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Barriga de tanquinho ou máquina de lavar: experiências práticas e discursivas em torno

da obesidade entre policiais militares no Estado de São Paulo.

Bóris Ribeiro de Magalhães1

Em uma cidade do interior de São Paulo, policiais detectados acima do peso


fazem dieta de emagrecimento para aumentar a qualidade de vida e a capacidade de
ação junto à população. Mensurada e reconhecida com o teste do Índice de Massa
Corporal (IMC), a tropa de aproximadamente 700 policiais que constitui o Batalhão de
Polícia Militar (BPM/I) esta acima do peso. Com o intuito de amenizar o problema o
oficialato do batalhão lançou em 2010, o “Programa de Saúde e Qualidade de Vida
Desafio da Tonelada”, reduzindo em um mês a massa corporal do conjunto dos
profissionais em uma tonelada e meia. Cada policial do batalhão diminuiu o peso em
aproximadamente 1,5 kg. A medida combinou durante um mês, atividades físicas e
alimentação reduzida. O problema, apontado como epidêmico devido o número
excessivo de policiais com sobrepeso e obesidade, teve ampla divulgação midiática – no
país e no exterior - revelando discursos que regulamentados subjetivam-se em práticas
que corporificam os soldados. “... O pessoal brinca com a barriga de tanquinho, mas
nos temos uma máquina de lavar...” a frase retirada de uma entrevista dada por um
policial do batalhão, com IMC alterado, ao jornal televisivo SBT Brasil indica a
intersecção entre a regulação social do corpo e a preocupação para práticas de saúde
acionadas na redução do problema institucional. É comum, jovens mostrarem os
músculos da barriga como sinal de beleza, boa forma e saúde. Neste contexto, sob uma
perspectiva biopolítica, as descrições das interações cotidianas como observações da
prática profissional, os discursos imagéticos, os regulamentos institucionais expostos
em entrevistas, os prontuários médicos e institucionais, traduzem a realidade de
profissionais da segurança pública em relação ao experimento corporal da obesidade.
As angustias e prazeres corporal, perpassados pela ênfase produzida socialmente,
absorvem nos discursos e práticas sobre saúde, beleza e sexualidade e na medicalização
institucional, o fomento do corpo funcional para realização da representação
profissional nas diligencias.

1
Doutorando em Ciências Sociais. Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” UNESP/Marília.
Fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP.
A obesidade na Polícia Militar

Como epidemia, a obesidade no século XXI, ultrapassou as fronteiras entre


países e diferentes grupos sociais, mas possui sentidos específicos quando se coloca em
perspectiva a forma física do padrão corporal reivindicado pela profissão policial, para o
exercício do trabalho (MINAYO, 2008). Não obstante seu aspecto global, a obesidade
amplia formas corporais distintas que se reproduzem no cotidiano institucional,
contrariando as especificidades regulamentadas para a condução de um corpo que desde
sua seleção deve manter-se em medidas consideradas saudáveis.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) utiliza o Índice de Massa Corpórea


(IMC) para detectar o aumento de peso corporal, com um cálculo que multiplica a altura
por ela mesma e divide pelo peso, tem sobrepeso quem estiver com o IMC acima de 25
kg/m2, e obesidade acima de 30 kg/m2, sendo o ideal entre 20kg/m2 e 25kg/m2.
Obesidade é definida como morbidade quando o peso corporal está acima de 40kg/m2.

Na atualidade, o discurso regulador do IMC enfatiza os prejuízos da obesidade


tanto à saúde individual, pelos riscos que acompanha a doença, como os custos à
população onerada com a improdutividade recorrente dos seus agravos. As balanças
tornam-se verdades cotidianas, por meio delas, o indivíduo reconhece as mensurações
do IMC e reflete sobre as prescrições para a alimentação e o cuidado com o corpo.

Neste contexto, o corpo é colocado dentro de critérios aritméticos para a sua


representação social, o que tangencia as formas políticas de exclusão e de normalização
sobre si, numa medida biopolítica que se atualiza no plano das políticas de saúde, e nas
propostas para o desenvolvimento físico (MAGALHÃES, 2011).

Mesmo que não haja consenso sobre as causas e os efeitos em termos de saúde e
de expectativa de vida em relação à obesidade (GILMAN, 2004), ela aparece em meio à
prática médica contemporânea, como princípio causal disperso e de ampla repercussão
na produção discursiva do risco a várias doenças (denominadas crônicas e não
transmissíveis, como as cardiovasculares, hipertensão, câncer, diabetes, osteoporose,
entre outras), e na noção de deficiência, que em função do dano repercute na
incapacidade do doente nas atividades da vida cotidiana.

A obesidade enquanto deficiência foi denominada em 1993 nos Estados Unidos,


quando a Comissão Federal para as Condições de Igualdade no Emprego determinou a
possibilidade de pessoas com obesidade severa pedirem proteção aos estatutos federais
contra a discriminação trabalhista. A iniciativa de regulação das condições de emprego
demonstra a relação da medida do corpo com o mercado agenciador da produção,
revelando que a obesidade traz entrave à eficiência no trabalho, capaz de restringir o seu
portador em certas atividades físicas (GILMAN, 2004).

As barreiras impostas às pessoas com peso excessivo trazem a evidência de lutas


para compensar os déficits de um meio hostil, que impedem a vivência com qualidade e
direitos constituídos em meio à aura da regulação biopolítica 2, suscitando preocupações
para as adaptações arquitetônicas com seus espaços produzidos para medidas
normalizadas, até a garantia do exercício das atividades no mercado de trabalho,
marcadas pela discriminação e o impedimento no seu acesso (ORTEGA, 2004).

Na tradução do aumento de peso a experiência dos policiais descobre os


significados atribuídos nas vivências cotidianas e nas interações durante o trabalho. Os
regulamentos, as injunções estéticas que valorizam os corpos magros, fortes e esbeltos,
o ethos guerreiro que informa as concepções de corpo entre os policiais, e os
prognósticos médicos que identificam a patologia reafirmam no conjunto profissional
processos de estigmatização somatizadores de sofrimentos e dor3 (GOFFMAN, 1980).

Questões sobre os riscos vivenciados na profissão e seus efeitos tornam-se


centrais para uma reflexão, que direciona o olhar para a perspectiva dos sujeitos, sobre
os impactos das práticas laborais cotidianas no corpo e os déficits ainda não
devidamente considerados para a modulação da saúde e qualidade de vida.

O risco, mais que um dispositivo técnico ou medida de exposição, é um conceito


estruturante da profissão policial, particularmente afetada pelos embates travados em

2
A biopolítica é o exercício de poder que atua sobre a população, estabelecendo mecanismos de saber
que contabilizam os fenômenos que atingem o conjunto dos homens enquanto espécie viva, definindo as
áreas de atuações e meios de controle, como a contenção das endemias, pestes, fomes, ou na produção da
saúde decidindo quem deve morrer ou viver. Esta dimensão não descarta os mecanismos disciplinares que
atuam sobre a singularidade do homem-corpo, por meio de estratégias de poder que constroem e moldam
o sujeito, criando um saber especificado acerca dos indivíduos. Os mecanismos disciplinares e
biopolíticos não se excluem antes se entrecruzam viabilizados pela norma aplicada sobre o corpo e, cujas
ressonâncias atingem a população que se busca regulamentar (FOUCAULT, 2002; 2008).
3
Na antiga Grécia o estigma enquanto sinais corporais evidenciavam status moral. Na Era Cristã os sinais
corporais indicavam graça divina ou alusão médica aos sinais de distúrbio físico. Atualmente o termo é
atribuído a desgraça, seu uso induz uma relação entre o atributo e o estereótipo, o desacreditado e
desacreditavel, é estigmatizado quem á exemplo dos obesos, se afastam das expectativas normativas de
um corpo magro dentro dos padrões.
busca da ordem social caracterizada pela violência. Esses embates se traduzem no
sofrimento corporal e mental que se associam às condições de trabalho e estilos de vidas
adotados durante o exercício da função, demonstrando incompatibilidades no uso e na
condução do corpo (MINAYO, 2008; BRETAS, 1997; KANT DE LIMA, 1995,
ROSEMBERG, 2010).

Cabe ressaltar que para a admissão na Polícia Militar, os corpos devem ser
considerados sadios e aptos para a atividade. Para tanto, a instituição distingue
hierarquicamente os profissionais em concursos de seleção e submete o indivíduo ao
exame de condutas através da investigação moral e rigoroso teste de aptidão física e
mental, por meio, de exames médicos e psicológicos.

Paradoxalmente após a admissão e a submissão às normas disciplinares que


atuam para reformar e aumentar as capacidades de uso do corpo para a prática
profissional, policiais experimentam a obesidade e tornam flagrantes seus desempenhos
frente às expectativas da função profissional.

Investigações sobre o estado de saúde dos policiais revelam diversas formas de


adoecimento e sofrimento. São recorrentes dores nas costas; defeitos de visão; dores de
cabeça, enxaquecas; torção ou luxação de articulação; deficiências auditivas; rinite
alérgica e sinusites; hipertensão arterial; problemas de pele, artrites e reumatismos. As
aflições subjetivas se traduzem em nervoso; a tristeza; o cansaço constante; frequência
de dores de cabeça; dificuldade e insatisfação na prática de atividades físicas; falta de
apetite; má digestão; falta de interesse pelas coisas; dificuldade de pensar com clareza e
para tomar decisões; dificuldade no serviço (o trabalho é penoso e causa sofrimento);
sentimento de vida inútil; tremores na mão; e pensamentos em acabar com a própria
vida (MINAYO, 2008).

O aumento de gordura corporal indicado entre os policiais reforça a idéia dos


riscos a saúde, associados aos estilos de vida e a qualidade da dieta alimentar. Minayo
(2008) apontou em concomitância a elevados índices de sobrepeso, entre policiais civis
e militares do Rio de Janeiro, uma rotina alimentar baseada na ingestão hipercalórica e
hiperlipídica, contribuindo para os distúrbios gastrintestinais, sintomas psicossomáticos,
assim como a precária freqüência de atividade física, que predispõe o policial à morte
por hipertensão, ao aumento do colesterol e do açúcar sanguíneo comprometendo
danosamente sua energia, a qualidade de vida e eficiência profissional. Essas primeiras
evidências demonstram a fragilidade no gerenciamento e condução da saúde corporal
dos policiais.

As pesquisas nacionais apontam o crescimento da epidemia de obesidade no país


e revelam alguns aspectos de comportamentos e atitudes alimentares (BRASIL, 2006;
IBGE, 2004; IBGE, 2010). A instituição policial não foge ao reflexo social. E suscita
uma biopolítica sobre os impactos que a obesidade traz no cotidiano dos policiais,
gerando saberes e práticas para a condução do cotidiano institucional da polícia e
definindo medidas para a condução de si do policial.

2- A atuação do Batalhão. (O programa de Redução de Peso)

As investidas do BPM/I contra a redução do peso revelam duas faces, do mesmo


discurso social. A primeira induz ao corpo saudável, em boa forma física livre de
obesidade e o segundo, as maneiras de como a instituição lida com o assunto. Se de um
lado a imposição repetida do discurso se faz como meio para forçar a instituição a
realizar programas de emagrecimento, de outro mostra que os mesmos discursos,
acrescidos de hierarquias institucionais, não alcançam a todos dentro do batalhão.

De antemão, a prática policial exige como substrato para ação profissional, um


corpo capaz de suportar as diversidades encontradas diariamente. Em edital lançado
para contratação de policiais militares no Estado de São Paulo, a instituição revela o
corpo referencial para as tarefas de segurança. Entre, outras exigências, o edital requer
que o candidato para soldado de 2ª classe tenha 1,65 de altura, para o sexo masculino e
1,60 de altura para o sexo feminino. Um dos requisitos corporais que compõem a
avaliação do peso e altura o Índice de Massa Corporal (IMC) deve estar “entre 18 e 25,
com circunferência abdominal de no máximo 102 cm. Candidatos que apresentem IMC
entre 25 e 30, porem, à custa de hipertrofia muscular, serão avaliados individualmente a
critério da Junta Médica da Saúde4”.

O edital, de convocação para o trabalho de policial, funciona como informativos


regulamentares que sancionam a priori o corpo apto para o trabalho. O critério de
seleção envolve variados tipos de provas seletivas que visam uma demonstração de

4
HTTP://www.policiamilitar.sp.gov.br/inicial.asp PMESP- acesso dia 06/03/2013
resistência e tenacidade. Regras que paulatinamente inculcam nos aspirantes a policiais
um referencial necessário enquanto modelo de profissional5.

Mas o discurso disciplinar legislativo não atinge a todos, demonstrando que a


força do regulamento proposto pelos editais de contratação, e os regulamentos internos
com o passar do tempo tornam-se regras maleáveis ou passiveis de serem burladas, bem
como não refletem as mudanças corporais com o avanço da idade, pois os policiais
aumentam seu peso com a rotina do trabalho, contrariando as regras, seja da eficácia
corporal proposta pela instituição, ou pautada no discurso da aptidão física, socialmente
difundido durante a modernidade, com a disciplina dos gestos (NAPOLI, 2011,
FOUCAULT, 2008; 2002).

Nessa interação entre instituição e soldados, o público e o privado, se


reconhecem as formas de lutas na posse do corpo e na manutenção da representação
social e profissional. No exercício de comando com o “Programa de Saúde e Qualidade
de Vida Desafio da Tonelada” (PSQVDT), o BPM reduziu em um mês, uma tonelada e
meia, da massa corporal do conjunto dos profissionais. Cada policial do batalhão
diminuiu o peso em aproximadamente 1,5 kg (9º BPM/I, 2011).

Essa intervenção institucional sobre a massa corporal dos profissionais (com


sobrepeso e obesidade) demonstra uma dupla preocupação: a primeira revela as noções,
acerca da obesidade e seus riscos à saúde, bem como aos padrões corporais estetizados
como necessários ao trabalho na segurança vinculados no cotidiano. As estratégias que
“motivaram algumas medidas que foram adotadas nas unidades de Polícia Militar e a
busca da redução de afastamentos médicos, que impedem o policial de desenvolver a
atividade operacional, estava plenamente de acordo com a necessidade de
condicionamento físico e controle da saúde. Outro fator considerado foi a imagem do
policial militar fardado e a representação de credibilidade e de disposição que esse
aspecto deveria representar, pois é notório que o sobrepeso e a obesidade influenciam
negativamente nesse sentido” (9º BPM/I, 2011, p. 06).

A segunda preocupação se realiza com o desempenho funcional da profissão e,


com representação da imagem da instituição. A análise institucional expressa em
relatório sobre a divulgação amplificada pela mídia do PSQVDT “foi muito boa tanto
5
“Na França o primeiro jornal dos comissários de polícia publicado em janeiro de 1853, com apoio do
Ministro do Interior fornecia um compendio de legislação e também continham artigos destinados para
inculcar um sentido de missão e o valor do seu rol profissional”. (EMSLEY, 2011)
no público como para a mídia, que voltou a noticiar o resultado de forma extremamente
positiva e novamente fazendo com que a auto-estima dos policiais militares do 9º
Batalhão atingisse índices elevados e contribuindo para que os objetivos da
organização, no que tange à valorização profissional e humana, preocupação com a
imagem institucional, imagem pública do policial militar e postura e desempenho
profissional fossem potencializado” (9º BPM/I, 2011, p. 13).

As perspectivas se afunilam quando pensadas institucionalmente, o batalhão visa


a saúde nos moldes discursados, mas que também se antagonizam quando o elemento
ator social é colocado em cena, pois, de um lado a sociedade cobra um corpo funcional
a beira da imaginação fictícia dos heróis de cinema, do outro a instituição condena,
como uma falta grave a sua imagem, um corpo exagerado em sua forma.

3- A barriga de tanquinho

Decerto que, cada vez mais, as mídias contemplam corpos que se situam como
discursos. Nas novelas os galãs e as atrizes vão à praia e demonstram seus físicos, eles
de shorts mostram suas barrigas e pernas grossas, peitorais musculosos, elas de biquíni
mostram o bumbum saliente e pernas torneadas, mas sem exagero, e a barriga malhada,
os peitos siliconados talhados no bisturi com tamanho sob medida, em um conjunto que
traduz o corpo contemporâneo no Brasil, como algo para exportação a exemplo de
modelos famosas e de sucesso.

É comum no Brasil, jovens mostrarem os músculos da barriga como sinal de


beleza, boa forma e saúde. Os efeitos de uma ordenação em relação ao corpo dentro dos
critérios do IMC se consumam, principalmente, nos jovens que, aspiram a uma forma
física cujas expectativas estéticas estejam de acordo com o corpo belo, e perfeitamente
ancorados nos padrões discursivos vigentes.

Modelos de corpos, bem como, os modos de construí-los e estilos de vida para


mantê-los existem aos punhados, e vão deste, imagens corporais de modelos famosas,
jogadores, ginastas, os anoréxicos, atrizes e atores, cantores e cantoras, pai e mãe, o
bandido, o “nóia”, e porque não o policial em seu ethos guerreiro etc. Perfazem modelos
normativos a serem seguidos de acordo com as necessidades mercadológicas. Nesse
universo de experimentações o corpo do jovem se dinamiza e se reconstrói em busca de
identificações reguladas.
Decerto também se guiam pela disciplina do formato normal e anormal. E neste
contexto, o discurso contra a obesidade, mesmo não abrangendo a todos, encontra lugar
para desenvolver entre os jovens, com as artimanhas da prevenção, através do exercício
físico, da alimentação, da moda, revelam que o corpo malhado é sinônimo de sucesso e
virilidade e prazer.

Para construir uma barriga de tanquinho é necessário praticar exercícios


abdominais. Esse exercício tornou-se celeuma entre os adeptos do corpo “sarado”, que
observam nesta modalidade uma precaução em relação à barriga saliente ou flácida, que
alem de indicar uma forma física propensa a doenças, revelam na imagem do corpo com
a circunferência abdominal acima do indicado6, descuidos para com o próprio corpo7.

A barriga tanquinho deve assemelhar-se ao tanque de lavar roupas, onde os


frisos cunhados em concreto são utilizados para friccionar as roupas sujas, durante o
duro trabalho de limpeza, sevem de referências ao abdômen saudável e belo. Uma
barriga de tanquinho possui seis gomos, três de cada lado do abdômen que são
revelados com as camisas abertas, uma sutil levantada na camiseta ou simplesmente
com o uso de shorts e a camisa sobre o ombro. Esses sinais acompanham desde a prática
da sedução como a ostentação do corpo masculinho sadio.

As medidas do Batalhão

6
As recomendações atuais são as de que a circunferência abdominal não ultrapasse 102 cm nos homens
ou 88 cm nas mulheres. Já a relação circunferência abdominal/circunferência do quadril não deve ser
maior do que 1,0 nos homens e 0,85 nas mulheres. http://drauziovarella.com.br/obesidade/cinturas-
avantajadas/ acesso em 12/03/2013.
7
Uma busca simples no Google revela as diversas possibilidades de adquirir uma barriga de tanquinho:
“Veja como conquistar uma barriga de "tanquinho" Qual o homem que nunca desejou ter uma barriga
sarada, toda cheia de gominhos? A aparência de "tanquinho", além de atrair a mulherada, pode ainda ser
sinônimo de qualidade de vida, pois fortalece a musculatura da região.  Segundo o educador físico
Wilmar dos Santos Villas, o homem é mais agressivo do que a mulher durante o treino, devido à
quantidade de testosterona. ‘É uma questão hormonal mesmo’, comenta. Além de dar um gás durante o
treino é esse o hormônio que ajuda na facilidade que o homem tem em 'definir' os músculos do corpo.
‘Com raras exceções, mesmo que um homem e uma mulher tenham exatamente o mesmo treino e a
mesma alimentação, é o homem quem define primeiro’, conta Villas. Os músculos do abdome são
exercitados por meio de séries de abdominais repetidas e diferentes. ‘Toda série de abdominais trabalha
os músculos da região abdominal. A diferença é que as séries enfocam músculos diferentes da região, mas
sempre trabalhando todos eles’, explica. Villas recomenda duas séries de 20 repetições de dois tipos
diferentes de abdominais para quem está apenas começando, de duas a três vezes por semana. Com o
tempo, o ideal é que a dificuldade dos exercícios seja aumentada”.
http://beleza.terra.com.br/noticias/0,,OI1834305-EI7484,00.html acesso em 20/03/1013.
O sobrepeso e a obesidade, enquanto problema epidêmico no batalhão teve
ampla divulgação midiática – no país e no exterior, com o programa de redução de peso,
revelando discursos que regulamentados subjetivam-se em práticas que corporificam os
soldados. As entrevistas e a imagética divulgada por canais de televisão como o jornal
televisivo SBT Brasil, sobre o programa de redução da obesidade e a fala do soldado
sobre a barriga de tanquinho, indica a intersecção entre a regulação social do corpo e a
preocupação para práticas de saúde acionadas na redução do problema institucional.

A reportagem em tom jocoso era dividida em quadros onde a narração se dividia


entre a voz do repórter e as cenas dos entrevistados, ou filmados. Na indicação da
matéria a apresentadora diz: “Policial gordinho não consegue correr atrás do ladrão, e
para evitar esse problema os PMs em Marília interior de São Paulo foram obrigados a
emagrecer. Uma pesquisa comprovou que mais da metade da tropa esta acima do
peso”. Em seguida apresenta o repórter responsável pela matéria: “O repórter Felipe
Esteves conta essa história”.

O reportem em campo enquadrando imagens de policiais narra: “Não adianta


mais forçar a barra com o cinto apertado”. Enquanto faz a narrativa às cenas exibidas
focam um policial sem colete de segurança a prova de balas, que ao abrir o largo cinto
de couro na cor preta, onde coldre é afixado para acomodação da arma, revela uma
barriga proeminente sob a camisa em tom cinza claro da farda. Em seguida o policial
fecha o cinto. A imagem não revela o rosto do policial apenas os braços em movimento
a cintura abdominal e parte das pernas.

“O alto escalão da PM descobriu o que muitos homens a serviço da lei


escondem bem debaixo da farda”. Concomitante a narrativa a seqüência as imagens
apresenta o almoço de Pms no refeitório do quartel. Para em seguida focar dois PMs ao
lado de um veículo de patrulha. A imagem a distância mostra o corpo inteiro dos PMs,
para em seguida focar a barriga sob o colete: “O pessoal brinca com a barriga de
tanquinho, mas nos temos uma máquina de lavar que cabe bem mais née”.
“Engraçadinho, mais sujeito a censura” comenta o repórter.

Em outra imagem um soldado, subindo o colete ao torcê-lo de um lado para o


outro, revela a sua barriga fora dos padrões corroborando com a verdade notificada o
repórter continua: no “interior de São Paulo a barriguinha acentuada está fazendo a
polícia bater pernas alem das contas – marcha soldado”. Enquanto as imagens
apresentam soldados em marcha e após malhando em academia interna no quartel “a
hora extra na academia depende dessa voltinha na cintura” comenta o repórter, e
novamente aparece a imagem de um soldado apertando o cinto.

No refeitório as cenas mostram os soldados se alimentando ou sendo servido


com arroz, feijão e repolho cozido, carne e uma laranja. “Só é preciso engolir regras e
mais regras, quer dizer, deixar de engolir comida demais. Não se podem dar brechas a
comentários maldosos na boca do povo”. Enquanto a câmera foca os pratos gentilmente
servidos.

Com um fundo na voz de um cidadão comum, entrevistado na cidade, expunha


as imagens alternadas do entrevistado e de um filme onde a marca do “Z” de Zorro era
evidenciada em meio a trovoadas e sobre o abdômen do Sargento Garcia. O Sargento
Garcia com sua cintura abdominal e peso acima dos padrões estabelecidos, se
assemelhava ao soldado coxinha cuja reprodução provocou certo desconforto quando
apagada de um mural do metro na cidade de São Paulo. O entrevistado diz: “O sargento
Garcia ia pegar o zorro e não conseguia porque o Zorro era magrinho e o Sargento
Garcia gordinho. Então a policia deve ser mais magra deve comer menos”.

Corroborando com o relatório institucional PSQVRT em sua narrativa o


jornalista diz que o comando, de olho na saúde da corporação, trocou o açúcar pelo
adoçante, o prato fundo pelo raso, e aumentou os ritmos de exercícios, bem como,
estendeu o regime para o âmbito domestico dos policiais.

E o mesmo policial entrevistado que comentou sobre a barriga de tanquinho é


chamado de exemplo ao aparecer com as compras de supermercado mostrando os itens
que comprara para dar continuidade ao processo de redução de peso, instituído pelo
batalhão. Em sua cesta havia: “mamão, gergelim, linhaça, vagem, batata, farinha
integral” e outros itens que ele indicava, corroborando com o discurso social e do
programa institucional acerca da alimentação saudável livre de gorduras e açúcares.

A troca de açúcar por adoçante foi especulada pelo repórter: “Tudo bem Major,
mas será que não há risco de um mercado paralelo aqui dentro?”. Quem responde é o
Major responsável pelo programa: “nós ainda não abrimos nenhum inquérito de tráfico
de açúcar, mas a gente esta com algumas denúncias e vamos apurar” o foco da imagem
é o rosto do Major, cuja aparência jovial, se expressa em tom amistoso. O repórter por
sua vez continua dizendo “cuidado soldados o comando esta de olho, mas é para o bem
da saúde da corporação” enquanto a câmera volta a dar imagens do refeitório e dos
soldados na fila das guarnições.

Em campo soube dessa forma de burlar o PSQVDT, instituído “... foi muito
engraçado quando o comando proibiu o açúcar durante o programa, os policiais
contrabandeavam o produto de casa escondido para adoçarem o café aqui no quartel...
Ninguém se sentia bem com a arbitrariedade do comando, e os policias obesos sentiam-
se expostos de maneira excessiva as mídias” revela uma Sargento.

Da mesma forma o Major médico da instituição pediu discrição ao contatar


certos profissionais com problemas de obesidade. Seu cuidado era como contatar os
profissionais, que se sentiam assediados pelo comando e expostos em sua imagem
corporal. Mesmo sendo essa preocupação indicada no projeto de pesquisa apresentado à
instituição o Major, salientou dizendo “nas pesquisas médicas que fazemos com seres
humanos é preciso ter cuidados, e sempre estar pautado em termos de livre
consentimento esclarecido”.

Alem das recomendações corriqueiras acerca da alimentação, envoltas na prática


da escolha do alimento direcionado para o bem estar corporal com frutas e legumes. O
gergelim a linhaça figuram como descobertas potenciais discursadas como coadjuvantes
no emagrecimento que vinculadas no dia a dia aparecem como novidades da cesta. Da
mesma forma o uso de adoçante como meio de evitar o excessivo uso de açúcar, como
parte de uma dieta rica em calorias, aparecem nos dizeres cotidianos como um subsidio
para o emagrecimento.

Um corpo transgressivo

Em uma seção do Batalhão conversando com três profissionais que realizam trabalho
interno para a corporação, observei que os diálogos sobre comida ganharam o tom de
fim de semana. “Hoje vou no rodízio comer picanha gorda e tomar cerveja” disse o
Sargento. O soldado retrucou “O sargento vai no churrasco e come gordura com Chia”
e a Soldado Temporária (ST)8 observando meu aspecto interrogador retrucou “é verdade

8
Os Soldados Temporários (ST) ou o Serviço Auxiliar Voluntário da Polícia Militar de São Paulo são
contratados através de concursos públicos. Para concorrer é necessário possuir idade entre 18 a 23 anos e
não participar de outros programas assistenciais do governo. O trabalho realizado pelo Soldado
Temporário consiste na realização de atividades administrativas e técnicas de apoio e também na guarda
do quartel.
o Sargento come gordura com Chia, de que adianta?9” e todos riram. Perguntei sobre a
veracidade da informação o Sargento riu consentindo que sim. O Sargento alto e com a
barriga proeminente estava com o IMC alterado, e brincava com sua composição física.

Enquanto atendiam telefones, respondiam emails institucionais ou cuidavam dos


processos internos. Os policiais dialogavam em tom amistoso. Quando a Soldado
Temporária buscou saber sobre o horário de funcionamento de certo restaurante para ir
almoçar. O Soldado simulava no telefone o cardápio para a ST, perguntando se havia
lingüiça. Após a brincadeira informou o horário e disse “a ST gosta de lingüiça com
dois ovos fritos, lingüiça paio!”.

Mas o caldo entorna de vez em quando, e na mesma seção ouvia uma explicação
sobre procedimento padrão da polícia de uma Soldado Temporária, quando o Sargento
responsável pelo grupo chamou a atenção da ST. Estava voltado para a ST e não
entendi. Ao olhar para o Sargento vi que seu rosto estava vermelho e com aspecto de
irritado. Ele perguntava a ST se ela estava dizendo aquilo por estar em minha frente. A
palavra “padrão” desencadeou uma ruptura. O Sargento entendeu “tubarão” e se sentiu
ofendido. Perguntei como se não estivesse entendido a frase dele, e ele repetiu olhando
para a ST “Achei que vc estava dizendo isso “tubarão” porque o Bóris está aqui”.
Somente após compreendi o efeito da palavra padrão que, distorcida na audição do
Sargento, transformou-se em “tubarão”. Disse que a ST havia dito a palavra padrão e o
Sargento enrubescido em frente à tela do seu computador continuou o seu trabalho.
Estabelecida a encenação voltei a falar sobre o procedimento padrão com a Soldado
Temporária10.

Considerações finais

Essa reflexão buscou focar as noções sobre a emergência da obesidade como


problema trabalhista e a difícil maneira de classificá-la. Também observou indícios da
epidemia entre policiais militares que no 9º BPM/I atingem cerca de 18% do efetivo
com obesidade e cerca de 50% do efetivo com sobrepeso. Na observação focou o
9
Sobre a Chia a Soldado Temporária me enviou um email com o site explicando as suas propriedades.
Originaria do México a semente de cor avermelhada é reconhecida por suas propriedades nutritivas sendo
utilizada há longo tempo por índios do sudoeste da América. Hoje largamente utilizada para redução de
peso e cuidados com o trato intestinal, a Chia contêm proteínas e Omega três indispensáveis segundo os
critérios de alimentação contemporânea para uma vida saudável.
10
Goffman (1999) faz referencias a ruptura quando a encenação entre os atores sociais é quebrada, ou
seja, um ator em interação não segue os padrões cênicos estipulados socialmente, e revela uma verdade
escondida que não deve ser revelada.
discurso vinculado socialmente através das mídias com seu poder regulador, bem como,
os cuidados dos próprios policiais em relação a saúde individual. Longe de esgotar a
temática o olhar buscou um contraponto entre a instituição e os trabalhadores revelando
através da biopolítica processos que visam instituir normas para a alimentação e
cuidados com o corpo, por outro lado a recusa em tom de transgressão dos trabalhadores
da segurança pública que atuam no batalhão de polícia militar.

Referências Bibliográficas

BRETAS, M. L. Ordem na Cidade: O exercício cotidiano da autoridade policial no Rio


de Janeiro: 1907 – 1930. Rio de Janeiro. Rocco, 1997.

EMSLY, Clive. “Los modelos de policía en el siglo XIX”. In: Galeano, Diego e
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