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Doutorando em Ciências Sociais. Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” UNESP/Marília.
Fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP.
A obesidade na Polícia Militar
Mesmo que não haja consenso sobre as causas e os efeitos em termos de saúde e
de expectativa de vida em relação à obesidade (GILMAN, 2004), ela aparece em meio à
prática médica contemporânea, como princípio causal disperso e de ampla repercussão
na produção discursiva do risco a várias doenças (denominadas crônicas e não
transmissíveis, como as cardiovasculares, hipertensão, câncer, diabetes, osteoporose,
entre outras), e na noção de deficiência, que em função do dano repercute na
incapacidade do doente nas atividades da vida cotidiana.
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A biopolítica é o exercício de poder que atua sobre a população, estabelecendo mecanismos de saber
que contabilizam os fenômenos que atingem o conjunto dos homens enquanto espécie viva, definindo as
áreas de atuações e meios de controle, como a contenção das endemias, pestes, fomes, ou na produção da
saúde decidindo quem deve morrer ou viver. Esta dimensão não descarta os mecanismos disciplinares que
atuam sobre a singularidade do homem-corpo, por meio de estratégias de poder que constroem e moldam
o sujeito, criando um saber especificado acerca dos indivíduos. Os mecanismos disciplinares e
biopolíticos não se excluem antes se entrecruzam viabilizados pela norma aplicada sobre o corpo e, cujas
ressonâncias atingem a população que se busca regulamentar (FOUCAULT, 2002; 2008).
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Na antiga Grécia o estigma enquanto sinais corporais evidenciavam status moral. Na Era Cristã os sinais
corporais indicavam graça divina ou alusão médica aos sinais de distúrbio físico. Atualmente o termo é
atribuído a desgraça, seu uso induz uma relação entre o atributo e o estereótipo, o desacreditado e
desacreditavel, é estigmatizado quem á exemplo dos obesos, se afastam das expectativas normativas de
um corpo magro dentro dos padrões.
busca da ordem social caracterizada pela violência. Esses embates se traduzem no
sofrimento corporal e mental que se associam às condições de trabalho e estilos de vidas
adotados durante o exercício da função, demonstrando incompatibilidades no uso e na
condução do corpo (MINAYO, 2008; BRETAS, 1997; KANT DE LIMA, 1995,
ROSEMBERG, 2010).
Cabe ressaltar que para a admissão na Polícia Militar, os corpos devem ser
considerados sadios e aptos para a atividade. Para tanto, a instituição distingue
hierarquicamente os profissionais em concursos de seleção e submete o indivíduo ao
exame de condutas através da investigação moral e rigoroso teste de aptidão física e
mental, por meio, de exames médicos e psicológicos.
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HTTP://www.policiamilitar.sp.gov.br/inicial.asp PMESP- acesso dia 06/03/2013
resistência e tenacidade. Regras que paulatinamente inculcam nos aspirantes a policiais
um referencial necessário enquanto modelo de profissional5.
3- A barriga de tanquinho
Decerto que, cada vez mais, as mídias contemplam corpos que se situam como
discursos. Nas novelas os galãs e as atrizes vão à praia e demonstram seus físicos, eles
de shorts mostram suas barrigas e pernas grossas, peitorais musculosos, elas de biquíni
mostram o bumbum saliente e pernas torneadas, mas sem exagero, e a barriga malhada,
os peitos siliconados talhados no bisturi com tamanho sob medida, em um conjunto que
traduz o corpo contemporâneo no Brasil, como algo para exportação a exemplo de
modelos famosas e de sucesso.
As medidas do Batalhão
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As recomendações atuais são as de que a circunferência abdominal não ultrapasse 102 cm nos homens
ou 88 cm nas mulheres. Já a relação circunferência abdominal/circunferência do quadril não deve ser
maior do que 1,0 nos homens e 0,85 nas mulheres. http://drauziovarella.com.br/obesidade/cinturas-
avantajadas/ acesso em 12/03/2013.
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Uma busca simples no Google revela as diversas possibilidades de adquirir uma barriga de tanquinho:
“Veja como conquistar uma barriga de "tanquinho" Qual o homem que nunca desejou ter uma barriga
sarada, toda cheia de gominhos? A aparência de "tanquinho", além de atrair a mulherada, pode ainda ser
sinônimo de qualidade de vida, pois fortalece a musculatura da região. Segundo o educador físico
Wilmar dos Santos Villas, o homem é mais agressivo do que a mulher durante o treino, devido à
quantidade de testosterona. ‘É uma questão hormonal mesmo’, comenta. Além de dar um gás durante o
treino é esse o hormônio que ajuda na facilidade que o homem tem em 'definir' os músculos do corpo.
‘Com raras exceções, mesmo que um homem e uma mulher tenham exatamente o mesmo treino e a
mesma alimentação, é o homem quem define primeiro’, conta Villas. Os músculos do abdome são
exercitados por meio de séries de abdominais repetidas e diferentes. ‘Toda série de abdominais trabalha
os músculos da região abdominal. A diferença é que as séries enfocam músculos diferentes da região, mas
sempre trabalhando todos eles’, explica. Villas recomenda duas séries de 20 repetições de dois tipos
diferentes de abdominais para quem está apenas começando, de duas a três vezes por semana. Com o
tempo, o ideal é que a dificuldade dos exercícios seja aumentada”.
http://beleza.terra.com.br/noticias/0,,OI1834305-EI7484,00.html acesso em 20/03/1013.
O sobrepeso e a obesidade, enquanto problema epidêmico no batalhão teve
ampla divulgação midiática – no país e no exterior, com o programa de redução de peso,
revelando discursos que regulamentados subjetivam-se em práticas que corporificam os
soldados. As entrevistas e a imagética divulgada por canais de televisão como o jornal
televisivo SBT Brasil, sobre o programa de redução da obesidade e a fala do soldado
sobre a barriga de tanquinho, indica a intersecção entre a regulação social do corpo e a
preocupação para práticas de saúde acionadas na redução do problema institucional.
A troca de açúcar por adoçante foi especulada pelo repórter: “Tudo bem Major,
mas será que não há risco de um mercado paralelo aqui dentro?”. Quem responde é o
Major responsável pelo programa: “nós ainda não abrimos nenhum inquérito de tráfico
de açúcar, mas a gente esta com algumas denúncias e vamos apurar” o foco da imagem
é o rosto do Major, cuja aparência jovial, se expressa em tom amistoso. O repórter por
sua vez continua dizendo “cuidado soldados o comando esta de olho, mas é para o bem
da saúde da corporação” enquanto a câmera volta a dar imagens do refeitório e dos
soldados na fila das guarnições.
Em campo soube dessa forma de burlar o PSQVDT, instituído “... foi muito
engraçado quando o comando proibiu o açúcar durante o programa, os policiais
contrabandeavam o produto de casa escondido para adoçarem o café aqui no quartel...
Ninguém se sentia bem com a arbitrariedade do comando, e os policias obesos sentiam-
se expostos de maneira excessiva as mídias” revela uma Sargento.
Um corpo transgressivo
Em uma seção do Batalhão conversando com três profissionais que realizam trabalho
interno para a corporação, observei que os diálogos sobre comida ganharam o tom de
fim de semana. “Hoje vou no rodízio comer picanha gorda e tomar cerveja” disse o
Sargento. O soldado retrucou “O sargento vai no churrasco e come gordura com Chia”
e a Soldado Temporária (ST)8 observando meu aspecto interrogador retrucou “é verdade
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Os Soldados Temporários (ST) ou o Serviço Auxiliar Voluntário da Polícia Militar de São Paulo são
contratados através de concursos públicos. Para concorrer é necessário possuir idade entre 18 a 23 anos e
não participar de outros programas assistenciais do governo. O trabalho realizado pelo Soldado
Temporário consiste na realização de atividades administrativas e técnicas de apoio e também na guarda
do quartel.
o Sargento come gordura com Chia, de que adianta?9” e todos riram. Perguntei sobre a
veracidade da informação o Sargento riu consentindo que sim. O Sargento alto e com a
barriga proeminente estava com o IMC alterado, e brincava com sua composição física.
Mas o caldo entorna de vez em quando, e na mesma seção ouvia uma explicação
sobre procedimento padrão da polícia de uma Soldado Temporária, quando o Sargento
responsável pelo grupo chamou a atenção da ST. Estava voltado para a ST e não
entendi. Ao olhar para o Sargento vi que seu rosto estava vermelho e com aspecto de
irritado. Ele perguntava a ST se ela estava dizendo aquilo por estar em minha frente. A
palavra “padrão” desencadeou uma ruptura. O Sargento entendeu “tubarão” e se sentiu
ofendido. Perguntei como se não estivesse entendido a frase dele, e ele repetiu olhando
para a ST “Achei que vc estava dizendo isso “tubarão” porque o Bóris está aqui”.
Somente após compreendi o efeito da palavra padrão que, distorcida na audição do
Sargento, transformou-se em “tubarão”. Disse que a ST havia dito a palavra padrão e o
Sargento enrubescido em frente à tela do seu computador continuou o seu trabalho.
Estabelecida a encenação voltei a falar sobre o procedimento padrão com a Soldado
Temporária10.
Considerações finais
Referências Bibliográficas
EMSLY, Clive. “Los modelos de policía en el siglo XIX”. In: Galeano, Diego e
Kaminsky, Gregorio (coordenadores). Mirada (de) Uniforme – Historia y crítica de la
razón policia. Buenos Aires. Teseo, 2011.
GILMAN, Sander L. Obesidade como deficiência: o caso dos judeus. In: Cadernos Pagu
(23). Julho-dezembro de 2004, pp. 329-353.