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FUNDAMENTOS DA MATÉRIA

Prof. Valéria Spolon Marangoni

Soluções, suspensões e equilíbrio químico


“Hydrogen is unique amongst the elements” (Lowry, T. M. [5])

Nas aulas anteriores, nós exploramos os átomos, as moléculas, os gases, líquidos


e sólidos. No entanto, a maior parte da matéria que encontramos no nosso dia a dia é
composta de misturas. As misturas homogêneas são chamadas de soluções e podem estar
na forma de gases, líquidos e sólidos. O que determina a capacidade de uma substância
de formar uma solução? Basicamente, os tipos de ligações intermoleculares e a
capacidade de mistura entre os componentes. Chamamos de solvente o componente
presente em maior quantidade, enquanto os demais são chamados de solutos.
Uma mistura de gases é sempre um processo espontâneo e é favorecida pelo
aumento da entropia do sistema. Já nos líquidos e sólidos é preciso considerar o efeito
das interações intermoleculares (soluto-soluto, soluto-solvente, solvente-solvente). A
capacidade de uma sustância de dissolver a outra depende dessas interações. Por exemplo,
você espera que o NaCl se dissolva no hexano (C6H14)?

It’s always about energy...


Os processos de solubilização são tipicamente acompanhados por mudanças de
entalpia no sistema. O que acontece quando você coloca bastante sal na água? O sistema
resfria ou esquenta? A dissolução de NaCl na água é um processo endotérmico (ΔH = 3,9
kJ/mol).
O processo de dissolução sempre envolve três componentes:
ΔHtotal = ΔHsoluto + ΔHsolvente + ΔHmistura
A separação das moléculas do soluto e solvente sempre requer energia e, portanto,
são processos endotérmicos. Quando a mistura é formada, libera energia, pois as forças
são atrativas e, portanto, o processo é exotérmico (ΔHmistura < 0).
Dissolução do MgSO4: ΔHtotal = -91,2 kJ/mol
Dissolução do NH4NO3: ΔHtotal = 26,4 kJ/mol
Ambos são utilizados em gelos ou aquecimento instantâneos. O processo
exotérmico será sempre instantâneo, enquanto se o ΔHtotal for muito endotérmico, o soluto
pode não se dissolver.

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Reações
Em alguns casos, o processo de dissolução de um soluto em uma solução pode
levar a uma reação química. Por exemplo, níquel metálico se dissolve quando misturado
com uma solução de HCl:
Ni(sólido) + 2HCl → NiCl2 (aq) + H2 (g)
Ou seja, o que fica dissolvido nesse caso é o NiCl2 e não o Ni metálico. Se
evaporamos todo o solvente, o que resta é apenas NiCl2 (Ni metálico não existe mais).
Isso é diferente do caso do NaCl, por exemplo. Neste caso, se a gente evaporar todo o
líquido de uma solução salina, o que nos resta será NaCl.

Soluções saturadas
O que acontece se você continua adicionando sal a um volume fixo de água?
Chega um momento em que fica difícil de solubilizar, né? Quando a concentração de
soluto é muito alta, a chance de as moléculas colidirem e se reconectarem é grande. Esse
processo, é chamado de cristalização.
A solubilidade de um dado soluto é a quantidade máxima de soluto que podemos
dissolver em um dado solvente em uma temperatura específica. Se estamos nessa
quantidade máxima, dizemos que a solução está saturada. Se estamos abaixo desse limite
não saturada e se, em condições específicas, for possível dissolver mais do que esse limite,
dizemos que a solução é supersaturada.

Fatores que afetam a solubilidade


- Interações soluto-solvente: no geral, quanto mais fortes as interações entre soluto e
solvente, maior a solubilidade. Portanto, os compostos com interações intermoleculares
parecidas tendem a ser solúveis. Podemos utilizar o termo miscível e imiscível para
descrever compostos que se solubilizam facilmente e aqueles que não solubilizam,
respectivamente.
- Pressão: a solubilidade de um gás em qualquer solvente é aumentada se a pressão parcial
do gás na superfície do líquido aumenta. A relação entre a pressão e a solubilidade de um
gás é descrita pela lei de Henry:
Sg = kPg
Onde Sg é a solubilidade do gás, Pg é a pressão parcial do gás e k é uma constante.
Veja o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=18Y_2IAM5qY&t=1s

- Temperatura: a solubilidade dos solutos sólidos normalmente aumenta com o aumento


da temperatura, enquanto a solubilidade dos gases diminui.

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Propriedades coligativas
As soluções resultantes possuem propriedades distintas daquelas do solvente puro
e que são dependentes da quantidade de soluto no sistema. Essas propriedades são
chamadas de coligativas, ou seja, dependem do efeito coletivo.
- Diminuição da pressão de vapor
Vamos relembrar: a pressão de vapor corresponde a pressão exercida pelo vapor
(evaporado) em equilíbrio com o líquido em um recipiente fechado, ou seja, taxa de
evaporação igual a taxa de condensação. Uma substância que não possui pressão de vapor
mensurável é não volátil e aquelas que apresentam pressão de vapor são voláteis. Quando
um soluto não volátil está presente, a pressão de vapor da solução será menor que a do
solvente puro. A lei de Raoult afirma que a pressão parcial exercida pelo vapor do
solvente na solução Psolução é igual ao produto da fração molar do solvente Xsolvente
multiplicado pela pressão de vapor do solvente puro Psolvente:
Psolução = Xsolvente Psolvente
Assista os vídeos: https://youtu.be/YZ5vTzUe0yg https://youtu.be/WLceQuRlsPU

- Elevação do ponto de ebulição


A temperatura de ebulição é definida como a temperatura em que a pressão de
vapor se iguala a 1 atm. Portanto, a adição de um soluto não volátil diminui a pressão de
vapor do solvente e, consequentemente, a temperatura requerida para a solução atingir a
pressão de vapor de 1 atm é maior. A magnitude do aumento da temperatura de ebulição
é proporcional a molalidade da solução (m):
ΔTebulição = Keb m
Onde Keb é a constante de elevação do ponto de ebulição e que depende somente do
solvente. Assista o vídeo: https://youtu.be/0MZm1Ay6LhU

- Abaixamento do ponto de congelamento


Analogamente a elevação do ponto de ebulição discutida anteriormente, a
magnitude do abaixamento do ponto de congelamento depende da molalidade do soluto:
ΔTcongelamento = Kcong m
Onde Kcong é a constante de abaixamento do ponto de congelamento. Assista o vídeo:
https://youtu.be/faSk2REYy74

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- Osmose
Diversos materiais são semipermeáveis, ou seja, permitem apenas que pequenas
moléculas passem através dos poros, como membranas celulares e membranas de diálise.
Quando uma membrana desse tipo separa soluções com concentrações distintas há um
fluxo das moléculas de solvente do meio mais concentrado para o menos concentrado. A
pressão requerida para parar o fluxo do solvente é definida como a pressão osmótica do
sistema, que pode ser escrita como:
𝑛
Π = ( ) 𝑅𝑇 = 𝑚𝑅𝑇
𝑉
Onde m é a molalidade do sistema, R é a constante dos gases ideais e T é a temperatura
em Kelvin.
A osmose desempenha um papel fundamental nos sistemas vivos e no nosso dia a
dia. Veja abaixo o efeito da concentração salina nas células do sangue.

Figura 1. Efeito da concentração da solução extracelular para as células vermelhas. (a) Células em uma
concentração salina próxima a concentração intracelular; (b) células com uma concentração salina menor e
(c) concentração salina maior que a concentração intracelular.[1]

As propriedades coligativas dependem do número total de partículas de soluto.


Portanto, no caso de soluções eletrolíticas, temos que levar em consideração a dissociação
iônica:
NaCl  Na+ + Cl-
Neste caso, a concentração final será o dobro da contração inicial de sal. No
entanto, para alguns eletrólitos é observado um desvio entre o valor calculado utilizando
a dissociação total e o valor experimental. Essa diferença ocorre devido as atrações
eletrostáticas entre os íons, ou seja, à medida que os íons se movem na solução, íons de
cargas opostas podem colidir e, devido a atração, se unem por um curto período. Então o
número de partículas é levemente menor e o efeito um pouco menor do que o esperado.
Uma medida da extensão desse efeito é o fator van’t Hoff, que pode ser dado pela razão
entre o número de mols determinado experimentalmente pela medida das propriedades
coligativas e o número de mols que foi adicionado para formar a solução:
𝑛ú𝑚𝑒𝑟𝑜 𝑎𝑝𝑎𝑟𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑑𝑒 𝑝𝑎𝑟𝑡í𝑐𝑢𝑙𝑎𝑠 𝑑𝑖𝑠𝑠𝑜𝑙𝑣𝑖𝑑𝑎𝑠
𝑖=
𝑛ú𝑚𝑒𝑟𝑜 𝑑𝑒 𝑚𝑜𝑙𝑠 𝑑𝑖𝑠𝑠𝑜𝑙𝑣𝑖𝑑𝑜𝑠

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Colóides
Entre as soluções homogêneas e misturas heterogêneas, temos as suspensões (ou
dispersões) coloidais. Partículas coloidais possuem normalmente entre 5 e 1000 nm e a
dispersão coloidal parece homogênea até em um microscópio óptico. Alguns sistemas
podem ser grandes o suficiente para espalhar luz, conferindo um aspecto leitoso a essas
dispersões. Esse espalhamento é chamado de efeito Tyndall e depende do comprimento
de onda da luz.
A composição de uma solução pode ser especificada de várias formas. Por
exemplo, a fração molar (x) de uma espécie i é definida como:
𝑛𝑖
𝑥𝑖 ≡
𝑛𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙
Já a concentração molar de uma espécie i é definida como:
𝑛𝑖
𝑐𝑖 =
𝑉
Onde V é volume da solução. Em soluções liquidas, a concentração molar de uma espécie
em mols por litro é chamada de molaridade. Não confunda molaridade com molalidade.
Molalidade é o número de mols do soluto por massa do solvente.
Compostos em uma solução podem reagir, resultando em compostos diferentes
dos iniciais. Em meio aquoso, por exemplo, há vários tipos de reações: reações de
precipitação, quando o produto é insolúvel e precipita na solução, reações de
neutralização (entre ácidos e bases), reações de oxidação-redução, etc.
Em uma escala molecular, as taxas de reações dependem da frequência de colisões
entre as moléculas. Para uma colisão levar a uma reação, deve possuir uma energia
suficiente para quebrar as ligações e uma orientação adequada para formar novas ligações.

Taxa de uma reação


A velocidade de uma ligação química (taxa da reação) é a mudança na
concentração dos reagentes ou produtos por unidade de tempo. Os principais fatores que
afetam as taxas das reações são: concentração dos reagentes, estado físico dos reagentes,
temperatura e presença de catalisador
Vamos considerar a seguinte reação homogênea em um sistema fechado em uma etapa:
aA + bB → cC + dD
onde a, b, c e d são os coeficientes estequiométricos na equação química balanceada e A,
B, C e D são as espécies químicas.
A taxa da reação (J) será dada por:

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1 𝑑𝑛𝐴 1 𝑑𝑛𝐵 1 𝑑𝑛𝐶 1 𝑑𝑛𝐷


𝐽= − = − = =
𝑎 𝑑𝑡 𝑏 𝑑𝑡 𝑐 𝑑𝑡 𝑑 𝑑𝑡
O sinal de negativo indica que o reagente está sendo consumido.
Para a maioria das reações, a velocidade r está relacionada com as concentrações das
espécies no tempo. Por exemplo:

A expressão de r em função das concentrações em uma temperatura constante é


denominada lei de velocidade de reação. A lei da velocidade é determinada
experimentalmente, pois depende do mecanismo da reação. Em alguns casos, podemos
utilizar a espectroscopia no ultravioleta-visível (UV-Vis) para calcular a taxa de uma
reação, você saberia dizer como?
A maioria das reações químicas não são elementares e sim complexas ou
compostas, i.e., ocorrem em mais de uma etapa. Considere a seguinte reação:
N2O5  NO2 + NO3
NO2 + NO3 → NO + O2 + NO2
NO + NO3 → 2NO2
Reação global: 2N2O5  4NO2 + NO3
Quais são os intermediários dessa reação? Quantas vezes uma etapa tem que
ocorrer com relação a outra?
Uma reação aA → produtos é dita de primeira ordem quando r = k[A]. Se a reação
fosse de segunda ordem, teríamos r = k[A]2 e assim sucessivamente. Como a lei da
velocidade é uma equação diferencial, para obter as concentrações em função do tempo,
precisamos integrar a lei da velocidade. Vamos considerar a reação de primeira ordem,
então:

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r = k[A]
Pela lei de velocidade, sabemos que:
1 𝑑[𝐴]
𝑟= −
𝑎 𝑑𝑡
Portanto:
1 𝑑[𝐴]
𝑟= − = 𝑘[𝐴]
𝑎 𝑑𝑡
Para resolver essa equação diferencial, rearranjamos a equação de modo a separar [A] e
t.
2 2
∫ [𝐴]−1 𝑑[𝐴] = − ∫ 𝑘𝐴 𝑑𝑡
1 1

Onde kA = ak. Portanto:


[𝐴2 ]
ln ( ) = −𝑘𝐴 (𝑡2 − 𝑡1 )
[𝐴1 ]

Considerando o estado 1 como o inicial, temos que:


[𝐴]
ln ( ) = −𝑘𝐴 𝑡
[𝐴0 ]

[𝐴] = [𝐴0 ] 𝑒 −𝑘𝐴𝑡

Portanto, para uma reação de primeira ordem, [A] diminui exponencialmente com
o tempo! De maneira análoga, podemos tratar as reações de segunda ordem e etc. No ano
que vem, vocês vão ver isso em detalhes na disciplina de cinética química.

Equilíbrio químico
Em um sistema particular com reações químicas, o equilíbrio da reação pode ou
não ser atingido. No equilíbrio, as concentrações dos reagentes e produtos não mudam
com o tempo e os reagentes e produtos não podem escapar do sistema. Os cálculos do
equilíbrio químico têm importantes aplicações na indústria, no estudo do meio ambiente,
na bioquímica e na geoquímica. A análise do equilíbrio químico é importante em química
ambiental, por exemplo, no estudo da composição de sistemas hídricos, tais como lagos
e no tratamento da poluição do ar.
O equilíbrio químico ocorre quando as reações em direções opostas possuem a
mesma velocidade, ou seja, a taxa de formação dos produtos a partir dos reagentes é igual
a taxa de formação dos reagentes a partir dos produtos. Consequentemente, as

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concentrações não mudam com o tempo (mas não se esqueça que a reação ainda está
ocorrendo). Por exemplo, vamos considerar a seguinte reação:
N2O4 (g)  2NO2 (g)
Vamos olhar, então, as taxas de cada uma dessas reações separadamente:
Reação 1: N2O4 (g) →2NO2 (g) r = k1[N2O4]
Reação 2: 2NO2 (g) → N2O4 (g) r = k2[NO2]2
No equilíbrio, as taxas são iguais e, portanto:
k1[N2O4] = k2[NO2]2

[𝑁𝑂2 ]2 𝑘𝑓
= = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒
[𝑁2 𝐻4 ] 𝑘𝑟

Essa razão é chamada de quociente Q e, quando um sistema está em equilíbrio,


chamamos de constante de equilíbrio Kc. Vamos considerar, por exemplo, uma reação
genérica:
aA + bB  cC + dD
No equilíbrio, o quociente Q será igual a Kc (fora do equilíbrio, Q≠Kc), então
podemos escrever para a reação acima no equilíbrio:

[C]𝑐 [𝐷]𝑑
𝐾𝑐 =
[A]𝑎 [𝐵]𝑏
Como é possível perceber, a constante depende da estequiometria da reação e não
do mecanismo. E como podemos utilizar Kc? Pense o que acontece quando Kc>>1 ou
Kc<<1. Podemos, portanto, prever a direção e as concentrações dos reagentes e produtos.
Quando os reagentes e produtos na reação química são gases, a expressão de
constante de equilíbrio pode ser expressa em termos das pressões parciais. E quando o
equilíbrio envolve substâncias que estão em fases distintas? Se um sólido puro ou líquido
puro participa do processo, a sua concentração não deve ser incluída no cálculo da
constante de equilíbrio. O sólido ou líquido puro não tem volume constante e, por isso, a
concentração não muda.
Muitas das substâncias que utilizamos no nosso dia a dia são obtidas em reações
que envolvem equilíbrio químico na indústria. Utilizando os valores das constantes de
equilíbrio em diversas situações, é possível otimizar esses processos. Esse é exatamente
o princípio de Le Chatelier: se um sistema em equilíbrio é perturbado por alguma
mudança na temperatura, pressão ou concentração do componente, o sistema irá deslocar
seu equilíbrio de modo a minimizar essa perturbação. Se adicionarmos mais de um dos
reagentes, o equilíbrio é deslocado no sentido de consumir esse excesso para que o
equilíbrio seja restabelecido, portanto a velocidade da reação no sentido dos produtos será

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maior. No caso da temperatura, irá depender se a reação é endotérmica ou exotérmica. Se


for endotérmica o aumento favorece a formação dos produtos e vice-versa.

Equilíbrio ácido-base

Ácidos e bases são muito importantes em inúmeros processos químicos: da


indústria à biologia. A definição de ácidos e bases de Arrhenius é a mais conhecida: ácido
é uma substância que quando dissolvida em água aumenta a concentração de íons H+ e
base aumenta a concentração de OH-. Essa definição, embora útil, pode ter várias
limitações. Uma delas é a limitação do meio aquoso. Em 1923 Johannes Bronsted e
Thomas Lowry propuseram uma definição mais geral: reações ácido-base envolvem a
transferência de íons H+ de uma substância para outra.
Vamos considerar a dissociação do HCl, por exemplo:
HCl → H+ + Cl-
Esse íon de hidrogênio interage fortemente com qualquer densidade eletrônica,
como os pares de elétrons não ligados do oxigênio nas moléculas de água, o que resulta
na formação do íon hidrônio (H3O+) e, portanto, a notação abaixo é a que representa
melhor essa realidade.

Portanto, o ácido ‘doa’ H+ para outra espécie enquanto a base ‘aceita’ o próton. A
substância que recebeu o próton é chamada de ácido conjugado e a que perdeu é a base
conjugada. Essa definição pode ser aplicada a reações que não ocorrem em meio aquoso
como, por exemplo, a reação no estado gasoso do HCl e NH3:
HCl(g) + NH3(g) → Cl-(g) + NH4+(g)
Onde o HCl é o ácido e o NH3 é a base. Algumas substâncias podem agir como ácido em
algumas reações e base em outras e são chamadas anfipróticas.
O que faz o ácido ou uma base forte? A habilidade de doar ou receber os prótons!
Quanto maior a habilidade de um ácido de doar próton, maior a força do ácido. Como
consequência, sua base conjugada recebe prótons menos facilmente (veja a Figura 1). Um
ácido fraco não se dissocia totalmente e, portanto, existe em solução como uma mistura
do ácido e sua base conjugada. O ácido acético é um exemplo:

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CH3COOH(aq) + H2O(l)  H3O+(aq) + CH3COO-(aq)


Neste caso, o sistema está em equilíbrio e a constante de equilíbrio (dada pela
expressão abaixo) é normalmente chamada de dissociação ácida (Ka):
[𝐻3 𝑂+ ][𝐶𝐻3 𝐶𝑂𝑂− ]
𝐾𝐶 = = 𝐾𝑎
[𝐶𝐻3 𝐶𝑂𝑂𝐻]

O valor de Ka é, portanto, um ótimo indicativo da força do ácido.

Figura 1. Força relativa de alguns pares de ácido-base conjugados.[3]

Uma das características mais importantes da água é a sua habilidade de agir tanto
como ácido quanto uma base de Brosted-Lowry. A reação abaixo é chamada de
autoionização da água. A taxa dessas reações é muito alta e as moléculas não ficam
ionizadas por muito tempo, por isso a água não é boa condutora de eletricidade.
H2O(aq) + H2O(aq)  OH-(aq) + H3O+(aq)
A constante de equilíbrio dessa reação será:
Kc = [H3O+][OH-]

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O termo [H2O] é excluído, pois, como vimos na aula anterior, excluímos as


concentrações dos sólidos e líquidos puros. Devido a importância dessa constante, ela
normalmente é descrita com o símbolo Kw:
Kw = [H3O+][OH-] = 1.0x10-14 (a 25ºC)
Quando [H3O+] = [OH-] dizemos que a solução é neutra.
Como você pode perceber, as concentrações de H3O+ e OH- são muito baixas e,
por conveniência, a concentração de H3O+ é normalmente expressa em escala logarítima,
chamada de pH:
pH = -log[H3O+]
Analogamente, podemos definir o pOH:
pOH = -log[OH-]
Se aplicarmos o log nos dois lados da relação Kw = [H3O+][OH-] = 1.0x10-14
encontramos que:
pH + pOH = 14 (a 25ºC)

Ácidos polipróticos
Muitos ácidos possuem mais de um H ionizável e são conhecidos como
polipróticos. É o caso do ácido sulfúrico:
H2SO4(aq)  H3O+ + HSO3- Ka1 = 1,7x10-2
HSO3-  H3O+ + SO3- Ka2 = 6,4x10-8
É sempre mais fácil remover o primeiro próton do que segundo, que, por sua vez,
é mais fácil do que o terceiro.
Analogamente ao que discutimos para as bases, a constante de equilíbrio da
dissociação de bases é chamada de Kb:
NH3(aq) + H2O(l)  NH4+(aq) + OH-(aq)

[𝑁𝐻4 + ][𝑂𝐻 − ]
𝐾𝑏 = = 1,8𝑥10−5
[𝑁𝐻3 ]

Quando analisamos as constantes podemos provar a seguinte relação (veja a


página 463 do livro do Atkins):
pKa + pKb = pKw = 14

Soluções salinas

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Qual é o efeito de um sal no pH? Muitos íons reagem com a água, resultando em
H e OH- (hidrólise da água). No geral, um ânion X- pode ser considerado uma base
+

conjugada de um ácido. Caso o ácido não seja muito forte, ele pode interagir com água
para produzir um ácido fraco e OH-.
Muitos íons metálicos reagem com a água, diminuindo o pH. Esse efeito é mais
pronunciado para cátions pequenos e carregados como Fe3+ e Al3+. Por exemplo, o Ka do
Fe2+ é 3.2x10-10, enquanto do Fe3+ é 6,3x10-10. Isso ocorre, pois a carga positiva dos íons
metálicos é atraída pelos pares de elétrons das moléculas de água e se tornam hidratados.
Quanto maior a carga do íon, maior a atração entre os íons e o oxigênio das moléculas de
água. Quanto mais forte essa interação, mais fraca a ligação O-H se torna, o que resulta
na dissociação do próton H+.
Mas em um sal, que possui tanto cátions quanto ânions, devemos considerar a
ação dos dois para determinar se o sal forma uma solução ácida, básica ou neutra. Assim,
se o cátion e o ânion não reagem com a água, o pH é neutro. Esse é o caso de aníons de
ácidos fortes e cátions dos grupos 1 e 2 da tabela periódica como NaCl, Ba(NO3)2. Se
apenas o ânion reage com água, esperamos que o pH seja básico (NaClO, BaSO 3) e se
apenas o cátion reage com a água, o pH deve ser ácido (NH4NO3, Fe(NO3)3). Se ambos
reagem com água, devemos comparar a habilidade de cada íon.

A influência da estrutura química


Apenas pelo fato de um composto possuir um grupo OH ele se comporta como
uma base? A resposta é não! Uma molécula contendo H agirá como um ácido apenas se
a ligação H-X for polarizada na direção de X. Por exemplo, no composto NaH, a ligação
é polarizada na direção do H e, portanto, funciona como uma base, aceptor de prótons.
No caso da ligação C-H, resulta em uma solução neutra.
Outros fatores que influenciam são: a força da ligação (quanto maior a força da
ligação, mais difícil de a ligação ser quebrada) e a estabilidade da base conjugada (quanto
maior a estabilidade da base conjugada, maior a força do ácido). A força do ácido é,
portanto, uma combinação de todos esses fatores.

Oxiácidos
Muitos ácidos, como o ácido sulfúrico, que contém um ou mais grupos OH são
chamados de oxiácidos. Quando o OH está ligado covalentemente a um outro átomo, o
composto é ácido ou neutro. Diferente da ligação iônica das bases (NaOH, por exemplo),
na ligação covalente a densidade eletrônica está menos localizada, enfraquecendo a
ligação OH e favorecendo a libração do H+. Quanto maior a eletronegatividade do átomo
que o OH está ligado, mais facilmente o H+ se dissocia. Portanto, a força de um ácido
aumenta com o aumento da eletronegatividade dos átomos ligados ao átomo central.

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Ácidos carboxílicos
Dois fatores contribuem para o comportamento ácido dos ácidos carboxílicos: o
oxigênio adicional do grupo COOH que desloca a densidade eletrônica e favorece a saída
do H+ e a estabilização por ressonância na base conjugada. Você saberia demonstrar essa
ressonância?

O efeito do íon comum


Vamos considerar uma solução contendo CH3COOH e CH3COONa. Esse último
se dissocia completamente:
CH3COONa → CH3COO- + Na+
Enquanto o CH3COOH é um ácido fraco e se ioniza parcialmente:
CH3COOH  CH3COO- + H+
Podemos analisar esse caso utilizando o princípio de Le Chaterlier, ou seja,
quando adicionamos CH3COO- (proveniente do CH3COONa) deslocamos o equilíbrio
para o sentido do CH3COOH, diminuindo a concentração de H+ do meio.

Solução tampão
Você já deve ter ouvido falar da importância dos sistemas tampões no nosso
organismo e na bioquímica. Soluções que possuem um par ácido-base conjugada fraco
resistem a mudanças drásticas no pH quando pequenas quantidades de ácido ou base forte
são adicionados. O tampão, portanto, resiste a mudança de pH, porque contém tanto um
ácido para neutralizar o OH- quanto uma base para neutralizar o H+. Obviamente os ácidos
e bases dos tampões não podem consumir um ao outro em uma reação de neutralização.
Escolhendo os componentes apropriados e ajustando suas concentrações relativas, é
possível preparar soluções tampões em qualquer pH.
Vamos calcular a constante de dissociação do ácido fraco:
HX (aq)  H+(aq) + X-(aq)
[𝐻3 𝑂 + ][𝑋 − ]
𝐾𝑎 =
[𝐻𝑋]

Se isolarmos o [𝐻3 𝑂+ ] = [𝐻 + ], temos:


𝐾𝑎 [𝐻𝑋]
[𝐻 + ] =
[𝑋 − ]
Se aplicarmos -log nos dois lados da expressão, temos que:

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𝐾𝑎 [𝐻𝑋]
−𝑙𝑜𝑔[𝐻 + ] = −𝑙𝑜𝑔 ( )
[𝑋 − ]
[𝐻𝑋]
−𝑙𝑜𝑔[𝐻 + ] = −𝑙𝑜𝑔𝐾𝑎 − 𝑙𝑜𝑔 ( )
[𝑋 − ]
Portanto:=
[𝐻𝑋]
𝑝𝐻 = 𝑝𝐾𝑎 − 𝑙𝑜𝑔 ( )
[𝑋 − ]
[𝑋 − ]
𝑝𝐻 = 𝑝𝐾𝑎 + 𝑙𝑜𝑔 ( )
[𝐻𝑋]

Em geral, podemos escrever:


[𝑏𝑎𝑠𝑒]
𝑝𝐻 = 𝑝𝐾𝑎 + 𝑙𝑜𝑔 ( )
[á𝑐𝑖𝑑𝑜]

Essa equação é conhecida como equação de Henderson -Hasselbalch. Químicos,


bioquímicos e biólogos utilizam essa equação para calcular o pH de tampões. A
capacidade do tampão é a quantidade de ácido e base que ele consegue neutralizar antes
do pH mudar consideravelmente.
De acordo com a equação acima, quando a concentração da base é igual a
concentração do ácido, pH = pKa e esse é o pH ótimo para qualquer tampão. Portanto,
quando planejamos um experimento e precisamos determinar o melhor tampão, tentamos
selecionar o tampão cujo ácido tem um pKa próximo ao pH de interesse.
Experimentalmente, observa-se que quando a concentração de um dos componentes do
tampão é 10 vezes maior que a concentração do outro, o tampão já não é muito eficiente.
Portanto, podemos afirmar que os tampões possuem uma variação aceitável de pH de ±1,
já que log10 = 1.

Solubilidade e constante do produto de solubilidade


Vamos considerar agora o equilíbrio envolvido nas reações heterogêneas, como
as reações de precipitação e dissolução de compostos orgânicos. Vamos considerar uma
solução saturada de BaSO4:
BaSO4(s)  Ba2+(aq) + SO42-(aq)
Como em qualquer outra reação que vimos até o momento, a extensão da reação
de dissociação é expressa pela magnitude da constante de equilíbrio. Como ela descreve
a dissolução de um sólido, chamamos de constante do produto de solubilidade Kps. É
importante relembrar que os sólidos puros (assim como líquidos puros) não entram na
expressão.

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𝐾𝑝𝑠 = [𝐵𝑎2+ ][𝑆𝑂42− ]

É importante diferenciar a solubilidade da constante do produto de solubilidade. A


solubilidade é a quantidade de substância que podemos dissolver por litro de solução. A
constante do produto de solubilidade é a constante de equilíbrio entre o sólido iônico e a
solução saturada. Portanto, a magnitude de Ksp é a medida de quanto de sólido dissolve
para formar uma solução saturada.
Há vários fatores que afetam a solubilidade:
- Íon comum: a presença de um íon comum diminui a solubilidade, pois desloca o
equilíbrio no sentido contrário.
- pH: a solubilidade de um composto contendo um ânion básico de um ácido fraco
aumenta à medida que a solução se torna mais ácida. Se o ânion básico (base conjugada)
possui uma basicidade negligenciável, como Cl-, Br-, por exemplo, não é afetada por
mudanças no pH.
- Formação de íons complexos: os íons metálicos podem formar complexos não
só com a água, mas também com outras bases. Por exemplo, a solubilidade AgCl aumenta
na presença de amônia, pois Ag+ interage com NH3, deslocando o equilíbrio, já que Ag+
é consumido para formar Ag(NH3)2+, que é chamado de íon complexo.
- Anfoterismo: alguns óxidos metálicos e hidróxidos que são relativamente
insolúveis em água se dissolvem facilmente em soluções ácidas ou básicas. Essas
substâncias são chamadas de anfóteros, pois elas mesmo se comportam como ácido ou
base. Esse é o caso do Al3+, por exemplo:
Al3+(aq) + 3H2O(l)  3H+(aq) + Al(OH)3(aq)
Al(OH)3(s) + OH-  Al(OH)4-(aq)
Portanto, o aumento de H+ e OH- deslocam o equilíbrio no sentido da solubilização
do composto. Por isso, Al(OH)3 é anfótero. Alguns hidróxidos, como Ca(OH)2, Fe(OH)2
e Fe(OH)3 se dissolvem em ácido, mas não reagem com o excesso de base e, portanto,
não são anfóteros.

Precipitação seletiva de íons


Íons podem ser separados uns dos outros com base na solubilidade dos seus sais.
Íon sulfeto é frequentemente utilizado para separar íons metálicos, pois as solubilidades
dos sais de sulfeto variam em um amplo intervalo e dependem fortemente do pH da
solução. Por exemplo, Cu2+ e Zn2+ podem ser seperandos borbulhando gás H2S em uma
solução acidificada contendo esses dois cátions, pois CuS (Kps = 6x10-37) é menos solúvel
que o ZnS (Kps = 2x10-25) e precipita, podendo ser filtrado posteriormente da solução.
Extra: o que é uma grandeza parcial molar?

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FUNDAMENTOS DA MATÉRIA
Prof. Valéria Spolon Marangoni

No texto acima, comentamos sobre a utilização da pressão parcial como


‘concentração’ para o sistema no estado gasoso. O que representa esse parcial, afinal?
Vamos olhar pelo volume, por exemplo? Os volumes parciais de uma solução são
definidos como:
V* = n1V*m,1 + n2V*m,2 + ..... = ∑ niV*m,i
Onde V* representa o volume dos componentes puros.
Você acha que o volume V resultante na mistura após a mistura será igual a soma
dos volumes parciais V*? No geral, não! A diferença entre o volume V da solução e V*
é resultado das diferenças entre as forças intermoleculares existentes na solução e aquelas
existentes nos componentes puros. O empacotamento das moléculas na solução também
é diferente do empacotamento nos componentes puros, devido a diferença entre os
tamanhos e as forças das moléculas que se misturam.
Cada uma dessas propriedades é função do estado da solução, que pode ser
especificado pelas variáveis T, P, n1, n2,...ni. Portanto,
𝜕𝑉 𝜕𝑉 𝜕𝑉
𝑑𝑉 = ( ) 𝑑𝑇 + ( ) 𝑑𝑃 + ( ) 𝑑𝑛1 + ⋯
𝜕𝑇 𝑃,𝑛𝑖 𝜕𝑃 𝑇,𝑛𝑖 𝜕𝑛1 𝑇,𝑃,𝑛
𝑖≠1

𝜕𝑉 𝜕𝑉
𝑑𝑉 = ( ) 𝑑𝑇 + ( ) 𝑑𝑃 + ∑ 𝑉𝑖 𝑑𝑛𝑖
𝜕𝑇 𝑃,𝑛𝑖 𝜕𝑃 𝑇,𝑛𝑖

A equação fornece a variação infinitesimal de volume que ocorre quando a


temperatura, a pressão e os números de mols da solução variam dT, dP, dn 1, dn2... O
subscrito n ≠ 1 indica que todos os números de mol n são mantidos constante exceto n1.
Analogamente, podemos utilizar o mesmo raciocínio para as demais propriedades do
sistema (U, H, S, G, etc).

Sugestões de leitura

1. Brown, T.L.; Lemay, H.E.; Bursten, B.E.; Murphy, C.J.; Woodward, P.M. Química
a Ciência Central. Capítulo 13, 15, 16 e 17. 13ª edição, São Paulo: Pearson Education
do Brasil, 2016.
2. Atkins, P. Princípios de Química: questionando a vida moderna e o meio ambiente.
Foco 5. 7ed,. Porto Alegre: Bookman, 2018.

Referências
1. https://chem.libretexts.org/Bookshelves/General_Chemistry/Map%3A_Chemistr
y_-
_The_Central_Science_(Brown_et_al.)/13%3A_Properties_of_Solutions/13.05
%3A_Colligative_Properties

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FUNDAMENTOS DA MATÉRIA
Prof. Valéria Spolon Marangoni

2. Brown, T.L.; Lemay, H.E.; Bursten, B.E.; Murphy, C.J.; Woodward, P.M.
Química a Ciência Central. 13ª edição, São Paulo: Pearson Education do Brasil,
2016.
3. Atkins, P. Princípios de Química: questionando a vida moderna e o meio
ambiente. 7ed,. Porto Alegre: Bookman, 2018.
4. https://chem.libretexts.org/Bookshelves/Organic_Chemistry/Organic_Chemistry
_(McMurry)/02%3A_Polar_Covalent_Bonds_Acids_and_Bases/2.07%3A_Acid
s_and_Bases_-_The_Brnsted-Lowry_Definition
5. Lowry, T.M. "The uniqueness of hydrogen," Journal of the Society of Chemical
Industry, 42(3): 43–47, 1923.

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