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índice
EPISÓDIO I: Dragões podem ser Vencidos. 4
EPISÓDIO II: Surpreendido pela Alegria. 17

EPISÓDIO III: “ É um dom”. 32

CRÉDITOS 13

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CHESTERTON
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EPISÓDIO I:
Dragões podem ser Vencidos.
O séc. XX foi o século das ideologias. General Quinto Fábio Máximo, também
Assistimos a diversas revoluções, a duas conhecido como o cuntactor, ou seja, aquele
guerras mundiais, a genocídios e ao uso da que adia.
bomba atômica. O resultado foi devastador. Guilherme Almeida: A sua idéia de
Somados os números das vítimas das duas tomada de poder era alheia ao contato direto
grandes guerras com o das revoluções, com o inimigo.
chegamos ao número de 187 milhões de Deividi Pansera: A estratégia é cansa
mortes. A destruição era apenas a parte o inimigo, tornar o combate exaustivo e
visível por trás das teorias que nalmente vencer a guerra. Os fabianos
impulsionavam as disputas entre as adotaram essa estratégia para a instauração
potências européias. Filoso as de índole do socialismo.
materialista e obras de cção foram Rafael Tonon: Quando a Sociedade
responsáveis por criar visões utópicas do Fabiana foi fundada em 1893, eles
mundo, secularizar as instituições e desenharam um brasão para a instituição,
desprezar o imaginário cristão. Prevendo as considerando que a arte, em geral, sempre
consequências dessa mudança na sociedade, expressa os objetivos da família, da
três grandes homens surgiram no séc. XX instituição ou do lugar.
como resistência a essas propostas Deividi Pansera: E o brasão da
totalitárias. Eles queriam recuperar a Sociedade Fabiana era um lobo em pele de
esperança na humanidade e restaurar os cordeiro, simbolizando justamente os
valores que estavam sendo perdidos, mas não métodos propostos pelos fabianos. Só que as
imaginavam o que iam encontrar pela frente. intenções acabaram ncando muito
No início do séc. XX, o Império evidentes.
Britânico era a maior potência do planeta. Rafael Tonon: Rapidamente o brasão
Em seu auge, dominava 458 milhões de foi substituído, por mostrar de maneira
pessoas, um quarto da população do mundo escancarada e até escrachada os objetivos da
na época, e abrangeram 44% da área total da Sociedade Fabiana.
Terra. Todo o movimento político que Deividi Pansera: Então eles adotaram
surgisse em seu território seria capaz de um novo símbolo, que era uma tartaruga.
in uenciar toda uma civilização. Em 1893, Victor Sales Pinheiro: O brasão da tartaruga
foi fundada na Inglaterra a Sociedade simbolizava o caráter lento e perseverante
Fabiana. das transformações.
Deividi Pansera: O principal objetivo Guilherme Almeida: O Socialismo
dos socialistas fabianos era a instauração do Fabiano adiantava em grande parte o que
socialismo na sociedade européia. Gramsci iria propor: “Nós precisamos tomar o
Clístenes Hafner Fernandes: O poder silenciosamente.”
Socialismo Fabiano é uma forma de Clístenes Hafner Fernandes: Para os
implementação das idéias de Marx e Engels, fabianos, um novo teatro e uma nova
mas com um novo método. literatura são necessários para a instauração
Victor Sales Pinheiro: Então o do socialismo.
Socialismo Fabiano nada mais é do que a Paolo Gulisano: A Sociedade Fabiana
instauração do socialismo através da era uma sociedade em que a fé cristã era
revolução cultural, e não da via armada, totalmente proibida, sendo substituída pelo
como no modelo clássico de socialismo humanitarismo, que de certa forma é nova
concebido pelo marxismo. Trata-se de uma religião que cultua o próprio homem.
inoculação gradual das idéias marxistas, de João Nogueira (Rasta): Basicamente é
modo que as pessoas mudem gradualmente o que vivemos hoje. As elites globais se
suas maneiras de pensar. baseiam na idéia de que a fraternidade dos
Alex Catharino: O nome do homens será gerida por uma elite de
movimento político foi inspirado pelo nome tecnocratas que resolverão todos os

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problemas do mundo através da ciência e da Fabiana.
tecnologia. Victor Sales Pinheiro: Bernard Shaw
Elton Mesquita: A imaginação é a queria ser o Nietzche irlandês. Acredito que
arma principal, na perspectiva dos fabianos. a característica mais marcante de Shaw é o
Jota Borgonhoni: A idéia de fazer fato de ele ser um dos principais apologetas
uma revolução cultural e mudar o imaginário do “humanismo”.
das pessoas era muito inteligente, apesar de Alex Catharino: Ele defendia a idéia
ser voltada para o mal. de que a esterilização dos pobres era um
Alexandre Azevedo: O imaginário é caminho para acabar com a pobreza.
todo o conjunto de imagens que existe na Bernard Shaw: “Eu nunca sei
cabeça de alguém. exatamente como deixar a minha opinião
Cristiano Camilo Lopes: Através do clara, porque me oponho a qualquer tipo
imaginário, temos a possibilidade de de punição. Eu não desejo punir ninguém,
vivermos possibilidades que estão para além mas há um número extraordinário de
do aqui e do agora. pessoas que eu quero matar. Eu não tenho
Alexandre Azevedo: Então o um espírito cruel, nem sou mesquinho,
imaginário é uma série de imagens que mas isso deve ser óbvio para todos vocês.
formam a bagagem necessária para que o Vocês todos devem conhecer meia dúzia
indivíduo possa agir na vida real. de pessoas, pelo menos, que estão apenas
Jota Borgonhoni: A guerra pelo usando este mundo que são mais um
imaginário é uma das mais silenciosas, problema do que o que elas valem.”
imperceptíveis e urgentes que temos de
travar hoje em dia. Deividi Pansera: Shaw cou
O Socialismo Fabiano iria mudar a encantado com a proposta dos fabianos e foi
maneira como as pessoas enxergavam o ao primeiro encontro entre eles, que ocorreu
mundo. Para isso, seria necessária a em maio de 1884. Já em setembro do mesmo
participação de grandes escritores da época. ano, ele começou a esboçar o ideário teórico
Deividi Pansera: Era preciso da Sociedade Fabiana. Em 1889, o material
ressigni car os símbolos da cultura. E foi foi publicado sob o título de Fabian Essays of
justamente por isso que os fabianos Socialism.
começaram a angariar os maiores escritores Alex Catharino: A obra se tornou a
de seu tempo. base intelectual para os socialistas fabianos.
Elton Mesquita: H. G. Wells tinha um Clístenes Hafner Fernandes: Ele
corpo estupendo de obras de cção cientí ca acabou triunfando em toda a Europa, mas
e cção especulativa. E Bernard Shaw, de principalmente na Inglaterra. Bernard Shaw
peças de teatro. está presente no nosso imaginário de forma
Ganhador do prêmio Nobel de quase que indelével, mais do que qualquer
literatura de 1925 e um dos mais teórico marxista e socialista.
importantes escritores da história do teatro, Como dramaturgo, escreveu uma
Bernard Shaw foi um dos fundadores da peça com o nome O Homem e o Super-
Sociedade Fabiana. Homem, uma comédia centrada na relação de
Alex Catharino: Bernard Shaw foi um um homem anarquista que acreditava que a
dos mais in uentes romancistas de sua seleção natural levaria a sociedade ao
época. progresso e uma mulher sedutora inspirada
Paolo Gulisano: Shaw era um no galanteador Don Juan. Outra peça de
intelectual de origem irlandesa e membro da sucesso escrita por Shaw foi Pigmaleão,
Igreja Protestante na Irlanda, até que outra comédia dos costumes, que tinha a
drasticamente se tornou um ateu e uma intenção de expor a luta de classes entre um
espécie de propagandista de idéias ateístas. homem de posses e pedante e uma jovem
Adiante, ele se tornou membro da Sociedade orista humilde, mas que demonstrava

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valores superiores. obras de Bernard Shaw e H. G. Wells
H. G. Wells foi um dos escritores mais alteraram para sempre o imaginário do
populares de seu tempo, era um socialista mundo ocidental. O Socialismo Fabiano
utópico que não acreditava na violência agora avançava com sua agenda de
revolucionária. secularização do ocidente sem encontrar
Deividi Pansera: Wells foi uma gura nenhuma resistência. Aos poucos, a
muito importante no séc. XX, pois mentalidade cristã foi perdendo terreno para
basicamente ele criou as bases do gênero que as criações de Wells e Shaw. O que eles não
hoje conhecemos como cção cientí ca. Ele esperavam é que surgiria na mesma época
acreditava que a única maneira de instaurar a um adversário improvável que iria desa ar
paz mundial era através de um governo esse movimento.
mundial. Inclusive, ele escreveu dois livros a Porém, surgiria um escritor com um
respeito, que são A Conspiração Aberta e A senso de humor único, inteligência aguçada e
Nova Ordem Mundial. Ambos serviram de que faria os homens se re-conectarem com a
base para a fundação da Organização das realidade, que seria chamado de apóstolo do
Nações Unidas, a ONU. senso comum. O nome dele é Gilbert Keith
Alex Catharino: O grande perigo no Chesterton.
pensamento de Wells é a idéia de uma Guilherme Almeida: Chesterton é um
conspiração aberta. De fato, H. G. Wells pode gênio raro. Ele cou conhecido como
ser considerado o do que hoje chamamos de apóstolo do senso comum justamente por
“globalismo”. resgatar as pessoas simples.
Alex Catharino: Chesterton era um
H. G.Wells:“Hoje seria mais fácil homem que mostrava a importância da
governar o mundo inteiro. Ao que tudo alegria, a ponto de in amar os corações de
indica, do jeito que as coisas estão, é gigantes na posteridade.
preciso manter o mundo todo unido em Jota Borgonhoni: Chesterton nos
uma comunidade, acabando com a ensina como trabalhar o imaginário, pois não
competição entre os nações, realizando o adianta apenas defendermos a fé, é preciso
desarmamento, a redução das Forças defendê-la com uma palavra viva.
Armadas e a diminuição de tarifas entre Rafael Tonon: Chesterton chama esta
nações. Em sequência, precisamos de uma imaginação que possui um objetivo, nos
moeda da conferência mundial e de uma ensina valores, nos dá idéias, nos mostra a
ação mundial. E as empresas públicas virtude como um objetivo a ser conquistado
devem substituir os lucros da iniciativa de “imaginação moral”.
privada.” As primeiras recordações de
Chesterton eram de seu pai brincando com
Victor Sales Pinheiro: Há duas um teatro de marionetes ou lendo histórias
características marcantes no pensamento de de contos de fadas na hora de dormir.
Wells, a primeira é a idéia de que as Paolo Gulisano: Chesterton nasceu
estruturas superiores devem se tornar cada em Londres, no ano de 1874. Ele teve a
vez maiores e dominar as inferiores, e a oportunidade de crescer numa família cujo
segunda é que deve-se investir na cultura. pai era um artista.
Em seu livro Man Like Gods, Wells Joseph Peirce: Chesterton era muito
descreve um mundo aonde a humanidade grato por ter tido uma infância muito feliz.
alcança a perfeição. Nessa sociedade, a Jota Borgonhoni: A primeira memória
religião tinha cado no passado e a ciência de Chesterton sobre a sua infância é uma
reinava absoluta. Na sua obra mais famosa, A casinha de madeira que tinha um menino de
Guerra dos Mundos, Wells tenta mostrar que três polegadas com uma coroa. Ele diz que
somente com a união dos governos seria esta foi a primeira experiência na qual ele
possível enfrentar um desa o global. As enxergou o mundo.

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Joseph Peirce: Sabemos através de ele tinha com um indivíduo que ele chamava
Chesterton que os contos de fadas tiveram de “diabolista”. Em outras palavras, um
um grande impacto em sua vida e em sua adorador do diabo.
loso a. Esta foi uma das consequências de Jota Borgonhoni: Então ele teve um
seu pai ter lhe apresentado os contos de choque de realidade e começa a se enojar de
fadas. tudo aquilo.
Deividi Pansera: Este momento da Joseph Peirce: É preciso car claro
vida de Chesterton foi muito importante que Chesterton reagiu contra tudo isso,
para a formação de um imaginário cristão. tendo se rebelado contra a rebelião para
Anos depois, Chesterton a rmou que poder voltar ao bom senso. E no m deste
essas experiências o ajudaram a enxergar as período, ele percebeu que mesmo que a
coisas corretas desde o começo da vida. Na realidade fosse uma ilusão, ela não era um
adolescência, Chesterton fundou um clube pesadelo, mas um sonho.
juvenil de debates. Nas reuniões, temas Jota Borgonhoni: Ele diz que foi um
literários e políticos eram debatidos de forma pequeno o de gratidão que o resgatou.
apaixonada. Durante este período, Paolo Gulisano: Então Chesterton
Chesterton defendeu os ideais comunistas. saiu daquele túnel de depressão e começou a
Aos 19 anos, ele ingressou na Escola de Belas trabalhar como jornalista, mesmo sendo
Artes. muito jovem e não tendo terminado a
Joseph Peirce: Diferentemente de universidade.
seus amigos, que foram para as universidades Deividi Pansera: À medida que ele se
de Oxford ou de Cambridge, Chesterton recordava de sua infância e do deslumbre
ingressou na Escola de Artes Slade, que era que ele tinha do real, ele começou a sair
parte da universidade de Londres. No início daquele período de trevas. Para isto, ele teve
de 1890, ele estava numa escola de arte. ajuda de sua esposa Frances.
Alex Catharino: Ao entrar para a Pedro Augusto: A sua história com
Escola de Belas Artes, gradativamente Frances é maravilhosa, pois Chesterton era
Chesterton tornou-se cínico e pessimista, um homem apaixonado.
embora fosse jovem e otimista. Jota Borgonhoni: Ele conheceu
Jota Borgonhoni: A partir dessa Frances pela indicação de amigos e se
experiência, mais tarde ele fará a descrição apaixonou na hora. Então ele cou
dos níveis mais baixos da hierarquia moral encantado e começou a escrever poesias. Para
em que ele já esteve. a sua sorte, Frances correspondeu o seu
Joseph Peirce: Precisamos entender amor.
que a década de 1890 foi um período de Pedro Augusto: E ela conseguia
decadência para a Inglaterra. Era um tempo derrubar as barreiras de Chesterton e
radicalmente relativista e de certo modo aproximá-lo da tradição. Por m, Chesterton
hedonista, em termos de moralidade. Um aderiu de coração ao anglicanismo.
tempo avant garde, no sentido ruim da Jota Borgonhoni: Conviver com a
palavra. prática religiosa ao lado de Frances o ajudou
Deividi Pansera: Em sua auto- demais.
biogra a, ele escreveu um capítulo intitulado Joseph Peirce: Ele desenvolveu uma
“Como ser um Lunático”, no qual ele diz que visão muito cavalheiresca e nobre de sua
neste período ele se submeteu e foi iludido responsabilidade para com a mulher.
pela loso a da ilusão, que é uma loso a Algumas vezes, Chesterton foi acusado de
advinda do impressionismo. não estar de acordo com o feminismo, mas
Joseph Peirce: Ele foi atraído para temos de entender que Chesterton não via as
este mundo radicalmente pessimista e mulheres como sendo inferiores. Na verdade,
próximo ao desespero existencial. Num de ele as exaltava e as colocava num pedestal,
seus ensaios, ele relata sobre a amizade que vendo-as como sendo muito nobres para se

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envolverem com o esgoto da política que pela primeira vez convidou Chesterton
Pedro Augusto: Chesterton dizia que para assistir a uma missa.
a mulher é como a lareira, e não como a luz Alex Catharino: Chesterton que
elétrica, pois a luz elétrica é especializada, trabalhava com crítica literária e apologia,
mas a lareira, não. Por exemplo, a lareira é mas muito do seu senso histórico foi
capaz de aquecer, iluminar e cozinhar os desenvolvido pela in uência de seu melhor
alimentos, por isso há uma universalidade no amigo, Hilaire Belloc.
feminino. Chesterton estava incomodado com
Jota Borgonhoni: Com o passar do o ambiente intelectual da época. Usando de
tempo, ela que revisava os textos de ironia, chamava essa intelectualidade de
Chesterton, ajudando-o a dar continuidade “pessoas razoáveis”, sujeitos que sabiam
ao seu trabalho intelectual. resolver todos os problemas do mundo.
Pedro Augusto: O seu enamoramento Resolveu enfrentar essas pessoas publicando
com o mundo e a glória que ele dava à o livro Hereges.
mulher estava baseada em seu Victor Sales Pinheiro: Com um título
relacionamento com Frances. demasiadamente polêmico e bombástico
Jota Borgonhoni: Ele escreveu um para aquela sociedade relativista, Chesterton
poema depois do casamento, que terminava iniciou sua carreira literária no campo do
dizendo: ensaísmo losó co.

G. K. Chesterton:“No mundo há muitos Joseph Peirce: Neste livro, Chesterton


e loucos, e nós somos um, e somos sãos.” atacava caridosamente, mas de um modo
muito sério, os erros de seus
Se no casamento com Frances contemporâneos.
Chesterton encontrou sua paz, foi a amizade Padre Scott Randall Paine:
com Hilaire Belloc que preparou Chesterton Chesterton escrevia justamente para
para a guerra. contrariar esta tentativa de reinterpretar a
Alex Catharino: Grande historiador realidade.
inglês de origem francesa, tornou-se o Jota Borgonhoni: Então ele diz que
melhor amigo de Chesterton. poucos homens ainda tinham coragem de
defender suas ortodoxias, e estes homens
Paolo Gulisano: Chesterton conheceu eram os que ele citou em seus ensaios. É
Belloc na época da Guerra dos bôeres, que como se ele tivesse restaurado aqueles
era uma guerra colonial ocorrida na África antigos debates medievais, em que as idéias
do Sul. eram confrontadas.
Victor Sales Pinheiro: Ele vê em Deividi Pansera: Neste livro, ele
Belloc a força vital. resgata a idéia de que a cosmovisão e a
Paolo Gulisano: Belloc tinha a loso a pessoal de um homem são
peculiaridade de ser católico, sendo que há fundamentais. Em seguida, ele acusa uma
muito tempo a fé católica era perseguida na série de idéias progressistas qu estvam na
Inglaterra. moda em seu tempo, mostrando as suas
Jota Borgonhoni: Ao ver Belloc, incoerências. Os hereges eram aquelas
Chesterton notou que o sujeito tinha um pessoas incoerentes com suas próprias
apetite romano pela realidade, colocando a cosmovisões pessoais.
razão em ação. Alex Catharino: Eram pessoas
Joseph Peirce: A amizade entre dotadas de uma falsa autoridade e de uma
Chesterton e Belloc fez com que Chesterton empá a, que tentavam reformular a
compreendesse a cristandade num sentido sociedade com suas “idéias razoáveis”.
mais amplo e católico. Joseph Peirce: Chesterton atacou
Pedro Augusto: Belloc foi o sujeito Bernard Shaw, H. G. Wells, Rudyard Kipling

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e outros pensadores de sua época, mas ele o con áveis sobre as quais possamos
fez com muito bom humor e com a maior descansar com uma satisfação mental
caridade. nal.”
Jota Borgonhoni: Chesterton dizia
que Bernard Shaw tinha uma visão muito Anthony Tannus Wright: Estes dois
xa e pragmática, a tal ponto que ele autores têm uma visão errada do que é o ser
preferiria mudar a humanidade inteira a humano, do que é o cosmos e de qual é a a
mudar suas idéias. solução política.
Victor Sales Pinheiro: A criação de
G. K. Chesterton:“Não estou Wells é admirável. Porém, veja o nome do
preocupado com o Sr. Bernard Shaw gênero: cção cientí ca. O que realmente
como o homem vivo mais brilhante e um interessava ao Chesterton era a verdade
dos mais honestos, estou preocupado com ccional.
ele como um herege — isto é, um homem Alex Catharino: A cção cientí ca de
cuja loso a é muito sólida, muito Wells é marcada por idéias progressistas e
coerente e muito errada.” pelo cienti cismo, ou seja, por uma religião
da ciência.
Alex Catharino: Chesterton
denunciou George Bernard Shaw com mais G. K. Chesterton: O Sr.Wells não
rmeza do que os outros autores pois Shaw enxerga que algumas coisas não devem ser
era guiado tanto por um romantismo cientí cas. Re ro-me ao hábito de
rousseauniano e por uma imaginação idílica, começar não com a alma humana, que é
acreditando naquela idéia de que o homem é a primeira coisa sobre a qual o homem
naturalmente bom, mas a sociedade o aprende, mas com algo como o
corrompe, quanto por elementos protoplasma, que é a última.
nietzcheanos como o niilismo e a vontade de
poder. Durante os con itos públicos,
Deividi Pansera: Chesterton acusava Chesterton desenvolveu uma duradoura
Shaw de detestar os ideais e ao mesmo amizade com Wells e Shaw.
tempo desejar o ideal mais impossível de Jota Borgonhoni: Hoje em dia tudo é
todos, que era a criação de uma nova muito polarizado, por isso é interessante
criatura: o super-homem. Shaw Também vermos a amizade de Chesterton com
desejava que a religião e a moral fossem Bernard Shaw.
abolidas, mas Chesterton diz que este ponto Cônego John Udris: Shaw era
de vista está completamente errado, pois a completamente oposto ao Chesterton em
grandiosidade do homem não está na tudo o que ele acreditava e representava, mas
abolição da moral, e, sim, na fraqueza e na os dois se amavam. Ambos eram oponentes, e
humildade. Por isso S. Paulo Apóstolo dizia: não inimigos.
“Quando eu sou faco, eu me torno forte.” Padre Scott Randall Paine:
Jota Borgonhoni: Em Hereges, Chesterton tinha a capacidade de amar o
Chesterton também diz que H. G. Wells pecador e detestar o pecado.
possui uma humildade impressionante, pelo O livro foi um sucesso imediato, mas
fato de mudar suas idéias do mesmo modo muitos reclamaram da posição de
que se muda de roupa. Chesterton. Ao invés de escrever uma
resposta ao pensamento modernista, ele
G. K. Chesterton: “O principal apenas reagiu às suas proposições.
erro na loso a do Sr.Wells é a negação Joseph Peirce: Em uma resenha de
da possibilidade da própria loso a. Ele Hereges, alguém disse: “Eu vou levar a sério os
sustenta que não há idéias seguras e ataques de Chesterton à heresia quando ele nos

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contar qual é a sua ortodoxia.” Isso foi o mente, os pensamentos comuns que nós
estímulo que ele precisava para escrever o temos em tempos comuns, mais felizes do
seu maior livro, Ortodoxia. que eles parecem ser atualmente, a julgar
Paolo Gulisano: Do grego, pela maioria dos romances e poemas
“ortodoxia” signi ca “pensar direito”. modernos. Você tem de ser feliz naqueles
Cônego John Udris: Não devemos momentos silenciosos, nos quais você se
entender como sendo uma referência à lembrará de que está vivo.”
ortodoxia doutrinal, mas à visão correta das Joseph Peirce: Em termos de
coisas. in uência na cultura do séc. XX,
Deividi Pansera: Então ele resolveu provavelmente o capítulo mais importante
este livro que condensa a sua loso a de Chesterton é A Ética do País das Fadas.
pessoal. Trata-se de um livro fundamental Deividi Pansera: Neste capítulo,
para entendermos quem é Chesterton. Chesterton nos mostra os contos de fadas
G. K. Chesterton: “A imaginação não como sendo de suma importância, pois eles
gera insanidade. Exatamente o que gera a nos revelam a maravilha do real.
insanidade é a razão. Os poetas não Alex Catharino: O senso comum é o
enlouquecem, mas os jogadores de xadrez, sim.” depósito da sabedoria acumulada que
Victor Sales Pinheiro: Em Ortodoxia, perpassa a sociedade através dos contos de
Chesterton diz que o louco nega tudo, exceto fadas.
a razão. Ao fazê-lo, ele enlouquece porque
perde o nexo com a realidade, passando a G. K Chesterton: “Tradição signi ca
descon ar da realidade que a razão deveria dar votos à mais obscura de todas as
conhecer, ao mesmo tempo que passa a classes, nossos ancestrais. É a democracia
depositar uma fé em si mesmo e em sua dos mortos. A tradição se recusa a
razão. Chesterton notou através dos submeter-se à pequena e arrogante
paradoxos do Cristianismo que a verdade oligarquia daqueles que simplesmente
não pode ser conhecida por uma dialética andam por aí.”
harmônica, mas por uma tensão dos opostos,
pois o mundo possui uma tensão dialética Joseph Peirce: Basicamente, A Ética
insolúvel. do País das Fadas nos mostra que os contos
João Pereira (Rasta): Chesterton de fadas não são falsos, pois a maioria das
usava as próprias as contradições do mundo verdades mais profundas sobre o cosmos,
para mostrar que não há problema na sobre quem somos como seres humanos,
existência de contradições, pois elas são sobre a nossa relação com o próximo, sobre o
insolúveis e o mundo é cheio delas, de modo nosso relacionamento com Deus, sobre o
que devemos incorporá-las em nossas vidas. nosso auto-conhecimento e sobre a nossa
Victor Sales Pinheiro: O Cristianismo compreensão da realidade pode ser
não escolhe hereticamente um dos polos, encontrada nos contos de fadas.
negando este mundo em proveito do outro,
mas ao mesmo tempo ele prega que este Rafael Tonon: Por isso ele diz que os
mundo é passageiro e não vale nada. contos de fadas têm muito mais a dizer às
Alex Catharino: Um elemento pessoas do que os livros de história.
fundamental em Ortodoxia é o ensinamento Joseph Peirce: Dragões existem no
sobre a importância da alegria. Não é à toa nosso mundo. Nós não os vemos, pois eles
que Chesterton diz que a alegria que é a não andam por aí, tendo dentes grandes,
grande propaganda do pagão e o grande cuspindo fogo e devorando donzelas. Na
segredo do cristão. verdade, eles devoram donzelas e todo o tipo
G. K. Chesterton: “Todo o nosso de gente, mas eles o fazem na condição e
mundo terminará em desespero, a não ser presenças demoníacas invisíveis. Cada um de
que exista algum modo de fazer a própria nós em nossas vidas individuais é chamado a

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enfrenta-los e matá-los. Mas esta verdade quais entraram no mercado de trablaho. Ele
não se expressa de modo físico e não pode dizia que o movimento feminista prega que
ser encapsulada pelo materialismo, pois os as mulheres devem trocar a nobreza de seis
seus aspectos mais profundos são pro ssões por uma única pro ssão.
metafísicos. Os contos de fadas condensam Victor Sales Pinheiro: Chesterton é o
elementos transcendentais como amor, rei dos paradoxos, por isso ele inverte a nossa
bondade, verdade e beleza de um modo maneira de entender o mundo. Se alguém
muito poderoso. desejar a emancipação das mulheres e a
Jota Borgonhoni: A mitologia possui concessão de postos no mercado de trabalho,
uma racionalidade muito grande, porém ele assume esta visão e mostra os seus
diferente desta racionalidade fria e caótica do paradoxos do ponto de vista social.
mundo moderno. Alex Catharino: Ele notou que as
crianças estavam sendo tiradas de suas
G. K. Chesterton:“O mundo dos contos famílias e sendo levadas para as escolas
de fadas nada mais é do que o país estatais, o que era um meio de manipular a
ensolarado do bom senso. Não é a terra formação do imaginário e o caráter dos
que julga o céu, mas é o céu que julga a jovens.
terra; então, pelo menos para mim, não As opiniões cada vez mais
foi a terra que criticou a terra dos elfos, contundentes e sem rodeios de Chesterton
mas a terra dos elfos que criticou a terra.” começaram a cobrar seu preço. O primeiro
revés foi a demissão como colunista do jornal
Joseph Peirce: Os contos de fadas nos Daily News. E o segundo, o desgaste da sua
ajudam a ver os dragões. Chesterton dizia: imagem, provocado pelo Escândalo Marconi.
“Os contos de fadas não nos mostram apenas Joseph Peirce: O Escândalo Marconi foi um
que dragões existem, eles nos mostram que escândalo político envolvendo as
dragões podem ser vencidos.” irregularidades nanceiras de certos políticos
Ortodoxia foi um grande marco na e homens de negócios. Chesterton, que
vida de Chesterton. Ele agora não apenas estava editando uma revista com Hillaire
reagia aos pensadores da época, mas também Belloc, atacou o escândalo de corrupção e foi
indicava de maneira clara como resgatar a processado por tê-lo atacado.
tradição que estava sendo perdida. Seu Deividi Pansera: Chesterton envolveu-se no
próximo livro deixou ainda mais claro o que esquema do que estava acontecendo. Em
ele estava combatendo. Em 1910, O que Há de seguida, ele cou profundamente abalado e
Errado Com o Mundo? aborda temas como adoeceu em 1914. Nem parecia o Chesterton
educação, feminismo e família. cheio de alegria que conhecemos.
Victor Sales Pinheiro: Trata-se de Jota Borgonhoni: Este era mais um elemento
uma coleção de ensaios que pontuam sobre diante do qual Chesterton assumiu uma
ideologias típicas da modernidade, tais como postura combativa.
o individualismo, o materialismo, o A resposta literária bem-humorada
relativismo, o estatismo e o igualitarismo. de Chesterton ao Escândalo Marconi foi
Jota Borgonhoni: Ele antecipa por retratada no livro A Taberna Ambulante.
quase cem anos ou até mais a idéia do Deividi Pansera: A Taberna
processo de educação ser um processo de Ambulante é um livro que se passa numa
esvaziamento do núcleo familiar. Inglaterra islamizada.
Deividi Pansera: Muitas idéias que Rafael Tonon: Ele mostra uma
entraram em voga estavam quebrando Inglaterra do futuro, na qual o Islam
tradições antigas como a família. triunfou sobre a cultura e os costumes
Jota Borgonhoni: Uma das coisas ingleses, de modo que o poder foi
sobre as quais ele reclama é a primeira onda centralizado numa espécie de governo
das feministas, que eram as sufragistas, as teocrático.

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Deividi Pansera: Os políticos resolver os problemas da sociedade. Eles
resolveram aprovar uma lei seca ferrenha e devem ser resolvidos na célula fundamental
todos os pubs ingleses foram fechados. Então da sociedade, que é a família.
um conjunto de ingleses resolveu pegar um Victor Sales Pinheiro: Chesterton
barril de chopp, um queijo cheddar e sair de criticava a aposta no Estado, à revelia da
maneira ambulante, por isso o seu nome era educação, da família e da Igreja.
A Taberna Ambulante de Londres. Joseph Peirce: Em linguagem
Raul Martins: Eram dois heróis que moderna, a doutrina de Chesterton criaria
levavam dois grandes símbolos de sua uma espécie de localismo, o qual,
civilização consigo: a bebida e o queijo, que obviamente, é a única alternativa para o
eram símbolos do povo e da vida real, em globalismo. Ou seja, o distributismo é tão
contraste com as especulações vazias do relevante hoje quanto era na época de
charlatão mussulmano. Chesterton e de Belloc.
Alex Catharino: Este conto tocava no Victor Sales Pinheiro: O
tema de como o progressismo e o distributismo é uma tentativa de a rmar a
cienti cismo enfraquecem as bases realidade social mais imediata e de pensar na
tradicionais da civilização ocidental, dando economia da maneira mais auto-subsistente
espaço para o retorno desta heresia. possível, ao invés de apoiarmo-nos em
Rafael Tonon: As próprias tradições grandes conglomerados internacionais e
que davam sentido à cultura da Inglaterra grandes cadeias produtivas globais, que nos
foram deixadas de lado pelos ingleses. alienam da realidade imediata.
Sua preocupação com a concentração A relação entre o distributismo e as
da propriedade privada nas mãos do Estado encíclicas papais era apenas a parte visível da
ou nas mãos de poucos capitalistas o levou a aproximação de Chesterton à Igreja Católica.
aderir ao distributismo, como forma de Se na juventude Chesterton passou de pagão
combater esse mal. para agnóstico, agora na fase adulta ele estava
Joseph Peirce: O distributismo era a a um passo de deixar de ser anglicano para se
doutrina social da Igreja Católica colocada tornar católico.
na prática. Paolo Gulisano: Em 1922, Chesterton
Deividi Pansera: O distributismo é nalmente se converte à Igreja Católica.
norteado por três princípios básicos, que são Uma grande in uência para a
valores associados à Igreja: (I) a propriedade conversão de Chesterton surgiu da amizade
privada; (II) a solidariedade; (III) a que ele tinha com a amizade com o Padre O'
subsidiariedade. Connor. Este sacerdote tinha a inocência que
Jota Borgonhoni: A idéia de Chesterton acreditava estar no centro da
Chesterton é que o homem sem propriedade sabedoria.
privada não tem identidade e nem meios de Paolo Gulisano: John O' Connor era
desenvolver a sua vida de maneira que um padre irlandês e descendente de
deseja. imigrantes irlandeses que vivia na Inglaterra
Joseph Peirce: A \solidariedade é a e se tornou um grande amigo de Chesterton.
necessidade de que a política e a economia Jota Borgonhoni: Ele dizia que o
estejam conectadas ao bem comum. Em Padre O' Connor era capaz de dialogar sobre
outras palavras, trata-se de amar ao próximo. literatura, loso a, vida prática e valores
Deividi Pansera: O princípio da morais, sempre mantendo a sua
subsidiariedade é que os problemas devem simplicidade, o que chamou muito a atenção
ser resolvidos pelas organizações sociais de Chesterton.
locais. A solução dos problemas deve ser feita Rafael Tonon: Chesterton percebeu
de baixo para cima, e não de cima para baixo. que o Padre O' Connor tinha uma acuidade
Por isso não precisamos de um Estado psicológica que o capacitava a interpretar os
inchado e gigantesco que se propõe a mais diversos tipos humanos e a captar as

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coisas boas e ruins nas pessoas. “Mas como diabos o sr. conhece tantos
Raul Martins: Este choque cômico o horrores?” — perguntou Flambeau.
inspirou a criar um personagem, que era um “Suponho que seja por ser um simplório
padre comum, bonachão, palhaço e ingênuo, celibatário.” — respondeu Padre Brown
e ao mesmo tempo um sujeito que tinha um — “Nunca lhe tinha ocorrido que um
amplo conhecimento psicológico e por isso homem que quase não faz nada além de
era capaz de solucionar crimes que ninguém escutar os verdadeiros pecados dos
mais era capaz de resolver. Assim surgiu o homens não deveria ser totalmente
Padre Brown. desconhecedor da maldade humana? Mas
Jota Borgonhoni: Durante sua vida, na verdade, outra parte do meu ofício
Chesterton publicou diversos volumes da também me fez ter certeza de que o sr.
série sobre o Padre Brown. Eram histórias não é um padre.”
muito curtas, nas quais o incomum detetive “Como assim?” — perguntou Flambeau,
Padre Brown resolvia vários casos, sempre quase que boquiaberto.
com simplicidade e sabedoria. “O sr. atacou a razão e isso é má
Pedro Augusto: Chesterton criou um teologia.” — disse o Padre Brown.
tipo como Sherlock Holmes, só que muito De repente, três policiais saíram da
mais profundo, e ciente, real e sábio, que era escuridão e cercaram Flambeau.
o Padre Brown. Percebendo que não havia saída, o ladrão
Alex Catharino: O Padre Brown era admitiu a derrota e curvou-se ao Detetive
um padre católico de periferia e um homem Valentim, que nalmente conseguira
que conhecia a mazela humana dos pobres. capturá-lo.
Pedro Augusto: Ele sabe que as “Não reverencie a mim.” — Disse o
pessoas investigadas por ele são tão humanas Dtetive Valentim. — “Reverenciemos nós
quanto ele próprio, por isso ele compreende dois ao nosso mestre.”
o criminoso como sendo um companheiro
do mesmo naufrágio, pois ambos participam O ponto alto da sua obra em defesa
do mesmo pecado original. Então o Padre da fé foi quando escreveu a sua biogra a de
Brown não apenas desvenda o mistério, mas Santo Tomás de Aquino.
ele também desvenda o mistério humano e Jota Borgonhoni: Muitos anos antes
faz com que o criminoso mergulhe no da publicação de Santo Tomás de Aquino,
mistério divino Chesterton havia publicado S. Francisco de
Jota Borgonhoni: Existem casos em Assis. Então uma editora católica teve a idéia
que o criminoso se confessa com o Padre de pedir para ele escrever sobre Santo Tomás
Brown e ele o deixa ir. A série do Padre de Aquino.
Brown foi adaptada para o cinema e quem o Deividi Pansera: Muitos dos amigos
interpretou foi o Alec Guinness, sendo que de Chesterton caram preocupados quando
esta proximidade com o Padre Brown o ele foi encarregado deste trabalho. Eles
levou a converter-se ao Catolicismo. pensaram: “O Chesterton não conhece nada da
tradição tomista, como é que ele vai escrever isso
aí? Este vai ser o fracasso de Chesterton.”
Jota Borgonhoni: A Frances dizia em
cartas escritas ao Padre O' Connor e mesmo
ao Bernard Shaw: “Eu não sei como o
Chesterton vai escrever sobre Santo Tomás de
Aquino, porque eu não vejo ele estudando Santo
Tomás de Aquino.”
Rafael Tonon: Ele ditou a primeira
parte da obra à sua secretária sem consultar
nenhum livro, simplesmente ditando o que

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lhe vinha à mente. escrito como resposta ao livro de H. G. Wells,
Deividi Pansera: Para escrever a outra História Universal.
metade, ele perguntou se ela iria para Deividi Pansera: A história universal
Londres e ela disse que sim, então ele pediu do H. G. Wells nos mostra um panorama da
a ela que trouxesse alguns livros. Quando ela história da humanidade sob um ponto de
perguntou “quais?”, ele respondeu “não sei”. vista naturalista e ateu.
Raul Martins: Então ela voltou para Joseph Peirce: Para ele, a sociedade
casa com 20 livros e ele começou a folheá- humana progredia do barbarismo para uma
los. idade de ouro inaugurada pela ciência e pela
Deividi Pansera: Então ele ditou a tecnologia. Ele também acreditava que o
segunda metade da biogra a à Dorothy. Cristianismo fazia parte do barbarismo do
Pedro Augusto: Chesterton e Santo passado. Em O Homem Eterno, Chesterton
Tomás de Aquino vieram da mesma escola elaborou uma perspectiva cristã da História,
de sabedoria, por isso Chesterton exergava mostrando a importância da vinda de Cristo
Santo Tomás de Aquino como sendo uma para o sentido da História. Então há o
expressão escancarada de tudo o que ele conjunto da história que é anterior ao Cristo
considerava como sendo justo, bom e e aponta para o Cristo e o conjunto da
verdadeiro. história que é posterior ao Cristo e também
Anthony Tannus Wright: Ambos aponta para o Cristo.
partem do realismo losó co. É inegável que Deividi Pansera: O Homem Eterno traz
Santo Tomás partia do ser e da realidade das a visão de que a história só tem sentido em
coisas. A sua metafísica era muito concreta função do Cristo, por isso ela é dividia em
por ser baseada em Aristóteles, por isso duas metades.
Chesterton até dizia que Santo Tomás Jota Borgonhoni: A primeira parte é
batizou Aristóteles. Eu acredito que Santo uma das defesas mais brilhantes da
Tomás é a grande voz do Catolicismo que humanidade.
nos ensina a aproveitarmos os ensinamentos Deividi Pansera: Ela retrata o salto
do paganismo e do Islam, de modo que qualitativo do animal irracional para esta
possamos responder às perguntas de maneira criatura racional chamada “homem”. E a
profunda e católica. segunda parte é outro salto qualitativo desta
Deividi Pansera: Chesterton sintetiza criatura chamada “homem” para o homem
a loso a tomista e o senso comum de tal chamado “Cristo”.
maneira que todo o mundo que tivesse o Jota Borgonhoni: Ele até diz: “Eu
senso comum soubesse do que ele estava aceito que o homem seja um mamífero, mas ele
falando. tem de ser um mamífero muito diferente dos
Victor Sales Pinheiro: Porém, não se outros ou ser de outra espécie.” Outra coisa
trata do senso comum no sentido pequeno e maravilhosa que ele diz: “A história do homem
tacanho, mas no sentido de quem está aberto começou numa caverna e a história de Deus
ao mistério e que percebe a realidade também começou numa caverna.”
espiritual da qual a matéria é uma Raul Martins: Cristo é a segunda
modalidade de manifestação. entrada para algo que transcende o mundo
Deividi Pansera: Étiene Gilson era natural. Primeiro temos o homem, que não é
um dos maiores tomistas do séc. XX e disse como os outros bichos; depois temos um
que Chesterton o deixava estupefato, pois homem que não é como os outros homens.
apesar de todo o seu estudo sobre o tomismo Jota Borgonhoni: Chesterton nos
ele não seria capaz de escrever um livro conta a história de como o Cristo se tornou o
como aquele, tamanha a sua genialidade. Homem Eterno, m exemplo máximo que
Ele deixava um legado inestimável, completa a pré-história do homem.
principalmente com a publicação de sua Joseph Peirce: Misticamente Ele é o
obra-prima, O Homem Eterno. Centro da História, o Espírito de Bondade,
Joseph Peirce: O Homem Eterno foi Verdade e Beleza através da História.

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Alex Catharino: A Encarnação de Jota Borgonhoni: Se observarmos a
Cristo, assim como o seu batismo, pregação vida de Chesterton, veremos que ele se
do Reino e morte na Cruz, nos dá a dedicou muito à escrita, à análise, à literatura
esperança que precisamos para viver neste e à religião. Porém, parece que no m de sua
mundo decaído. vida tudo aquilo foi em vão, pois ele e
Pouco antes do m da sua vida, oito Frances gostariam de ter tido eram lhos,
anos após a publicação d'O Homem Eterno, mas não os tiveram, o distributismo era um
seu rival e amigo H. G. Wells mandou uma esboço de sanidade, mas só um esboço, e
con ssão: também ele não se tornou um nome tão
H. G.Wells:“Caro velho G. K. C., conhecido quanto Lewis, Tolkien a até
se a nal minha teologia estiver errada e mesmo Bernard Shaw.
sua teologia estiver certa, sinto que Deividi Pansera: Mas a verdade é
sempre poderei passar para o Céu (se outra, pois neste exato momento estamos
quiser) como amigo de G. K. C.” falando sobre Chesterton, que in uenciou os
Rafael Tonon: Pouco antes de sua maiores escritores do séc. XX.
morte, ele recebeu o título de defensor dei. Joseph Peirce: Nem sempre ele estava
Geralmente o Papa reserva o título àqueles falando sobre temas relevantes e perenes,
que sofreram grandes perseguições. mas sobre a heresia do secularismo, os
Raul Martins: Este foi um dos perigos do modernismo, a natureza perigosa
momentos mais importantes na vida de do relativismo e a cultura da morte
Chesterton, que ainda em vida provou ser originária dela. Porém, ele também tratou da
um dos maiores intelectuais cristãos do séc. Ortodoxia, do Cristianismo e da Pessoa de
XX. Cristo em Si.
Paolo Gulisano: Este grande escritor
Papa: “Como você é um dos maiores nos ensinou muitas virtudes, tal como a
cruzados do mundo moderno da união entre a humildade e o conhecimento, a
literatura, nós queremos adotá-lo nas necessidade de lutarmos até sermos feridos e
humildes leiras do Holy Cross derrotados, fazendo o possível não para
Cruzaders.” sermos vitoriosos, mas para que possamos
vencer em Deus.
G. K. Chesterton:“Eu devo agradecer Raul Martins: Chesterton é um
vocês por essa grande honra e o faço com remédio e continuará sendo um remédio
todo o meu coração. Eu só posso dizer que para a nossa época de total cinismo,
eu não sou tanto um cruzado, mas pelo desesperança e tristeza.
menos não sou um muçulmano. E muitas Pedro Augusto: A ação intelectual é a
pessoas vão atestar o mesmo. Eu gostaria ação mais duradoura que existe, pois ela é de
de aproveitar essa oportunidade para natureza espiritual. Uma única idéia que
agradecer vocês pela enorme gentileza e toca o espírito humano permanece para além
especialmente por terem me recebido de do conjunto de toda a história.
forma tão hospitaleira hoje.” Deividi Pansera: De fato, ele venceu.
O Homem Eterno causaria um
Chesterton adoeceu gravemente em impacto profundo em um jovem que anos
1936. Dessa vez ele não iria se recuperar. mais tarde se tornaria o maior apologista
Foram dias alternando momentos de lucidez cristão do séc. XX. Chesterton mudaria para
e alienação. Com a piora do seu estado de a sempre a vida de C. S. Lewis.
saúde, um padre foi chamado às pressas para
a Extrema-Unção. Ele resistiu até o dia
seguinte. Após abrir os olhos pela última vez
e se despedir de sua esposa, Chesterton
morreu.

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C.S. LEWIS
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EPISÓDIO II:
Surpreendido pela Alegria.
C. S. Lewis: “Deus tem atenção e mundo imaginário de animais falantes, por isso
ternura infinitas para cada um de nós e a infância de Lewis era cheia de literatura e
não nos trata com indiferença. Você imaginação. Porém, a felicidade da infância foi
não está sozinho, pois tem a companhia rompida justamente a morte de sua mãe.
d'Ele. É como se você fosse o único ser Kemily Rodrigues: Então ele começa a
que Ele criou. Cristo morreu por você, questionar tudo aquilo em que até então
individualmente, como se você fosse o acreditava.
único homem na Terra.” Gabriele Greggersen: Lewis havia
suplicado a Deus que sua mãe fosse curada,
mas ela não foi curada, e esta foi sua primeira
A Inglaterra estava sendo atacada pelos
decepção com Deus.
nazistas, por isso as noites eram momentos de
Kemily Rodrigues: Após o
desespero, nas quais aviões despejavam
acontecimento, seguiu-se uma adolescência
bombas sobre edifícios e casas. Com as
tremendamente solitária.
cidades às escuras, só restavam os sons dos
Em sua auto-biografia, Surpreendido
impactos dos mísseis e os clarões anunciando a
pela Alegria, Lewis relembra esta fase:
morte. As famílias, desesperadas, tentavam
procurar abrigo, mas nem sempre era possível.
Então, no dia seguinte, rádios e jornais C. S. Lewis: “Com a morte de minha
anunciam rastros da destruição. De dia, mãe, toda felicidade estabelecida, tudo
haviam prédios arrasados, corpos nas ruas e a o que era tranquilo e confiável
movimentação do governo para responder aos desapareceu da minha vida.”
ataques, e à noite — para a angústia da
população — os nazistas voltavam. O espírito A morte de sua mãe se somava ao
britânico precisava de uma palavra de consolo falecimento recente de seu avô paterno.
e esperança, eis que uma voz surgiu na Extremamente abalado pelos acontecimentos,
escuridão: o dono dessa voz nasceu em um o pai de Lewis não soube conduzir a situação.
país com mais de 500 anos de guerra religiosa Gabriele Greggersen: Lewis dizia que
e ele sabia que só tinha um jeito de acabar com sua mãe era o arrimo da família, pois o pai
o ódio que levava os homens a se destruírem. tinha tendências à depressão.
Os cristãos precisavam se unir, e para isso era Anderson Silva: A sua relação com o
preciso dar continuidade ao legado de pai de amor e ódio, permeada por expectativas
Chesterton. Esta voz era de Clives Staples não correspondidas.
Lewis, ou simplesmente C. S. Lewis. Carlos Caldas: Albert, que era o pai de
C. S. Lewis nasceu em 1898, na cidade Lewis, tinha problemas graves de natureza
de Belfast, o centro protestante da Irlanda. emocional, por isso enviou os meninos para
Filho do advogado Albert James Lewis e de colégios internos.
Florence Augusta Lewis, foi educado Gabriele Greggersen: Mas Lewis
inicialmente por sua mãe e por uma suplicava ao pai que o tirasse do internato, pois
governanta. Passava a maior parte do tempo na ele tinha um gênio intorvertido, voltado aos
biblioteca da família, dedicado à leitura de livros, e por isso sofria muito preconceito dos
livros clássicos. outros meninos.
Kemily Rodrigues: Em sua infância, Lewis foi enviado a vários internatos,
Lewis foi educado através do modelo de aonde sofreu abusos e maus-tratos. Um dos
educação clássica. diretores de uma das escolas que ele
Cristiano Camilo Lopes: Dentre as frequentou foi preso, acusado de maltratar os
experiências que mais o marcaram, estão as estudantes. Nessa época, Lewis escreveu uma
leituras que ele fazia com seu irmão, nas quais carta, reafirmando o seu desprezo pela
criavam universos inteiros da fantasia. religião:
Gabriele Greggersen: Eles tinham um

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C. S. Lewis: “Eu não acredito em Após sofrer estes ferimentos, Lewis
nenhuma religião, pois não existe refletiu sobre o seu destino. Na trincheira, ele
absolutamente nenhuma prova em favor percebeu o valor do companheirismo e da
de nenhuma delas. Todas as religiões, amizade. Em meio ao sofrimento físico, ele
isto é, todas as mitologias — para dar- conheceu um grande amigo que o fez assumir
lhes o nome mais apropriado, são um dos maiores compromissos de sua vida.
meras invenções do homem.” Kemily Rodrigues: Na Primeira Guerra
Mundial, Lewis conheceu Paddy Moore, o
Angustiado, Lewis enviou uma carta a qual tornou-se um grande amigo de Lewis.
seu pai, dizendo: “Por favor, tire-me daqui o Diante das das grandes calamidades que eles
mais rápido possível.” Percebendo a gravidade vivenciam na Primeira Guerra Mundial, eles
da situação, seu pai finalmente tirou o Lewis prometeram um ao outro que se um deles
do internato e o colocou sob os cuidados de viesse a falacer, o outro cuidaria da família do
um professor particular. Então Lewis falecido.
finalmente teve a oportunidade de estudar Carlos Caldas: E foi justamente isso
num ambiente tranquilo. Foi com a sua ajuda que aconteceu: Paddy Moore caiu no campo
que conseguiu ingressar na universidade de de batalha, sendo que Lewis honrou a
Oxford. promessa feita ao seu amigo.
Gabriele Greggersen: A Primeira Kemily Rodrigues: Mas a promessa de
Guerra Mundial irrompeu assim que Lewis Lewis chateou bastante o seu pai, por isso
conseguiu ingressar em Oxford. Lewis cuidou da mãe do amigo contra a
A corrida armamentista da Primeira vontade do pai.
Guerra Mundial levou ao inevitável conflito Michael Ward: E assim, nas décadas
entre as nações. O resultado foi a morte de seguintes, C. S. Lewis viveu com a Sra. Moore,
mais de dez milhões de soldados e treze Jane Moore.
milhões de civis. Com o aumento das baixas Gabriele Greggersen: Ele menciona em
britânicas no decorrer dos conflitos, o governo suas cartas o dia-a-dia com esta senhora, à qual
britânico precisava de cada vez homens para ele chama de “minha mãe”.
lutar na guerra. Cristiano Camilo Lopes: Então Lewis
Carlos Caldas: Segundo a lei, C. S. assumiu essa responsabilidade e teve essa
Lewis não tinha nenhuma obrigação de experiência de vida.
participar do conflito armado, mas ele se A guerra mudou para sempre a vida de
alistou e foi para a frente de batalha. Lewis, de modo que anos mais tarde ele faria
Anderson Silva: Mesmo sendo jovem e tendo reflexões sobre o período da guerra.
estes conflitos existenciais, filosóficos e
ideológicos, ele julgou que tinha o dever moral C. S. Lewis: “Se o serviço militar ativo
de se alistar para a guerra. não for capaz de persuadir um homem
Gabriele Greggersen: No período em a se preparar para a morte, que outra
que esteve na guerra, Lewis foi hospitalizado série imaginável de circunstâncias o
duas vezes. faria? A guerra faz uma coisa em
Carlos Caldas: Ele foi acometido pela relação à morte: ela nos força a nos
chamada “febre das trincheiras”, por isso foi lembrar dela.”
dispensado e voltou para casa.
Anderson Silva: O capitão de Lewis foi Após o fim dos conflitos, Lewis
morto pela explosão de uma granada, sendo arrumou um apartamento para morar em
que os estilhaços da granada também feriram Oxford com a Sra. Moore. Ele retomou sua
Lewis em três partes do seu corpo. Alguns dos vida acadêmica, que havia sido interrompida
estilhaços permaneceram alojados em torno pela guerra.
do peito. Carlos Caldas: Tendo a saúde
plenamente recuperado, ele retomou sua vida

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estudantil em Oxford. teve de Tolkien não foi das melhores, ele disse
Gabriele Greggersen: O retorno do que Tolkien era um sujeito polido, pálido e
Lewis à vida acadêmica foi muito feliz, pois ele fluente.
foi premiado como primeiro aluno em várias
matérias. C. S. Lewis: “Não há ofensa nele, ele só
Anthony Tannus Wright: Primeiro ele precisa de uma ou duas palmadas.”
fez uma graduação em letras clássicas (latim e
grego) e logo em seguida ele fez a segunda Em pouco tempo, esses dois grandes
graduação em história antiga e filosofia. Em personagens do séc. XX estreitaram seus laços
seguida, Lewis tentou arrumar um emprego, de amizade.
mas não teve muito sucesso. Então ele resolver Alexandre Azevedo: Eles tinham um
fazer a terceira em literatura inglesa. amor comum à literatura, aos romances de
Gabriele Greggersen: Ele foi um dos cavalaria e aos textos mitológicos antigos, o que
únicos alunos de Oxford que obteve três vezes os aproximou.
o primeiro lugar. Lewis procurou emprego em Kemily Rodrigues: Lewis e Tolkien
vários lugares em Oxford e lutou muito para desenvolveram uma amizade longa, profunda e
conseguir uma vaga como professor assistente. verdadeira, mas também uma amizade
Cristiano Camilo Lopes: Então ele se profissional, pois ambos davam opiniões e
tornou professor de filosofia e também faziam críticas aos trabalhos um do outro.
professor de literatura medieval e Lewis ficava cada vez mais
renascentista. entusiasmado com a presença de Tolkien. Em
Kemily Rodrigues: Lewis passou a sua auto-biografia, ele registrou o impacto que
lecionar essas matérias em Oxford e esta amizade teve em sua vida.
Cambridge e seguiu no ofício pelo resto de sua
vida. C. S. Lewis: “A proximidade com
Como professor em Oxford, Lewis Tolkien marcou o colapso de dois
conheceu um jovem estudioso das línguas que antigos preconceitos. Quando eu vim ao
transformaria a sua visão de mundo. mundo, eu fui prevenido implicitamente
Diego Klautau: Em 1925, o de confiar em um papista; e quando eu
departamento de inglês de Oxford recebeu vim ao corpo docente de inglês, eu fui
dois novos professores: o primeiro era C. S. prevenido explicitamente de confiar em
Lewis, um ateu solteiro e muito interessado em um filólogo. Tolkien era ambas as
literatura moderna; o segundo era Tolkien, um coisas.”
homem casado, católico e interessado no
inglês anglo-saxão (old english). Lewis dava As conversas entre Lewis e Tolkien
aula de literatura e o segundo dava aula de eram cada vez mais intensas, sendo que o
filologia. entendimento da importância dos mitos e da
Sérgio Ramos: Tolkien pode ser imaginação o aproximavam cada vez mais do
considerado como sendo um grande Cristianismo.
medievalista, tanto pelos seus estudos de Deividi Pansera: Em frente ao College
história quanto pelos seus estudos de línguas de Oxford, existe um caminho chamado
medievais, por isso ele era reconhecido em Eddison's Walk, no qual eles costumavam ter
Oxford como especialista nas duas áreas. longas conversas sobre mitologia e outros
Tolkien estudava aqueles manuscritos antigos temas. Uma vez Lewis e Tolkien começaram
linha por linha, verso por verso e palavra por uma conversa sobre mitologia que se estendeu
palavra. até 3h da manhã. Especificamente neste dia,
Deividi Pansera: Assim, Tolkien se Tolkien convenceu Lewis de que o
estabeleceu como um importante filólogo do Cristianismo, além de ser belo, também era
séc. XX, era um acadêmico genial. capaz de satisfazer os seus desejos primordiais,
Mas a primeira impressão que Lewis

19
tal como os mitos, embora ele não uma cela? O fato de um prisioneiro
enxergasse. conseguir pensar em coisas que existem além
das paredes de uma prisão não sugere que,
DIÁLOGO talvez, as coisas realmente existam para além
das paredes da prisão. A nal de contas, se a
J. R. R. Tolkien: “A mágica dos mitos e prisão realmente é tudo o que existe, como
contos de fadas não é um m um si mesmo, somos capazes de imaginar coisas que
ela existe para nos mostrar certas virtudes, existem para além da prisão? E, veja, é aí que
além de satisfazer certos desejos humanos os mitos entram. Os mitos são o que existe
primordiais.” do lado de fora da prisão e os mitos nos
C. S. Lewis: “Mas os mitos são cções permitem escapar da prisão.”
e as histórias que eles contam não são Joseph Peirce: Um mito pode ser
verdadeiras. Os mitos são apenas mentiras apenas uma história. Porém, uma história
encantadas, portanto eles são inúteis. Você pode ser uma portadora de grandes verdades,
não pode realmente acreditar nos contos de ainda que seja uma obra de cção.
fadas.” Anthony Tannus Wright: Os mitos
J. R. R. Tolkien: “Por que não? Eu criam mundos simbólicos inteiros, sendo que
posso acreditar e de fato acredito.” os enredos e os símbolos são verdadeiros.
C. S. Lewis: “Mas isto é um absurdo, Dr. Michael Ward: Deus se revela ao
como você pode realmente acreditar numa homem através de imagens que podem ser
mentira?” manifestadas na cultura humana.
J. R. R. Tolkien: “Ah, Jack, mitos não Anthony Tannus Wright: As tramas
são mentiras! Na verdade, eles são o narradas pelos mitos trazem verdades
contrário de uma mentira.” profundas para o ser humano, tais como a
C. S. Lewis: “Continue.” natureza do amor, do ódio, da alegria e da
J. R. R. Tolkien: “Bem, veja só. Nós vingança.
somos induzidos a usar a palavra “mito” Dr. Michael Ward: Estas divindades
como sendo o sinônimo de uma mentira, mitológicas, tais como Adonis, Baco e Baldr,
porque já acreditamos no “mito” do podem ter vivido num lugar e num tempo
materialismo.” desconhecido, mas ninguém realmente
C. S. Lewis: “E o que é isso?” reinvidica que eles foram guras históricas,
J. R. R Tolkien: “É a a rmação por isso há um consenso de que eles são
asquerosa de que não há nenhuma ordem produto da imaginação humana.
sobrenatural no universo. Os materialistas Victor Sales Pinheiro: Através da suspensão
nos aprisionaram em um mundo de pura da descrença que realizamos na leitura dos
matéria e nos colocam numa prisão! É uma mitos, percebemos a verdade das coisas
prisão de quatro paredes. Eles não querem mostradas por eles. O Cristianismo é uma
que vejamos o que há para além dessas história que realmente aconteceu.
paredes e não querem que descubramos o Dr. Michael Ward: Existem alegações
que existe para além da sua loso a estreita! históricas de fatos históricos bastante
E, pior do que isso, eles acham que qualquer palpáveis e defensáveis sobre a vida de Jesus
tentativa de escapar da prisão é um ato de Cristo, tais como registros arqueológicas,
traição.” documentais e outros tipos de evidências de
C. S. Lewis: “Bom, mas não seria um que Jesus de Nazaré realmente existiu. É
ato de traição contra a racionalidade possível localizá-lo na Palestina, por volta do
acreditar em outra coisa?” ano 33d.C., sob a procuradoria de Pôncio
J. R. R. Tolkien: “Jack, pense por um Pilatos. Mas ao mesmo tempo Ele também é
momento. Como pode ser errado para um o Sol Nascente, a Videira Crescente e todos
prisioneiro pensar em coisas que existem e aqueles emblemas que eram atribuídos às
que não sejam carcereiros e as paredes de divindades na mitologia clássica. Portanto, o

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Cristianismo é tantoum mito quanto uma comum do que todos os pensadores
verdade. modernos juntos.
Victor Sales Pinheiro: Chesterton,
Lewis e Tolkien sabiam que a história Em sua auto-biogra a, ele registrou o
contida nas escrituras é um mito verdadeiro. impacto da leitura de O Homem Eterno:
Dr. Michael Ward: Deus se revela ao C. S. Lewis: “Li O Homem Eterno, de
homem através da realidade, e não apenas da Chesterton, e pela primeira vez
imaginação. enxerguei o esboço cristão de toda a
Victor Sales Pinheiro: Não se trata história delineado de uma forma que
apenas de um elemento espiritual sendo para mim parecia fazer sentido.”
manifestado na ralidade corporal, mas do
próprio Deus eterno e in nito se manifestar Na década de 1930, a amizade entre
na carne. Lewis Tolkien entrou em uma nova fase. Os
Deividi Pansera: Tolkien convenceu encontros regulares entre os dois acabaram
Lewis de que o mito de Cristo era uma obra formando um grupo literário que adquiriu
de arte primária, além de ser um mito para o um status quase lendário.
qual todos os outros mitos apontam. Então Alexandre Azevedo: Imagine que
Lewis cou profundamente abalado, o que o você tem um grupo de amigos que se
levou à sua conversão para o Cristianismo. encontram frequentemente e têm interesse
As palavras de Tolkien tocaram as em coisas parecidas, embora tenham idéias
bras mais sutis da alma de Lewis. A diferentes, e que gostam muito de um bom
conversa com seu amigo permitiu a Lewis papo e de uma boa cerveja. Estes eram os
religar o mundo da razão com o mundo da Inklings.
imaginação. Tolkien convenceu Lewis de que Dr. Michael Ward: Os Inklings foram
os mitos eram vislumbres da realidade. muito importante na vida de C. S. Lewis e
C. S. Lewis: “Acabo de me converter também da vida de Tolkien. O grupo foi
da crença em Deus à crença de nitiva em formado a partir da amizade entre Lewis e
Cristo e no Cristianismo. Minha longa Tolkien.
conversa noturna com Tolkien teve muito a Anthony Tannus Wright: Os
ver com isso.” integrantes do Inklings eram professores que
Diego Klautau: Eu não tenho dúvidas gostavam de poesia, literatura e loso a, e
de que Lewis admirava tanto os argumentos gostavam de se reunir para discutir sobre
de Tolkien quanto a sua maneira de viver. esses temas. O propósito do grupo era recitar
Esta integração da fé na vida cotidiana, no poesia, fazer críticas e incentivar as criações
cuidado com a família, no trabalho, na dos amigos.
convivência com os amigos despertava a sua Joseph Peirce: O grupo seguiu as
admiração. reuniões por quase 30 anos, normalmente
Tolkien não foi o único personagem a duas vezes por semana e no aposento de
impactar a cosmovisão de Lewis. O escritor Lewis, no Magdalen College, ou no pub The
irlandês também foi decisivamente Eagle and Child.
in uenciado pelo apóstolo do senso comum. Anthony Tannus Wright: Num num
Joseph Peirce: Chesterton foi uma das encontro do Inklings, Tolkien fez a leitura
in uências mais importantes para a d'O Senhor dos Anéis.
conversão de C. S. Lewis. Quando Lewis leu Joseph Peirce: Era o grupo literário
a obra de Chesterton pela primeira vez, mais importante, poderoso e dinâmico do
durante a Primeira Guerra Mundial, ele séc. XX.
disse que não conseguiu deixar de apaixonar- Victor Sales Pinheiro: A importância
se por Chesterton; e ele disse foi quase de um grupo como os Inklings está na
contra a sua própria vontade. Lewis também revalorização da tradição literária medieval,
dizia que Chesterton tinha mais senso

21
naquilo que ela tem de mais rico, em reuniões: quando tiramos os nossos
detrimento das misti cações que se fazem a chinelos, temos os nossos pés
seu respeito na modernidade. esticados em direção ao fogo da lareira
Dr. Michael Ward: Lewis e Tolkien e os nossos drinques ao alcance de
eram acadêmicos medievais que entendiam nossas mãos; a vida não possui dádiva
tanto a mentalidade medieval quanto a melhor do que essa para dar. Quem
mentalidade clássica. poderia merecer isso?”
Deividi Pansera: Mas não apenas eles
como também os outros amigos eram Lewis e Tolkien se envolviam cada
apaixonados por mitos, estórias e pela Idade vez mais com a literatura da época. O
Média. socialista fabiano H. G. Wells, considerado o
Victor Sales Pinheiro: O que eles pai da cção cientí ca era um dos autores
viam de extraordinário na Idade Média? O mais in uentes da época e via a imaginação
heroísmo, o amor a Deus e a existência de como o caminho para a instauração de uma
uma arte sagrada repleta de símbolos capazes utopia secular.
de representar uma realidade espiritual mais Joseph Peirce: A opinião que C. S.
profunda. Lewis sobre escritores como H. G. Wells e
Diego Klautau: Lewis, Tolkien e Bernard Shaw era muito parecida com a
todos os integrantes dos Inklings tinham opinião de Chesterton, pois a visão de Lewis
uma preocupação muito grande com os sobre esses autores foi in uenciada por suas
rumos da civilização ocidental. leituras de Chesterton.
Gabriele Greggersen: Os Inklings Gabriele Greggersen: As obras
viam o mundo moderno como sendo muito contemporâneas de cção cientí ca não eram
racionalista, subjetivista e super cial. como Lewis e Tolkien gostariam que fossem,
Joseph Peirce: Lewis e Tolkien sabiam então eles decidem escrever obras que sejam
do poder que o mito e as histórias têm de de seu gosto.
in uencias a cultura e mudar vidas. Quando Carlos Caldas: E eles combinam de
eles perceberam que estavam vivendo numa escrever sobre viagens ao espaço e viagens no
cultura secular e secularista, a qual era muito tempo. Num sorteio, Lewis cou com a
cética em relação à religião, e que na verdade história sobre o espaço e Tolkien cou com a
era muito hostil ao Cristianismo, eles história sobre o tempo. Assim, Lewis
decidiram tomar providências. escreveu uma trilogia sobre viagens
Diego Klautau: Eles sabiam que a espaciais.
transcendência era necessária. Se o problema Deividi Pansera: Em sua trilogia
da destruição da humanidade estava nos cósmica, Lewis conta a história das viagens
corações, considerando que a literatura é de Ransom a outros planetas.
capaz de tocar os corações, então era preciso Anthony Tannus Whright: O Ransom
criar uma nova literatura. Chesterton já tinha era um estudioso de literatura e da
iniciado o movimento. Lewis e Tolkien linguagem.
seguiram a mesma idéia, pois eles Carlos Caldas: O personagem nos é
acreditavam que a modernidade realmente apresentado como sendo um lólogo, uma
precisava de uma abertura à transcendência. alusão clara a Tolkien.
A amizade e o companheirismo eram Anthony Tannus Whright: E o
uma grande marca na vida de Lewis. Peça primeiro livro da trilogia é O Planeta
central dos Inklings, ele escreveu inúmeras Silencioso, em referência à Terra, pois os
vezes, celebrando a amizade como o tipo de outros planetas são incapazes de escutar o
amor mais difícil e importante ao ser que acontece na Terra.
humano. Gabriele Greggersen: Ransom foi
para um mundo em que não existe o mal.
C. S. Lewis: “Estas são as melhores

22
Carlos Caldas: Nesta trilogia, Marte Gabriele Greggersen: Trata-se da
recebe o nome de Malakandra. Ele foi levado história de como um instituto cientí co
por seres celestiais, que na tradição cristã são tomou o poder do mundo.
os anjos. Anthony Tannus Whright: O livro
Anthony Tannus Whright: Ele começa com o discurso dos cientistas
consegue ver tudo o que acontece, mas não falando como a sociedade deve ser. Desde
tem o poder de interferir em nada. então, a ciência se tornaria a nova voz e a
Carlos Caldas: Cada planeta possui religião chegaria ao m.
uma entidade tutelar ou um anjo, mas o Gabriele Greggersen: O mérito da
Planeta Terra perdeu o contato com a sua trilogia espacial é justamente tocar no
entidade tutelar. assunto da ciência e da poesia, mostrando
Anthony Tannus Whright: Houve como a ciência pode colocar o futuro da
uma rebelião planetária, na qual o torto humanidade em risco.
acabou dominando a Terra. Anthony Tannus Whright: É uma
Carlos Caldas: Então a entidade visão clara da religião, da salvação, da
tutelar da Terra se rebelou contra a entidade metafísica e da imaginação, pois essas coisas
suprema do universo, que é Deus. são essenciais para o ser humano se
Anthony Tannus Whright: O domínio converter e seguir uma vida dirigida ao alto.
de um anjo torto sobre a Terra afeta afetando Deividi Pansera: A trilogia cósmica
toda a espécie humana, ao contrário da traz a cosmovisão cristã, na qual todos os
espécie que vive em Marte, em alusão ao eventos são permeados de sobrenaturalidade,
pecado original. com o bem sendo incomparavelmente maior
Deividi Pansera: O tempo inteiro o do que o mal e sempre vencendo.
con ito entre o bem e o mal está em As visões utópicas e as visões
evidência na trilogia cósmica. materialistas denunciadas por Lewis na
Anthony Tannus Whright: A primeira trilogia cósmica foram responsáveis por
aventura do livro é a ida de Ransom a Marte. eclodir mais uma grande guerra. A Segunda
Então ele conhece a cultura de Malakandra e Guerra Mundial foi um período de grande
critica a cultura da Terra em comparação mudança na vida de Lewis. Ele recebeu
com a sua cultura, pois a cultura da Terra é refugiados de Londres em sua casa e chegou
uma cultura materialista, hedonista, a dar aulas para crianças que tinham
totalitária e cienti cista, ao contrário da di culdades de leitura. Emocionado pela
cultura de Malakandra, que dá importância convivência diária com elas, começou a
aos valores perenes, à poesia, à literatura e À escrever uma história que retratava o
piedade religiosa. sofrimento enfrentado por meninos e
Gabriele Greggersen: A segunda meninas que fugiam de Londres a às pressas
viagem é para Vênus, que na história se por causa da guerra. Dez anos mais tarde,
chama Perelandra. Trata-se da história de um Lewis partiria dessa premissa para escrever o
Adão e uma Eva que não tiveram contato seu livro mais conhecido.
com o mal. Kemily Rodrigues: A sociedade
Carlos Caldas: É Uma releitura do vivenciava uma total desesperança no
Gênesis, mas sem a Queda. período da Segunda Guerra Mundial.
Deividi Pansera: A queda de Adão e Obviamente, o sentimento geral não era
Eva foi evitada pela interferência de Ransom, bom.
de modo que se segue uma história do Dr. Michael Ward: A BBC procurou
Paraíso. C. S. Lewis e o convidou para ministrar
Anthony Tannus Whright: O terceiro algumas palestras, mas as palestras foram tão
livro é diferente, pois ele não tem nada de bem-sucedidas que a BBC pediu ao Lewis
espacial e a sua história ocorre no planeta para ministrar uma segunda, uma terceira e
silencioso, que é a Terra. uma quarta, sendo que mais tarde as quatro

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séries de palestras foram publicadas como Cristianismo assim como acredito que o Sol
um livro, sob o título Cristianismo Puro e nasce todo dia. Não apenas porque o vejo,
Simples. mas porque através dele eu vejo todo o
O avanço da Segunda Guerra resto.”
Mundial deixava um rastro de sofrimento e Lewis continuaria seu trabalho
morte pela Europa. Abatidos e sem apologético de forma inusitada, com a
esperança, os ingleses precisavam de alguém publicação do livro Cartas de um Diabo ao
que restaurasse o ânimo da população, e esta seu Aprendiz.
seria missão de C. S. Lewis. Gabriele Greggersen: Cartas de um
C. S. Lewis: “Desista de si mesmo e Diabo ao seu Aprendiz eram cartas
você encontrará seu verdadeiro eu. Perca a publicadas no jornal.
sua vida e você a salvará. Submeta-se à Carlos Caldas: Os textos são bem
morte, submeta-se com cada bra do seu ser curtos e mostram um diabo velho mandando
e você encontrará a vida eterna. Procure por cartas a um diabo jovem, ensinando-o a
Cristo e você O terá, e com Ele, tudo o mais tentar o paciente, que é o cristão na Terra.
lhe será dado.” Ele também se refere ao inimigo, que é
Gabriele Greggersen: Ele começa Deus.
dizendo que o Cristianismo é uma casa com Gabriele Greggersen: As cartas
um grande hall na entrada, que dá acesso aos mostram justamente as tentações sofridas
outros cômodos, mas que não é bom morar por um cristão recém-convertido em seu
no hall da entrada. cotidiano.
Carlos Caldas: Existem partes da casa Carlos Caldas: E as cartas também
que são comuns a todos os habitantes. Ele mostram o argumento diabólico para desviar
diz: “Neste livro, eu quero falar da área o cristão de seu caminho. Isso no tempo da
comum para todos.” Segunda Guerra Mundial.
Kemily Rodrigues: Trata-se de um Nichele Lopes: Em uma determinada
livro extremamente ecumênico, que serve carta, o diabo diz: “Você tem de fazer com
justamente para criar uma comunhão entre que ele se irrite com as crianças na missa.
os cristãos, através desta explicação pura e Também é preciso que ele observe e julgue
simples sobre o Cristianismo. Ele traz a se determinada pessoa cometeu adultério.
Palavra de Deus como forma de conforto às Então ele vai chegar à conclusão de que a
pessoas, para que elas consigam superar o igreja é um lugar de hipócritas.
caos da Segunda Guerra Mundial. Kemily Rodrigues: O Diabo entra
Joseph Peirce: Inclusive há um justamente no vácuo existente entre você ser
paralelo entre o livro do Chesterton, um cristão e você se considerar cristão.
Ortodoxia, e o livro do C. S. Lewis, Gabriele Greggersen: Por exemplo, o
Cristianismo Puro e Simples. Ortodoxia foi Diabo narra a história de um paciente que
publicado em 1908, numa tentativa de estava na biblioteca e se aproximava
Chesterton de não ser“sectarista”, apoiando perigosamente do inimigo, pois a literatura
uma doutrina cristã em detrimento de outra. sempre representa para o diabo um perigo de
Ele esperava que a base da fé cristã primitiva, aproximação a Deus. Então ele diz que não é
o Credo dos Apóstolos, servisse de bom re etir sobre essas coisas com o
fundamento para a concordância entre os estômago vazio.
cristãos. Carlos Caldas: E ele também fala
Cristianismo Puro e Simples sobre a “baixarquia” infernal, que é o
consolidou a fama de Lewis como um contrário de uma hierarquia, pois numa
grande divulgador da fé cristã. Ao longo de hierarquia você sobe os graus e num
toda a década de 1940, os livros publicados abaixarquia você desce.
por Lewis iriam gerar grande impacto social. Nichele Lopes: Parece uma repartição
C. S. Lewis: “Eu acredito no pública. Curiosamente, um diabo não ca

24
sabendo o que o outro diabo fez. coisas a partir da lógica, para defender alguns
Gabriele Greggersen: O livro foi um valores que ele entendia como sendo objetivos.
sucesso imediato, pois as pessoas se Carlos Caldas: Ele usa a palavra “Tao”, da
identi cavam com as cenas que ele descrevia tradição chinesa, para designar este conjunto de
do cotidiano. valores absolutos, e demonstra através de trechos
Nichele Lopes: As cartas parecem da Antiguidade Clássica do Oriente Médio, da
tratar de coisas muito particulares da China Antiga e dos textos da tradição religiosa do
natureza humana. Hinduísmo que esses valores eram levados a sério
Kemily Rodrigues: O que ele fez nas na Antiguidade. Lewis cita todas essas fontes para
cartas é uma história totalmente contra- mostrar que todos esses povos e civilizações
intuitiva. A nal de contas, quem, em sã exaltavam valores como coragem, honestidade,
consciência, ainda mais sendo cristão, ousaria justiça, solidariedade e nobreza de caráter, pelo
escrever no papel do diabo? fato de serem valores absolutos.
Paolo Gulisano: Então Lewis é capaz Cristiano Camilo Lopes: A partir dessas
de olhar para o bem e para o mal, sob o fontes, ele traz esses valores à modernidade.
ponto de vista do mal. Anderson Silva: O homem moderno não
Carlos Caldas: Mais tarde, Lewis possui nenhuma norma de orientação existencial e
depois declarou que o livro foi não se importa realmente com nenhum código
emocionalmente desgastante. moral.
Paolo Gulisano: Certamente, não deve ser Dr. Michael Ward: Mas se desistimos dos
fácil colocar-se sob a perspectiva do mal, mas valores objetivos, aproximamo-nos de um tipo de
Lewis o fez apenas pelo bem e para entender futuro apocalíptico.
como o mal age. Cristiano Camilo Lopes: O homem passa a
Gabriele Greggersen: Eu acredito que Lewis ter uma autonomia que na verdade o prende.
se baseou em Chesterton para escrever estas Anthony Tannus Wright: A abolição do
cartas, pois Chesterton é o pai do método homem é justamente essa falsa liberdade. O
paradoxal, em que a aparente contradição relativismo lutou para libertar o homem, mas o
chama a atenção para verdades homem tornou-se tão livre que virou um nada.
absolutamente profundas. Anderson Silva: Nenhum de nós inventou
A análise do mal sob a ótica do diabo estes valores, mas simplesmente o descobriu.
fez com que Lewis re etisse sobre o Temos de viver de acordo com eles, pois isso é
crescimento do relativismo na moral e na parte do que signi ca ser humano.
educação. Ele chamou esse processo de Após a publicação d'A Abolição do
“abolição do homem”. Homem, inspirado pela convivência com Tolkien,
Dr. Michael Ward: A Abolição do Lewis percebeu a importância de formar o
Homem é o trabalho mais losó co de Lewis imaginário das próximas gerações. Combinando
e surgiu a partir de três palestras de loso a mitologia e apologética, ele escreveu o que se
ministradas durante a Segunda Guerra tornaria a sua obra de cção mais conhecida: As
Mundial. Crônicas de Nárnia.
Carlos Caldas: É um texto teórico Paolo Gulisano: Em seu escritório, ele tinha
sobre educação. um mapa da Itália Romana Antiga, o qual
Cristiano Camilo Lopes: Tudo aquilo mostrava uma região chamada “Nárnia”.
que nos é ensinado reverbera em quem Nichele Lopes: O livro As Crônicas de
somos. Nárnia é uma série de histórias fantástica escritas
Carlos Caldas: A sua tese é que a para crianças, por isso os seus protagonistas e
educação deve transmitir conteúdos teóricos, heróis são crianças comuns que descobrem o reino
mas também deve contemplar valores mágico de Nárnia. Em meio à sua jornada, elas
absolutos. contam com a ajuda de elementos mágicos e de
Dr. Michael Ward: Lewis não partiu bichos que falam ou têm habilidades especiais.
de um ponto teológico, mas apenas disse as Paolo Gulisano: Os sete romances narram

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uma viagem imaginária por uma terra que e ciente de transmitir a fé para as gerações
não existe. mais jovens.
Carlos Caldas: As Crônicas de Nárnia
“Eu concordo com Pedro” — contém várias releituras de temas e
disse Susana.“Aquela história do passagens bíblicas, mas numa linguagem de
fauno e do bosque não pode ser literatura e fantasia.
verdade.” Dr. Michael Ward: O próprio Lewis
“E porque vocês acham que a história diz que As Crônicas de Nárnia é uma
de Lúcia sobre o país fantástico que se história sobre o Cristo, uma vez que o
alcança por meio do guarda-roupa é gramde personagem de todas as histórias é
mentira? Quem disse que a história Aslan, um leão, cujo papel muitas coisas
não é verdadeira?” — disse o remete ao Cristo, por exemplo, criar Nárnia e
professor.“Não se deve acusar de julgar Nárnia.
mentirosa uma pessoa que sempre Carlos Caldas: Por exemplo, O Leão,
falou a verdade. É mesmo uma coisa o Feiticeiro e o Guarda-Roupa nitidamente é
séria, muito séria.” uma releitura da cruci cação e da
“Mas o nosso medo não é que ela ressurreição do Cristo. A feiticeira diz a
esteja mentindo.” — replicou Susana Aslan: “O Edmundo te traiu e você tem o
— “Estamos com receio de que talvez direito de matá-lo. Você sabe disso, não sabe?
ela esteja doente da cabeça.” Está na lei escrita antes do tempo.” Então
“Acha que ela está louca?” — Aslan se entrega para morrer no lugar do
perguntou calmamente o professor — Edmundo, mas aparece vivo e a feiticeira não
“Podem car descansados, basta olhar entende nada. Eis que Aslan responde:
para ela e ouvi-la um instante para ver “Existe uma lei ainda mais antiga. A mesa de
que ela não está louca. pedra foi quebrada. Você não sabia disso, mas
Susana calou-se, nunca tinha pensado eu sabia. Então você não tem mais nenhum
que uma pessoa grande falasse como direito.” Do mesmo modo que a feiticeira
um professor, e não sabia bem o que pensa que venceu Aslan, o Diabo pensou que
pensar de tudo aquilo. havia derrotado Jesus com a cruz, mas na
“Lógica. Por que não ensinam mais verdade tantoa feiticeira quanto o Diabo
lógica nas escolas? Só há três foram derrotados.
possibilidades: ou Lúcia está Gabriele Greggersen: O leão salvou
mentindo, ou está louca, ou está aquele mundo, assim como o Cristo salvou o
falando a verdade. Vocês sabem que nosso mundo.
ela não costuma mentir, e é evidente Carlos Caldas: Todas as crônicas são
que não está louca. Por isso, enquanto ambientadas num cenário de estética
não houver provas do contrário, temos medieval. Há personagem muito
de admitir que está falando a interessante, que é o Ripchip, ou o Rato
verdade.” Falante, que encarna os valores de honra,
caráter e nobreza. Embora seja pequenino,
Dr. Michael Ward: Um dos motivos ele também é corajoso e não tem medo de
pelos quais ele escreveu As Crônicas de enfrentar adversários que têm uma altura
Nárnia foi que ele percebeu a inibição de várias vezes maior do que a sua. Isto é a
muitas crianças no ambiente religioso, cavalaria: defender os que não sabem lutar.
justamente por conta do senso de obrigação. Paolo Gulisano: As crônicas são
Então ele pensou: “Que tal retirar a história histórias repletas de inspiração e de criaturas
de Cristo desse ambiente de catequese mitológicas, que nos falam sobre valores,
dominical e transmiti-la em um mundo virtudes e heroísmo.
mágico, de animais falantes, cavalaria e Kemily Rodrigues: N'As Crônicas de
aventura?” Este seria um modo muito mais Nárnia, temos uma perfeita exempli cação
dos valores cristãos, além de uma estética

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medieval e cristã. Por exemplo, n'A Viagem
do Peregrino da Alvorada, Eustáquio era um experiência de morte, sucedida pela
personagem muito ambicioso e apegado aos ressurreição. Mas a experiência de Eustáquio
bens materiais, além de ser sempre era a experiência de Lewis e a experiência
desagradável e auto-su ciente, disposto a universal da conversão.
destratar quem estivesse ao seu redor. Porém, O sucesso d'As Crônicas de Nárnia
quando ele foi desbravar sozinho o caminho só fez aumentar a popularidade de Lewis ao
desconhecido, ele se deparou com um dragão redor do mundo. Ele se tornou uma
morto, e, como era muito ousado, ele entrou celebridade reconhecida mundialmente,
na caverna e cou deslumbrado com as aparecendo inclusive na capa da revista
relíquias do dragão que encontrou na Times. Mas a fama tem o seu preço:
caverna. referência mundial na defesa do
Cristiano Camilo Lopes: Ele tomou Cristianismo, Lewis passa a ser alvo de
todo o ouro para si com o propósito de diversas críticas.
tomar o poder e dominar sobre os outros, Alex Catharino: Os críticos atacavam
então ele acabou se transformando no Lewis acusando-o de ser um irracionalista,
dragão. Mas aquilo que parecia um caminho ou seja, um inimigo da razão.
de salvação tornou uma prisão, visto que ele Deividi Pansera: Ele sofreu críticas
cou preso em si mesmo. contundentes por seu trabalho apologético.
Kemily Rodrigues: Então ele começa Gabriele Greggersen: Na academia,
a esfregar as escamas que tanto o em geral, ele era extremamente popular e
incomodam e trazem sofrimento. sofreu muitas críticas.
Cristiano Camilo Lopes: Por isso ele Deividi Pansera: E conforme a fama
deseja a livrar-se daquelas escamas. de Lewis crescia por ele difundir a
Kemily Rodrigues: Aslan diz a ele: cosmovisão cristã, as críticas dos ateus
'Eu posso te ajudar.' E Eustáquio stava tão cienti cistas também cresciam.
vulnerável que se colocou de costas e Gabriele Greggersen: As perseguições
permite que Aslan retirasse aquelas escamas empreendidas contra Lewis e o entrave de
com as suas garras. sua carreira ocorreram precisamente por ele
Cristiano Camilo Lopes: A apresentar em sua obra guras mitológicas
experiência de libertação era dolorosa. cristãs. Antes dos 54 anos de idade, ele
Kemily Rodrigues: A dor de permaneceu sendo um professor auxiliar
Eustáquio era excruciante a ponto de ser a quase permanente e não foi reconhecido.
dor mais terrível que ele já sentiu em toda a Sem nenhum motivo evidente, os
sua vida. Inclusive, a garra de Aslan atingiu o Inklings pararam de realizar as suas reuniões
seu coração durante o processo. De fato literárias em outubro de 1949. A mãe adotiva
Aslan havia atingido, pois Eustáquio de Lewis morreu em 1951. Isolado de tudo e
retomou a sua forma humana e conseguiu de todos, Lewis se aproximou de uma fã
banhar-se nas águas, num episódio que se americana que lhe enviava cartas.
assemelha ao batismo, e a partir de então ele Gabriele Greggersen: Joy Davidman
nunca mais foi o mesmo, tendo deixado de era uma americana que se divorciou do
ser uma pessoa desagradável para tornar-se marido por ele ser alcóolatra e violento.
uma pessoa muito mais humana. Para isso, Carlos Caldas: Ela era de origem
ele precisou experimentar a dor, pois de fato judia, mas curiosamente possuía uma ligação
a conversão nos traz muita dor, visto que ela com o Partido Comunista dos EUA.
não é um m em si mesma, mas um meio Gabriele Greggersen: Então ela se se
para atingirmos a felicidade. converteu ao Cristianismo através das obras
Cristiano Camilo Lopes: A conversão de C. S. Lewis.
necessita de um despojamento de nós Dr. Michael Ward: Após a vinda para
mesmos, sendo que despojar-se de si não é a Inglaterra, ela o conhece e o
uma experiência indolor. Trata-se duma gradativamente o relacionamento evolui.

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Gabriele Greggersen: Mas no meio João Nogueira (Rasta): Tolkien
tempo em que eles eram próximos, a deixava o mal escondido sob as sombras e
amizade se transforma em amor. não se ocupava de descrevê-lo em detalhes,
Anderson Silva: Joy levou um tombo pois ele acreditava estudar as artes do
em casa e teve de ir para o hospital, mas no inimigo era algo perigoso, quer fosse para o
hospital ela descobriu que tinha um câncer bem, quer fosse para o mal.
em estado terminal e já não havia mais Sérgio Ramos: E Tolkien estranhou
esperança para ela. A possibilidade de morte Lewis colocar-se na posição do Diabo.
da Joy impactou C. S. Lewis de tal modo que João Nogueira (Rasta): Obviamente
ele se tornou consciente de que estava um livro como Cartas de um Diabo ao seu
apaixonado por ela, então ele disse em Aprendiz era algo que que Tolkien dizia a
con dência a Joy que estava apaixonado por Lewis para não fazer.
ela e abalado pela possibilidade de perdê-la. Dr. Michael Ward: Tolkien não
Não sabemos em que momento a a amizade gostava d'As Crônicas de Nárnia e achava o
tornou-se amor, mas ele estava apaixonado livro uma bagunça e um caldo inconsistente,
por ela e o casamento foi celebrado no pois os elementos da história pareciam ter
próprio hospital. sido jogados nas páginas sem o devido
Kemily Rodrigues: Então nalmente cuidado.
Lewis pôde conhecer o amor. No entanto, o Gabriele Greggersen: Ele acreditava
amor que ele tinha por ela era uma faca de que Lewis era muito rapidinho em seus
dois gumes, pois ao mesmo tempo que ele a escritos e não os revisava, enquanto que o
amava, ele também se afastava de tudo aquilo próprio Tolkien, ao contrário, era minucioso
que ele tinha construído como escritor e até até demais.
mesmo de sua amizade com Tolkien. Carlos Caldas: E Tolkien criticava
Lewis e Tolkien se afastaram Lewis por seus escritos, especialmente As
principalmente após a união de Lewis com Crônicas de Nárnia, serem alegorias muito
Joy Davidman. óbvias. Por exemplo, a associação entre Aslan
Joseph Peirce: Tolkien era um católico e o Cristo era muito óbvia, o que o
muito convicto e comprometido com sua fé, incomodava.
enquanto que Joy Davidman era uma Gabriele Greggersen: Tolkien
mulher divorciada. Provavelmente com razão, acreditava que o papel do autor cristão não é
Lewis suspeitava que Tolkien não teria defender a fé cristã, mas era simplesmente
aprovado o casamento entre os dois. Mas, fazer boa arte.
por outro lado, Tolkien não sabia que C. S. Carlos Caldas: Tolkien era mais sutil,
Lewis havia se casado, até que ouviu um a sua crítica a Lewis tinha o sentido de que
relato de alguém que esteve na festa de Lewis também deveria sê-lo.
casamento. Se você tivesse um amigo bem Gabriele Greggersen: As mensagens
próximo e descobrisse que ele se casou nos livros de Tolkien eram mais ocultas e
apenas após a celebração do matrimônio, subliminares do que as mensagens de Lewis.
você também caria com o coração partido. Joseph Peirce: Eu não acredito que
Alexandre Azevedo: Os dois tinham Tolkien estava satisfeito com o fato de Lewis
formas muito diferentes de lidar com a posicionar-se como um “mero cristão”, pois
literatura e com a produção literária. Muitas ele sentia que Lewis deveria ser lógico em
vezes vemos que Lewis era um fã do que sua busca teológica, entrando na Igreja única
Tolkien escrevia, mas por outro lado Tolkien e verdadeira, que é a Igreja Católica
detestava a forma de escrever de Lewis. Romana.
Sérgio Ramos: Certa vez, Lewis Anthony Tannus Wright: Lewis tinha
dedicou uma obra a Tolkien, e esta obra era uma visão particular da Igreja Anglicana e
Cartas de um Diabo ao seu Aprendiz, mas frequentava a High Church, mas nunca se
Tolkien não entendeu direito por que a obra tornou católico.
foi dedicada a ele. Joseph Peirce: Um dos aspectos mais

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fascinantes da posição religiosa de C. S. amigo uma vez, por coincidência, no
Lewis é o seu relacionamento com a Igreja hospital. Após três anos lutando contra o
Católica. E eu escrevi um livro chamado C. câncer, Joy Davidman faleceu em julho de
S. Lewis e a Igreja Católica, para tratar o 1960.
assunto com a devida profundidade. É Kemily Rodrigues: O falecimento
verdade que Lewis nunca superou as suas de Joy mexeu tremendamente com o
descon anças em relação à Igreja Católica. emocional de Lewis, de modo que ele
Há o fato de ele ter nascido na Irlanda do entrou numa profunda depressão.
Norte e ter sido criado em Belfast. E quem Carlos Caldas: Após muitas
sabe qualquer coisa sobre Belfast, na Irlanda décadas da morte da mãe, ele voltou a ter o
do Norte, sabe muito bem que é um dos mesmo sofrimento de quando era menino.
lugares mais sectaristas do mundo. Quarenta anos após ver a sua mãe
Anthony Tannus Wright: Quando lhe sofrendo dores e de nhando até a morte,
perguntavam por que ele não era católico, ele ele vê a mesma coisa outra vez e
respondia: “Se você tivesse nascido em novamente não pode fazer nada, mas agora
Belfast, você jamais faria esta pergunta”. com sua esposa.
Joseph Peirce: O ponto não é apenas Kemily Rodrigues: Então ele se
que certos preconceitos acompanham o torna ainda mais recluso e introspectivo do
indivíduo por toda a sua vida, mas é algo que já era, passando por momentos muito
mais complicado. obscuros enquanto viúvo da Joy.
Dr. Michael Ward: Ele nunca foi Dez dias após a morte da sua
persuadido em relação a certos dogmas mulher, Lewis ainda teve de enfrentar uma
católicos, por exemplo, a autoridade do Papa. nova crise familiar. Seu irmão, Warren, era
Eu acredito que este foi um grande alcóolatra e havia sido novamente
obstáculo para o Lewis, pois ele internado num hospital. A solidão tomou
simplesmente não conseguia aceitar essa conta da sua vida e poucos meses depois
idéia. sua saúde começou a se deteriorar. Em
Anthony Tannus Wright: Apesar de junho de 1961, Lewis foi diagnosticado
falar sobre apologia, ele nunca encontrou um com dilatação da próstata. Com problemas
teólogo para discutir sobre essas questões. de locomoção e muitas dores, ele não
Por isso ele dizia: “Eu deixo a teologia para conseguiu voltar para lecionar na
outros.” faculdade de Cambridge. Em julho de
Joseph Peirce: Por outro lado, existem 1963, Lewis teve um ataque do coração e
aspectos no Cristianismo de Lewis que são quase morreu. No mês seguinte, incapaz
cripto-católicos e certamente não de lecionar, sentiu-se obrigado a pedir
protestantes. Em seu último livro, Cartas a demissão de sua cátedra em Cambridge.
Malcolm, ele argumenta que, além do seu Nos últimos meses de sua vida, Lewis
próximo, o Santíssimo Sacramento é a coisa voltou a se comunicar com maior
mais importante de sua vida. E ele intensidade com seu grande amigo. Tolkien
datilografou “Santíssimo Sacramento” com insistiu que ele comparecesse a um jantar,
as iniciais maiúsculas. Ele também fazia na ocasião de seu aniversário de 70 anos,
con ssões regulares, o que é muito incomum mas Lewis, portando um cateter, e numa
entre os anglicanos. dieta muito restritiva, recusou. Algumas
João Nogueira (Rasta): Então não se semanas depois, os dois trocaram afetuosas
pode chamá-lo de protestante puritano, mas cartas
também não se pode chama-lo de católico. Gabriele Greggersen: A amizade
A diferença de posições religiosas entre Lewis e Tolkien é a prova de que o
entre os dois amigos seria uma característica diálogo entre o Catolicismo e o
marcante nas vidas de ambos. Joy Davidman Protestantismo é possível. Eles foram um
não se aproximou dos amigos de Lewis. exemplo para nós.
Tolkien só encontrou a mulher de seu grande Kemily Rodrigues: Se pararmos

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para analisar, os trinta primeiros anos da vida
de Lewis foram anos de bastante J. R. R.Tolkien:“Até agora, tive os
introspecção, devido ao sofrimento pela sentimentos normais de um homem de
perda inesperada da mãe e pelo minha idade — como uma árvore velha
relacionamento frio com o pai, o que gerou que está perdendo todas as suas folhas,
uma infância e uma adolescência bastante uma por uma: parece uma machadada
solitárias. perto das raízes.”
Cristiano Camilo Lopes: Ele foi para
o e viu muitas pessoas morrendo na guerra, Lewis faleceu sem ver seu grande
depois a sua mulher descobre que tinha um amigo ser nomeado o maior escritor do séc.
câncer no mesmo ano em que eles se XX.
casaram. É evidente que a dor e o sofrimento
permeavam as suas experiências de vida.
Kemily Rodrigues: Somente quando
ele encontrou a fé cristã que de certa forma
ele descobriu uma razão de viver.
Anderson Silva: O próprio C. S.
Lewis dizia que não recomendava o C. S. Lewis:“Eu descobri em mim
Cristianismo para quem estivesse buscando desejos que nada nesta Terra pode
uma religião confortável. satisfazer. A única explicação lógica
Cristiano Camilo Lopes: Lewis é que eu fui feito para o outro
também dizia que a dor faz parte da vida, mundo.”
pois quem vive necessariamente lida com o
sofrimento, por isso a questão é: o que o
sofrimento vai gerar em você.
Anderson Silva: A experiência que ele
tinha de sofrimento com lapsos de alegria
gerou toda a sua obra que está disponível a
nós. Sem as circunstâncias que o esmagavam,
não estaríamos falando sobre ele.
Gabriele Greggersen: Lewsi falava
sobre suas dores e sofrimentos, mas sempre
sob uma perspectiva esperançosa.
Carlos Caldas: É altamente
compreensível que ele tivesse em meio às
crises, mas ele nunca perdeu sua fé.
Gabriele Greggersen: Em sua última
carta, escrita poucos dias antes de sua morte,
Lewis se comparava a uma semente que foi
plantada e cujos frutos estavam por vir.
Cristiano Camilo Lopes: Lewis não
acreditava na esperança pelas coisas do aqui
e do agora, mas da esperança pelas coisas da
eternidade.
Quatro dias após a passagem de
Lewis, Tolkien escreveu sobre a morte de seu
grande amigo.

30
TOLKIEN
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EPISÓDIO III: “ É um dom”.
A Batalha de Somme foi uma das mais vai reconhecer o bebê ou a mim.
importantes da Primeira Guerra Mundial. Os Ficamos homens grandes; temos tantos
tanques de guerra apareceram pela primeira presentes de Natal para lhe mostrar.”
vez, acabando com a era dos conflitos de
trincheira. Em menos de cinco meses, mais de Porém, o pequeno Ronald não chegou
1 milhão de pessoas morreram. Dois grandes a enviar sua carta, e pouco tempo depois de
personagens do séc. XX lutaram nela. Nas escrevê-la ele recebeu a notícia de que seu pai
décadas seguintes, eles usaram a estética e a havia morrido e sido enterrado em um
linguagem como armas para promoverem as cemitério anglicano a 800km de distância.
suas visões de mundo. Adolf Hitler buscava Desde então, Mabel Tolkien nunca mais
dominar a Europa e instaurar o império do que voltou para a África do Sul, e, após a morte do
ele chamava de raça pura ariana. Do outro marido, ela mudou-se com seus filhos para
lado da trincheira, um jovem oficial de uma casa no interior da Inglaterra. Ronald
comunicações do exército britânico lutava Tolkien cresceu num lugar cercado de bosques
contra o totalitarismo. Amante das línguas, ele e florestas naturais, sendo que depois de
criticava a manipulação da linguagem e a décadas ele confessou que estes anos foram os
distorção de conceitos políticos, mas ele não
mais felizes da sua infância. O contato com a
fez militância na sua época. Como artista e
natureza se tornaria um traço marcante de
intelectual, devotou todo o seu tempo e
toda a obra de Tolkien.
energia na elaboração de contos de fadas. Os
J. R. R. Tolkien: Na verdade, eu não
livros escritos por ele moldaram o imaginário
sei por quê, mas eu sempre fui atraído por
de inúmeras gerações e sua mitologia tornou-
árvores, e todo o meu trabalho é cheio de
se o mundo fantástico mais influente de todo o
árvores. Eu acho que gostaria de conversar
séc. XX — a Terra Média.
com uma árvore, para descobrir o que ela acha
Simon Tolkien: Eu acredito que o meu avô
das coisas.
não teria gostado de assistir a nenhum dos
Mabel educava os seus filhos por
filmes baseados em seus livros.
conta própria, lendo livros clássicos para
J. R. R. Tolkien nasceu no Império
Tolkien e seu irmão. Um dia, ela começou a
Britânico, tendo passado os primeiros anos de
procurar uma formação religiosa para eles.
vida no lugar aonde seu pai trabalhava, que
Deividi Pansera: A Mabel Tolkien se
era o interior da África do Sul. Aos três anos
mudou para ter ajuda de seus amigos e
de idade, no ano de 1895, o pequeno Ronald
familiares, mas todos eles eram protestantes.
foi passar as férias com sua mãe e seu irmão
Sérgio Ramos: Tolkien se lembrava
na cidade Birmingham. Em dezembro,
que todo domingo eles pegavam o mesmo
enquanto seu pai trabalhava para conquistar
caminho para se dirigir ao culto anglicano.
mais clientes no continente africano, Ronald
Porém, houve um dia no qual ele percebeu
se divertia ao ver uma árvore de Natal pela
que eles pegaram um caminho diferente, em
primeira vez. Em fevereiro do ano seguinte,
direção à Igreja Católica. E Tolkien viu um
quando estava prestes a voltar para casa, um
novo mundo nascer diante de si. A partir
agitado Ronald Ditou à baba uma carta para o
daquele momento, Mabel levou seus filhos
pai:
por este caminho.
Alex Catarino: É impossível
“Querido papai, estou tão
compreendermos a cosmovisão de Tolkien se
contente de voltar para vê-lo, faz tanto
ignorarmos esta base religiosa primeira que
tempo que nos afastamos do senhor.
ele recebeu da mãe.
Espero que o navio nos leve todos de
Alexandre Azevedo: A mãe de Mabel
volta para o senhor, mamãe e o bebê e
recusou-se a ajudá-la caso ela não voltasse
eu. Sei que vai ficar muito contente de
para o protestantismo.
receber uma carta de seu pequeno
Deividi Pansera: E os seus parentes
Ronald. Mamãe diz que o senhor não

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cortaram toda e qualquer ajuda financeira foram discípulos do Cardeal Newman.
dada à família Tolkien. Diego Klautau: E todo café da manhã
Sérgio Ramos: Mabel sobrevivia de era acompanhado por discussões sobre S.
uma pequena pensão deixada pelo marido e Tomás de Aquino, sobre a Patrística e sobre os
dos trabalhos que ela fazia fora de casa. Evangelhos
Deividi Pansera: Mabel Tolkien Alexandre Azevedo: Tolkien dizia que
trabalhava muito para poder criar os filhos. o Padre Morgan lhe deu educação rígida, mas
Certo dia, ela conheceu um padre na paróquia o livrou das garras do liberalismo.
frequentada por eles que se tornaria muito Diego Klautau: Por isso Tolkien via a
importante para a história do Tolkien: o Padre paternidade, a religião e o catolicismo como
Morgan. coisas que estavam intimamente ligadas.
Sérgio Ramos: Então o Padre Francis J. R. R. Tolkien: Eu testemunhei
Xavier Morgan passou a ajudar a família os sofrimentos heróicos e a morte
Tolkien nas finanças, nos aconselhamentos e prematura de minha mãe, que me
no apoio para o que lhes fosse necessário. conduziu à Igreja Católica; eu também
Porém, as dificuldades e os problemas de recebi a espantosa caridade de Francis
saúde de Mabel iam aumentando, pois Morgan. Desde o começo, apaixonei-
descobriu-se que ela tinha diabetes, sendo que me pelo Santíssimo Sacramento.
naquele tempo não existia um tratamento O sofrimento pela perda precoce do
adequado. pai e da mãe transmitiu ao jovem Tolkien um
Alex Catarino: Parte da sua doença se certo caráter de pessimismo em sua
dava porque muitas vezes ela abria mão do personalidade. Aos dezesseis anos ele
alimento escasso para dar aos filhos. conheceu uma jovem que também era órfã.
Alexandre Azevedo: Por isso Tolkien Juntos eles compartilharam suas feridas e se
sempre teve a mãe como uma mártir da fé. apaixonaram em pouco tempo. Mas o amor do
Alex Catarino: Ele a via como alguém casal recém-formado encontrou uma barreira
que tomou a sua própria cruz e a carregou até logo cedo. Em 1909, Tolkien estava se
o fim. preparando para prestar o exame de admissão
No fim de 1904, a mãe de Tolkien à Faculdade de Oxford. De origem humilde,
faleceu na pobreza, tendo deixado o Padre ele precisava de um bom desempenho na
Morgan como tutor de seus filhos. prova para conseguir uma bolsa de estudos.
Diego Klautau: O Padre Francis Mas o amor por Edith havia dispersado o
Xavier Morgan era um oratoriano do Oratório jovem Ronald. O namoro acontecia às
de S. Filipe Néri, em Birmingham, o qual foi escondidas do Padre Morgan. Tolkien foi
fundado pelo Cardeal Newman. Muitos proibido de encontrar novamente Edith, até
ficaram assustados com a sua conversão à que completasse 21 anos e a alcançasse a
Igreja Católica Romana. maioridade.
Ives Gandra Filho: A partir de então, a Diego Klautau: O Padre Morgan
Igreja Católica Romana passou a ter uma de proibiu o namoro de Tolkien com Edith Bratt
suas figuras mais proeminentes. porque ele ainda era um adolescente e não
Pedro Augusto: Era inevitável que o tinha nem emprego e nem uma vida
trabalho de um indivíduo de tal estatura estruturada, por isso ele não tinha nada a
desses frutos, sendo que um desses frutos foi oferecer para a moça.
o próprio Tolkien. Sérgio Ramos: Na noite em que completou 21
Diego Klautau: O Cardeal Newman anos de idade, Tolkien mandou uma carta para
morreu em 1880, enquanto que o Tolkien Edith, com o propósito de reatar o namoro e
nasceu em 1892. posteriormente, se possível, de eles se
Sérgio Ramos: Diariamente Tolkien casarem.
auxiliava nas missas como acólito, tendo Em 1910, Tolkien é admitido como
entrado em contato com vários padres que aluno em Oxford. Mas após três anos sem ter

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contato com Ronald, Edith estava noiva de colapso civilizacional que ela trazia em si,
outro homem. Mas Tolkien não desistiu, ele pois algo na humanidade devia estar muito
encontrou a sua amada em 8 de janeiro de errado.
1913 e declarou a sua paixão com cartas e Deividi Pansera: A morte de seus
canções de amor. Edith confessou que ainda o amigos era um elemento motivacional para
amava e só havia ficado noiva de outra pessoa Tolkien escrever as suas histórias.
porque tinha medo de que ele nunca mais Diego Klautau: E a reflexão oriunda
voltasse. Parecia que o casal finalmente desta experiência traumática deu origem à
conseguiria ficar junto. A Primeira Guerra fantasia de Tolkien.
Mundial mudou para sempre a história do Após o fim da Primeira Guerra
século XX. Em 1915, Tolkien foi convocado Mundial, Tolkien finalmente conseguiu iniciar
para lutar. Mas o principal obstáculo ao a sua carreira acadêmica. Seu talento com a
romance de Edith e Tolkien não era a grande linguagem permitiu-lhe uma rápida ascensão e
guerra. Enquanto terminava os seus estudos com apenas trinta e três anos ele assumiu uma
em Oxford e fazia treinamentos no exército cadeira de professor em Oxford.
britânico, Tolkien exigiu que Edith se Diego Klautau: É importante
convertesse ao Catolicismo, pois sem a lembrarmos que Tolkien era um dos maiores
devoção à Igreja Católica, ele não aceitaria filólogos do seu tempo.
passar o resto da vida com ela. O amor por J. R. R. Tolkien: Eu comecei a
Ronald falou mais e em março de 1916 o inventar idiomas seriamente quando
casamento entre os dois foi consagrado no tinha 13 ou 14 anos, e na verdade
altar da igreja. Poucas semanas depois, nunca mais parei. As línguas têm um
Tolkien embarcou à França para lutar na sabor diferente para mim. Eu nunca
guerra. entendi as pessoas acharem que
Diego Klautau: A Primeira Guerra aprender uma nova língua é algo chato
Mundial foi um colapso civilizacional, em que e difícil. Para mim, um novo idioma é
centenas de milhares de jovens dos países como um vinho ou um doce novo.
europeus foram mortos, numa carnificina que
antes nunca foi vista na história da Diego Klautau: Ele conhecia diversas
humanidade. O Tolkien foi mais um desses línguas, tal como o seu desenvolvimento e as
jovens que foram enviados para estes campos inter-relações que haviam entre elas.
de destruição. Deividi Pansera: Dado o seu domínio
Deividi Pansera: Foi durante a da linguagem, Tolkien ajudou a elaborar um
Primeira Guerra Mundial descobriu o valor da dicionário de inglês e traduziu o Livro de Jó
amizade, uma vez que ele esteve nas para a Bíblia de Jerusalém.
trincheiras. Sérgio Ramos: Ele tinha tanta
Alexandre Azevedo: No tempo dos proximidade com o som das palavras e
seus estudos acadêmicos, Tolkien tinha um facilidade em aprender novas línguas que esta
grupo de estudos literários, mas todos os seus foi uma marca característica que o
amigos foram convocados para a Primeira acompanhou pelo resto da vida, tanto na sua
Guerra Mundial. vida acadêmica quanto em seus trabalhos
Sérgio Ramos: Eles mostraram ao como escritor.
Tolkien a importância da inter-dependência Pedro Augusto: Dada a sua
entre os amigos, de modo que eles não se compreensão de como a língua funciona,
tornassem ilhas. Tolkien sabia como ninguém o poder de
Deividi Pansera: E nessa época vários descrever as coisas tais como elas são
dos amigos de Tolkien morreram na guerra. Sérgio Ramos: Quando tornou-se
Diego Klautau: O que mais impactava professor de inglês em Oxford, Tolkien
Tolkien não era o massacre feito a toda aquela primava pelo ensino do inglês antigo e do
geração de jovens ingleses, mas a grandeza do inglês médio, visto que era um grande

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medievalista muito apaixonado pelo medievo. chestertoniana como um grande caminho em
Seus alunos viram que aqueles textos direção à verdade. Por isso, há uma
medievais tinham muito a lhes ensinar, não associação entre a verdade e os contos de
apenas no que diz respeito à língua em si fadas.
mesma, mas também no que diz respeito à Diego Klautau: Chesterton apresentou
ética e à moral. uma intuição inicial, que foi desenvolvida em
Deividi Pansera: Por isso, Tolkien toda a sua vasta obra.
mergulhou profundamente nas obras da Idade Em maio de 1926, alguns meses após
Média e no imaginário medieval. chegar à universidade de Oxford, Tolkien
Sérgio Ramos: Tratava-se de um conheceu um jovem ateu que mudaria a sua
mundo muito diferente do mundo moderno. vida para sempre.
Tolkien gostava demais deste mundo e queria J. R. R. Tolkien: C. S. Lewis, é claro,
vê-lo de volta. tinha algumas esquisitices e às vezes podia ser
Pedro Augusto: O interesse de Tolkien irritante. Afinal de contas, era e continuava a
pelo medievo pode ser destacado como uma ser um irlandês de Ulster. Tinha uma mente
das razões de grandeza da sua obra, pois esta é generosa, alerta contra todos os preconceitos,
uma fonte muito grande, pura e fecunda. apesar de alguns estarem por demais
Desde a sua adolescência, Tolkien era enraizados em sua experiência nativa para que
um grande leitor das obras de Chesterton. ele os observasse.
Registros apontam que ele tinha vários livros Diego Klautau: Por mais que os dois
do autor, tendo, inclusive, doado cópias de fossem muito diferentes, a relação foi se
“Napoleão de Nothing Hill”, “Hereges” e tornando recíproca.
“Ortodoxia” para a biblioteca de sua escola Sérgio Ramos: A amizade ia crescendo aos
no ano de 1909. poucos e em 1927 eles já eram grandes
Joseph Peirce: Não há dúvidas de que amigos.
Tolkien foi fortemente influenciado por Ives Gandra Filho: O Tolkien tinha o desejo
Chesterton, principalmente na sua infância e de transmitir a sua fé aos outros, por isso ele a
juventude. transmitiu ao Lewis.
Diego Klautau: Para Tolkien, Diego Klautau: É interessante como
Chesterton tinha a importância de um irmão um católico ganhou a admiração de um
mais velho, o qual abria caminhos na intelectual moderno e ateu que era C. S.
sociedade inglesa de como apresentar-se Lewis.
católico, inteligente e respeitável. Poucos dias após ter convertido o seu
Joseph Pearce: Eu diria que Tolkien, grande amigo ao Cristianismo, Tolkien
assim como a maioria dos católicos de sua registrou o ocorrido sob a visão de Lewis em
geração, cresceu lendo os trabalhos de G. K. seu diário, numa noite em Eddison's Walk.
Chesterton. Em suas obras, é bastante claro J. R. R. Tolkien: A amizade com
que ele conhecia a amava o trabalho de Tolkien compensa muita coisa e, além de dar
Chesterton, mesmo que tenha ficado um prazer e conforto constantes, fez-me muito
pouco cético em relação a alguns d eseus bem pelo contato com um homem ao mesmo
trabalhos, quando fico mais velho. tempo honesto, valente, intelectual (...) e um
Alexandre Azevedo: Talvez o texto amante, ao menos após longa peregrinação, de
mais difícil que o Tolkien tenha escrito em sua Nosso Senhor.
vida seja Sobre Estórias de Fadas. É um Sérgio Ramos: A idéia que Tolkien
ensaio que foi apresentado na universidade, tinha de amizade e companheirismo o
para colocar as suas justificativas sobre o acompanhou desde a sua juventude e nunca
porquê de ler e escrever contos de fadas. As mais o abandonou. Quando passou a ter
suas idéias são muito próximas das idéias que proximidade com C. S. Lewis, ele formou os
Chesterton apresentou muitas vezes. Inklings, que tiveram uma importância
Joseph Peirce: Tolkien via a fantasia fundamental em sua vida. Era um grupo com

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os nomes dos grandes acadêmicos de Oxford, Diego Klautau: A noção de
os quais se reuniam para escrever as suas aplicabilidade, apresentada por Tolkien, é
histórias e contá-las uns aos outros. Então eles semelhante ao que S. Tomás de Aquino chama
ouviam as histórias, faziam críticas e de sentido parabólico. A Bíblia não é literal,
apreciavam. mas isso não quer dizer que ela está mentindo,
Alexandre Azevedo: Muitas vezes, pois o texto sagrado retrata a verdade num
Tolkien e Lewis leram as suas obras nos sentido figurado, uma vez que as verdades
Inklings. contidas nas escrituras não estão confinadas
Deividi Pansera: Ali haviam pessoas em sua literalidade, mas, sim, em seu sentido.
que compartilhavam dos mesmos propósitos. Deividi Pansera: O próprio Cristo
O debate literário e intelectual nos falava por meio de parábolas, sendo que elas
Inklings era de alto nível, mas muitas vezes se aplicam às circunstâncias de todo ser
aqueles dois grandes amigos discordavam humano.
entre si. A dupla de amigos mergulhou num
Diego Klautau: A questão da alegoria estudo sobre mitos e Tolkien aprofundou-se
era uma das principais divergências entre na elaboração de sua própria mitologia.
Lewis e Tolkien. Joseph Peirce: Tolkien acreditava no
Ives Gandra Filho: Tolkien acreditava poder da história, pois fomos criados para ser
que o simbolismo cristão não podia ser tão contadores de histórias.
explícito quanto era nos contos de Lewis. Victor Sales Pinheiro: O mito apela
Sérgio Ramos: Ele se dizia contra àquilo que temos de mais humano,
praticamente todo tipo de alegoria, pois ele mostrando-nos através de uma linguagem
entendia a alegoria como uma de escravizar o simbólica a realidade mais profunda das
entendimento do leitor sobre a obra. coisas.
Deividi Pansera: Para Tolkien, a João Nogueira (Rasta): Tolkien partiu
alegoria encerrava um simbolismo, impedindo dos mitos da criação e da salvação humana, as
que a imaginação do leitor fluísse através de quais ocorrem na estrutura da realidade, tendo
outros significados. encaixado a narrativa dentro de uma matriz
Sérgio Ramos: Há uma diferença entre simbólica medieval e pagã. Ou seja, ele criou
alegoria e linguagem alegórica, sendo que uma nova mitologia a partir desses elementos.
Tolkien era adepto da linguagem alegórica, a Diego Klautau: É necessário levar em
qual implica na aplicabilidade que os consideração todo o amor que ele tinha pela
símbolos tinham em suas obras. Inglaterra.
Deividi Pansera: Através da linguagem Ives Gandra Filho: Ao estudar as
alegórica, pode-se contar uma história línguas nórdicas, ele se deu conta de que a
polissêmica, que alude a diversas situações do Inglaterra não possui uma mitologia própria.
mundo real e até às circunstâncias pessoais de Joseph Peirce: Tolkien esperava que as
um indivíduo. histórias da Terra Média fornecessem uma
mitologia para a Inglaterra, pois ele já tinha
J. R. R. Tolkien: As pessoas não visto o poder que as mitologias nacionais
entendem completamente a diferença tinham sobre as culturas de seus respectivos
entre alegoria e aplicação. Você pode países.
assistir a uma peça de Shakespeare, Diego Klautau: Algumas idéias da
aplicá-la a coisas da sua mente — se religião são importantes para a obra de
quiser —, mas elas não são alegorias. Tolkien, tal como a delimitação entre Deus e a
Criação, que semelhante à relação entre o
Sérgio Ramos: Então cada leitor tem a artista e a obra, por isso ele criou o conceito
sua forma de interpretar o texto, sendo que de “sub-criação”.
este entendimento será encaixado com as
idéias do próprio autor.

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J. R. R. Tolkien: ”O desejo que temos de Joseph Peirce: Do mesmo modo, sem
criar é uma das nossas inclinações, e a a catástrofe da Cruci cação, não teria
razão disso é que fomos feitos por um ocorrido a eucatástrofe da Ressurreição.
Criador. Porém, não somos criadores, por Existe um livro em particular no qual
isso temos de sub-criar, à medida que Tolkien concentrou os seus esforços para
reorganizamos a matéria primária de construir uma mitologia.
maneira que nos agrade”. Deividi Pansera: E este livro é O
Silmarillion, que é a construção mitológica
Joseph Peirce: Então nós fazemos de Tolkien, vigente em toda a história da
coisas a partir de outras coisas que já existem Terra Média.
e somente Deus é capaz de criar ex nihilo. Sérgio Ramos: O Silmarillion é tanto
Diego Klautau: Tolkien desejava criar uma cosmogonia quanto uma espécie de
um mundo fantástico no qual a virtude era Antigo Testamento para o mundo de Tolkien.
virtude e o vício era vício, tal como no Ele passou a sua vida inteira escrevendo o
mundo primário, sendo que ele chamava a livro, por isso ele é extremamente rico em
Criação de “mundo primário” e a sub- detalhes.
criação de “mundo secundário”. Joseph Peirce: É importante
João Nogueira (Rasta): Para o Tolkien, lembrarmos que O Silmarillion é um
uma simples árvore era um testemunho da trabalho que ainda não estava nalizado
Criação, por isso ele era capaz de descrever quando Tolkien morreu.
uma oresta por parágrafos e mais Ives Gandra Filho: Ele começa
parágrafos. justamente com a Criação do Mundo.
Sérgio Ramos: Por exemplo, ele Sérgio Ramos: Deus é chamado de
descrevia uma or com muitos detalhes, Éru, que canta uma canção aos seres criados
além de conferir-lhe o nome él co e o nome por Ele.
humano, visto que ela faz parte da história e Joseph Peirce: “Contemplem a
não está ali meramente como um elemento grande música. Contemplem esta coisa linda
decorativo. que Eu criei para vocês.” Note que Ele não
Deividi Pansera: Tolkien estava diz “ouça”, Ele diz: “toquem”. E isso é
tentando reproduzir um eco da Criação, que muito profundo. Em outras palavras, a
é cheia de detalhes maravilhosos. Criação é a Grande Música: se você tocar de
Sérgio Ramos: Nada está ali por acaso, tudo acordo com a partitura, que são os desígnios
foi colocado de modo verossímil à realidade, da providência, a melodia será realmente
por isso sentimo-nos dentro da Terra linda.
Média.Diego Klautau: Outro termo Victor Sales Pinheiro: Nada mais
cunhado por Tolkien foi a “eucatástrofe”. bonito, o mundo foi criado com música,
Deividi Pansera: Ele o cunhou para dança e harmonia. Diante deste cosmos
nos mostrar uma das principais funções dos criado por Tolkien, perguntamo-nos: “De
contos de fadas. onde ele tirou tudo isso?”
Joseph Peirce: A catástrofe é uma Joseph Peirce: “Melkor” signi ca “o
virada triste e a eucatástrofe é uma virada mais poderoso”. Era justamente o anjo que
repentina e alegre, a qual, na verdade, é uma não queria tocar de acordo com a partitura.
consequência da catástrofe. Sérgio Ramos: Várias vezes, Tolkien o
Deividi Pansera: Tolkien via a história comparou a satanás, o anjo caído.
de Cristo como um verdadeiro conto de João Nogueira (Rasta): Melkor trouxe
fadas, no qual a queda do homem foi o a discórdia e o mal para o cosmos de Tolkien,
evento catastró co, que teve como inserindo uma dissonância na Criação, à
consequência a Encarnação do Verbo Divino, medida que ele desejava tocar temas e
que é a eucatástrofe. melodias que não tinham a ver com a

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melodia original, pois ele desejava a glória de episódio o marcou muito, por isso ele o
Eru para si. narrou em sua história, quando Tinúviel
Joseph Peirce: Então Deus diz a dançou para Beren.
Melkor — o mais poderoso dos anjos — que
não existe nenhulm tema — por mais escuro J. R. R. Tolkien: “Ela dançou; e deixava
ou destrutivo que seja — que Melkor possa seus rastros, uma névoa de prata em
trazer à grande música de Deus que Ele não movimento. Béren veio; e o destino
vá tecer no desenvolvimento do tema central tomou Tinúviel, deitada luzindo sobre
da grande música e de maneiras ainda mais seu braço. E Béren, pondo os olhos
belas e complexas do que Melkor é capaz nos dela; nas sombras que seu cabelo
possa imaginar. Em outras palavras, não lançava; do céu a vibrante luz da
existe nenhum mal que Satanás traga à estrela lá viu retratada em brilhante
Criação que não seja transformado em algo re exo. Tinúviel, que linda o tava; dos
bonito por Deus. elfos imortal donzela. E volta dele os
Pedro Augusto: O pobre demônio braços passava, ual prata luzindo no
jamais conseguirá destruir a harmonia total doce amplexo.”
do cosmos, pois nenhum mal que ele zer irá
escapar à harmonia da Providência Divina. João Nogueira (Rasta): Ele escreveu o
Sérgio Ramos: Ou seja, deixa bem episódio em homenagem a Edith. É uma
claro que os propósitos egoístas vão contra a representação do amor ideal entre homem e
ordem das coisas e levam à queda do mulher, desde o início de sua existência.
homem. Deivid Pansera: Foi o casal que
Pedro Augusto: E o mundo passou a conseguiu tirar uma silmarill da coroa de
existir quando Erú terminou de compor a Morgoth.
sua canção. Alexandre Azevedo: Mas nenhum
Deividi Pansera: O Silmarillion é a exército jamais conseguiu sequer chegar
narrativa do resgate das silmarills, que eram perto de Morgoth. Beren e Lúthien
pedras portadoras de uma luz da divindade conseguiram realizar a façanha porque amor
no mundo criado. mútuo que eles tinham um pelo outro era a
João Nogueira (Rasta): Naturalmente, fundamento que os sustentava.
as silmarills eram jóias muito valiosas, o que Deividi Pansera: O amor é um
despertou a cobiça de Melkor, tal como de centelha da luz de Deus na Terra.
muitas pessoas. João Nogueira (Rasta): Pela história
Sérgio Ramos: Melkor consegue de Beren e Lúthien, vemos que no
tomar posse das jóias e fugir com elas, o que matrimônio se deseja a eternidade da pessoa
dá seguimento a uma série de guerras e amada.
batalhas que visam recuperá-las. Porém, Tolkien nunca nalizou o livro, mas o
existem algumas histórias independentes enviou para os seus editores nas
entre esses eventos, que compõem um oportunidades que teve.
contexto maior. J. R. R. Tolkien: Tenho sofrido de
Deividi Pansera: E para Tolkien, por medo e privação desde que liberei essa
razões biográ cas, a principal delas era a tolice amada e particular, mas agora
história de Beren e Lúthien. certamente terei esperanças de um dia
Sérgio Ramos: Quando Tolkien ser capaz de publicar o Silmarillion. A
padecia da doença que lhe rendeu a dispensa construção de uma mitologia (e duas
da guerra, ele foi realocado para a Inglaterra, línguas) ocupa por demais a mente, e
e sua esposa Edith foi morar próxima a ele. as silmarils estão no meu coração, de
Certo dia Edith dançou para ele enquanto o modo que só Deus sabe o que
casal caminhava por um bosque, sendo que o acontecerá.

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amizade entre Tolkien e Lewis era ótima,
Tolkien cava até tarde nos encontros pois o Lewis funcionava como um motor
dos Inklings, elaborando o seu projeto para Tolkien. Pode-se dizer que O Hobbit era
literário com Lewis, mas ao mesmo tempo a conexão entre Tokien sub-criador e o
tinha uma família para cuidar. Tolkien pai de família e lho de Deus.
Sérgio Ramos: Uma das tradições da Sérgio Ramos: Tolkien havia reunido
Família Tolkien era contar histórias. em si o Tolkien pai, que contava histórias
Alexandre Azevedo: E ele era muito para os lhos, e o Tolkien que criava
dedicado à sua família, sempre buscando os mitologias.
melhores recursos materiais para provê-los, o Diego Klautau: E o próprio Tolkien
que não o impedia de ser presente no dia-a- se identi cava com o hobbit, não por ter os
dia dos lhos e da família — Tolkien era um pés peludos, as orelhas pontudas e ser
paizão. baixinho, mas pelos hábitos e pela orientação
Uma história que Tolkien havia moral. Por exemplo, ele de comer, beber e
contado a seus lhos acabou virando um dormir, tal como de estar com os amigos e
livro no começo da década de 30. celebrar as pequenas coisas da vida.
João Nogueira (Rasta): As alegrias dos
J. R. R. Tolkien: O começo real, bem, hobbits são as alegrias aspiradas pelo homem
não o começo, mas o ponto de partida, comum: viver uma vida simples com sua
eu me lembro muito bem. Ainda posso família.
me recordar do canto da minha casa
em Northmoor Road, 20, onde estava J. R. R. Tolkien: Os hobbits não são
uma enorme pilha de provas. E nada mais do que o povo inglês
corrigir provas no verão era em rústico. Pequenos em tamanho,
enorme trabalho, infelizmente muito porque isto re ete, em geral, o
tedioso. E lembro de pegar uma prova pequeno alcance da imaginação deles,
e, na verdade, encontrar algo pelo qual mas não o pequeno alcance de sua
eu quase dei um ponto extra ou coragem ou força de trabalho.
mesmo cinco pontos extras, porque
uma folha em particular fora deixada Joseph Pearce: O que vemos no
em branco. Glorioso! Nada para ler, condado realmente é a manifestação de uma
então eu escrevi nela, não lembro o visão da Inglaterra que Chesterton e Belloc
porquê. tentavam evocar em seus escritos sobre
distributismo.
Alexandre Azevedo: Depois que João Nogueira (Rasta): A produção
Tolkien escreveu aquela famosa frase numa ocorre em pequena escala e há uma espécie
folha de prova em branco, ele resolveu de prefeito que não possui grandes poderes,
descobrir quem eram os hobbits. mas ao mesmo tempo temos a jornada de
Deivid Pansera: Ele ainda não sabia o um herói cujo caráter será testado.
que era um hobbit e muito menos o que Sérgio Ramos: N'O Hobbit, temos a
signi cava aquele buraco no chão. história de um personagem que foi retirado
Sérgio Ramos: Na verdade, o Tolkien da vida comum e praticamente foi obrigado
não estava inventando uma história, mas a partir para uma grande aventura, com o
estava descobrindo. propósito de derrotar um e recuperar um
João Nogueira (Rasta): Ou seja, a tesouro.
história veio a ele, como se ela tivesse sido Joseph Pearce: A razão pela qual
revelada. Bilbo precisou embarcar na jornada é que ele
Deividi Pansera: E o C. S. Lewis o padecia da doença do dragão e realmente
encorajou muito a publicar a história. A estava possuído pelo apego às suas posses: a
sua toca de hobbit era perfeita, os seus

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móveis eram perfeitos, os seus talheres e J. R. R. Tolkien: Agora eu queria me
louças eram perfeitos e a dispensa sempre dedicar a escrever uma narrativa
tinha a sua comida favorita. Ou seja, ele tinha estupendamente longa e ver se eu tenho arte,
tudo o que queria e estava confortável em astúcia e material su ciente para uma
sua condição. história longa, que prenderá o leitor médio
Diego Klautau: A nal de contas, se o até o m.
simples conforto material não for su ciente Sérgio Ramos: O hobbit foi
para ordenar a vida, o que será? O herói concebido como uma história independente,
precisa entender o fundamento que sustenta mas a editora queria que o Tolkien escrevesse
a realidade material. uma continuação, então ele se deu conta de
Joseph Peirce: Gandalf o convoca, dizendo: que Bilbo Bolseiro, aquele pequeno hobbit,
'Você precisa partir para esta aventura, pois estava inserido naquele mundo maior de
será bom para você'. lendas. Ele não sabia muito bem o rumo que
Alexandre Azevedo: E o Bilbo foi a história ia tomar, mas ele sabia que ela teria
completamente transformado ao longo da de envolver os hobbits.
jornada, à medida que ele parou de olhar Alexandre Azevedo: Ao longo de
apenas para si mesmo e desenvolveu todos aqueles anos, Tolkien percebeu que a
virtudes. sua história não era apenas uma continuação
Joseph Peirce: O motivo central da d'O Hobbit, mas, sim, uma obra muito
jornada de Bilbo Bolseiro é o aprendizado de maior, na qual ele desenvolvia toda a sua
que ele deveria dar a sua vida pelos outros. mitologia.
Alexandre Azevedo: E ele se torna o Sérgio Ramos: Lewis lhe dava forças
protagonista da história justamente no e o incentivava, dizendo que ele tinha de
momento em que ele percebe que os outros terminar aquela história, pois ela mudaria
dependem dele, a ponto de ele se tornar o todo o cenário mitológico e fantástico de seu
cara que matou o dragão, lembrando que o tempo.
dragão n'O Hobbit simboliza o demônio. A obra-prima que Tolkien conseguiu
Esta foi uma referência que Tolkien fez à publicar ainda em vida teve um grande e
Idade Média. O primeiro momento em que doloroso processo de maturação. Seus
o dragão demonstrou inquietação foi quando inúmeros trabalhos acadêmicos estavam
Bilbo levou seus amigos à água e renasceu na inacabados e sem perspectiva de serem
água, o que é uma alusão ao sacramento do publicados. Sua mulher e lhos
batismo. demandavam atenção. Não existia tempo em
Diego Klautau: O que torna o hobbit sua vida cotidiana para escrever um épico
um herói é o fato de ele não ter recuado mitológico. Em meio ao mundo comum, a
diante do desa o. Porém, ele precisava voltar eclosão da Segunda Guerra Mundial
para casa, como todo bom héroi. di cultou ainda mais a escrita do mito. Com
Joseph Pearce: Quando Bilbo voltou 51 anos, ele estava cansado e receosos de não
para casa, eles estavam vendendo todos os conseguir terminar a sua mitologia. Parecia
seus bens, pois acreditavam que ele estava não haver nenhuma estrela acima das negras
morto. Simbolicamente, o retorno de Bilbo à nuvens de melancolia que o atordoavam. Em
casa no nal de sua jornada era um uma certa manhã, sua vizinha pediu-lhe
ressurgimento dos mortos. ajuda com uma árvore que estava prestes a
Publicado em setembro de 1937, a cair em cima da casa dela, mas Tolkien
jornada de Bilbo foi um sucesso instantâneo. percebeu que ele mesmo também estava
A primeira tiragem esgotou-se poucas preocupado com uma árvore, que era a sua
semanas depois, no Natal, e o editor de árvore interior. Ele descobriu uma nova
Tolkien começou a pressioná-lo por uma história e a anotou no primeiro pedaço de
nova história sobre o hobbit, mas Tolkien não papel que viu. Tolkien eternizou o drama
queria fazer outro livro infantil. pessoal de sua vida no conto que cou

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conhecido como Folha de Cisco. conheço. Parabenizo-o. Todos os longos anos
J. R. R. Tolkien: Cisco era um pintor que você gastou estão nele justi cados.
que se preocupava com os detalhes. Atenciosamente, Jack Lewis.
Ele estava tentando descobrir como O livro foi um sucesso estrondoso,
pintar uma árvore que parecesse real. tendo sido traduzido em dezenas de países e
Ele cava muito tempo em uma única alcançando milhões de pessoas em pouco
folha, mas ele queria pintar a árvore tempo. Atualmente, O Senhor dos Anéis já
inteira, com todas as suas folhas no vendeu 170 milhões de cópias ao redor do
mesmo estilo e todas elas sendo mundo e é o quarto livro mais vendido na
diferentes. Um quadro em particular história da humanidade, atrás apenas da
preocupava Cisco. Ele começou com Bíblia e de clássicos da literatura, publicados
uma folha ao vento, a qual se tornou séculos atrás. Com pouco mais de 60 anos,
uma árvore, e a árvore cresceu, Tolkien se viu inesperadamente rico e
lançando inúmeros galhos e as mais famoso.
fantásticas raízes. Cisco sentia que João Nogueira (Rasta): Os fãs tinham
seria arrebatado por sua obra muito todo aquele entusiasmo com a obra de
antes de tê-la concluído, se é que ela Tolkien, mas não compreenderam a sua
poderia ser nalizada neste mundo. grande mensagem.
Enquanto tentava pintá-la, as Alexandre Azevedo: Houve até uma
obrigações do dia-a-dia apareciam. Ele edição pirata de suas histórias nos EUA, a
tinha de cuidar principalmente do qual foi consumida absurdamente pelos
vizinho Paróquia, que nunca se hippies.
importava com a sua pintura e achava Diego Klautau: De maneira
que era perda de tempo. Certo dia, surpreendente, aquela geração da contra-
enquanto cisco tentava correr para cultura adotou Tolkien como um de seus
terminar a sua árvore, duas guras autores e mestres preferidos.
estranhas apareceram na sua porta: Deividi Pansera: Então começaram a
havia chegado a hora de fazer a viagem aparecer muitos hippies em sua casa
que ele estava evitando fazer há muito querendo conversar, pois eles o viam como
tempo e ele foi levado às pressas. Cisco um símbolo da contra-cultura.
partiu triste por não ter conseguido J. R. R. Tolkien: Depois de examinar
terminar a sua árvore neste mundo, diversas cartas que eu recebo dos fãs, percebi
mas uma grande surpresa o aguardava que somente poucos parecem ter lido os
em seu destino nal. livros com atenção.
Deivid Pansera: A academia detestou
Em outono de 1949, Tolkien O Senhor dos Anéis.
nalmente terminou O Senhor dos Anéis, Alexandre Azevedo: Os acadêmicos
doze anos após ter começado a escrevê-lo. da época não acharam a obra interessante e
Anos mais tarde, ele disse que chorou de não a levaram a sério.
verdade, enquanto escrevia os últimos Sérgio Pansera: Tolkien até se
capítulos da obra. Após, en m, terminar de manifestou contra alguns roteiros de
datilografar letra por letra uma cópia do adaptações das suas obras, pois ele temia que
manuscrito com quase 600 mil palavras, elas fossem deturpadas a ponto de se
Tolkien o emprestou para o seu melhor tornarem apenas entretenimento comum.
amigo. Pessoas aleatórias: “Eu realmente não
Jack Lewis: Meu caro Tollers, gosto de Tolkien e do que ele representa.
louvemos os hobbits, de fato, uma vez que o Parece-me que sua obra implica em uma
crescendo de grandiosidade e terror chega a fuga da realidade política e social.”“Na
deslanchar e praticamente não tem paralelos verdade, eu não li Tolkien, mas acho que é
em todo o âmbito da arte narrativa que eu maravilhoso.”

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Mesmo com tanto sucesso, as pessoas envolveu o esforço de todas as partes, mas a
não pareciam ter entendido o real signi cado causa direta da destruição do anel não foi o
daquela obra-prima que ele havia esforço de todas as partes, mas a ação da
conseguido terminar neste mundo. Parecia providência.
que o trabalho de sua vida inteira havia sido Sérgio Ramos: A principal mensagem
em vão. Mas o legado d'O Senhor dos Anéis d'O Senhor dos Anéis é a esperança, pois
é muito maior do que Tolkien talvez tenha quando tudo parece perdido, a maré vira e o
imaginado. algo bom acontece. Ainda que o Frodo seja
Sérgio Ramos: O primeiro capítulo falho — tal como nós —, existe a esperança
d'O Senhor dos Anéis parece um capítulo de que no nal tudo dê certo, desde que
d'O Hobbit, pois é um capítulo muito alegre estejamos em conformidade com a
e com hobbits. Mas, ao longo da história, Providência Divina.
tudo ca mais sombrio. Joseph Peirce: O anel foi destruído
Deividi Pansera: A linguagem d'O em 25 de março, que é a data mais
Senhor dos Anéis era muito semelhante à importante do calendário cristão, visto que é
linguagem do Silmarillion, o que lhe o dia em que Deus se tornou homem. Algo
conferiu um aspecto mais adulto e mais ainda mais profundo é o fato de que tanto a
profundo. Igreja Primitiva quanto a Igreja Medieval
Sérgio Ramos: Então há uma acreditavam que a da Cruci cação também
continuidade entre as histórias, começando ocorreu no dia 25 de março. Tolkien escolheu
pelo Silmarillion, passando pelo Hobbit e a data em que o Verbo se fez carne e foi
concluindo com O Senhor dos Anéis. E o cruci cado por nós como a data na qual o
anel mágico encontrado por Bilbo na caverna anel foi destruído, e isso signi ca que o anel
de Gollum foi justamente um dos elementos simboliza o pecado, visto que a Encarnação,
que Tolkien usou para ligar as histórias. Os a Vida, a Morte e a Ressurreição de Jesus
personagens tinham de passar por uma Cristo implicam na destruição do pecado.
longa jornada para destruir o anel. Frodo e a Sociedade do Anel deixaram
João Nogueira (Rasta): Uma coisa é o Valfenda no dia 25 de dezembro, ou seja, a
meu comportamento aqui em casa, outra jornada de Frodo até a Montanha da
coisa é o modo que tenho de agir no Perdição é a vida de Jesus Cristo, desde o seu
mundão. No meio do caminho, Bilbo nascimento até a sua morte.
encontra uma criatura chamada Gollum. Sérgio Ramos: Os três personagens
Victor Salles Pinheiro: Trata-se de principais simbolizam a gura de Jesus
uma criatura que foi desumanizada em Cristo e eles têm de passar por uma longa
virtude de sua cobiça pelo anel. jornada para que o pecado — simbolizado
Alexandre Azevedo: Talvez o hobbit pelo anel — seja destruído.
seja uma das criaturas mais insigni cantes Victor Sales Pinheiro: Por mais que
da Terra Média, mas foram os hobbits que Jesus Cristo não apareça na história
conseguiram levar o anel à destruição. explicitamente, ele está presente na história
João Nogueira (Rasta): Os pequenos enquanto rei, profeta e sacerdote.
agentes da história, que muitas vezes não Alexandre Azevedo: Aragorn é o rei
levamos em consideração, são tão humilde e magnânimo; Gandalf é o profeta
importantes quanto os grandes homens para que reuniu os escolhidos para uma missão;
o curso da história. Frodo é o sacerdote, por ter oferecido um
Ives Gandra Filho: Um orgulhoso é sacrifício.
incapaz de pensar na possibilidade de ser Sérgio Ramos: A principal
vencido por um povo simples e humilde, que característica dos personagens de Tolkien é a
eram os hobbits, mas graças ao seu sacrifício, virtude.
coragem e desprendimento, a destruição do Alexandre Azevedo: Frodo sabia que
anel foi possível. era insigni cante, mas descobriu que devia
Pedro Augusto: A destruição do anel cumprir a sua missão, o que exigia muita

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coragem. Então ele disse: “Eu levo o anel”. então toda a hoste de Rohan irrompeu
Ives Gandra Filho: Devemos lembrar em canção, e cantavam enquanto
que os mais humildes eram os mais abatiam, pois a alegra da batalha
resistentes ao in uxo do anel. estava neles e o som de seu canto, que
Alexandre Azevedo: Aprendemos no era belo e terrível, chegou até a própria
livro um modo de desenvolver a virtude da Cidade.”
coragem na nossa vida cotidiana.
Joseph Peirce: Tolkien possuía uma Victor Sales Pinheiro: Então a
profunda compreensão do poder que o bem história d'O Senhor dos Anéis é sobre
exerce sobre o mal, ainda que às vezes o mal delidade, pois a tentação que o poder, o
seja bem-sucedido, pois em última instância dinheiro e o prazer exercem sobre nós
ele sempre gera um bem ainda maior. servem para nos desviar dum caminho de
J. R. R. Tolkien: “Bem, bem serviço, amor e sacrifício.
longe no Sul, as nuvens podiam ser Sérgio Ramos: Tolkien não desejava
vistas indistintamente como vultos que as pessoas lessem a obra como
cinzentos, rolando, vagando: a manhã representação do Catolicismo, visto que essa
estava por trás delas. Mas naquele essa nunca foi a sua intenção. A verdadeira
mesmo momento veio um lampejo, intenção de Tolkien era ensinar o
como se um raio tivesse emergido da Catolicismo pela via simbólica.
terra embaixo da Cidade. Por um Joseph Peirce: Eu vou citar palavra por
segundo crestante ela se ergueu, palavra o que Tolkien disse sobre O Senhor
cegante em preto e branco ao longe e dos Anéis: 'Obviamente O Senhor dos Anéis
sua mais alta torre era como uma é um trabalho católico e religioso. No
agulha reluzindo; e então, quando a começo, inconscientemente; na revisão,
escuridão se fechou outra vez, veio conscientemente.'
rolando por cima dos campos um Deividi Pansera: Você não entenderá
grande boom. Àquele som, a gura O Senhor dos Anéis, a não ser
curvada do rei subitamente se pôs super cialmente, se não conhecer um pouco
ereta de um salto. Parecia outra vez sobre simbolismo cristão.
alto e orgulhoso; e erguendo-se nos Joseph Peirce: É paradoxal que O
estribos exclamou em alta voz, mais Senhor dos Anéis não tenha o poder de
nítida do que alguém dali jamais converter as pessoas, tal como os livros de G.
ouvira um homem mortal pronunciar: K. Chesterton, por exemplo, Ortodoxia e O
'Á carga, à carga, Cavaleiros de Homem Eterno, pois esses livros ensinam e
Théoden! Feros feitos despertam: fogo até certo ponto pregam a religião. Porém,
e matança! Brandindo a lança, batendo muitas pessoas que nunca leriam Ortodoxia
o broquel, dia de combate, dia em ou Cristianismo Puro e Simples lêem O
brasa, antes do rubor da aurora! A Senhor dos Anéis.
galope, a galope! Galopem para Victor Sales Pinheiro: O Senhor dos
gondor!' E de pronto toda as trompas Anéis é uma obra que nos educa de tal modo
da hoste se ergueram em música, e o que não somos capazes de traduzir em
toque das trompas de Rohan naquela palavras. Ele a na a sensibilidade e gera um
hora foi como uma procela na planície ímpeto à nobreza. É difícil continuar sendo
e um trovão nas montanhas. 'A galope, mesquinho após realmente ter lido O Senhor
a galope! Galopem para Gondor!' Pois dos Anéis.
a manhã estava chegando, a manhã e Joseph Peirce: Todo o mundo que lê
um vento do mar, e a escuridão foi O Senhor dos Anéis, independentemente de
removida, e as hostes de Mordor ser ateu, agnóstico, mussulmano, judeu,
pranteavam, e o terror se apossou católico ou protestante, será trazido para
deles, e fugiram, e morreram, e os perto de Cristo na realidade da experiência.
cascos da ira passaram sobre eles. E

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João Nogueira (Rasta): Eu vejo a obra lugar. Ele avistou um vulto, que parecia
de Tolkien uma grande oportunidade para as bastante perdido. Era Paróquia. Cisco o
pessoas que desconhecem o Cristianismo de saudou. Eles não falaram nada, mas
conhecerem as suas verdades. agora caminhavam juntos. Um homem
Alexandre Azevedo: Toda a cultura vinha em direção deles, descendo as costas
pop é baseada n'O Senhor dos Anéis, sendo gramadas que levavam às grandes
que a mitologia criada por Tolkien realmente montanhas distantes. Ele parecia um
incutiu o conceito de transcendência na pastor. Paróquia então perguntou:“Você é
cabeça das pessoas de hoje em dia. um guia? Poderia me dizer o nome desse
Mesmo nos últimos anos de sua vida, país?”“Você não sabe?” Disse o homem.
Tolkien não se afastou da sua primeira e “É País de Cisco. Esta é a pintura de
grande paixão: a linguagem. Cisco ou a maior parte dela.” Foi então
Alexandre Azevedo: Conforme se que uma grande sombra verde se pôs entre
aproximava do m da vida, Tolkien Cisco e o Sol. Ele olhou para cima e caiu
acreditava cada vez mais no poder que a de joelhos espantado. Diante dele estava a
linguagem tem de unir as pessoas. árvore. A sua árvore. Ela estava
Sérgio Ramos: Ele a enxergava como terminada.“Pintura de Cisco!” Exclamou
um elemento capaz de unir as diversas Paróquia.“Você pensou em tudo isso,
vertentes do Cristianismo. Cisco? Nunca imaginei que fosse tão
Alexandre Azevedo: Inclusive, ele inteligente. Por que não me disse? Não
dizia que a união real entre católicos e parecia assim na época. Não era real.”
protestantes era possível através da língua. Cisco apertou a mão de Paróquia de
Em setembro de 1973, havia apenas maneira calorosa e disse:“Vamos nos
um cemitério católico na cidade de Oxford. encontrar de novo. Espero. Adeus.”
Afastado do centro da cidade e localizado no Estava pronto para partir com o pastor.
centro do subúrbio, ainda hoje ele é mantido Todas as folhas que ele tinha imaginado,
com recursos públicos e não tem grandes mas não conseguira desenhar estavam lá.
enfeites palacianos ou folhas de ouro. Mas A grande árvore brilhava como chama.
atualmente quem vai a Wolvercote pode Era uma árvore real, uma parte autêntica
encontrar uma lápide com uma simples da Criação. Ele ergueu os braços, abriu-
diferença em relação às demais. Não é o os largamente e nalmente percebeu:“É
mármore de granito ou as ores que sempre um dom!”
são colocadas por fãs ao redor, mas os nomes
de personagens de uma história fantástica
gravados juntos aos de pessoas reais. Béren e
Luthien, Ronald e Edith Tolkien. Ao redor
do mundo, milhões de pessoas choraram a
morte do sub-criador da Terra Média. Uma
legião homenageou o homem que por meio
de sua mitologia havia mudado a vida de
cada um que entrava em contato com suas
obras. Nas celebrações, um grupo de fãs
emocionados leram o nal de Folha de
Cisco.
“Cisco acordou no alto de uma
colina verde, limpa, varrida por um vento
penetrante e revigorante. Ele não se
recordava de muita coisa e não sabia
como tinha chegado até ali. Parecia se
lembrar de ter visto ou sonhado com
aquele trecho de grama em algum outro

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CRÉDITOS
Michael Ward: A minha dívida vou a Oxford, eu visito o túmulo do Prof.
pessoal com Lewis é tão grande que eu não Tollers para agradecê-lo, e continuarei a
consigo nem sequer calcular. De Lewis eu fui visitar sempre que eu for à Inglaterra
para Tolkien e de Lewis e Tolkien eu fui para Joseph Peirce: Um dos motivos de eu
Chesterton. Eu aprendi muito com todos os ter vivido uma vida cristã, tendo me
três. convertido e escrito sobre essas pessoas e sus
Ives Gandra Filho: Quando eu me obras, é o fato de eu ter entendido o quão
sinto muito desanimado ao pensar na poderosos são os seus testemunhos, histórias
situação do mundo, eu leio um pouco de e conversões para a vida de outros seres
Chesterton, Lewis e Tolkien, então parece humanos, e eu mesmo ter sido
que as nuvens se desfazem. profundamente transformado por eles.
Pedro Augusto: Chesterton e Tolkien Chesterton foi o personagem mais
me tornaram alguém melhor e mais católico, importante no meu processo de conversão. O
mas eles não o zeram por acidente, pois eles primeiro livro que eu escrevi após ter me
são capazes de fazer o mesmo a todos. convertido foi a biogra a de Chesterton, e eu
Anderson Silva: A transformação de sempre digo que este foi um ato de
todos aqueles a quem eu recomendo que se agradecimento a Deus, por ter me dado
debruce nas obras dos três é inevitável. Chesterton, e a Chesterton por ter me dado
Quem se debruça, se transforma. Deus.
Guilherme Almeida: Chesterton foi Rafael Tonon: Para mim, a leitura d'O
um autor que me marcou muito, pois ele me Homem Eterno foi mais do que uma virada
tirou do estado de torpor e sonolência de chave: foi um soco no estômago. De
existencial em que eu estava. A obra central repente, os meus anos de faculdade
neste processo foi Ortodoxia, eu nunca tinha desmoronaram na minha frente. Felizmente
lido um autor que mexesse tanto comigo, isso aconteceu, porque a partir daí eu passei
pois a verdade contida ali era tão nítida a a ler as outras obras do Chesterton, eu
ponto de descontruir os desentendimentos e comecei a ter um contato ainda maior com a
os castelos de fumaça que as minhas leituras realidade e passei a compreender o que é a
pregressas e os meus anos iniciais da loso a. Embora eu já tivesse feito duas
faculdade de história haviam criado. Uma faculdades, eu não sabia nada disso.
idéia fundamental do livro é que o Cristo ri Raul Martins: Eu estava estudando
para nós quando lemos a Bíblia. Chesterton loso a desesperadamente, porque eu não
dizia que provavelmente o Cristo foi a pessoa queria virar ateu. Embora eu já fosse cristão,
mais feliz que pisou na Terra. Este foi o laço eu tinha medo de virar ateu, pois eu
que capturou, por isso eu o agradeço aonde acreditava que os ateus eram mais
quer que ele esteja, e também agradeço a inteligentes. Porém, quando eu li Ortodoxia,
Deus por tê-lo colocado em meu caminho e eu redescobri a felicidade, que até então
me resgatado. havia se tornado desconhecida. E quando eu
Deividi Pansera: Na primeira vez que terminei de ler o livro, eu cheguei à
eu li O Senhor dos Anéis, eu era um ateu conclusão: “Meu Deus do Céu, vale a pena
professo. Nietzche, Russel e vários outros viver!”
intelectuais con rmavam o meu ateísmo e Victor Sales Pinheiro: Quando eu
falavam mal da cosmovisão cristã, enquanto cheguei ao capítulo Os Paradoxos do
que o Tolkien estava contando uma história Cristianismo, eu me rendi, pois ele me
de sacrifício e exaltando valores de piedade. persuadiu sobre a verdade do Cristianismo.
Então eu estava imerso na podridão moral Eu quei inebriado e extasiado.
que todos aqueles intelectuais ateus me Jota Borgonhoni: Graças ao
incutiram, mas Tolkien me salvou Chesterton, eu me tornei um católico melhor
moralmente, porque todas aquelas e com mais convicção sobre o Catolicismo,
personagens me geravam inspiração, embora pois o Chesterton nos dá essa base.
eu não soubesse o porquê. Toda vez que eu Joseph Peirce: Eu também acabei me

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apaixonando por Lewis e por Chesterton, que eu pudesse me tornar uma pessoa
então comecei a comprar todos os livros de melhor.
Lewis que conseguia encontrar, mas quando Alexandre Azevedo: Tolkien é um elo
você lê Chesterton e Lewis, cedo ou tarde entre os meus lhos e eu, pois eu já li muitas
você experimenta o desejo de ser cristão. vezes as histórias para eles e eles a conhecem
Nichele Lopes: Eu fui atrás d'As de cabo a rabo.
Crônicas de Nárnia durante o meu período Diego Klautau: Observando a sua
de conversão. Eu voltei a ser criança quando história de vida, eu percebi que foi muito
entrei naquele universo, o que impactou coerente com os seus amigos, com a sua
muito positivamente a minha conversão. família, com a sua pro ssão e com a sua obra.
Kemily Rodrigues: É impossível A dedicação de Tolkien à fé, que foi cultivada
entrar em contato com Lewis e não ser em vários aspectos de sua vida, me motivou a
levado pelo brilhantismo com o qual ele continuar estudando.
explica a fé cristã, a moral, as virtudes e até João Nogueira (Rasta): Tolkien e
mesmo o comportamento humano. Chesterton são meus amigos. Por exemplo,
Cristiano Camilo Lopes: Quando eu eu vejo Tolkien como uma grande fonte de
estava trabalhando no mercado nanceiro e consolo, pois sempre que eu estou deprimido
me preparando para o casamento, eu tive ou agitado, eu abro um capítulo de Tolkien e
contato com esses autores e a minha vida me lembro por que a vida vale a pena ser
mudou. Então eu pensei: “Não é isso que eu vivida. Eu aprendi a ter essa alegria com
quero, este não é o meu lugar no mundo. Eu Chesterton, à medida que eu deixei de ter
vou para a vida acadêmica seguir um um olhar muito sério sobre mim mesmo,
trabalho na área eclesiástica.” Essas pois eu não sou merecedor de muita
mudanças foram fundamentais para a minha seriedade.
vida, e começaram através do contato com a
obra do C. S. Lewis.
Gabriele Greggersen: Eu estava em
crise de fé, pois eu não conseguia conciliar o
que eu aprendia na universidade com aquilo
que eu vivenciava na igreja. Lewis foi o meu
patrono, pois ele me ajudou a estabelecer a
ponte entre a fé e a razão. Desde então, eu
quei tão grata a ele que dediquei toda a
minha vida a promover as suas idéias no
Brasil.
Carlos Caldas: Durante todos esses
anos, o Lewis tem sido um suporte e um
encorajamento na fé.
Anderson Silva: Eu não consigo ser
um covarde ao ler e meditar sobre a vida de
C. S. Lewis.
Joseph Peirce: Sendo honesto, Tolkien
fez com que eu me aprofundasse ainda mais
na minha fé.
Sérgio Ramos: Muitas vezes eu
recebo depoimentos de pessoas dizendo que
voltaram à Igreja Católica, ao entender a
mensagem passada através das obras de
Tolkien. Para mim, Tolkien é uma grande
inspiração para a vida de marido, pai e
pro ssional. Tolkien deu toda a base para

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