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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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Nº 70041818006
2011/CRIME

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS.


DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE POSSE
PARA USO COMPARTILHADO PREVISTO NO §3º
DO ARTIGO 33, DA LEI 11.343/2006. DROGA PARA
SER CONSUMIDA EM CONJUNTO ENTRE O RÉU E
PESSOAS DE SUAS RELAÇÕES. TIPICIDADE DO
FATO VERIFICADA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
PELO TEMPO DE PRISÃO CAUTELAR JÁ
CUMPRIDA EM REGIME FECHADO. PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE.
1. A apreensão de 20 pedras de crack – de peso
não informado – em poder do acusado, por si só,
não afasta a presunção de ser compatível com a
destinação para consumo compartilhado, inclusive
porque o réu admite que a substância seria
consumida por ele e mais três pessoas.
2. Correta a desclassificação para o delito
constante do §3° do art. 33 da Lei de drogas. Trata-
se de figura penal nova instituída pela atual Lei de
Tóxicos que penaliza de forma privilegiada a
apreensão de droga destinada a ser oferecida,
eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa
de seu relacionamento, para juntos a consumirem.
No tráfico estaria presente, sobretudo, o interesse
lucrativo, maior ou menor, enquanto no uso
compartilhado não se visualiza tal objetivo.
3. Outrossim, os delitos tipificados na Lei
11.343/06 são de perigo presumido ou abstrato,
possuindo plena aplicabilidade em nosso sistema
repressivo. Além disso, basta a existência do risco
“in genere” à saúde pública para falar-se em
ofensa ao bem jurídico tutelado, desimportando a
quantidade de drogas para a provocação do perigo
abstrato.
4. Considerando que o réu ficou preso
preventivamente de 25 de abril de 2009 a 20 de
agosto do mesmo ano, ou seja, por quase quatro
meses em regime fechado, e foi condenado ao
cumprimento de uma pena de sete meses de
detenção em regime aberto, substituída por
prestação de serviços à comunidade, entendo seja
caso de aplicar o princípio da proporcionalidade
para evitar excesso de punição, porquanto o réu
foi condenado a uma pena mais branda do que a
prisão cautelar já cumprida. Deve ser extinta a
punibilidade.

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APELO MINISTERIAL DESPROVIDO. PROVIMENTO


DO APELO DEFENSIVO PARA, DE OFÍCIO,
EXTINGUIR A PUNIBILIDADE.

APELAÇÃO CRIME TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70041818006 COMARCA DE CAXIAS DO SUL

MINISTERIO PUBLICO APELANTE/APELADO

EMILIO FERREIRA DA LUZ APELANTE/APELADO

MIRIAN LILIANE DA ROSA DA ROSA APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar
provimento ao apelo ministerial e dar provimento ao apelo defensivo para, de
ofício, declarar extinta a punibilidade pelo cumprimento, pelo réu, de medida
mais severa do que aquela que foi aplicada pela desclassificação operada.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI (PRESIDENTE E REVISOR)
E DESA. CATARINA RITA KRIEGER MARTINS.
Porto Alegre, 06 de outubro de 2011.

DES. FRANCESCO CONTI,


Relator.

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RELATÓRIO
DES. FRANCESCO CONTI (RELATÓRIO)
O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra EMILIO
FERREIRA DA LUZ e MIRIAN LILIANE DA ROSA DA ROSA por terem
cometido o seguinte fato delituoso:
No dia 25 de abril de 2009, por volta das 03h, na Rua
Dionísio Pereira de Brum, s/n.º, Bairro Serrano, nesta
Cidade, os denunciados Emilio Ferreira da Luz e
Miriam Liliane da Rosa da Rosa, em conjunção de
esforços e comunhão de vontades, traziam consigo
drogas, para o fim de comércio, sem autorização e em
desacordo com a determinação legal ou regulamentar,
consistentes em 20 (vinte) pedras de crack, substância
entorpecente que causa dependência física e psíquica,
apreendidas conforme auto de apreensão da fl. 08,
laudo de constatação da natureza da substância da fl.
11 e fotografias das fls. 46/48 do inquérito policial.
Na ocasião, o denunciado Emílio encontrava-se em
frente a um pavilhão e trazia consigo as drogas acima
relacionadas, quando, ao avistar a guarnição da
Brigada Militar, correu em direção à sua residência,
oportunidade em que a denunciada Mirian se
aproximou do local, sendo ambos abordados pelos
policiais militares. Ato contínuo, os denunciados foram
submetidos à revista pessoal, sendo que a denunciada
Mirian confessou, informalmente, a traficância das
pedras de crack que foram encontradas nos bolsos da
calça do denunciado Emilio, acondicionadas em um
tubo de cor branca com a tampa vermelha, bem como
a quantia de R$ 231,50 (duzentos e trinta e um reais e
cinquenta centavos) em dinheiro, divididos em moedas
e notas, além de 03 (três) aparelhos de telefones
celulares das marcas Nokia, Motorola e Sansung, tudo
apreendido conforme auto de apreensão da fl. 07 do
inquérito policial, momento em quem foram efetuadas
as prisões em flagrante.

A denúncia foi recebida em 29/06/2009 (fl. 127).


O feito teve seu trâmite regular, sobrevindo sentença (fls.
180/185) de parcial procedência da denúncia para condenar EMILIO como
incurso nas sanções do artigo 33, §3º, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 07
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(sete) meses de detenção, substituída por prestação de serviços à


comunidade, bem como absolver MIRIAN com fundamento no artigo 386,
inciso III, do Código de Processo Penal.
Sentença prolatada em 20/08/2009 (fls. 180/185).
Inconformados com a decisão, tanto o Ministério Público
quanto o réu EMILIO interpuseram, tempestivamente, recursos de apelação
– recebidos às fls. 190 e 208.
O Ministério Público sustentou que a prova é suficiente para a
condenação dos réus pelo delito descrito na denúncia. Acrescentou que a
condição de usuário não é incompatível com a prática do tráfico, e, ainda,
que não restou comprovado que a droga apreendida destinava-se,
exclusivamente, ao consumo próprio dos acusados. Ressaltou que os
testemunhos prestados pelos milicianos se mostraram harmônicos e coesos
com o restante do suporte probatório, razão pela qual não podem ser
desacreditados. Sublinhou que a ausência do flagrante de mercancia não
desconfigura a traficância. Por fim, requereu a reforma da sentença recorrida
para que os denunciados sejam condenados pela prática do crime previsto
no artigo 33, caput, da Lei n.º11.343/06, combinado com o artigo 29, caput,
do CP (fls. 193/205).
Em suas razões (fls. 257/262), o réu asseverou que a prova da
acusação está limitada ao informe dos policiais. Destacou que a quantidade
de droga apreendida é ínfima, sendo possível amoldar o fato ao tipo descrito
no artigo 28, da Lei n.º 11.343/2006, e não ao §3º do artigo 33. Entendeu
aplicável o princípio da insignificância, defendendo a atipicidade da conduta.
Requereu, assim, sua absolvição, com base no artigo 386, inciso III ou VII,
do CPP. Subsidiariamente, postulou a desclassificação para o artigo 28, do
mesmo diploma legal, com a aplicação da minorante do artigo 26 do CP,
instaurando-se incidente de insanidade mental se necessário.

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Apresentadas as contrarrazões pelas partes (fls. 263/268 e


271/288), subiram os autos a este Tribunal.
Nesta instância, a Douta Procuradoria de Justiça manifestou-se
pelo provimento do apelo ministerial e pelo improvimento do recurso da
defesa.
Em razão da aposentadoria do Des. Odone Sanguiné, os autos
foram redistribuídos, vindo conclusos para julgamento em 29/07/2011.
É o relatório.

VOTOS
DES. FRANCESCO CONTI (RELATOR)
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do
recurso.
Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo Ministério
Público e por Emílio Ferreira da Luz contra sentença da lavra da ínclita
Magistrada, Dra. Sonáli da Cruz Zluhan, Juíza de Direito da 3ª Vara Criminal
da Comarca de Caxias do Sul, que julgou parcialmente procedente a
denúncia ofertada pelo primeiro apelante.
Transcrevo parte da sentença hostilizada para melhor
elucidação dos fundamentos utilizados:
[...] Portanto, entendo que in casu existem provas tão
somente quanto ao delito tipificado no artigo 33, §3º,
da Lei n.º 11.343/2006 e com relação ao acusado
Emílio.
Logo, passo à análise das provas orais produzidas em
juízo:
Leonardo Tarci Gibicoski de Souza, diz que haviam
denúncias de que o acusado traficava no local, sendo
que ao dirigirem-se ao local, o mesmo tentou fugir,
mas foi pego logo em seguida. Na revista, foram
localizadas droga e uma quantia em dinheiro, no
entanto, não recorda a quantia. Afirma que a ré, no
momento da prisão, disse que o marido era traficante

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e que também traficava. Refere que a revista foi


iniciada através de denúncias anônimas. Não recorda
da apreensão de outros objetos, somente da droga.
Marcelo Terhorst de Freitas, diz que haviam
denúncias de tráfico no local, mas não tinham
constatado nada até o momento. Refere que foram
apreendidos a droga e uma quantia em dinheiro,
todavia, não sabe referir a quantidade. Aduz que a
acusada estava junto no local.
Yuri Schmidt Lima, narra que estavam fazendo
patrulhamento nas proximidades do local e com a
informação das características do indivíduo o
encontraram na frente da casa. A mulher estava junto,
tendo informado que também traficava e que era
esposa do acusado. Não tinha conhecimento de outras
denúncias de tráfico contra o réu. Recorda que
apreenderam crack, mas não a quantia exata.
Os réus, quando interrogados, assim aduziram:
Emílio, expõe que foi buscar a droga para consumir e
quando chegou em frente a casa, foi abordado e
preso. Refere que tinha vinte papelotes de crack no
bolso, os quais seriam consumidos por quatro
pessoas, talvez em uma noite. Afirma que a acusada
foi contratada como diarista e estava na casa no
momento da apreensão. Afirmou que usa drogas há
uns cinco anos e que já fez tratamento na casa
Forense, em Porto Alegre.
Miriam, refere que estava na casa no momento da
apreensão, mas foi lá para fazer uma faxina e usar
crack. Todavia, afirma que em seu poder nada foi
encontrado. Diz que já foi internada em uma
oportunidade, mas não quis fazer o tratamento.
Analisando a prova produzida nos autos, constata-se
que os policiais militares receberam denúncia anônima
informando da existência de tráfico ilícito de
entorpecentes na casa do acusado.
Nada obstante, em momento algum o autor da ação
penal logrou comprovar que os acusados exerciam a
traficância, visto que nenhum outro objeto que
pudesse configurar o delito foi localizado.
Se existiu algum delito no presente processo, é o uso
de drogas e através de uma simples pesquisa na
Internet (portal.saude.gov.br), constata-se que o efeito
do crack dura, em média, cinco minutos, in verbis:

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Porém, a duração dos efeitos do crack é muito


rápida. Em média duram em torno de 5 minutos;
enquanto que, após injetar ou cheirar, em torno de 20 e 45
minutos, respectivamente. Essa pouca duração
dos efeitos faz com que o usuário volte a
utilizar a droga com mais freqüência que
as outras vias (praticamente de 5 em 5
minutos) levando-o à dependência muito mais
rapidamente que os usuários da cocaína por outras vias
(nasal, endovenosa). (Grifei)

Ora, conclusão lógica e inarredável que se impõe, é


que a droga apreendida pode, sem dúvida, ter sido
utilizada para consumo.
O deslinde do feito poderia ter sido inverso. Ou seja,
se houvessem provas consistentes de que os
acusados traficavam no local, a condenação seria
inevitável. Entretanto, o caminho é outro.
Através da prova produzida, restou demonstrada tão
somente a prática de uso de entorpecentes e o
acusado dever ser condenado pelo artigo 33, §3º, da
Lei n.º 11.343/06, uma vez que confessa ter adquirido
crack para utilizar junto com outras pessoas.
E não há que se falar em condenação pelo artigo 33,
caput, da Lei n.º 11.343/06, uma vez que o legislador,
no referido dispositivo, penalizou quem efetivamente
praticar o delito de tráfico ilícito de entorpecentes e for
merecedor da sanção estatal.
De outro lado, entendo que a acusada Miriam deve ser
absolvida, eis que não incidiu em nenhum dos
dispositivos penais em comento, nem mesmo o quanto
disposto no artigo 28, caput, da referida lei.
Por derradeiro, afasto a diminuição prevista no artigo
26, parágrafo único, do Código Penal, tendo em vista a
inexistência de realização de exame técnico à respeito
e, ainda, a instauração do competente incidente, após
o encerramento da instrução, é inviável e viria em
prejuízo dos acusados.

Passo a dosar a pena.


O réu agiu com consciência da ilicitude dos fatos, uma
vez que não existem causas de exclusão. Constam
antecedentes. A conduta social e a personalidade não
foram objeto de análise no feito. Os motivos são os do
tipo penal. Não houve consequências, nem vítimas.
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Logo, fixo a pena em sete meses de detenção, ante os


antecedentes.
Inexistem causas de aumento e/ou diminuição,
restando a pena definitiva em sete meses de
detenção.
No que diz respeito a fixação da multa, entendo que,
conforme restou amplamente comprovado, o réu é
pobre, não podendo arcar com a mesma. Assim, defiro
o benefício da AJG e deixo de fixar multa.
Tendo em vista o quantum da pena aplicada e levando
em consideração que a vedação do artigo 44, da Lei
n.º 11.343/06, não alcança o §3º, do artigo 33,
SUBSTITUO a pena aplicada por prestação de
serviços à comunidade, pelo mesmo período, por
quatro horas semanais.
Diante do exposto, julgo PARCIALMENTE
PROCEDENTE as acusações contidas na denúncia,
para em decorrência CONDENAR o acusado EMILIO
FERREIRA DA LUZ, com fulcro no artigo 33, §3º, da
Lei n.º 11.343/06 e ABSOLVER a acusada MIRIAM
LILIANE DA ROSA DA ROSA, com base no artigo
386, inciso III, do Código Processo Penal.

Tenho que a sentença foi muito bem lançada. Entretanto,


entendo seja caso de declarar extinta a punibilidade pelas razões a seguir
expostas.
Passo à análise dos recursos de maneira conjunta.
A apreensão da droga encontra-se demonstrada pelo auto de
apreensão (fl. 11), bem como pelo laudo toxicológico definitivo (fl. 136).
Quanto à autoria, igualmente não há dúvidas, uma vez que o
próprio réu afirmou ser sua a droga apreendida.
No caso dos autos, de concreto o que se tem é a apreensão de
20 pedras de crack – de peso não informado -, não se podendo afastar a
presunção de ser compatível com a destinação para consumo próprio,
inclusive porque o réu admite que a substância seria consumida por ele e
mais três pessoas.

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É cediço que a apreensão de droga, em quantidade compatível


com destinação ao consumo próprio, observando-se, ainda, sua variedade –
apenas crack -, sem contar que é caso em que o acusado assumiu o
porte da substância asseverando ser usuário, não pode ser caracterizada
como traficância.
Não é dizer que não estava ocorrendo a venda de drogas no
local. O que friso aqui, é que fica cristalina a prática do tráfico quando
depreendida expressiva quantidade, e até mesmo quando há variedade de
espécies de drogas.
Mas, ao revés, pouca quantidade de droga, de uma espécie
apenas, se aproximando a quantidade da possibilidade de porte para uso
próprio, sem a apreensão de nenhum outro apetrecho característico, tal
como balança de precisão, embalagens, fitas, etc, tenho que maior a
necessidade de que sejam reunidos elementos probatórios, ainda que
indiciários, da pretensão de mercancia.
Quanto às drogas estarem embaladas individualmente, não
significa que estariam desta forma prontas para a venda, uma vez que assim
também se apresentam acondicionadas quando compradas.
No que se refere ao dinheiro apreendido – R$ 231,50 -, em
cédulas de 50, 20, 10, 5, e 2, não se pode afirmar seja oriundo do tráfico,
porquanto, o réu apresenta versão coerente para a sua posse (que o teria
recebido pela prestação de serviço na construção civil).
Sinale-se, o réu assume a condição de usuário de drogas, além
de asseverar que estava portando a droga para consumi-la em conjunto com
outras três pessoas:
[...] Interrogando: eu fui junto com outro colega, nós
fomos ali no bairro , uns papelotes pra nós usa; e ai no
caso, quando nós chegamos e foi (...) na frente de
casa, daí a guarnição chegou abordou nós em casa.
No caso me abordou.

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Juíza: Te abordou na frente da tua casa?


Interrogando: é
Juíza: Tu recém tinha ido buscar a droga, para usar?
Interrogando: Sim. (...)
(...) Juíza: E o que eles pegaram contigo?
Interrogando: Pegaram vinte papelotizinhos de crack.
(...) Juíza: E tinha pago quanto, tu lembra?
Interrogando: Quarenta reais, são vinte pedrinha de
dois.
Juíza: E em quanto tempo tu consumi isso?
Interrogando: Ali, nós eramos quatro pessoas, talvez
uma noite.
Juíza: Depois disso entraram na tua casa?
Interrogando: Depois disso, eles entraram, e não
encontraram mais nada. [...].

A prova judicializada, portanto, tem pouco de concreto para


imputar aos acusados o crime previsto no artigo 33, caput, da Lei n.º
11.343/2006.
Plausível, de outra parte, a versão de Emilio de que pretendia,
no local, usar comunitariamente a droga.
Observe-se o § 3º do texto legal supra:
§ 3o  Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de
lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a
consumirem:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e
pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e
quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas
previstas no art. 28.

Para Emílio, que ia dispor de tóxicos, e, compartilhar com


amigos, sem fins lucrativos, tenho por acertada a decisão da magistrada a
quo ao enquadrar a sua conduta no art. 33, § 3º, da Lei 11.343/06 (delito
de menor potencial ofensivo). No tráfico estaria presente, sobretudo, o
interesse lucrativo, maior ou menor, enquanto no uso compartilhado não se
visualiza tal objetivo.
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Aliás, trata-se de figura penal instituída pela Lei de Drogas em


vigor. Antes, independentemente da intenção do agente de obtenção de
lucro ou não, a conduta de oferecer incorria em crime de tráfico.
Sobre os elementos necessários para a configuração do tipo
penal do artigo 33, §3º, da Lei de drogas, cito a doutrina de Alexandre
Bizzotto e Andreia de Brito Rodrigues e Paulo Queiroz:

A configuração deste tipo legal de crime pressupõe o


concurso simultâneo dos seguintes requisitos: a) oferecimento de
droga; b) eventualidade do oferecimento; c) ausência de objetivo
de lucro; d) oferecimento a pessoa de seu relacionamento; e)
objetivo de consumo em conjunto. (...) A Lei se contenta com a
diversidade de relacionamentos, incluindo-se aí uma amizade
mais profunda, passando por vínculos de parentesco, namoro,
casamento, concubinato, conhecimento secundário e chegando a
um relacionamento ocasional, como é muito comum em festas, no
qual há a divisão entre amigos de amigos. (...) O consumo
conjunto não necessita ser em idêntico lapso temporal, podendo
ocorrer diferenças de tempo na consumação desde que haja
coincidência de circunstâncias e o lapso temporal esteja inserido
nestas circunstâncias. Ocorrendo ou não o exaurimento do
oferecimento, o tipo penal do artigo 33, §3º, da Lei 11.343/06 fica
reconhecido com a exclusão do artigo 33, caput (Comentários
críticos à Lei de Drogas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.
109 e 110).

Por outro lado, não prosperam as teses defensivas de


insuficiência probatória, atipicidade da conduta e de desclassificação para o
artigo 28 da Lei 11.343/06.
A insuficiência probatória é verificada quanto ao delito de
tráfico, mas não quanto à posse para uso compartilhado reconhecida na
sentença. O réu admitiu que estava na posse da droga apreendida e que
esta seria destinada para seu consumo e de mais três pessoas. Oral, tal
circunstância, corroborada pela prova oral produzida em juízo, afasta o pleito
de absolvição por insuficiência de provas.
Tampouco prevalece a tese de atipicidade da conduta. Os

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delitos tipificados na Lei 11.343/06 são de perigo presumido ou abstrato,


possuindo plena aplicabilidade em nosso sistema repressivo. Além disso,
basta a existência do risco “in genere” à saúde pública para falar-se em
ofensa ao bem jurídico tutelado, desimportando a quantidade de drogas para
a provocação do perigo abstrato.
A propósito:

A pequena quantidade de tóxico apreendida em poder de quem


a detém para uso próprio tipifica a conduta. Dessa forma, não se
pode pretender a aplicação do princípio da insignificância ou da
bagatela, uma vez que se trata de delito de perigo abstrato” (STF,
HC 82.324-6-SP, 1ª T., j 15-10-2002, rel. Min. Moreira Alves, DJU de
22-11-2002, RT 812/490).

Igualmente não é caso de desclassificação para o artigo 28 da


Lei 11.343/06. Embora seja inconteste a condição de usuário de drogas, a
prova dos autos revela mais sobre a conduta do acusado: que ele “ofereceu”
droga a pessoa de seu relacionamento para juntos consumirem.
Ademais, a pena imposta na sentença – sete meses de
detenção, substituída por prestação de serviços à comunidade – atende às
suas finalidades.
Entretanto, uma vez que o réu ficou preso preventivamente de
25 de abril de 2009 a 20 de agosto do mesmo ano, ou seja, por quase
quatro meses em regime fechado, e foi condenado a uma pena de sete
meses de detenção em regime aberto, substituída por prestação de serviços
à comunidade, entendo seja caso de aplicar o princípio da proporcionalidade
para evitar excesso de punição, porquanto considero o tempo de prisão
preventiva cumprido pelo réu como suficiente para repreender a sua
conduta.
Quanto à necessidade de observância do princípio da
proporcionalidade nos processos criminais, cito Delmanto Jr:

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... o conceito substancial do due process of law implica a aferição


da proporcionalidade de uma medida que imponha restrições ao
exercício de um direito constitucionalmente garantido. Essa
análise, vinculada à chamada proibição do excesso, se
desdobraria em três vértices: o da adequação da medida aos fins
perseguidos; o de sua exigibilidade ou necessidade, ou seja, de
que os fins visados não poderiam ser alcançados com a aplicação
de meios menos violentos; e, enfim, o da proporcionalidade em
sentido estrito, que significa que os meios legais restritivos e os
fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a
adoção de medidas legais desproporcionais, excessivas, em
relação aos fins obtidos, como observam J.J. Gomes Canotilho e
Vital Moreira” (As modalidades de prisão provisória e seu prazo
de duração. 2. ed. atual. ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.
212 e 213).

Com relação à ré Mirian, tenho que deve ser mantida a


absolvição pelos próprios fundamentos da sentença:
[...] De outro lado, entendo que a acusada Miriam deve
ser absolvida, eis que não incidiu em nenhum dos
dispositivos penais em comento, nem mesmo o quanto
disposto no artigo 28, caput, da referida lei. [...].

Com estas considerações, nego provimento ao apelo


ministerial e dou provimento ao apelo defensivo para, de ofício,
declarar extinta a punibilidade pelo cumprimento, pelo réu, de medida
mais severa do que aquela que foi aplicada pela desclassificação
operada.

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DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI (PRESIDENTE E REVISOR) - De


acordo com o(a) Relator(a).
DESA. CATARINA RITA KRIEGER MARTINS - De acordo com o(a)
Relator(a).

DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI - Presidente - Apelação Crime nº


70041818006, Comarca de Caxias do Sul: "NEGARAM PROVIMENTO À
APELAÇÃO MINISTERIAL E DERAM PROVIMENTO AO APELO
DEFENSIVO PARA, DE OFÍCIO, DECLARAR EXTINTA A PUNIBILIDADE
PELO CUMPRIMENTO, PELO RÉU, DE MEDIDA MAIS SEVERA DO QUE
AQUELA QUE FOI APLICADA PELA DESCLASSIFICAÇÃO OPERADA.
UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: SONALI DA CRUZ ZLUHAN

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