências deste tipo confiava na-
que provavelmente a atingem, sem que, no turalmente na utilidade incondicional destes
entanto, a aplicação (como já a invenção) métodos, alargava-os e aperfeiçoava-os cada
destes métodos assentasse numa compreen- vez mais - tudo isso sem a menor intelec-
são lógica; 2) as operações sinaléticas lógi- ção da lógica da coisa, que, apesar dos múl-
cas que se seguem por razões cognitivas e, tiplos esforços desde os tempos de Leibniz,
por isso, não só atingem a verdade, como D’Alembert e Carnot, não fez até hoje quais-
também uma verdade certa. quer progressos significativos.
Esta distinção estende-se, como é bom de Isto é o que se passa em geral com os mé-
ver, a todas os processos judicativos simbóli- todos lógicos, por exemplo, com os da indu-

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ção. Nas ciências naturais, os investigadores se em consonância, sujeitando-os a sucessi-


utilizam com um sucesso extraordinário es- vas alterações que excluiam os possíveis er-
tes métodos, sem se sentirem constritos pela ros que ainda restavam *. Pense-se nas dis-
própria falta de clareza, ou pela da dos ló- putas infindas sobre o negativo e o imagi-
gicos, sobre sentido, limites e valor cogni- nário, o infinitamente pequeno e o infinita-
tivo dos mesmos. Também na indução te- mente grande, sobre os paradoxos das séries
mos de distinguir entre o processo indutivo divergentes, etc. O progresso da aritmética
pre-lógico e o lógico. Mesmo onde ambos teria sido rápido e seguro em vez de lento e
levam ao mesmo resultado (o que não sucede inseguro, se houvesse, logo no seu desenvol-
sequer numa média grosseira), fazem-no de vimento, uma clara compreensão do carácter
modo completamente distinto e só o lógico lógico dos seus métodos. E do mesmo modo
dá conhecimento. Fundar a indução sobre o não há dúvida alguma de que também para
mecanismo psicológico cego do hábito, que o desenvolvimento futuro da aritmética (na
funciona, mas que não legitima, isso signi- medida em que se vise um alargamento do
fica confundir a indução pre-lógica com a ló- seu âmbito) a intelecção no seu carácter ló-
gica ou (com Hume) negar de todo a possibi- gico seria de uma influência decisiva e posi-
lidade de uma legitimação racional da indu- tiva para o seu progresso.
ção. Fora da aritmética encontramos ainda
Isto serve de prova drástica de que uma muitas mais confirmações de que os sinais
utilização de símbolos para fins científicos não examinados logicamente podem condu-
e com sucesso científico não é, só por isso, zir a erros. Disso também os lógicos já se
lógica. Naturalmente não é nossa intenção deram conta há muito tempo no caso do mais
rejeitar por completo a aplicaão pre-lógica importante sistema de sinais que possuímos,
de sinais. Em média ela conduz indubita- a língua. Em que sentido a língua promove o
velmente a resultados correctos; mas só em pensamento e, por outro lado, o tolhe, isso
média. E é justamente por isso que que exi- é discutido presentemente em qualquer ló-
gimos para a ciência apenas a aplicação de gica que ambicione uma acção prática. So-
sinais legitimados logicamente. Aqui poder- mos avisados para não confiar demasiado nas
se-ia utilizar contra nós o exemplo que de- palavras, de em cada demonstração termos
mos atrás, o da aritmética. Com efeito, é presente o seu sentido pleno, de nos preca-
certo que a aritmética desenvolvida é inde- vermos dos equívocos, etc., regras que, não
pendente em grandíssima medida de uma obstante serem extremamente úteis, se limi-
compreensão lógica dos seus métodos arti- tam a um círculo por demais restrito. Ao dar-
ficiais. Entretanto, a aritmética não surgiu se atenção normalmente só ao carácter sim-
como invenção acabada da cabeça de um bólico das formas mais simples da fala, das
único indíviduo; ela é o produto de um de- palavras e proposições, ignorava-se [372]
senvolvimento de séculos. [371] Surgiu atra- o mesmo nos métodos mecânico-simbólicos
vés de uma espécie de selecção natural. Na que ocorrem no pensamento natural, méto-
luta pela existência venceu a verdade con- dos esses que substituem por meios linguís-
tra o erro, demonstrada a sua insustentabi- ticos compostos um raciocínio mais ou me-
lidade, e os métodos aritméticos formaram- nos complexo. Refiro-me aqui aos silogis-

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mos simples e compostos. Embora na ló- a possibilitar-nos realizações que seriam in-
gica formal tradicional sejam tratados em compreensíveis aos maiores pensadores da
medida excessiva, as suas regras não foram, antiguidade. E, por outro lado, encontramos
no entanto, compreendidas. Aquilo que se novamente como sinal característico da falta
considerava como regras do raciocínio real, de clareza dos matemáticos teorias estranhas
eram (justamente enquanto regras formais) que uns adoptaram de uma maneira e outros
efectivamente regras do raciocínio simbó- de outra como filosofia da sua disciplina, e
lico. Essa interpretação errónea da verda- que bastas vezes os [373] levaram, e justa-
deira relação de coisas influenciou tão ne- mente as cabeças mais originais em primeiro
gativamente o modo de analisar a coisa que lugar, a desvios estéreis. Uma lógica for-
a teoria do conhecimento foi levada a erro mal verdadeiramente frutosa constitui-se de
e, por outro lado, não se promoveu a prá- antemão como uma lógica dos sinais, que,
tica no mínimo que fosse. Tivesse sido re- quando suficientemente desenvolvida, cons-
conhecido o carácter simbólico da sologís- tituirá uma das partes mais importantes da
tica (a parte capital e cerne da velha lógica lógica (enquanto ciência do conhecimento).
formal) e da aritmética geral e por meio de A tarefa da lógica é aqui a mesma como
investigações penetrantes precisado exacta- nas outras partes: assegurar-se dos métodos
mente, então poderia a compreensão teórica naturais do espírito judicativo, examiná-los,
destas disciplinas "formais"exercer uma in- compreendê-los no seu valor cognitivo, a fim
fluência clarificadora e frutuosa sobre a filo- de poder determinar rigorosamente limites,
sofia e as ciências especiais. Porém, a si- extensão e alcance dos mesmos e estabele-
tuação hoje em dia é a de as nuvens mais cer as respectivas regras gerais. Se entender
densas da confusão confundirem e tolherem bem a sua tarefa, então não poderá cingir-
para ambos os lados. Caraterístico da falta se a acompanhar a utilizacão pre-lógica dos
de clareza dos lógicos é o facto de se ou sinais. Pelo contrário, a intelecção mais pro-
não preocuparem no mínimo com as teorias funda na essência dos sinais e das ciências
dos algoritmos (e isso é a regra) ou então o dos sinais permitir-lhe-á reflectir também so-
fazem de um modo tão displicente e super- bre os métodos simbólicos a que o espírito
ficial que é o melhor sinal da falta de cla- humano ainda não chegou, ou então de es-
reza. Com a segunda parte desta afirmação tabelecer as regras para a sua invenção. A
tenho em mira as disputas de Mill (Lógica, relação da lógica dos sinais com as opera-
4˚ livro, cap. VI, 6) e Bain (Logic, Part ções lógicas na prática da vida e da ciên-
first, Appendix B). Tomem-se apenas os al- cia será análoga, por exemplo, à relação en-
goritmos mais corriqueiros e simples, os da tre a lógica indutiva e as induções práticas.
arte de numerar e contar, em vão se pro- Esta tardiamente reconhecida tarefa da ló-
curará nas obras de lógica um ensinamento gica foi também aqui de se assegurar des-
sobre o que é que verdadeiramente capacita tes enormes recursos naturais da formação
essas operações mecânicas com simples si- de juízos e, mediante reflexões científicas so-
nais alfabéticos ou verbais a alargar em tão bre legitimação, limites e alcance, fazer dos
extraordinária medida o nosso conhecimento processos naturais e logicamente ilegítimos
real relativamente aos conceitos numéricos e um processo artificial e logicamente legiti-

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Da Lógica dos Sinais 23

mado que não oferece só simples convicção,


mas um conhecimento certo.

Vocabulário
Beschaffenheit = qualidade
Bestimmung = determinação
Beurteilter= judicado
Beurteilung= judicação; beurteiltes
= judicado
Bezeichnen = assinalar; bezeichnetes
= assinalado
Bezeichnung = assinalação
Charakteristikum = característica
Eigenart = especificidade
Eigentlich = próprio/propriamente
Eindeutig = unívocos
Erfindung = invenção
Kennzeichnen = sinal
Mehrdeutig = equívocos
Merkmal = marca
Merkzeichen = sinal característico
Mitbezeichnung = co-assinalação
Schluß, Schlußfolgerung,
Schlußverfahren = raciocínio
Stellvertreter = representante
Stellvertretung = fazer-de-representante
Surrogatvorstellungen = representações
sucedâneas
Uneingentlich = impróprio /
impropriamente
Urteilen = ajuizar
Vermittlung = mediação
Vertreten = fazer de representante
Vorstellen = representar
Zeichen = sinal
Zeichenvorstellung = representação
sinalética

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