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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO MINISTRO BRUNO DANTAS

JANDIRA FEGHALI, Líder do PCdoB, Deputada Federal pelo


PCdoB-RJ, brasileira, divorciada, médica, RG: 035238062 Detran/RJ, CPF:
434.281.697-00, domiciliada na Rua Conde de Lages nº 44, Sala 505 – Bairro
Glória – Rio de Janeiro/RJ – CEP: 20241-080 (Escritório), Gabinete: 622, Anexo
IV da Câmara dos Deputados; RANDOLPH FREDERICH RODRIGUES ALVES,
brasileiro, Senador da República, portador da cédula de identidade nº 050360,
inscrito no CPF sob o nº 431.879.432-68, com domicílio profissional na Praça
dos Três Poderes, Palácio do Congresso Nacional, Senado Federal, Anexo I, 9º
andar; ROGÉRIO CORREIA, brasileiro, casado, professor, portador do CPF nº
471.025.006-53, atualmente no exercício do mandato de Deputado Federal pelo
PT/MG, com endereço parlamentar sito na Câmara dos Deputados, anexo IV,
gabinete 614, nesta capital; HENRIQUE DOS SANTOS VIEIRA LIMA, brasileiro,
Deputado Federal (PSOL/RJ), portador da Cédula de Identidade no 22298535-0
DETRAN/RJ, inscrito no CPF no 122.811.697-07, com endereço em Brasília/DF
no gabinete 314 - Anexo IV - Câmara dos Deputados, contatável pelo email
dep.pastorhenriquevieira@camara.leg.br; FABIANO CONTARATO, Senador da
República eleito pelo Estado do Espírito Santo, inscrito no CPF/MF 863.645.617-
72, portador da Cédula de Identidade RG nº 682.250 (SSP/ES), com endereço
profissional na Praça dos Três Poderes, Palácio do Congresso Nacional, Senado
Federal, Anexo I, 13º Pavimento; JORGE KAJURU REIS DA COSTA NASSER,
brasileiro, Senador da República, portador da cédula de identidade nº 39421421-
3/SSP-SP, inscrito no CPF sob o nº 218.405.711-87, com domicílio profissional
na Praça dos Três Poderes, Palácio do Congresso Nacional, Senado Federal,
Anexo II, Gabinete 10, ala Nilo Coelho; HILDELIS SILVA DUARTE JUNIOR,
brasileiro, casado, Deputado Federal, RG 99017098-5, CPF 018.090.773-54,
com endereço profissional no Anexo IV da Câmara dos Deputados, Gabinete
344; DUDA SALABERT ROSA, casada, Deputada Federal, CPF: 049.673.836-
45, CI MG 16.186.486. Endereço R. Paulo Afonso, 1054 - Santo Antônio, Belo
Horizonte - MG, 30350-142; RUBENS PEREIRA E SILVA JUNIOR, casado,
inscrito sob o CPF 004.415.143-83, Deputado Federal, com endereço
profissional à Câmara dos Deputados, Anexo III, gabinete 773, vêm, mui
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 5º,
XXXIV, letra "a", da Constituição Federal, bem como no art. 237, III, do RITCU,
oferecer a presente REPRESENTAÇÃO em face de indícios da prática de ilícitos
aptos a caracterizar improbidade administrativa, bem como crimes contra a
Administração Pública, em prejuízo do patrimônio da União, no âmbito da
Ajudância-de-Ordens do Ex-Presidente da República Jair Messias Bolsonaro,
pelas razões de fato e de Direito a seguir expostas.

1- Nos termos do art. 237, III, do Regimento Interno do Tribunal de Contas


da União:

“Art. 237. Têm legitimidade para representar ao Tribunal de Contas da


União:

(...)

III – os senadores da República, deputados federais, estaduais e distritais,


juízes, servidores públicos e outras autoridades que comuniquem a
ocorrência de irregularidades de que tenham conhecimento em virtude do
cargo que ocupem;”
O Congresso Nacional aprovou o Requerimento nº 1/2023 que cria a
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar os atos de ação e
omissão ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023 nas Sedes dos Três Poderes da
República, em Brasília, com fundamento no art. 58, §3º, da Constituição Federal.

2- Em 11.7.2023, na 8ª reunião da Comissão, foi aprovado o Requerimento


nº 1256/2023 para, com fundamento no art. 218, §3º, do Código de Processo
Civil, c/c art. 24 da Lei nº 9.784/1999 e art. 412, VI, do Regimento Interno do
Senado Federal, requisitar a transferência de sigilo telemático, no período de
01.01.2022 a 07.07.2023, de todo o conteúdo relativo às contas de e-mail
institucional de titularidade do Sr. Cleiton Henrique Holzschuk, inscrito no CPF
sob o nº 860.643.049-87, e que na ocasião exercia o cargo de Coordenador
Administrativo da Ajudância-de-Ordens do Presidente da República.

3- Em cumprimento ao citado Requerimento, foi expedido o Oficio nº


308/2023 – CPMI8, em 12 de julho de 2023, à Sua Excelência o Senhor Luís
Inácio Lula da Silva, Presidente da República, solicitando o envio dos dados à
CPMI.

4- Em 20 de julho de 2023, por intermédio do Ofício nº 88/2023/GAGI/GPPR,


os dados foram transferidos à Comissão e passaram a ser objeto de análise.

5- Durante o exame dos dados encaminhados à CPMI, foi localizado um e-


mail, na pasta de itens enviados, datado em 27 de outubro de 2022, do Sr.
Cleiton Henrique Holzschuck aos senhores Osmar Crivelatti e Adriano Alves
Teperino, com o assunto: passagem de serviço. Entre as diversas providências
relatadas no referido e-mail, consta o item 36 intitulado “Presente PR” com a
seguinte mensagem:

“36. PRESENTE PR: Em 27/10/2022 foi guardado no cofre grande,


01 (um) envelope contendo predas (sic) preciosas para o PR e 01 (uma)
caixa de pedras preciosas para a PD, recebidas em Teófilo Otoni em
26/10/2022. A pedido do TC Cid, as pedras não devem ser cadastradas
e devem ser entregues em mão para ele. Demais dúvidas, Sgt Furriel
está ciente do assunto.”
6- A CPMI também recebeu cópia do Ofício nº 586/2022/GPPR-
GADH/GPPR, de 21 de dezembro de 2022, assinado pelo Sr. Marcelo da Silva
Vieira, então Chefe do Gabinete de Documentação Histórica do Gabinete
Pessoal do Presidente da República, pelo qual este encaminha ao Sr. Marcelo
Costa Câmara, então Assessor do Presidente da República, o Inventário de
Encerramento e Entrega do Acervo Privado Presidencial. Referido documento
consiste na listagem (inventário) de objetos recebidos para serem encaminhados
ao Acervo Presidencial. São 46 páginas identificando 1055 presentes, com data
de protocolo, descrição (resumo) do objeto, local de guarda, procedência e a
avaliação do seu estado de conservação. Nesse Inventário não consta qualquer
menção a essas “pedras preciosas”.

7- De acordo com o art. 9º do Código de Conduta da Alta Administração


Federal, é vedado às autoridades públicas o recebimento de presentes, salvo de
autoridades estrangeiras em que houver reciprocidade, a saber:

Art. 9o É vedada à autoridade pública a aceitação de presentes,


salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver
reciprocidade.

Parágrafo único. Não se consideram presentes para os fins deste


artigo os brindes que:

I - não tenham valor comercial; ou

II - distribuídos por entidades de qualquer natureza a título de


cortesia, propaganda, divulgação habitual ou por ocasião de eventos
especiais ou datas comemorativas, não ultrapassem o valor de
R$ 100,00 (cem reais).

8- Ainda, sobre o tema – recebimento de presentes por autoridades federais


– a Comissão de Ética Pública editou Resolução em que a vedação acima
referida ganhou nova regulamentação, a saber:

Presentes

1. A proibição de que trata o Código de Conduta se refere ao recebimento


de presentes de qualquer valor, em razão do cargo que ocupa a
autoridade, quando o ofertante for pessoa, empresa ou entidade que:

I – esteja sujeita à jurisdição regulatória do órgão a que pertença a


autoridade;
II – tenha interesse pessoal, profissional ou empresarial em decisão que
possa ser tomada pela autoridade, individualmente ou de caráter coletivo,
em razão do cargo;

III – mantenha relação comercial com o órgão a que pertença a


autoridade; ou

IV – represente interesse de terceiros, como procurador ou preposto, de


pessoas, empresas ou entidades compreendidas nos incisos I, II e III.

2. É permitida a aceitação de presentes:

I – em razão de laços de parentesco ou amizade, desde que o seu custo


seja arcado pelo próprio ofertante, e não por pessoa, empresa ou entidade
que se enquadre em qualquer das hipóteses previstas no item anterior;

II – quando ofertados por autoridades estrangeiras, nos casos


protocolares em que houver reciprocidade ou em razão do exercício de
funções diplomáticas.

3. Não sendo viável a recusa ou a devolução imediata de presente


cuja aceitação é vedada, a autoridade deverá adotar uma das
seguintes providências: (Redação dada pela Resolução nº 6, de
25.7.2001)

I – tratando-se de bem de valor histórico, cultural ou artístico, destiná-lo


ao acervo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN
para que este lhe dê o destino legal adequado;

II - promover a sua doação a entidade de caráter assistencial ou


filantrópico reconhecida como de utilidade pública, desde que, tratando-
se de bem não perecível, se comprometa a aplicar o bem ou o produto da
sua alienação em suas atividades fim; ou (Redação dada pela Resolução
nº 6, de 25.7.2001)

III - determinar a incorporação ao patrimônio da entidade ou do órgão


público onde exerce a função. (Incluído pela Resolução nº 6, de
25.7.2001)"

9 - A bem da verdade, o entendimento de que os presentes dados ao Presidente


da República não podem incorporar o patrimônio privado foi reafirmado em 2016,
pelo Tribunal de Contas da União, no paradigmático Acórdão 2255/2016, no bojo
do Relatório de Auditoria TC 011.591/2016-1. À época, consignou-se que
apenas os itens perecíveis e de natureza personalíssima poderiam ser
excepcionados para recebê-los privativamente.
10 - Ora, não se pode cogitar que tais pedras preciosas se encaixem nessa
exceção, precisamente por se tratarem de objeto de alto valor monetário que não
se presume personalização, ou seja, que seja direcionado especificamente ao
uso pessoal e característico da pessoa do Senhor Jair Messias Bolsonaro.

11 - Nessa seara, também conforme entendimento firmado pelo TCU, a


obrigação de encaminhar os presentes ao patrimônio da União não decorre
apenas daqueles recebidos em cerimônia protocolar, mas todos aqueles
recebidos por trocas oficiais na qualidade de Presidente da República.

12 - Com efeito, a presente representação não é senão outra coisa uma defesa
à aplicação correta e, sobretudo, concreta do princípio da moralidade e
legitimidade, que devem permear todas e quaisquer dinâmicas da Administração
Pública. Depreende-se, nesse cenário, que as relações políticas e diplomáticas
oficiais com o Presidente da República, no exercício de sua função, estão a
serviço da União. Logo, se a União é a financiadora dos presentes oficiais dado
aos chefes de estados ou governo, é a União também que deve recebê-los.

13 - Nesse ponto, chama-se a atenção à ordem expressa para que as pedras


preciosas não fossem cadastradas no acervo da União. À vista disso, é mister
que se investigue qual a verdadeira motivação da entrega das pedras preciosas.
Sabe-se que, no dia do recebimento, a 4 dias do segundo turno das Eleições
Presidenciais de 2023, Bolsonaro estava fazendo campanha em Teófilo Otoni 1.
Ou seja, as pedras preciosas não foram recebidas em cerimônia protocolar.
Logo, questiona-se: quem presenteou Jair Bolsonaro? Qual o motivo da recusa
em cadastrar o presente?

14 - São precisamente essas questões que precisam ser resolvidas. Isso porque,
caso a investigação prove que as pedras preciosas foram dadas no exercício da
função de Presidente da República, se estaria diante de crime de peculato,
previsto no art. 312 do Código Penal, que aduz

1
ESTADO DE MINAS. Bolsonaro em Teófilo Otoni: veja fotos. Publicada em: 26 de out. 2022. Disponível
em https://www.em.com.br/app/galeria-de-fotos/2022/10/26/interna_galeriafotos,7683/bolsonaro-
em-teofilo-otoni-veja-fotos.shtml
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou
qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse
em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não


tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para
que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de
facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário

15 - Ora, a ação de Jair Messias Bolsonaro, caso comprovada, trata-se de


hipótese clara do referido tipo penal e, em específico, da espécie do qual é
peculato é gênero: peculato-apropriação. Tal hipótese diz respeito à situação
que funcionário público toma para si, como propriedade, bem público que lhe foi
concedido apenas a posse. No caso sob tela, a posse poderia ser, no máximo,
temporária, até que as autoridades competentes incorporassem as pedras
preciosas ao seu devido lugar, o patrimônio da União.

16 - Não se pode olvidar, ainda que Mauro Cid, o próprio ex-Presidente


Bolsonaro, bem como outros agentes públicos já são investigados por suposta
apropriação indevida de presentes doados pelo Governo da Arábia Saudita
(joias, relógios e objetos de arte), que, por não cumprimento de requisitos legais,
permaneceram retidos pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos em São
Paulo. Tal circunstância reforça a suspeita de que possa ter ocorrido, no caso
ora relatado (pedras preciosas de Teófilo Otoni), a prática de novos ilícitos,
sobretudo peculato.

17 - Como não poderia deixar de ser, o infame caso das joias sauditas está sendo
devidamente investigado e julgado pelas autoridades competentes.

18 - Concernente às joias sauditas, o Tribunal de Contas da União, no bojo da


Representação TC 003.679/2023-3, reafirmando que itens de alto valor e não
personalíssimos não podem ser incorporados ao patrimônio particular do
Presidente da República, função então exercida pelo Senhor Jair Messias,
proferiu decisão - acertada, diga-se - para
c) determinar ao ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro
que, nos termos do item 3, inciso, III, da Resolução 3, de 23 de
novembro de 2000, da Comissão de Ética Pública, entregue, no prazo
de cinco dias úteis, os itens em seu poder, caracterizados como bens
públicos de elevado valor, recebidos como presentes na visita da
comitiva presidencial à Arábia Saudita, assim como as armas
recebidas dos Emirados Árabes Unidos, devendo ser juntado, de
imediato, a este processo o correspondente comprovante da entrega’,
sendo que:

c.2) as joias em seu poder devem ser entregues na Caixa Econômica


Federal, Agência 210 sul, código 0816, em Brasília/DF

19 - No mesmo sentido, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal


conduzem investigações, ainda em curso, para investigar a prática de crimes no
caso das joias sauditas. No dia 20 de março de 2023, o MPF apresentou à PF o
pedido de instauração de inquérito policial, na qual se argumentou que “a
tentativa do senhor Marcos André dos Santos [ex-assessor do então ministro
Bento Albuquerque] de ingressar no país através do canal 'Nada a Declarar' com
os presentes recebidos na Arábia Saudita, qual seja: o conjunto de joias. E, por
conta disso, da detida análise dos fatos e provas apresentadas, verificou-se
indícios do crime [de peculato]”

20 - Ato contínuo, a Polícia Federal investiga, em sigilo, a entrada ilegal das


referidas joias, as quais foram avaliadas em R$ 5.086.541,34 em detida perícia.

21 - Como se vê, o histórico do Senhor Jair Messias Bolsonaro suscita suspeitas


que não podem ser negligenciadas por força dos princípios constitucionais e em
respeito ao Povo Brasileiro. Por isso, a imperiosa necessidade de investigação
à semelhança do caso das joias sauditas.

Em face do já alegado, os representantes requerem a V.Exa. que:


I. atendidos os pressupostos legais, conheça da presente
representação e defira a cautelar inaudita altera pars para ordenar a imediata
restituição dos bens indevidamente sonegados do patrimônio público;

II. notifique o representado e os órgãos jurisdicionados envolvidos


para, querendo, manifestarem-se sobre o ocorrido, no prazo legal;

III. se necessário, desde logo, defira a realização de inspeção para a


apuração da irregularidade apontada pela unidade técnica;

IV. no mérito, julgue procedente a presente representação para


determinar a restituição do bem indevidamente sonegado do patrimônio público,
ordenado a subsequente conversão desta representação em processo de
tomada de contas especial, para a apuração da exata extensão do débito e
cominação de multa aos agentes representados, nos termos do art. 252, do
RITCU;

V. caso venham a ser definitivamente julgadas irregulares tais contas


especiais, eventualmente abertas em função deste expediente fiscalizatório,
requer-se a comunicação deste desfecho ao Ministério Público Eleitoral, para a
conseguinte declaração de inelegibilidade, por tratar-se de conduta análoga a
ato doloso de improbidade administrativa (art. 9º, XI, da Lei nº 8.429, de 1992),
nos termos do art. 220, do RITCU, c/c art. 1º, "g", da Lei Complementar nº 64,
de 1990.

Termos em que pedem deferimento.

Brasília, 4 de agosto de 2023.

Deputada Federal Jandira Feghali


(PCdoB-RJ)
Senador Randolfe Rodrigues
(PT-AP)

Deputado Federal Rogério Correa


(PT-MG)

Deputado Federal Henrique dos Santos Vieira Lima


(PSOL-RJ)

Senador Fabiano Contarato


(PT-ES)

Senador Jorge Kajuru


(PSB-GO)

Hildelis Silva Duarte Jr.


(PSB-MA)

Rubens Pereira e Silva Junior


(PSB-MA)

Duda Salabert Rosa


(PDT-MG)

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