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> Croat Med J. 2006;47:662-64
Caminhos da Medicina
por Norman Sartorius
Os Sentidos da Saúde e sua Promoção
A Constituição da Organização Mundial
da Saúde, que entrou em vigor em 7
de abril de 1948, definia saúde “como
um estado de completo bem-estar
físico, mental e social”. Os redatores
da Constituição estavam claramente
cientes da tendência de ver a saúde
como um estado dependente da
presença ou ausência de doenças:
então acrescentaram a essa definição
que um indivíduo, para ser considerado
saudável, não deveria sofrer de
qualquer doença (….“e não
meramente a ausência de doença ou
enfermidade”) (1).
Dessa forma, a definição da
Organização Mundial da Saúde
simplesmente acrescentou à posição
anterior um requisito que permitia
declarar alguém saudável caso não
fosse constatada nenhuma doença:
o avanço que poderia ter sido dado na
conceituação de saúde
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como uma dimensão da existência
que pode coexistir com a presença de
uma doença ou deficiência, portanto,
não foi tomada.
Hoje, três tipos de definição de
saúde parecem possíveis e são
utilizados. A primeira é que a saúde é
a ausência de qualquer doença ou
deficiência. A segunda é que a saúde
é um estado que permite ao indivíduo
lidar adequadamente com todas as
demandas da vida diária (implicando
também a ausência de doenças e
incapacidades). A terceira definição
afirma que a saúde é um estado de
equilíbrio, um equilíbrio que um
indivíduo estabeleceu dentro de si e
entre si e seu ambiente social e físico
mento.
As consequências da adoção de
uma ou outra dessas definições são
consideráveis. se saúde
é definida como a ausência de
doença, a classe médica é quem pode
declarar um indivíduo saudável. Com
o progresso da medicina, indivíduos
declarados saudáveis hoje podem ser
considerados doentes amanhã, porque
métodos mais avançados de
investigação podem encontrar sinais
de uma doença que não era
diagnosticável anteriormente. Como
um indivíduo se sente sobre seu
estado não é relevante neste
paradigma de saúde. O modo como
as pessoas ao seu redor julgam o
comportamento e a aparência de um
indivíduo só é relevante se suas
observações forem congruentes com
os critérios de anormalidade que a
profissão médica produziu. A medição
do estado de saúde de uma população
também é simples e envolverá apenas
a contagem
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os indivíduos que, ao exame,
apresentam sinais definidos de
doença e comparando seus
números com aqueles que não apresentam.
Existem dificuldades óbvias
com a primeira e a segunda das
definições mencionadas acima e
com suas consequências.
Existem indivíduos que apresentam
anormalidades que podem ser
contadas como sintomas de uma
doença, mas não se sentem mal.
Há outros cujos tecidos do corpo
não apresentam alterações, mas
que se sentem mal e não funcionam
bem. Existem pessoas que ouvem
vozes e podem, portanto, ser
candidatas a exames psiquiátricos
e possivelmente tratamento – mas
vivem bem em sua comunidade e
não pedem nem recebem
atendimento médico. Existe um
número significativo de pessoas
que têm úlcera péptica e outras
doenças, não têm problemas, não
sabem que têm uma doença e não
procuram tratamento para ela.
Alguns desses indivíduos também
escaparão do segundo tipo de
definição de saúde porque
funcionam tão bem quanto o
esperado em seu grupo de idade
e gênero da população em geral.
A terceira definição mencionada
acima faz com que a saúde
dependa de uma pessoa ter
estabelecido um estado de equilíbrio uma “pessoa que tem diabetes” em
consigo mesma e com o ambiente.
Isso significa que aqueles com uma
doença ou deficiência serão
considerados saudáveis a um
nível definido por sua capacidade
de estabelecer um equilíbrio
interno que torne
eles tiram o máximo proveito de
suas vidas, apesar da presença da
doença. A saúde seria, assim, uma
dimensão da existência humana
força que permanece existindo
independentemente da presença
de doenças, um pouco como o céu
que permanece no mesmo lugar
mesmo quando coberto de nuvens.
A vantagem desta definição é que
as doenças não substituem a saúde
dos indivíduos: podem afectar o
seu equilíbrio de forma mais ou
menos severa mas, em todo o
momento, os doentes que sofrem
de uma doença (e os seus médicos)
estão cientes da precisam trabalhar
simultaneamente em duas tarefas
– uma, para remover ou aliviar a
doença e a segunda para
estabelecer um estado de equilíbrio,
da melhor maneira possível, dentro
de si e em relação ao seu ambiente.
No combate à estigmatização que
acompanha muitas doenças
crónicas e algumas agudas – como
as perturbações mentais ou a lepra
– esta definição também é útil
porque nos faz falar e pensar nos
nossos doentes como pessoas que
se definem por diferentes
dimensões (incluindo a saúde) e
que, a certa altura, sofre de uma
doença – e assim nos faz dizer
“uma pessoa com esquizofrenia”
em vez de “um esquizofrênico”, ou
vez de “diabético” e uma “pessoa
com hanseníase ” em vez de um “leproso”.
Há outra consequência
importante de se trabalhar com
essa definição de saúde. Para
estabelecer se alguém está em
boas condições de saúde de acordo com
Caminhos da Medicina
Nesta definição, o médico deve
explorar como os indivíduos que
têm uma doença se sentem sobre
ela, como a doença influencia suas
vidas, como eles se propõem a
lutar contra sua doença ou conviver
com ela. Os achados laboratoriais
e a presença de sintomas são,
portanto, ingredientes importantes
e necessários para pensar o estado
de saúde e a presença de uma
doença, mas não são suficientes
para tomar uma decisão sobre a
saúde de alguém: é preciso ver a
doença em o contexto da pessoa
que o possui, a fim de fazer um
julgamento sobre seu nível de
saúde. Há pouca dúvida sobre o
fato de que o tratamento de
doenças dessa maneira melhoraria
a prática da medicina e a tornaria
um empreendimento mais realista,
bem como mais humano.
A promoção da saúde também
é afetada pelas diferenças na
definição de saúde. A definição
mais simples de saúde – equiparada
à ausência de doença – levaria a
uma definição de promoção da
saúde como um esforço para
remover doenças e diminuir o
número de indivíduos que sofrem
com elas.
O envolvimento da funcionalidade
na definição de saúde se refletiria
na definição da promoção da
saúde como um processo pelo qual
a capacidade de enfrentamento
dos indivíduos será aprimorada e
fortalecida, por exemplo, por meio
de exercícios físicos regulares e
obrigatórios. Ambas as definições
levariam a
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recomendações para melhorar o
tratamento de doenças e eliminar
os fatores de risco que podem levá-
las a elas – como sedentarismo,
tabagismo, maus hábitos
alimentares e aplicação insuficiente
de medidas de higiene, como lavar
as mãos antes das refeições.
A terceira definição de saúde,
por sua própria natureza, não
poderia se limitar aos esforços
para eliminar as doenças e diminuir
os fatores de risco que podem levar à doença.
Teria que envolver de forma ativa
os indivíduos cuja saúde se pretende influência dos pais, amigos, escolas,
promover: teria que abordar as
escalas de valores dos indivíduos e
das comunidades para garantir
que a saúde ocupasse um lugar
mais alto nessas escalas.
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A alta valorização da saúde (e não
apenas da ausência de doença)
levaria as pessoas a fazerem tudo
o que for necessário para melhorar
a saúde: participar de ações
preventivas e buscar tratamento se
tornaria uma expressão normal da
necessidade de estar em harmonia
com os próprios valores próprios e
comunitários.
Mudar o lugar da saúde na escala
de valores, no entanto, não é
possível se deixarmos apenas para
o setor saúde: os valores são
moldados ao longo da vida sob a
mídia, leis e o próprio curso de vida
e experiência. Assim, a mudança
de valores – por exemplo, para
valorizar a saúde, para promover a
saúde – tem de ser uma
tarefa para todos os envolvidos na
moldar valores e colocá-los em uma
escala, e não para o
sistema de saúde sozinho.
Os enormes desafios que se
colocam às sociedades no sentido
de melhorar a saúde dos seus
cidadãos não serão devidamente
respondidos se não mudarmos os
paradigmas da saúde e da doença
e não desenharmos estratégias de
trabalho futuro com base nesses
novos paradigmas. Sua formulação
e aceitação é uma tarefa que está
diante de todos nós e é urgente.
Referências
1 Constituição da Organização
Mundial da Saúde. In: Organização
Mundial da Saúde: Documentos
básicos. 45ª ed. Genebra:
Organização Mundial da Saúde; 2005.