Tribunal de Justiça 18ªCâmara de Direito Privado (extinta 15ª Câmara Cível) Gabinete do Desembargador Paulo Wunder
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0025071-89.2020.8.19.0004
APELANTE: ALISSON NASCIMENTO DA SILVA APELADA: THAYANA PERES FIGUEIREDO ORIGEM: 3ªVARA CÍVEL DA COMARCA DE SÃO GONÇALO RELATOR:DESEMBARGADOR PAULO WUNDER
ACÓRDÃO
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO
CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. AQUISIÇÃO PELA AUTORA DE APARELHO CELULAR SEMINOVO COMERCIALIZADO NA LOJA RÉ. POSTERIOR BLOQUEIO PELA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, EM RAZÃO DE SE TRATAR DE PRODUTO DE CRIME.FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. AUSÊNCIA DE EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL, NO VALOR DE R$ 3.000,00, QUE NÃO MERECE REDUÇÃO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. O apelo é exclusivo da ré e almeja a improcedência dos pedidos ou, subsidiariamente, a redução da verba compensatória fixada a título de dano moral. 2. Acervo fático probatório que confirma a narrativa inicial, no sentido de o produto adquirido pela autora possuir origem ilícita. 3. Responsabilidade objetiva da demandada. Art. 14 do CDC. 4. Ausência de excludentes de responsabilidade. Fornecedor de serviços que não logrou afastar a alegação de falha na prestação do serviço. 5. Existência de dano moral indenizável, diante da privação indevida de valores no modesto
Assinado em 22/03/2023 13:37:53
PAULO WUNDER DE ALENCAR:33884 Local: GAB. DES. PAULO WUNDER DE ALENCAR 169
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pensionamento da autora, diminuindo o valor de
que dispõe para sua sobrevivência. 6.Verba indenizatória fixada em R$ 3.000,00 que observou o critério da proporcionalidade. 7.Desprovimento do recurso.
Vistos, relatados e discutidos os autos da Apelação Cível nº
0025071-89.2020.8.19.0004, sendo apelante Alisson Nascimento da Silva e apelada Thayana Peres Figueiredo. ACORDAM os Desembargadores da Décima Oitava Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de ação indenizatória por danos morais proposta por
Thayana Peres Figueiredo em face de CEL MANIA (Assistência Técnica e Venda de celulares), representada por Alisson Nascimento Silva alegando, em síntese, que adquiriu da ré, em 27.05.19, um aparelho celular seminovo da marca Apple, modelo Iphone 7, cor dourado, pelo valor de R$ 2.289,12, em 12 parcelas de R$ 190,76, mediante utilização de cartão de crédito do tio da autora. Informa que utilizou o aparelho normalmente até 23.09.19, quando foi bloqueado pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, em razão de ser produto de roubo, conforme registro de ocorrência nº 073-03510/2019. 170
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Diz que procurou o representante da ré e que, passados muitos meses
até o ajuizamento da ação, não havia obtido resposta para solução de seu prejuízo. Pede indenização pelo dano material, no montante de R$ 2.289,12, além de reparação moral, de R$ 10.000,00. Em contestação (indexador 74), a ré não negou o fato, afirmando que o bloqueio aconteceu após 4 meses da venda, o que causou surpresa não só para a autora, mas também para a ré. Sustenta a existência de fato exclusivo de terceiro, o que exclui sua responsabilidade. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos (indexador 117):
THAYANA PERES FIGUEIREDO propõe ação de reparação
de danos em face de CEL MANIA - assistência técnica e venda de celulares, alegando que adquiriu junto a loja ré um aparelho celular Iphone 7, pelo preço parcelado de R$ 2.289,12, através do cartão de crédito de seu tio, sendo que após alguns meses de uso o aparelho foi bloqueado pela Policia Civil do Estado do Rio de Janeiro, comparecendo a Delegacia soube tratar de produto de roubo, sendo apreendido o aparelho, procurando a ré para devolução do valor, foi enrolada e não logrou receber os valores de volta, sem solução, pleiteia a devolução do valor pago em dobro e dano moral. Com a inicial acompanharam os documentos de fls. 17/48. Citada a ré oferece contestação às fls. 74 e seguintes, alegando o aparelho da autora ingressou na loja como parte de pagamento na troca de celular, também sendo vítima, que realizou todas as consultas possíveis para saber a procedência do aparelho, que cumpriu com o dever de cautela, que inexistem danos morais a indenizar, pugnando pela improcedência do pedido. Réplica às fls. 91 e seguintes, se insurgindo contra os argumentos da contestação. RELATADOS, DECIDO. A relação é de consumo. O pedido autoral deve ser parcialmente acolhido, uma vez que as provas carreadas aos autos comprovam a existência do defeito na prestação do serviço da ré, não logrando a mesma em afastar sua responsabilidade com a demonstração de que o dano decorreu de fato exclusivo 171
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do consumidor ou de terceiro; que não prestou o serviço, ou
ainda, que este foi prestado sem defeito, na forma do art. 14, § 3º do CDC. A responsabilidade in casu é objetiva, tal como determina o art. 14, caput do Código de Defesa do consumidor, só afastando a ré sua responsabilidade caso venha a comprovar uma das excludentes do parágrafo 3º do citado artigo, o que não restou demonstrado. Analisando a dinâmica dos fatos, verifica- se que restou evidenciado que a autora adquiriu um produto objeto de crime, com bloqueio e apreensão pela Policia Civil, o que torna a compra um ato nulo, pois o objeto não é licito, devendo o pedido de devolução do valor pago ser acolhido, contudo, de forma simples, eis que a hipótese não se enquadra nos termos do p. ú do art. 42 do CDC, nem tampouco, do art. 940 do CC, sendo que, ainda que não tenha a loja agido com culpa, certo é que se trata de risco inerente a sua atividade. A conduta da ré causou lesão de natureza extrapatrimonial, uma vez que se recusou a devolver os valores pagos, fazendo a consumidora perder seu tempo para solução do problema que não deu causa, gerando dever de reparação. Questão delicada no meio jurídico brasileiro diz respeito aos parâmetros fixação da justa indenização devida. É cediço que a quantia arbitrada pelo julgador não pode servir de enriquecimento sem causa para a vítima do dano. O Poder Judiciário rechaça as tentativas, cada vez mais comuns, de locupletamento através da conhecida "indústria do dano moral", sob pena de prestigiarmos a banalização do dano moral. Por outro lado, aplicando o que a doutrina convencionou chamar de "análise econômica do direito", o julgador, ao arbitrar o valor indenizatório deve, também, atingir, de forma significativa, a esfera patrimonial do causador do dano de modo que este não se torne reincidente na conduta ilegítima. Por isso, a tarefa de fixação do quantum indenizatório deve ter dois enfoques principais: evitar o enriquecimento sem causa da vítima e evitar a reincidência do causador do dano. Destarte, de acordo com as diretrizes supracitadas fixo, dentro do princípio da razoabilidade, a indenização a título de compensação pelos danos morais em R$ 3.000,00 (três mil reais). No caso em exame, por se tratar de responsabilidade contratual, os juros devem incidir a partir da citação e a correção monetária a partir da fixação do valor, ou seja, da presente sentença em diante. Esta diretriz está contemplada na jurisprudência do TJRJ e do STJ: DES. ALEXANDRE CAMARA - Julgamento: 25/10/2010 - SEGUNDA CAMARA CIVEL - 0002531-42.2009.8.19.0001 - Responsabilidade Civil. Acidente em Coletivo. Dano moral configurado. (...) Dano material decorrente da incapacidade total temporária e parcial permanente da autora, baseado no salário 172
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mínimo. Juros moratórios a partir da citação. Correção
monetária que deve incidir a contar da fixação da verba, inclusive quanto ao pensionamento, que tomou por base o salário mínimo atual. Sucumbência mínima da demandante, devendo a ré suportar integralmente o pagamento das despesas processuais. Parcial provimento do recurso da demandada. Diante disto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, extinguindo-se o feito na forma do art. 487, I do CPC, para condenar a ré a devolver o valor de R$ 2.289,12, com juros de mora e correção monetária do desembolso (verbete 331 do TJRJ) e ao pagamento da quantia equivalente a R$ 3.000,00 (três mil reais) a títulos de compensação por danos morais, acrescidos os juros legais desde a citação até a efetiva data de pagamento e a correção monetária desta data até o efetivo pagamento. Pedido da dobra legal julgo improcedente. Condeno as partes em 50% das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor da condenação, na forma do p. 2º do art. 85 do CPC, suspendendo a cobrança em face da autora na forma do p. 3º do art. 98 do CPC. Com o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquive-se. P.I.
Recurso de apelação interposto pelo representante legal da ré
(indexador 131) requerendo, inicialmente, a gratuidade de justiça. Aduz superendividamento, se encontrando na iminência de encerrar as suas atividades. No mérito, afirma que também foi vítima e que as provas carreadas aos autos afastam o nexo de causalidade. Defende que, na data em que o aparelho ingressou na loja da ré, não existia qualquer óbice ou suspeita que possuía origem ilícita, pois se tal informação estivesse a seu alcance, jamais revenderia o aparelho. Assevera que cumpriu com seu dever de cautela e realizou todas as consultas à sua disposição para verificar a procedência do produto, não havendo nenhuma restrição ou informação de sua origem ilícita. 173
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Requer o provimento do recurso, a fim de serem julgados
improcedentes os pedidos. Subsidiariamente, pleiteia redução do valor indenizatório. A apelada apresentou contrarrazões, com pedido de fixação de honorários recursais (indexador 150).
VOTO
O recurso interposto é tempestivo e guarda os demais requisitos de
admissibilidade, de forma a permitir o respectivo conhecimento. Defiro a gratuidade de justiça ao recorrente, diante dos documentos adunados (indexadores 140 a 142), ressaltando que, embora referentes ao representante legal, são aptos a demonstrar a hipossuficiência da microempresa individual. Versa a lide sobre suposta falha na prestação de serviço da parte da ré/apelante, em razão da venda de produto resultado de crime, como comprova o registro de ocorrência nº 073-06363/2019 (indexador 39): 174
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A relação entre as partes é de consumo, devendo ser aplicado o
artigo 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual aresponsabilidade da ré/apelante é objetiva, cabendo-lhe a prova da inexistência de falha na prestação do serviço, culpa do consumidor ou de terceiros para afastá-la. O recurso interposto é exclusivo da demandada, pretendendo sejam todos os pedidos julgados improcedentes e, subsidiariamente, seja reduzido o valor indenizatório. No caso, a demandante fez prova mínima de suas assertivas, ao comprovar que o aparelho adquirido possuía origem ilícita, enquantoa ré, a quem é atribuída a responsabilidade objetiva pelos serviços prestados, não demonstrou a veracidade de suas alegações. Com efeito, não logrou demonstrar que procedeu com a cautela necessária para se certificar da procedência dos produtos que comercializa, sequer informou onde os adquire, muito menos disse quem eram seus fornecedores. Dessa feita, diante da ilegalidade perpetrada, a autora sofreu prejuízos materiais e morais que devem ser indenizados. Por conseguinte, restou caracterizada a falha no serviço prestado pela ré, que se tivesse feito uma análise criteriosa da origem dos produtos que coloca à venda, poderia ter evitado o fato lesivo. Consigne-se que a perpetração de fraudes constitui risco inerente ao exercício da atividade comercial, a configurar verdadeira hipótese de fortuito interno, insuficiente, per si, para afastar o nexo causal e o dever de indenizar. 176
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Nessa linha, registre-se a Súmula 94 desta Corte.1Doravante,
configurada a falha na prestação do serviço, impõe-se a reparação dos danos morais dela decorrentes. Com efeito, há que se reconhecer a repercussão extrapatrimonial do evento, pois a autora/apelada dispendeu quantia razoável para aquisição do bem de vida e não pode usufruí-lo em virtude de se tratar de produto receptado. Quanto ao seu arbitramento, deve se adequar às circunstâncias do caso concreto, tendo em conta os elementos do processo e as condições específicas das partes, vedado o enriquecimento ilícito.
Nesse cenário, diante do contexto fático dos autos, verifica-se que a
fixação do montante indenizatório em R$ 3.000,00 (três mil reais) seafigura adequada diante da extensão das lesões suportadas, em observância ao critério da proporcionalidade. Isso posto, voto pelo desprovimento do recurso e majoro os honorários advocatícios a serem pagos pela ré/apelante para 12% do valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil.
Rio de Janeiro, na data da assinatura digital.
Desembargador PAULO WUNDER
Relator
1 Cuidando-se de fortuito interno, o fato de terceiro não exclui o dever do fornecedor de indenizar.