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PREPOSIÇÕES

1. Uma das palavras do grego antigo para definir o estado de morte como verbo é ápothneiscó
(ἀποθνῄσκω) que em etimologicamente pode ser dividida em apo (απο), que é uma preposição,
indica afastamento a partir de um ponto e thneiscó (θνῄσκω) que aponta “as coisas dos mortais”.
Muitas palavras, tanto em grego antigo como em latim são concebidas dessa forma. Uma junção
entre preposição e algum objeto, algum verbo, etc. As preposições são indicativos de
movimento. O movimento descrito por apo, por exemplo, indica o afastamento de determinado
objeto em relação a algo. É óbvio que toda noção de movimento sempre tem o observador como
ponto de referência. Um afastar-se não pode ter surgido sem um sujeito que vê o ato de
distanciar. Primeiramente o ponto de referência é si mesmo, posteriormente o conceito formado
pode ser aplicado em relação a outras coisas: o afastamento do navio em relação a mim; o
afastamento do navio em relação a praia; o afastamento do navio em relação à determinado
ponto no mar, e assim por diante. Esse ato de firmar essas relações é função linguística das
preposições. As preposições funcionam como um apontar para algo. Eu poderia dizer “você” e
apontar para um lugar. Você entenderia que é para que você se desloque até o lugar apontado,
substituindo a frase “Vá para aquele lugar”.
2. Esse ato de apontar é fundamental se fizermos um exercício mental de imaginar como
seria nos comunicarmos sem possuir uma linguagem falada. Tudo se resume a um apontar, a um
demonstrar através de indicações. O apontar de um tijolo em uma obra faz o assistente
imediatamente perceber que ele deve levar o tijolo até o construtor. Um “ir para o tijolo” e um
“levar o tijolo para fulano”. Apo é mover/mover-se em direção oposta a algo. E assim a ideia de
morte, no grego antigo, traz a ideia de afastar algo das coisas dos mortais. Essa é a imagem
apontada. Isso sem deixar de levar em consideração que tudo dito é um apontar. “Você”, na
frase acima, é um apontar.
3. Agora, o interessante disso tudo é, no mesmo contexto de um mundo ainda sem
linguagem, ou de linguagem em estado inicial, imaginar quais palavras surgem antes. Quais
noções são mais elementares para a construção da linguagem. E o que podemos concluir é que
os conceitos de movimento são mais primordiais para a construção de uma língua que os
próprios objetos formados pelos conceitos. As ideias de movimento são blocos de construção
dos conceitos, conceituando-se até a si mesmos.
4. Estamos em um mundo sem linguagem, como no exercício acima. Temos que dar nome
à determinado objeto destacado no chão. Dizemos “pedra”. Dizer isso, contudo, não significa
nada. Irão te olhar com cara de estranheza. Você repete “pedra” e começa a se mover em
direção a esse objeto. Para quem não sabe do que se trata “pedra” pode ser seu nome?, o seu
andar?, algo que esteja sentido?. Contudo, ao chegar perto do objeto, você o aponta, tocando-o
com a ponta do dedo e repete “pedra” e, de imediato, é entendido. O apontar, sendo assim, é
mais fundamental para formação de conceitos. Já em conceitos não materiais como no caso da

1.
“morte”, quando não podemos simplesmente apontar, o exercício permanece estruturalmente o
mesmo. O apontar se dá pela preposição, ou melhor, a preposição faz vezes ao apontar. O que a
preposição apo nos indica é o afastamento. O afastamento do mundo dos mortais. Dessa forma
podemos concluir que o mundo dito/falado é sempre um a partir de si. Tudo no mundo é
apontado com relação ao sujeito e isso fundou a comunicação e consequentemente a construção
da linguagem. Relações são mais importantes que conceitos; nomear não é possível sem as
relações do que é dito com o sujeito, o que se coaduna com a Teoria do Momento-Um como a
perpétua estrutura estruturante.
5. Desta forma, quando não se tem um palavra que signifique algo temos que criá-la. Mas
não basta proferí-la. Temos que apontar para qual objeto esse significado aponta. Ou seja, deve
haver um significante a ser apontado e para isso recorremos à uma forma de apontamento que é,
primordialmente, simbólica. Podemos utilizar a representação de Witggenstein em
Investigações Filosóficas.
6. A imagem usada pelo autor para apontar o fato do mundo que remontaria à fundação da
linguagem é a de um “pedreiro” que aponta ao seu auxiliar uma lajota a ser incluída na obra.
7. Ele inicia a exposição da ideia fazendo referência a Santo Agostinho. A tradução é do
original em latim, traduzido para o alemão pelo próprio filósofo e traduzida para o português na
Coleção Os Pensadores, da editora Nova Cultural Ltda, edição de 1986, Primeira Parte, 1, da
obra Investigações Filosóficas.
8. “Se os adultos nomeassem algum tipo de objeto e, ao fazê-lo, se voltassem para ele, eu
percebia isto e compreendia que o objeto fora designado pelos sons que eles pronunciavam,
pois eles queriam indicá-lo. Mas deduzi isso de seus gestos, a linguagem natural de todos os
povos, e da linguagem que, por meio da mímica e dos jogos com os olhos, por meio dos
movimentos dos membros e do som da voz, indica as sensações da alma (significantes 1),
quando esta deseja algo, ou se detém, ou recua ou foge. Assim, aprendi pouco a pouco a
compreender quais as coisas eram designadas pelas palavras que eu ouvia pronunciar
repetidamente nos seus lugares determinados em frases diferentes. E quanto habituara a minha
boca a esses signos, dava expressão aos meus desejos.” (Fls. 27) - parênteses e asterisco meu.
9. Logo após, afirma:
10. “Pensemos numa linguagem para a qual a descrição dada por Santo Agostinho seja
correta: a linguagem deve servir para o entendimento de um construtor A com um ajudante B. A
executa a construção de um edifício com pedras apropriadas; estão à mão ‘cubos’, ‘colunas’,
‘lajotas’ e ‘vigas’. A grita essas palavras; - B traz as pedras que aprendeu ao ouvir esse
chamado. - Conceba isso como linguagem totalmente primitiva. 2” (Fls. 28)

1
A pontuação apresentada no texto é a correspondente à aplicada pelo próprio Wittgenstein em
suas anotações, sendo por vezes muito confusa.
2
Neologismo cuja definição se encontra proposto no TSON.

2.
11. Assim, podemos verificar que uma palavra é, senão, um indicador/vetor de/para um
determinado objeto em um espaço de significantes. Essa palavra irá, ao ser pronunciada, apontar
determinado significante no mundo, como horizonte de significados (num coadunar entre teorias
heidegger-witggenstein-lacanianas).
12. Uma lajota, um tijolo, um paralelepípedo, enquanto peças em uma obra arquitetônica,
são signos de um mesmo significado que indica uma peça a ser incluída em um todo a fim de
dar forma e sustentação à determinado empreendimento. O significante é o conjunto estrutural,
não vetorial, “na” obra: no simbólico representa o ter a possibilidade de construir a partir de
determinadas coisas que se encaixam; o edificar a partir dessas determinadas coisas que
edificam; o que se monta a partir de determinadas possibilidades; o ajuste dentro do que se pode
ajustar; o adequar dentro do que se pode adequar; o erigir que se fará conhecido como
finalidade; o “como é” e o porquê.
13. Significado é o indicador vetorial que aponta um determinado significante. Como no
exemplo da obra, significado do signo “tijolo” é: peça que edifica; que é suporte; que tem forma
definida para encaixe; que sustenta; que se coaduna; que interfere no resultado; que falta,
principalmente. Ainda como significado é: o bloco com forma definida; é peça; tem matéria;
tem dimensões; têm cores (sejam lá quais sejam - as cores são sempre significantes) com
determinado material, seja em átomos, barro/aço/pedra/concreto, etc; com dimensões definidas
(não maiores que a própria obra, por exemplo). O significado corresponde ao que chamamos de
óbvio (para Heidegger, o “óbvio é tudo aquilo que dispensa consideração ulterior”).
14. O signo, contudo, é “tijolo”, “pedra”, “peça” apontada dentro do horizonte de
significantes. Assim o signo faz mais parte daquilo que é vetor/que aponta do que aquilo o quê
aquilo “é”. “Tijolo” por si indica matéria indeterminada, dimensão indefinida e cor indefinida
cumulativamente, pois encontram diversidades dentro de possibilidades, dentro do seu
significado. Um tijolo de barro pode ter, mais ou menos a cor de barro curtido. Pode ter, mais
ou menos, as dimensões de um tijolo. Como signo, nada é óbvio. Entretanto, não podemos
admitir um tijolo feito de ar, puramente de ar. O signo pode se tornar uma função multijetora3.
O uso de artigos e complementos, no entanto, ajudam a melhorar a precisão do uso do signo:
aquele tijolo de barro.
15. Sendo assim, como pudemos concluir, dentro de um conjunto de significantes,
particularizam-se significados que se individualizam como signos. Isto tudo, dentro da
linguagem, só ocorre por ser a fonte da linguagem o sujeito. O sujeito lançado, ou retirado do
mundo, extraído do mundo que era si mesmo como um todo ao nascer, particularizado,
derivado. Por isso os vetores que indicam as relações acabam sendo fundamentais para a
construção da linguagem e por isso a linguagem é construída da forma como a usamos.
16. Tão importante quanto é o que se pode observar tanto da origem etimológica das
palavras (a exemplo ἀποθνῄσκω) são os três seguintes aspectos: i) todo o apontar para algo do

3
Lacan.

3.
mundo têm por referência a si mesmo, invariavelmente. ii) todo apontar têm, por essência, a si
mesmo e passa a ser estrutura estruturante do apontar objetos do mundo; iii) objetos do mundo
são sempre meus, nunca do mundo.
17. O definir o quê seja uma lajota, um tijolo, etc, são paralelos como construção de
edifício e de mundo. O dizer é apontar. Apontar tem, invariavelmente, si mesmo como
referência. Como isso pode gerar controvérsia, explico.
18. Um determinado objeto referido tendo outro como referência: “Para ele, que é
daltônico, a lajota verde tem cor vermelha”. Tal fato senão demonstra tão somente a validade do
argumento de que “apontar tem, invariavelmente, si mesmo como referência”. Que o assistente
B traga uma lajota vermelha ao se pedir uma verde, tal fato só tem repercussão no nosso mundo
e, por isso, é considerado só a partir do nosso mundo de significados. Se fôssemos todos
daltônicos o trazer da lajota pelo assistente não mereceria qualquer reparo. Contudo, existem
pessoas diferentes e assim mundo diferentes. Mas independentemente disso tudo uma estrutura
subjacente se faz única e comum. O ver-o-mundo ou o-apontar-para-o-mundo, são estruturas
fundamentais e comuns à qualquer ente humano. O ato de apontar é, em toda linguagem
humana, uma preposição. Para, de, em, etc… entrando, sobre, afastando-se, são palavras que
não possuem significantes. São o próprio simbólico pois apontam algo em relação. Essa relação
- e dizer sempre, inevitavelmente, encontra uma relação seja: entre outro-outro, si-outro, outro-
si, si-si - cria toda a estrutura de mundo que nos ocupará durante a vida. Um dizer, a partir de si,
a partir das regras de linguagem, que sempre terão como referência fundamental si-mesmo, que
estruturam o mundo como nosso, mas que é, fundamentalmente, meu.
19. Toda a linguagem é própria a partir de si. Toda linguagem aponta. Esse apontar é o
quê forma o sujeito e define o ser. Todo mundo é paralelo à outro. O quê nos une são os
significantes em escala fundamental e estruturante. O simbólico nos conecta, através dos
significantes e significantes, nessa ordem. Contudo, simbólico é uma coisa só. Os significantes
variam e são apontados de formas distintas.
20. Mas o que importa disso tudo é que, quando imaginamos, à maneira de Wtggenstein,
uma linguagem primitiva, imaginamos o apontar, e isso porquê o apontar nos é símbolo comum.
Como afirmado anteriormente, o apontar, na linguagem é ocupada pelo significantes definidos
por preposições. Estas, senão, têm a função primordial de indicar algo em relação a outro algo.
Outro algo já é, invariavelmente, apontado por si. Ou seja, o lugar fundamental de todo
apontamento é, sempre, si mesmo. Toda a linguagem consiste nesse apontar inicial. Se o apontar
inicial vem de si ou não cabe dizer cada um de si.

1 Nota minha
2 A pontuação apresentada no texto é a correspondente à aplicada pelo próprio
Wittgenstein em suas anotações, sendo por vezes muito confusa.

4.

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