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IÇ A
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RS
EFN
Nº 71002875383
2010/CÍVEL

CONSUMIDOR. ANULAÇÃO DE CONTRATO, POR


ERRO ESSENCIAL. AQUISIÇÃO DE PRODUTO
FISIOTERÁPICO. COLCHÃO MAGNETIZADO.
VENDA EFETIVADA FORA DO
ESTABELECIMENTO – A DOMICÍLIO. PREÇO
INCOMPATÍVEL COM UM PRODUTO SIMILAR
COMUM. VALOR DAS PRESTAÇÕES
DESCONTADO DIRETAMENTE DO BENEFÍCIO
PREVIDENCIÁRIO DO CONTRATANTE. PRÁTICA
COMERCIAL ABUSIVA. INDUÇÃO DO
CONSUMIDOR EM ERRO. DIREITO AO
DESFAZIMENTO DO CONTRATO. DANOS
MORAIS APLICADOS COM CARÁTER
DISSUASSÓRIO.
Verossimilhança da alegação de promessa de
substanciais vantagens para a saúde dos
adquirentes. Vantagens inocorrentes. Prática
comercial abusiva. Fornecedora que se prevalece
da fraqueza do consumidor, em virtude de sua
idade e condição social, para impingir-lhe
produto. Art. 39, IV, do CDC. Direito ao
desfazimento do contrato. Danos morais
aplicados com função punitiva. Para casos como
o presente, a responsabilidade civil pode assumir
um caráter dissuassório.
RECURSO DA RÉ DESPROVIDO. RECURSO DO
AUTOR A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

RECURSO INOMINADO TERCEIRA TURMA RECURSAL


CÍVEL
Nº 71002875383 COMARCA DE IGREJINHA

MARIA ELAINE MACHADO ME RECORRENTE/RECORRIDO

ALBERY VIEGAS RECORRIDO/RECORRENTE

JEVERSON SCHMIDT RECORRIDO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Juízes de Direito integrantes da Terceira Turma
Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do
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Sul, à unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR E


NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os
eminentes Senhores DR. CARLOS EDUARDO RICHINITTI E DR.ª ELAINE
MARIA CANTO DA FONSECA.
Porto Alegre, 14 de abril de 2011.

DR. EUGÊNIO FACCHINI NETO,


Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de ação de anulação de contrato ajuizada por


ALBERY VIEGAS contra GRUPO CE e Jeverson Shimidt. Narra a parte
autora ter recebido a visita do segundo réu em sua residência, oferecendo-
lhe uma espécie de colchão magnetizado fabricado pela primeira ré, sob a
promessa de que o produto teria propriedades curativas de várias doenças.
Acabou por adquirir o produto, pagando o preço de R$ 2.700,00, por meio de
empréstimo consignado em folha de pagamento, além de haver emitido três
cheques de R$ 800,00, por um acompanhamento do vendedor. Diz que o
produto não apresentou características prometidas. Pede, assim, a anulação
do negócio, com a restituição do preço pago e dos cheques emitidos ao
vendedor. Por fim, postula indenização por danos morais.
O corréu Jeverson compareceu à audiência, mas não
apresentou defesa.
Contesta a corré fabricante do produto, alegando que o valor
pago pelo colchão foi de R$ 1.149,00, e não R$ 2.700,00, como alegado
pelo autor. Diz que não é responsável pelas técnicas de vendagem e

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argumenta já haver transcorrido o prazo decadencial para reclamar vícios do


produto. Defende que a hipótese dos autos não dá azo à reparação de
danos morais.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido,
declarando resolvido o contrato e condenando a fabricante ao ressarcimento
do valor de R$ 1.149,00 ao autor e o vendedor à obrigação de restituir os
cheques emitidos, no valor de R$ 800,00.
Recorrem a corré fabricante e o autor.

VOTOS
DR. EUGÊNIO FACCHINI NETO (RELATOR)

Estou por dar provimento ao recurso do autor e negar


provimento ao recurso da ré.
Chama a atenção o elevado valor, de R$ 2.700,00 (fl. 27), pago
pelo produto. Por óbvio que ninguém paga por um colchão um elevado valor
pensando na sua beleza estética, pois se trata de objeto cuja estética é
irrelevante, já que destinado a ficar oculto por lençóis e cobertas, em
aposento raramente visto por visitas. Paga-se pelo seu conforto, pela sua
durabilidade, pela suas propriedades anatômicas. Levando-se em conta
essas comuns propriedades, por todos buscadas quando se adquire um
colchão, percebe-se que o valor pago pelo autor teria sido extremamente
elevado e desproporcional ao retorno fornecido por um colchão, pois
facilmente compra-se um bom colchão de molas, com box incluído, de
renomadas marcas, por valores equivalentes a cerca de 50% do valor pago
pelo demandante.

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Assim, resta a verossímil explicação de que se alegou que se


tratava de um colchão especial, com propriedades terapêuticas, capaz de
curar várias doenças. E foi esse o móvel da aquisição.
Além disso, utilizou-se de agressiva técnica de vendagem.
Quando o demandante caiu em si, dando-se conta de que o produto não era
“milagroso” e obviamente não valia o preço pago, numa relação
custo/benefício, já havia passado o prazo semanal de reflexão previsto no
art. 49 do CDC. Além disto, o vendedor exigiu valor equivalente a cerca do
dobro do da nota fiscal do produto, sob a alegação de que prestaria um
“acompanhamento” ao cliente, estando evidente que se valeu da
vulnerabilidade do autor.
Considerando o elevado preço pago, a vantagem exagerada do
fornecedor, e a técnica agressiva de venda domiciliar utilizada, é de se
acolher a pretensão da parte autora via rescisão contratual, notadamente
quando levado em consideração o público alvo de tais negociações –
aposentados do INSS. São inúmeras as ações que tramitam no âmbito do
JEC versando sobre idênticos fatos, envolvendo a venda de mais diversos
produtos “fisioterápicos”, como colchões, almofadas térmicas e esteiras
magnetizadas, contra diversas empresas, em que os autores são, em sua
grande maioria, pessoas idosas e humildes, beneficiárias de pensão
previdenciária.
Dessa feita, não tenho dúvidas da abusividade da prática
comercial adotada pela requerida, que claramente se valeu da
vulnerabilidade do consumidor, em razão de sua idade, saúde e condição
social. Trata-se de prática comercial proibida pelo art. 39, IV, do CDC, que
diz ser vedado ao fornecedor “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do
consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição
social, para impingir-lhes seus produtos ou serviços”.

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A defesa do consumidor deve ser mais acentuada quando se


tratar de produto que não foi por ele conscientemente procurado e que,
objetivamente, não seria adquirido, caso não fosse utilizada peculiar técnica
de vendagem.
Matéria idêntica a esta, embora envolvendo empresas
diversas, já foi apreciada no âmbito das Turmas Recursais, quando do
julgamento do recurso inominado n. 71001479252, sendo relator o Dr. João
Pedro Cavalli Júnior. Comungo do mesmo entendimento, motivo pelo qual
transcrevo o voto do eminente colega, agregando-o às minhas razões de
decidir:
“Cumpre negar provimento ao recurso.
Situação assemelhada já foi examinada pela Turma, sob
relatoria do signatário, no R.I. nº 71001275056, acolhendo-se a pretensão do
consumidor.
Transcrevo trecho do voto, para ilustrar:
“(...)
Inicialmente, cumpre repelir a preliminar de ilegitimidade
passiva do Banco Bonsucesso, dado que inegavelmente, no caso concreto,
contrariamente ao que sustenta ele, integrou a cadeia de fornecedores do
produto, porque associou-se à fabricante para intervir como financiador da
compra do produto, auferindo também a sua parcela de lucros na operação.
Isso resta provado dos documentos de fls. 05 (nota fiscal do
produto, no rodapé, onde consta ser o “equipamento financiado pelo Banco
Bonsucesso”), 08 (carta da fabricante negando o pedido de desfazimento do
negócio, onde menciona que o produto foi adquirido “através do Banco
Bonsucesso e com desconto em folha de pagamento”), 23 (contestação da
fabricante, onde ratifica tal informação) e 64 (contrato de financiamento onde
consta referência à fabricante [Thermomed] como sendo “correspondente”).
No mérito, a pretensão há que prosperar.
O prazo de reflexão do art. 49 do CDC não há de ser
interpretado de forma restrita, como fez a r. decisão, mas sim tendo em linha
de conta as especificidades do produto.
Trata-se, no caso, de uma “esteira vibratória magnética”, com
anunciadas propriedades medicinais, cujo móvel de aquisição foi a lombalgia
crônica que aflige a esposa do consumidor.
Diz o consumidor que lhe foi prometida a cura pelo vendedor
que compareceu em seu domicílio, o que é verossímil pela observação do que
normalmente acontece e não é derruído pela singela menção escrita no termo
de recebimento do produto (fl. 49) de que o produto não substitui qualquer
tratamento convencional.
A versão do consumidor, portanto, goza de plena
verossimilhança, não tendo sido afastada pela prova dos fornecedores.

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Por óbvio que tal promessa de cura não pode ser testada em
apenas sete dias de reflexão. O prazo há que ser mais dilargado, em
obediência ao princípio da boa-fé e do cuidado com o parceiro contratual.
O fornecimento não pode ser uma armadilha para o
consumidor, como transparece a hipótese, dada a postura assumida pela
fabricante.
Sim, porque mesmo diante da entrega do produto em
17/05/2006 e da rápida reclamação formal em 05/06/2006 (tudo conforme a
carta da fabricante de fl. 08 e os documentos de fls. 05 e 49), ou seja, apenas
19 dias depois, manteve-se a fornecedora irredutível na manutenção do
negócio.
Por certo que isso é um exagero e não corresponde aos
mencionados ditames da boa-fé contratual, muito menos da proteção ao
consumidor, em benefício de quem se resolve toda e qualquer dúvida.
Isso sem mencionar a provável ocorrência de propaganda
enganosa na espécie, cujas conseqüências poderiam ser mais exacerbadas
para o fornecedor inidôneo.
Portanto, resta claro o direito ao desfazimento do negócio, no
mínimo pelo arrependimento, na forma do art. 49 do CDC, dado que em prazo
absolutamente razoável restou constatada pelo consumidor a inadequação do
produto à sua eficácia prometida.
Portanto, evidentemente procede o pedido.
Conseqüência disso é o retorno das partes ao estado anterior
à contratação, o que compreende não só a devolução do produto, mas
também a rescisão do contrato de financiamento, com a repetição de todas as
parcelas pagas, corrigidas desde o desembolso e com juros desde a citação,
bem como a cessação imediata dos descontos.
(...)”
Naquele caso, a questão residia em torno do induzimento do
consumidor a erro, mediante promessa de cura como argumento de venda,
adotando-se o prazo de reflexão previsto no art. 49 do CDC como fundamento
para o desfazimento do negócio.
Aqui, porém, a estratégia foi diferente: além da insistência, foi
prometida a venda por valor muito inferior ao real.
Por óbvio que se está diante de negócio ruinoso, não só pela
altamente duvidosa eficácia do produto, mas também pelos valores
envolvidos, principalmente perante a condição pessoal da consumidora, idosa
de condições humildes.
O erro substancial, como causa de anulabilidade do negócio
jurídico (CC, arts. 138 e 139), está sem dúvida presente na hipótese,
autorizando o desfazimento do negócio, sem embargo do dolo com que
inegavelmente se houveram os prepostos das fornecedoras (CC, arts. 145 e
149).
Na verdade, preocupa o fato de que tais situações têm-se
multiplicado, conforme noticia a imprensa, por todo o Estado, o que indica
estar-se diante de uma prática comercial não atribuível exclusivamente aos
prepostos da fabricante, mas também a ela mesma, ainda que por omissão.
Trata-se de atentado às relações de consumo, que deve ser
repelido energicamente, ainda mais porque tem por foco idosos que percebem

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benefícios previdenciários do INSS, muitas vezes analfabetos, enfim,


hipossuficientes típicos.
Caberia, aqui, tranqüilamente a aplicação do dano moral com
função punitiva, inclusive.
Enfim, não há a menor sombra de dúvida de que a pretensão
deve prosperar.”

Diante de tais fundamentos, entendo ser cabível o pleito de


resolução do contrato, bem como a indenização por danos morais. A
conduta da ré, a meu ver, não pode passar incólume. De fato, não se
configuram os danos morais puros, que se caracterizam pela presença da
dor física ou sofrimento moral, situações de angústia, forte estresse, grave
desconforto, exposição à situação de vexame, vulnerabilidade ou outra
ofensa a direitos da personalidade.
Não se deve esquecer, no entanto, que o direito civil também
pode contribuir para orientar os atores sociais no sentido de evitar
determinadas condutas, mediante a punição econômica de quem age em
desacordo com padrões mínimos exigidos pela ética das relações sociais e
econômicas. Trata-se da função punitiva e dissuasória que a
responsabilidade civil pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua
clássica função reparatória/compensatória.
Nesse passo, a condenação por danos morais, no caso, vem
lastreada no seu exclusivo caráter dissuasório, aplicada com o fim de evitar
a reiteração dessa espécie de conduta pela ré, ao tempo em que a orienta
para um procedimento mais consentâneo com o respeito devido ao
consumidor.
No tocante ao arbitramento da indenização, o montante de R$
2.000,00 se revela suficiente para o atendimento da precípua finalidade
pedagógica da medida, sendo este o patamar comumente estabelecido por
esta Turma Recursal em casos análogos.

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VOTO, pois, por NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA


RÉ e DAR PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR, para condenar a
requerida a pagar ao demandante a importância de R$ 2.000,00 (dois
mil reais) a título de indenização por danos morais, corrigida
monetariamente pelo IGP-M a contar do ajuizamento da ação e
acrescida de juros de mora à razão de 1% ao mês desde a citação.
Arcará a ré com as custas processuais e honorários
advocatícios, estes fixados em 20% sobre o valor da condenação.

DR. CARLOS EDUARDO RICHINITTI - De acordo com o(a) Relator(a).


DR.ª ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA - De acordo com o(a)
Relator(a).

DR. EUGÊNIO FACCHINI NETO - Presidente - Recurso Inominado nº


71002875383, Comarca de Igrejinha: "NEGARAM PROVIMENTO AO
RECURSO DA RÉ E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR.
UNÂNIME."

Juízo de Origem: VARA IGREJINHA - Comarca de Igrejinha

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