Você está na página 1de 8

L D E JU

NA

ST
U
T R IB

IÇ A
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RS

DVHR
Nº 70050417898
2012/CRIME

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA CRIANÇA


E ADOLESCENTE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.
Justa causa. Inexistência de ofensa concreta a
qualquer bem jurídico. A ausência de lesividade na
conduta da apelante não permite a intervenção do
Direito Penal no caso. Imperiosa a extinção do
processo pela inexistência de justa causa para
ação penal.
Desclassificação. Não fosse o caso de extinção do
processo por ausência de justa causa, a
desclassificação operada na sentença deveria ser
mantida. A conduta pela qual restou a apelante
denunciada se consubstancia em contravenção
penal disposta no artigo 63, inciso I, do Decreto-
Lei n.º 3688/1941.
Prescrição. A desclassificação ocasionaria a
extinção da punibilidade. Considerando a pena
máxima cominada para a espécie, por ser a ré
menor de 21 anos à época dos fatos, prescrita
estaria a pretensão punitiva do Estado.
PROCESSO EXTINTO POR INEXISTÊNCIA DE
JUSTA CAUSA.
APELAÇÃO PREJUDICADA.

APELAÇÃO CRIME QUINTA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70050417898 COMARCA DE SÃO FRANCISCO DE


ASSIS
MINISTERIO PUBLICO APELANTE

LICIELE TEIXEIRA DE LIMA APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em julgar prejudicado
o apelo do Ministério Público e conceder habeas corpus de ofício
extinguindo o presente processo por inexistência de justa causa para a ação
1
L D E JU
NA

ST
U
T R IB

IÇ A
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RS

DVHR
Nº 70050417898
2012/CRIME

penal, com fulcro no artigo 648, inciso I, do Código de Processo Penal.


Vencido o Des. Ivan Leomar Bruxel que negava provimento ao recurso e
declarava extinta a punibilidade.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes
Senhores DES. IVAN LEOMAR BRUXEL (PRESIDENTE E REVISOR) E
DES.ª GENACÉIA DA SILVA ALBERTON.
Porto Alegre, 19 de dezembro de 2012.

DES. DIÓGENES V. HASSAN RIBEIRO,


Relator.

RELATÓRIO
DES. DIÓGENES V. HASSAN RIBEIRO (RELATOR)
O Ministério Público narrou da seguinte forma a conduta, em
tese, delituosa praticada pela apelante:

No dia 30/08/2008, aproximadamente às 23h15min., no


Ginásio de Esportes, em São Francisco de Assis, RS, a
denunciada forneceu, para a vítima Jéssica Nunes
Montanari, com 16 anos de idade, sem justa causa,
produto cujos componentes podem causar dependência
física ou psíquica.
Na ocasião, a denunciada comprou uma lata de cerveja e
permitiu que a adolescente Jéssica Nunes Montanari, de 16
anos de idade bebesse
Ao perceber a aproximação do Conselho Tutelar, Jéssica
entregou imediatamente a alta de cerveja para Liciele, a
qual admitiu ter comprado a cerveja.
A lata de cerveja foi apreendida, conforme auto de
apreensão (fl. 05).
Assim agindo, a denunciada incorreu nas sanções do
artigo 243, da Lei nº 8.069/90, motivo pelo qual o Ministério
Público promove a presente ação penal, requerendo o
recebimento da denúncia e a citação do réu para
apresentação de defesa escrita.

2
L D E JU
NA

ST
U
T R IB

IÇ A
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RS

DVHR
Nº 70050417898
2012/CRIME

Na sentença, o Dr. Luis Filipe Lemos Almeida consignou o


seguinte relatório:

O Ministério Público, com base no inquérito policial nº


046008152331ª, oriundo da Delegacia de Polícia de São
Francisco de Assis, ofereceu denúncia contra Liciele
Teixeira de Lima como incursos (sic) no crime capitulado no
art. 243 da Lei nº 8.069/90, afirmando que a denunciada, no
dia 30 de agosto de 2008, forneceu bebida alcoólica a
adolescente Jéssica Nunes Montanari (fls. 02/03). A
denúncia foi recebida em 19/11/2008 (fl. 26). Citada (fl.
28v.), a ré apresentou resposta à acusação por defensor
constituído, arrolando duas testemunha (sic) (fls. 29/34).
Admitida a acusação (fl. 36). Foi designada audiência de
instrução e julgamento.

Acrescento que o magistrado desclassificou a conduta


praticada pela apelante para aquela descrita no artigo 63, inciso I, do
Decreto-Lei n.º 3.988/1941, decretando a nulidade da decisão que recebeu a
denúncia e determinando a remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal,
a fim de viabilizar a designação de audiência preliminar (fls. 83-84).
O Ministério Público, pelo Dr. Luiz Antônio Barbará Dias,
interpôs recurso de apelação requerendo a procedência da exordial
apresentada para condenar a ré às sanções do artigo 243, da Lei n.º
8.069/1990 (fls. 85-88).
Aportaram aos autos contrarrazões defensivas (fls. 92-98).
Em segunda instância, opinou o Ministério Público, pelo Dr.
Lenio Streck, pelo parcial provimento do apelo para cassar e decisão que
operou a desclassificação e, ao mesmo tempo, pela concessão de habeas
corpus de ofício a fim de determinar o trancamento da ação penal por
ausência de justa causa (fls. 100-104).
É o relatório.

VOTOS

3
L D E JU
NA

ST
U
T R IB

IÇ A
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RS

DVHR
Nº 70050417898
2012/CRIME

DES. DIÓGENES V. HASSAN RIBEIRO (RELATOR)


I. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA
Inicialmente, importa registrar que para incidência da tutela
prestada pela norma penal é necessário que se tenha presente a ideia de
ofensa efetiva a bens jurídicos. Tal diretriz deve nortear o processo de
criminalização primária e secundária – que deve ser aferido e verificado em
cada caso concreto, não bastando a mera tipificação formal da conduta para
aplicação da norma.
Aliás, nesse sentido, calha a lição de Fábio Roberto D’Avila
acerca do tema:

(...) dois níveis de valoração se fazem necessários para a


verificação e aceitação de um ilícito-típico em âmbito
criminal. Um primeiro nível, no qual será verificada a
existência de um bem jurídico-penal como objeto de
proteção da norma. E um segundo nível, no qual se irá
verificar a existência de ofensifividade, como resultado
(jurídico) da relação entre a conduta típica e o objeto de
tutela da norma. Não basta o reconhecimento de um bem
jurídico dotado de dignidade penal como objeto de tutela da
norma – o que significa, para além de analogia material com
a Constituição e necessidade de tutela penal, o
reconhecimento de um valor trans-sistemático e
concretizável -, mas é também necessário que esse mesmo
bem jurídico tenha sofrido, no caso concreto, um
dano/violação – ofensa própria dos crimes de dano -, ou um
perigo/violação, nas formas de concreto pôr-em-perigo e
cuidado-de-perigo – formas de ofensa exigidas,
respectivamente, nos crimes de perigo concreto e nos
crimes de perigo abstrato -. Ou cairíamos no discurso
falacioso e metodologicamente equivocado de que, para
tutelarmos bens jurídicos é preciso proibir fatos não
ofensivos a bens jurídicos.

Deste modo, não obstante o relevo acentuado da necessária


tutela prestada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, as
especificidades do caso concreto permitem concluir ser desnecessária a
intervenção penal na ocasião. De fato, a conduta de uma jovem de 20 anos,

4
L D E JU
NA

ST
U
T R IB

IÇ A
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RS

DVHR
Nº 70050417898
2012/CRIME

em um ambiente festivo, consistente em possibilitar que outra, de 16 anos,


ingerisse alguns goles de uma lata de cerveja não pode ser entendida como
dotada de lesividade social apta a concretizar efetiva lesão a bem jurídico.
Nesse sentido, como corolário lógico, apreensível pelo
substrato fático que se apresenta, verifico inexistir justa causa para o
exercício da ação penal na espécie. Sobre o instituto, relevante trazer à baila
a lição de Aury Lopes Júnior:

(...) a justa causa é um verdadeiro ponto de apoio (topos)


para toda a estrutura da ação processual penal, uma
inegável condição da ação penal, que, para além disso,
constitui um limite ao (ab)uso do ius ut procedatur, ao
direito de ação. Considerando a instrumentalidade
constitucional do processo penal, conforme explicamos
anteriormente, o conceito de justa causa acaba por
constituir numa condição de garantia contra o uso abusivo
do direito de acusar.
(...)
A justa causa identifica-se com a existência de uma causa
jurídica e fática que legitime e justifique a acusação (e a
própria intervenção penal).
Está relacionada, assim, com dois fatores: existência de
indícios razoáveis de autoria e materialidade de um lado e,
de outro, com o controle processual do caráter fragmentário
da intervenção penal.

Assim sendo, pela inexistência de lesividade e ofensa concreta


a qualquer bem jurídico, ausente justa causa para o prosseguimento da ação
penal, sendo o trancamento do processo medida impositiva.

II. TIPICIDADE
Destaco que, por ser mais benéfica à ré, deve prevalecer a
extinção do processo pela inexistência de justa causa para a ação penal.
Todavia, no mérito do apelo, calha tecer breves considerações.
Quanto à tipicidade da conduta narrada na inicial acusatória,
registro que esta se amolda na capitulação jurídica do artigo 63, inciso I, da
5
L D E JU
NA

ST
U
T R IB

IÇ A
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RS

DVHR
Nº 70050417898
2012/CRIME

Lei das Contravenções Penais e não ao delito disposto no artigo 243 do


Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse sentido já firmou posicionamento o Superior Tribunal de
Justiça:

PENAL. HABEAS CORPUS. FORNECIMENTO DE BEBIDA


ALCOÓLICA A MENORES.
TIPICIDADE DA CONDUTA. CONTRAVENÇÃO PENAL.
ART. 63 DO DECRETO-LEI N.º 3.688/41. TRANCAMENTO
DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PRESCRIÇÃO DA
PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO.
OCORRÊNCIA. CONCESSÃO EX OFFICIO DA ORDEM
DE HABEAS CORPUS.
1. Consoante entendimento sedimentado nesta Corte
Superior, o fornecimento de bebida alcoólica a menor é
conduta típica que, apesar de não se amoldar ao tipo penal
previsto no art. 243 da Lei n.º 8.069/90, encontra previsão
no art. 63 do Decreto-Lei n.º 3.688/41 (Precedentes: REsp
n.º 942.288/RS, Rel. Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA,
DJe de 31/03/2008; e HC n.º 113.896/PR, Rel. Min. OG
FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe de 16/11/2010) 2. O
art. 109, inciso V, do Código Penal dispõe ser de 4 (quatro)
anos o prazo prescricional aplicável aos delitos com máximo
de pena igual a 1 (um) ano, situação em que se enquadra o
delito do art. 63 do Decreto-Lei n.º 3.688/41.
3. Na espécie, o recebimento da denúncia (último marco
interruptivo do prazo prescricional), se deu em 12.06.2007,
com a prolação do aresto hostilizado nesta impetração, já
tendo transcorrido, assim, até a presente data, lapso
superior a 4 (quatro) anos, razão pela qual se impõe
reconhecer extinta a punibilidade do agente.
4. Ordem denegada. Habeas corpus concedido, de ofício,
para declarar extinta a punibilidade com relação à
contravenção penal prevista no art. 63 do Decreto-Lei n.º
3.688/41.
(HC 90.116/MS, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE
OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO
TJ/PE), SEXTA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe
29/06/2012)

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ART. 243 DO


ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 63, INCISO I, DA LEI
DE CONTRAVENÇÕES PENAIS. SUSPENSÃO
CONDICIONAL DO PROCESSO E TRANSAÇÃO PENAL.
POSSIBILIDADE.

6
L D E JU
NA

ST
U
T R IB

IÇ A
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RS

DVHR
Nº 70050417898
2012/CRIME

1. Modificada a imputação trazida pela denúncia, por outra


que se amolde aos requisitos determinados pelo arts. 76 e
89 e da Lei n.º 9.099/1995, deve o juízo processante
conferir oportunidade ao Ministério Público para que se
manifeste sobre o oferecimento da suspensão condicional
do processo e da transação penal. Precedentes do
Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
2. Ordem concedida para, anulando a condenação,
determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim
de facultar ao Ministério Público a possibilidade de formular
proposta de suspensão condicional do processo ou de
transação penal.
(HC 224.665/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA
TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 14/05/2012)

Deste modo, não fosse o caso de extinção do processo por


ausência de justa causa, a desclassificação operada deveria ser mantida. E
assim fosse, com os reflexos na pena abstratamente cominada a espécie,
incidiria a prescrição da pretensão punitiva estatal.

III. PRESCRIÇÃO
A pena máxima cominada para a contravenção penal em
comento é de um ano, sendo, com isso, o prazo prescricional, conforme
artigo 109, inciso IV, do Código Penal, quatro anos. Há de se consignar que
a ré, à data do fato, contava com vinte anos de idade, modo que, nos moldes
do artigo 115 do Código Penal, reduz-se pela metade o prazo a ser
decorrido. Desta forma, tem-se como necessário o decurso de dois anos
para que ocorra a prescrição da pretensão punitiva estatal.
O fato foi praticado em 30 de agosto de 2008 e a denúncia foi
recebida em 10 de novembro de 2008. A sentença foi prolatada em
audiência realizada no dia 18 de abril de 2011.
Constata-se, destarte, o transcurso de 2 anos, 5 meses e 8
dias desde o recebimento da denúncia até o momento da sentença.
Prescrita, portanto, a pretensão de punição do estado no presente caso.

7
L D E JU
NA

ST
U
T R IB

IÇ A
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RS

DVHR
Nº 70050417898
2012/CRIME

IV. DISPOSITIVO
Diante do exposto, julgo prejudicado o apelo do Ministério
Público e concedo habeas corpus de ofício extinguindo o presente processo
por inexistência de justa causa para a ação penal, com fulcro no artigo 648,
inciso I, do Código de Processo Penal.

DES. IVAN LEOMAR BRUXEL (PRESIDENTE E REVISOR)

Voto por negar provimento ao apelo do Ministério

Público, e declarar extinta a punibilidade.

DES.ª GENACÉIA DA SILVA ALBERTON - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. IVAN LEOMAR BRUXEL - Presidente - Apelação Crime nº


70050417898, Comarca de São Francisco de Assis: "POR MAIORIA,
JULGARAM PREJUDICADO O APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E
CONCEDERAM HABEAS CORPUS DE OFÍCIO EXTINGUINDO O
PRESENTE PROCESSO POR INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A
AÇÃO PENAL, COM FULCRO NO ARTIGO 648, INCISO I, DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. VENCIDO O DES. IVAN LEOMAR BRUXEL QUE
NEGAVA PROVIMENTO AO RECURSO E DECLARAVA EXTINTA A
PUNIBILIDADE."

Julgador(a) de 1º Grau: LUIS FILIPE LEMOS ALMEIDA

Você também pode gostar