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UNIVERSIDADE LICUNGO

FACULDADE DE LETRAS E HUMANIDADES

CURSO DE LICENCIATURA EM DIREITO

Jorge Carlos Ramujane

Direito nas Sociedades Prazeiras do Vale do Zambeze

Quelimane

2023
Jorge Carlos Ramujane

Direito nas Sociedades Prazeiras do Vale do Zambeze

Trabalho de carácter avaliativo a ser


entregue na disciplina de História do
Direito Moçambicano, leccionado
pelo docente;

PhD: Ricardo Raboco

Quelimane

2023
Índice
1.0. Introdução.................................................................................................................................4

2.0. Objectivos.................................................................................................................................4

2.1. Geral.........................................................................................................................................4

2.2. Específicos................................................................................................................................4

3.0. Metodologia..............................................................................................................................4

4.0. Desenvolvimento......................................................................................................................5

4.1. Direito nas sociedades prazeras do vale do Zambeze...............................................................5

4.2. Os Costumes locais como fontes do Direito e factor da coesão social nas sociedades............5

4.3. Precedente judiciário do costume como fonte de Direito nas sociedades prazeras do.............5

4.4. As leis geras e as características das leis para Ultramar...........................................................6

4.5. A lei de cobrança do imposto nas sociedades prazeras do vale do Zambeze...........................6

4.6. A tributação do imposto de mussoco........................................................................................6

4.7. Decreto de revisão Código de Trabalho Rural de 1875............................................................7

4.8. Normas de aquisição de terras e de posição social por parte dos prazeiros no vale do............7

4.9. Prazos como a restauração do sistema feudal...........................................................................7

4.10. Decadência das sociedades prazeras do vale do Zambeze.....................................................8

5.0. Conclusão.................................................................................................................................9

6.0. Referências.............................................................................................................................10
5

1.0. Introdução
Os prazos surgiram por volta do final do século XVII, quando D. Maria Guerra aforrou
algumas terras a uma avalanche de aventureiros, soldados e mercadores. Os prazos foram
inicialmente quer terras conquistadas por esses homens a custa de exército cativos, quer terras
que chefes locais lhes consideram em troca de agradecimentos ou de ajuda militar contra chefes
rivais, pode-se afirmar que os prazos nasceram com a penetração portuguesa no vale do Zambeze
a partir de 1530. Inicialmente, as terras destes senhores tão simples não se chamavam de prazos,
este termo parece ter surgido no século XVII, oriundo de Portugal ou da índia. Nesse século ter-
se-á instituído na índia a pratica de aforar ou conceder terras da Coroa portuguesa obtidas por
conquista, com obrigação de o foreiro nelas viver e ter sempre preparados soldados e cavalos de
guerra. Chamou-se Prazo a concessão, porque a terra era concedida mediante uma renda anual
durante duas ou três gerações, findo o prazo a terra voltava a Coroa, podendo continuar na
mesma família, em novo prazo de três vidas como novo foro, se tivesse sido convenientemente
administrada. Era o Vice-Rei português da Índia que concedia as terras em nome do Rei e as
concessões eram depois confirmadas em Lisboa.

2.0. Objectivos

2.1. Geral
 Abordar Direito nas sociedades prazeras do vale do Zambeze

2.2. Específicos
 Falar dos Costumes locais como fontes do Direito e factor da coesão social nas
sociedades prazeras do vale do Zambeze;

 Retratar da lei de cobrança do imposto nas sociedades prazeras do vale do Zambeze;

 Descrever as normas de aquisição de terras e de posição social por parte dos prazeiros no
vale do Zambeze;

 Falar da decadência das sociedades prazeras do vale do Zambeze.

3.0. Metodologia
Para a materialização deste trabalho, dizer que foi desenvolvido através de alguns manuais
que tratam deste assunto, dado que o trabalho é de carácter bibliográfico auxiliado por autores da
fonte buscada para o tema em estudo.
6

4.0. Desenvolvimento

4.1. Direito nas sociedades prazeras do vale do Zambeze.


O Direito colonial trás consigo um carácter dualista, isto porque o colonizador ao longo de
todo o tempo vai deixar vigorar as ordens normativas nativas e o Direito Europeu (português),
nesta perspectiva neste período as fontes do Direito vão ser os costumes locais associado as leis
gerais. (Nunes,1935).

4.2. Os Costumes locais como fontes do Direito e factor da coesão social nas sociedades
prazeras do vale do Zambeze.

Costume Segundo Santos (2000), “é uma prática reiterada com convicção de


obrigatoriedade.” O Costume vai ser uma das fontes de Direito neste período, sobretudo para os
nativos, cada localidade, pode-se dizer, tinha as suas normas para regular as suas relações entre
os vizinhos, normas transmitidas por tradição oral de geração em geração e que eram
consideradas como obrigatórias, de tal modo que a sua violação justifica a aplicação de sanções
aos infratores. Na verdade, tratava-se de uma justiça conciliatória, visa necessariamente buscar o
equilíbrio geral e fazer a justiça por isso é que se diz que o costume era o factor da coesão social.

Por exemplo nos prazos alguns Senhores Prazeiros vão adotar o aparato ideológico locar
isso é vai aproveitar dos costumes locais para manter a ordem e a paz social no seu prazo. E Uma
prova inequívoca de que a observação dos usos e costumes era uma forma especial, diferente da
metrópole, de resolver as questões, de acordo com as tradições e, de uma maneira ou de outra,
uma forma encontrada pela doutrina, e apropriada pela administração, para alcançar o “Outro” é
o art. 8º do Acto Adicional de 1852. E, a quanto disso, disse o régio António Enes, não era
possível colonizar as populações locais a partir das mesmas leis que vigoravam na metrópole.
Sendo assim, era fundamental que existisse uma legislação que estivesse de acordo com os
hábitos e costumes dos povos.

4.3. Precedente judiciário do costume como fonte de Direito nas sociedades prazeras do
vale do Zambeze.

Segundo Nunes (1935), o precedente judiciário do costume como fonte de Direito nas
sociedades prazeiras foram os que julgavam, sejam eles chefe ou anciãos, tendências voluntarias
7

ou involuntárias, para aplicar aos litígios, soluções dadas precedentemente a conflitos do mesmo
tipo.

4.4. As leis geras e as características das leis para Ultramar.


As leis que eram feitas para o Ultramar tinham algumas características especiais:
Primeiramente, na sua grande maioria, por autorização constitucional, não eram votadas pelo
parlamento; depois, eram leis que tinham aplicações exclusivas, e marcadas pelo que se
denominou de urgência, todas estas características, todavia, aparecem com mais intensidade,
quando, através do texto constitucional, autoriza-se o Governo a legislar para o Ultramar, isto
com edição do Acto Adicional de 1852, que no seu art. 15º, estabeleceu o princípio da
especialidade, isto é da edição de leis especiais para as colónias. Ainda este mesmo artigo,
autorizava a edição de leis especiais e sem a apreciação preliminar das Câmaras, esta última
providência, em função da urgência em que tais leis eram editadas.

4.5. A lei de cobrança do imposto nas sociedades prazeras do vale do Zambeze.


A organização do sistema de cobrança do imposto nas sociedades prazeras do vale do
Zambeze, era o "mussoco" (um imposto individual em espécie, devido por todos os homens
válidos, maiores de 16 anos) aos camponeses que cultivavam nas suas terras. Além disso,
mineravam ouro, marfim e escravos, que comerciavam em troca de panos e missangas que
recebiam da Índia e de Lisboa.

4.6. A tributação do imposto de mussoco.


Por volta de 1870, começaram a estabelecer-se em Quelimane várias companhias
europeias, já não interessadas em escravos, nem em marfim, mas sim em oleaginosas —
amendoim, gergelim e copra — muito procuradas nas indústrias recém-criadas de óleo alimentar,
sabões e outras. No princípio, comercializando com os prazeiros, induziram-nos a forçarem os
seus camponeses a cultivar estes produtos. Exemplos dessas companhias são a Fabre & Filhos e
a Régie Ainé, ambas com sede em Marselha, a Oost Afrikaansch Handelshuis, holandesa, e a
Companhia Africana de Lisboa. A Oost chegou a abrir em Sena uma sucursal para incentivar
nessa região a produção de amendoim.

Mas a agricultura familiar não produzia as quantidades desejadas, era necessário organizar
plantações. É nessa altura que o governador da província ultramarina Augusto de Castilho, cuja
8

administração estava desejosa de ter uma base tributária para manter a ocupação do território,
emite em 1886 uma portaria provincial regulando a cobrança do "mussoco" nos Prazos (que
tinham sido "extintos" pela terceira vez seis anos antes), que incluía a obrigatoriedade dos
homens válidos pagarem aquele imposto, se não em produtos, então em trabalho. É dessa forma
que começam a organizar-se as grandes plantações de coqueiros e, mais tarde, de sisal e cana
sacarina.

4.7. Decreto de revisão Código de Trabalho Rural de 1875.


Em 1890, o futuro Comissário Régio António Enes decreta, numa revisão do Código de
Trabalho Rural de 1875 (que estabelecia apenas a obrigação "moral" dos colonos de produzirem
bens para comercialização), que o camponês já não tem a opção de pagar o "mussoco" em
géneros: "O arrendatário [dos Prazos] fica obrigado a cobrar dos colonos em trabalho rural, pelo
menos metade da capitação de 800 réis, pagando esse trabalho aos adultos na razão de 400 réis
por semana e aos menores na de 200 réis".

Esse decreto impunha ainda aos prazeiros a ocupação efetiva das terras arrendadas e o
pagamento à autoridade colonial da respectiva renda. Mas os prazeiros não tinham conseguido
converter a sua actividade de simples fornecedores de escravos ou de pequenas quantidades de
produtos na de organização das plantações, não só por falta de preparação (ou de vocação), mas
também por falta de capital. O resultado foi terem sido obrigados a subarrendar ou vender os
seus prazos, terminando assim a fase feudal desta porção de Moçambique.

4.8. Normas de aquisição de terras e de posição social por parte dos prazeiros no vale do
Zambeze.

Muitos dos prazeiros, como forma de aquisição de terras e de posição social, casavam com
as filhas dos chefes locais e, através disso tornavam-se membros das famílias desses (Nhapulo &
Uaila Bila,2017).

4.9. Prazos como a restauração do sistema feudal.


Ao introduzir em Moçambique a obrigatoriedade de os Senhores Prazeiros, pagarem foros
pelos seus prazos, é muito provável que a coroa portuguesa tivesse pretendido dar aquelas terras
o estatuto de feudo e a natureza feudal que dominava a sociedade portuguesa erigindo-se como
uma espécie de Senhor feudal na colónia que mal controlava. O certo é que os senhores de terras
9

do Zambeze raramente pagavam os tais foros ou se sentiam vassalos da Coroa portuguesa. Cada
um deles era rei de si próprio, e eventualmente inimigos uns dos outros e dos governantes
portugueses

4.10. Decadência das sociedades prazeras do vale do Zambeze.


A política de abolição dos prazos foi aprovada no Decreto de 22 de dezembro de 1856 que
“Abole os prazos da coroa”. Decreto de 22 de Dezembro de 1856 – Abole os prazos da coroa,
nos termos do referido decreto: “Sendo reconhecido pela experiencia de muitos anos que a
instituição dos prazos denominados da Coroa, na Província de Moçambique, longe de produzir
os benefícios que dela se esperavam, tem, pelo contrario, obstado poderosamente ao
desenvolvimento da agricultura nos mais importantes distritos da mesma Província, pelos graves
abusos a que tem dado lugar, e que não é possível remediar sem alterar completamente as
condições da aquisição, possessão e transmissão dos vastos terrenos que constituem os ditos
prazos (...) Art 1.º Fica abolida em todos os territórios da Província de Moçambique a instituição
denominada – Prazos da Coroa” A abolição dos prazos destinava-se, em princípio, a ter como
efeito o restabelecimento da autoridade do Estado na Zambézia e a supressão da escravatura
neles implícita. (Pélissier, 2004. p.7).
10

5.0. Conclusão
Em meio ao estudo em torno dos Prazeiros do vale do Zambeze, conclui-se que, a
miscigenação, no Vale do Zambeze, em consequência da implantação dos Prazos, além de ter
ocorrido entre negros e brancos, também envolveu populações de diferentes etnias, por vários
factores, de entre os quais podemos destacar a escravatura, a conquista e a dominação de outros
povos, quer pelos prazeiros, através dos seus guerreiros, achicundas, quer pelos reinos africanos
fora da jurisdição prazeira. Os Prazos eram obtidos por seguintes vias: conquista, compra,
atribuição (por um chefe africano) e sucessão. No Vale do Zambeze moldaram-se sociedades de
azungu (brancos), quer vindos da Índia (Goa) quer dos seus descendentes mulatos, resultantes do
cruzamento de brancos com as negras, facto catalisado pela escassez de mulheres brancas,
devido à inospitalidade do Vale do Zambeze (clima e doenças tropicais). Mesmo com a decisão
da Coroa Portuguesa para que a sucessão, no Prazo, ocorresse por via feminina, para estimular
ida de mulheres brancas, a situação não se alterou. A escassez da mulher branca continuou sendo
uma realidade até ao declínio dos Prazos e a transformação de alguns em Estados Militares do
Vale do Zambeze.
11

6.0. Referências
Nunes, J. (1935). «Apontamentos sobre os usos e costumes dos indígenas. O direito de sucessão
e de herança de pessoas e bens», in Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique, ano 4, n.º
17, Lourenço Marques, p. 147

Nhapulo & Uaila ,B. (2017). Eu e os outros: Ciências Sociais. p.78

Pélissier, R. (2004). História de Moçambique. Vol. I.p. 74

Santos, B. (2000). Conflito e transformação social: uma paisagem de justiça em Moçambique.


Centro dos Estudos Africanos.

UEM (1983). Departamento de História, História de Moçambique Volume 2: Agressão


Imperialista (1886-1930). Cadernos TEMPO. Maputo.
UNIVERSIDADE LICUNGO

FACULDADE DE LETRAS E HUMANIDADES

CURSO DE LICENCIATURA EM DIREITO

Bernardete Isac Marques

DIREITO NAS SOCIEDADES PRAZEIRAS NO VALE DO

ZAMBEZE

Quelimane

2023
Bernardete Isac Marques

33333

DIREITO NAS SOCIEDADES PRAZEIRAS NO VALE DO

ZAMBEZE

O presente trabalho a ser apresentado no


Departamento de Letras e Humanidades.
Para o fim avaliativo.

O docente: PhD Ricardo Raboco

Quelimane

2023
Índice
1. Introdução...............................................................................................................2

2. Objectivos...........................................................................................................3

2.1. Objectivo geral................................................................................................3

2.2. Objectivos específicos.....................................................................................3

3. Metodologia de trabalho.........................................................................................3

4. Revisão literária......................................................................................................4

5. Origem juridica dos Prazos.................................................................................4

5.1. Estrutura dos Prazos............................................................................................6

5.2. Tentativas de Regulamentação do Sistema de Prazos........................................6

5.3. Direito Administrativo nas sociedades Prazeiras..............................................12

6. Os Principais Direitos nas Sociedades Prazeiras..................................................13

6.1. Ordenamento territorial das sociedades Prazeiras no âmbito legal..................14

6.2. Correlação junto aos suportes africanos e a mistura.........................................14

6.3. As Senhorias.....................................................................................................14

6.4. Influência da Religião no quadro legal.............................................................15

7. Conclusão.............................................................................................................17

8. Referência bibliográfica.......................................................................................18
2

1. Introdução
O presente trabalho visa abordar assuntos inerentes a Direito na Sociedades
Prazeiras no Vale do Zambeze. Inicialmente discute algumas matrizes teóricas sobre
alguns aspectos gerais das Sociedades Prazeiras. Argumenta pela necessidade de
abdicar das leituras generalistas e propõe o enfoque do caso moçambicano. Por fim
também irei abordar assuntos ligados as acepções, âmbitos e influência do Direito nas
Sociedades Prazeiras.

Em termos de estrutura o trabalho apresenta índice dos conteúdos tratados,


introdução, problematização, objectivos, metodologia, desenvolvimento, conclusão e
referências bibliográficas.
3

2. Objectivos

Objectivo geral
 Compreender o Direito nas Sociedades Prazeiras no Vale do Zambeze

Objectivos específicos
 Falar das sociedades Prazeiras;
 Identificar os principais Direitos na sociedade Prazeiras;
 Descrever o Direito Administrativo nas sociedades Prazeiras;
 Mencionar a influência da religião no âmbito legal.

3. Metodologia de trabalho
O presente trabalho de campo envolveu inicialmente a obtenção de informações teóricas
através de manuais, seguido do estudo formal descritivo, calcado numa pesquisa
bibliográfica junto a autores consagrados na abordagem do tema tratado, além da leitura
de artigos específicos sobre o assunto abordado através da internet.
4

4. Revisão literária

5. Origem jurídica dos Prazos


Os prazos devem ter tido a sua origem no fim do século XVII, quando D. Maria
Guerra aforrou algumas terras a uma avalanche de aventureiros, soldados e mercadores.
Os prazos foram inicialmente quer terras conquistadas por esses homens a custa de
exército cativos, quer terras que chefes locais lhes consideram em troca de
agradecimentos ou de ajuda militar contra chefes rivais, pode-se afirmar que os prazos
nasceram com a penetração portuguesa no vale do Zambeze a partir de 1530.

Em termos cronológicos o ciclo de vida dos prazos iniciou-se informalmente no


final de quinhentos, expandindo-se no século XVII, altura em que recebeu o primeiro
enquadramento legal e a nomenclatura, atingindo a maturidade no século XVIII. O
sistema vigorou até à sua abolição legal na década de 1930. Do ponto de vista
geográfico, os prazos encontravam-se concentrados na região do vale do rio Zambeze,
embora existissem, com menor frequência, noutras regiões como por exemplo nas ilhas
Quirimbas, sem os efeitos práticos que nos interessam no presente estudo, dada a sua
insularidade (Newitt, pp.203, 1997).

O Costume vai ser uma das fontes de Direito neste período, sobretudo para os
nativos, cada localidade, pode-se dizer, tinha as suas normas para regular as suas
relações entre os vizinhos, normas transmitidas por tradição oral de geração em geração
e que eram consideradas como obrigatórias, de tal modo que a sua violação justifica a
aplicação de sanções aos infractores.

A ocupação das terras seguiu três vias principais:


 Doações dos chefes africanos ao governo português;
 Conquista militar por parte de alguns mercadores ricos e;
 Compra aos chefes africanos pelos mercadores.

Inicialmente, as terras destes senhores tão simples não se chamavam de prazos,


este termo parece ter surgido no século XVII, oriundo de Portugal ou da índia. Nesse
século terse-á instituído na índia a prática de aforar ou conceder terras da Coroa
5

portuguesa obtidas por conquista, com obrigação de o foreiro nelas viver e ter sempre
preparados soldados e cavalos de guerra. Chamou-se Prazo a concessão, porque a terra
era concedida mediante uma renda anual durante duas ou três gerações, findo o prazo a
terra voltava a Coroa, podendo continuar na mesma família, em novo prazo de três vidas
como novo foro, se tivesse sido convenientemente administrada.

O concessionário era obrigado a residir no prazo, a pagar um foro e a fornecer


tropas as autoridades portuguesa em caso de necessidade. A terra era concedida por um
período de duas a três vidas findo o qual, a terra voltava à coroa, podendo continuar na
mesma familia, em novo prazo de três vidas com novo foro, se tivesse sido
convenientemente administrada. A sucessão era feita por linhagem feminina e os
herdeiros eram obrigados a casar com brancos ou seus descendentes.

O que de princípio se pretendeu criar, quer em Moçambique quer na Índia foi a


exigência de renovação das concessões de três em três gerações com a sucessão se
fazendo por via feminina em caso de morte dos titulares. Este esquema enquadrava-se
na perspectiva de levar a Moçambique mulheres portuguesas de modo a garantir a
continuidade da raça branca, evitando casamentos entre homens brancos e mulheres
negras (IEDA).

Desde o seu surgimento, os prazos, enfrentaram uma série de dificuldades, pelas


seguintes razões:
 Muitos dos prazeiros eram cadastrados; em Moçambique estavam cumprindo penas
de degredo e como tal não representavam os interesses da coroa portuguesa em
Moçambique;
 Pouco numerosos, os prazeiros não podiam cumprir a missão de promover a cultura
europeia em Moçambique, pelo contrário acabaram eles por se africanizar;
 A autoridade portuguesa estabelecida na costa era impotente para impor a lei aos
prazeiros cujo poder militar crescia continuamente;
 Muitas terras tinham sido ocupadas com esforço individual dos prazeiros e sem
qualquer apoio da coroa portuguesa;
 A autonomia dos prazos era quase absoluta.
6

Deste quadro resultou que, se bem que inicialmente se tenha conseguido um êxito
parcial, com o passar do tempo os prazos evoluiram numa direcção totalmente diferente
da prevista, funcionando exclusivamente em benefício dos próprios prazeiros no lugar
de se guiar pelos interesses da monarquia portuguesa. Os prazeiros foram assim
aumentando os seus benefícios pessoais, o seu poder político-militar nas suas terras e
estabelecendo-se o mais possível de modo a fazer frente tanto aos ataques dos chefes
locais, como das próprias autoridades portuguesas.

5.1. Estrutura dos Prazos


A estrutura do prazo era bastante simples. No topo encontrava-se o senhor
prazeiro, dono e senhor do prazo. Era responsável pela fixação dos impostos a ser pagos
pela população do prazo e arredores, pela justiça no prazo, possuia os seus exércitos.
O senhor prazeiro era servido por uma enorme massa de escravos divididos em dois
grupos:
1. A-chicunda - com a função de garantir a defesa do prazo, organizar operações de
caça ao escravo nas formações vizinhas, cobrar impostos, etc;
2. Escravos domésticos - afectos a agricultura, mineração e a indústria ligeira local.
A economia do prazo estava baseada em acções de pilhagem conduzidas contra
territórios vizinhos, bem como, no comércio de escravos, peles e marfim.

5.2. Tentativas de Regulamentação do Sistema de Prazos


O quadro descrito sugere que os prazos desde o seu surgimento não responderam
aos anseios da coroa portuguesa e como tal o governo enceta acções convista a
disciplinar e exercer um controlo sobre actividade dos prazeiros, tendo para o efeito
publicado leis visando reformar o sistema.

A primeira reforma foi publicada em 1667 mas os seus resultados foram


praticamente nulos, pois os prazeiros continuaram a não pagar os foros à coroa
portuguesa e a administrar os prazos como bem entendiam. A segunda tentativa de
regular os prazos ocorreu em 1760 quando o governo português decidiu que:

 Os prazos não deviam ter mais de 3 ou 4 léguas quadradas e caso fossem


atravessados por um rio ou possuissem um terreno mineiro não deveriam exceder a
1 légua;
7

 A partir de então os prazos só deveriam ser autorizados pelo governo de Lisboa


depois de um período experimental de quatro anos;
 Os prazeiros deveriam permitir a fixação de outros europeus dentro dos seus
terrenos;
 Os prazeiros deveriam contribuir na manutenção dos fortes, na construção de
estradas e travessias de pontes e contribuir em homens e armamento para as
expedições militares.

Na verdade tratava-se de uma justiça conciliatória, visa necessariamente buscar


o equilíbrio geral e fazer a justiça por isso é que se diz que o costume era o factor da
coesão social. Por exemplo nos prazos alguns Senhores Prazeiros vão adoptar o aparato
ideológico locar isso é vai aproveitar dos costumes locais para mater a ordem e a paz
social no seu prazo.

Os Prazos não foram mais do que a síntese do cruzamento de dois sistemas


sociais de produção: uma pré-existentes das comunidades locais Karanga-Chona e outro
que sobrepôs ao primeiro formada pelo Senhor e os seus soldados A-chicunda.

Como vimos, as primeiras viagens da Carreira da Índia foram o monte de Lisboa


que deu aos mercadores portugueses acesso à costa oriental africana. Até à década de
setenta do séc. XVI, as iniciativas régias limitavam-se à região do litoral, baseando o
modelo português na região numa talassocracia comercial que se estendia até à Índia,
tendo como sede cidades portuárias como Mombaça, Quíloa e a Ilha de Moçambique.
Luís Filipe Thomaz resume esta visão ao afirmar que “, o Estado da Índia é,
essencialmente, uma rede e não um espaço: aspira mais ao controlo dos mares que à
dominação da terra” (Thomaz, pp. 210, 1994).

Neste contexto, é assinalável que na década de 1530 se identifiquem os


primeiros portugueses, que à revelia das instruções oficiais e dos seus monopólios
comerciais, começaram a viver entre Tongas e Karangas no sertão moçambicano. Estes
pioneiros transformaram o vale do rio Zambeze no primeiro, e podemos afirmar que
único, eixo de ocupação territorial com expressão na região de Moçambique até ao
século XIX. Este processo foi resultado da iniciativa individual de comerciantes e
8

aventureiros portugueses que procuravam riqueza e influência no interior do continente


africano, aproveitando as dificuldades de coesão interna do Monomotapa. Atuando
como verdadeiros lançados, eram marginais ao Estado, integrando-se rapidamente no
modo de vida africano sendo posteriormente o elo de ligação entre as instituições
portuguesas e os povos locais, formando as primeiras famílias mestiças (Capela, pp.24,
1996).
A iniciativa régia no Vale do Zambeze surgiu apenas quatro décadas depois dos
pioneiros e materializou-se com as expedições militares de Barreto e Homem em 1571.
Embora esta iniciativa militar não atingisse em pleno os seus objetivos, contribuiu em
grande medida para suprimir a influência muçulmana na região sul do Zambeze e
construir uma base de presença portuguesa cujos principais pontos se materializaram em
fortificações militares em Sena e Tete. Efetivamente, esta expedição manifestava uma
nova forma de encarar o império a oriente do cabo da Boa Esperança, apanágio da
última década do reinado de D. Sebastião. Neste período, foi defendida em Lisboa uma
nova forma de atuação que privilegiava a expansão do domínio territorial, por forma a
garantir o controlo direto das fontes de rendimento, tal como começava a suceder no
Brasil (Cruz, pp. 179-180, 2009).

Apesar de gorados os intentos militares da Coroa com a expedição de Barreto e


Homem, a mesma abriu um novo leque de possibilidades à iniciativa dos muzungos
instalados na região. Os comerciantes portugueses dos Rios tinham agora uma base
constituída pelas fortificações erigidas ao longo do Zambeze e viam a sua posição
negocial reforçada pelo retraimento muçulmano. Com a expansão das zonas de
influência dos fortes de Sena e Tete, os governadores cederam aos comerciantes e
ordens religiosas territórios adjacentes às fortificações e nas ilhas do rio Zambeze. O
ponto de partida foi a concessão à Ordem Dominicana de um território de duas léguas,
junto a Sena em 1582. Este novo posicionamento permitiu a negociação da cedência das
primeiras terras com as chefaturas africanas do sul do Zambeze, iniciando um processo
de expansão territorial que se prolongaria por todo o séc. XVII.

A nova realidade na região, em que as iniciativas individuais deixaram a mera


intermediação comercial para contemplar igualmente a posse territorial, obrigou as
autoridades portuguesas a discernir um enquadramento legal apropriado. Eugénia
9

Rodrigues21 enquadra juridicamente os prazos na tradição de presúria da reconquista


cristã na Península Ibérica. Neste sentido, cabe ao rei o direito de posse de todos os
territórios descobertos, ou conquistados pelos seus súbditos, mesmo que abdique do seu
usufruto em favor de um particular. À luz do direito da época, as terras eram da Coroa,
porque “os reis de Portugal tinham senhorio de todas as terras do Ultramar, descobertas
ou a descobrir, conquistadas ou a conquistar”, sendo assim suas por direito quaisquer
terras que os seus súbditos angariassem no sertão africano (Ibid., p.32).

Desta forma, não será exagerado sublinhar a ideia que a Coroa, na Zambézia
apenas conferia direitos de aforamento a territórios que os seus súbditos tinham
previamente negociado no terreno. Alexandre Lobato explica o processo ao referir que
“a terra que passava de domínio cafre para português era registada na Fazenda Real,
convertida em prazo, delimitada e coletada em tantos maticais de foro anual”.

Contrariamente à generalidade da experiência atlântica, no vale do Zambeze, os


pioneiros do comércio português depararam-se com um território povoado, política e
socialmente complexo, onde se imiscuíram, conquistando a cedência de territórios
conforme a conveniência das chefaturas locais. Foram estes territórios verdadeiramente
parte dos domínios da Coroa? Sim, na medida em que foram atribuídos a portugueses,
que não podiam reclamar a sua posse sem que os mesmos fossem pertença do rei
português, que confirmava o aforamento.

A transposição para letra de lei, em 1608 e 1633, da regulação em que se


deveriam processar as concessões na região provam esta realidade. Contudo,
pragmaticamente, estes territórios não deixavam de fazer parte integrante dos reinos
africanos a que pertenciam, na medida em que a sua população era maioritariamente
constituídas por populações nativas, governadas por chefaturas locais. Com a sucessão
de gerações, os próprios prazeiros transformaram-se em afro-portugueses imbuídos
num dia-a-dia de matriz totalmente africana. Talvez o mais importante dos argumentos
para a soberania africana sobre estes territórios seja o facto dos próprios líderes
africanos os cederem para usufruto destes senhores, mas tendo como enquadramento o
seu costume, que não contemplava posse individual de terra. Nestas condições, o
domínio territorial português tornou-se uma questão semântica, em busca de uma
10

posição de força demonstrada pela extensão do seu território imperial. Perante esta
realidade, como veremos, a própria administração oficial debateu-se com grandes
dificuldades em impor as suas regras junto dos enfiteutas (Rodrigues, pp. 15-34, 2006).
A inspiração para a criação jurídica do Prazo não é uma matéria unânime entre
os investigadores, havendo duas linhas de opinião distintas. De um lado encontramos
historiadores como Anthony Disney que afirmam a continuidade de um modelo de raiz
africana. Malyn Newitt arrisca como origem a generalização dos poderes conferidos
pelo Monomotapa aos estrangeiros no âmbito das feiras para em seu nome manter a
ordem dentro da respetiva comunidade, degenerando num âmbito mais largo de poder
sobre todas as comunidades. Esta delegação era conferida ao Capitão das Portas,
autoridade que era reconhecida pelas chefias africanas e portuguesas no território.
Ernesto Vilhena é mais comedido na interpretação da origem do prazo, encarando os
senhores como sucessores sociais das funções do mambo, interpretação com a qual não
podemos concordar, visto que, como veremos adiante, a hierarquia social africana não
desapareceu com o aparecimento dos prazeiros. O investigador que levou mais longe a
hipótese da origem não portuguesa do modelo de prazos foi Allen Isaacman, que não só
retira ao lado europeu toda a iniciativa, como vê no modelo de prazos uma instituição
muito similar a exemplos como, por exemplo, o reino de Kazembe. Esta interpretação é
cronologicamente discutível, visto que este reino só se viria a formar na segunda metade
do séc. XVIII (Kalinga, pp.713, 2010).

Nestes espaços, à semelhança do sudeste africano, os senhores tinham um


conjunto de obrigações de cariz militar para com a Coroa, tendo igualmente o direito de
coletar direitos sobre as populações locais, preconizando um modelo de enfiteuse, por
oposição às sesmarias atlânticas. As terras aforadas na Província do Norte eram ainda
juridicamente dotadas de uma característica distintiva: a possibilidade de sucessão pela
via feminina. Este regime concilia preocupações como a defesa militar, descendente da
tradição muçulmana na Índia, com a renovação da concessão por um espaço temporal
de três vidas. Esta última característica, alicerçada no ordenamento jurídico português,
exprime a preocupação da Coroa no final do séc. XVI em dispor, a cada momento, de
mercês para distribuir pelos serviços dos seus súbditos. Este desígnio tem confirmação
pragmática nas primeiras concessões de D. João de Castro na Proivíncia do Norte aos
homens que participaram consigo na campanha de Diu. Refira-se que no que concerne a
11

cargos públicos em Moçambique, no decorrer do séc. XVII, estes, tal como as


enfiteuses, raramente eram personificados por reinóis (Lopes, pp. 15-193, 2006).

Podemos assim afirmar que do ponto de vista do seu enquadramento legal, os


prazos foram um resultado direto dos seus congéneres na Índia, entre o início do séc.
XVII e 1752, data da independência administrativa de Moçambique. Desta forma, dado
o diminuto número de prazeiros, e o contexto periférico do sudeste africano, a
legislação era, na maioria dos casos, simplesmente transposta do enquadramento legal
relativo a Baçaim e Damão. Este posicionamento periférico conferia ainda uma
diferença assinalável entre a letra de lei e a sua aplicação efetiva no terreno. Exemplo
desta situação é a proibição de sucessão dos prazos por entidades eclesiásticas, ou as
doações entre cônjuges, proibidas por lei (Rodrigues, pp. 599-603), mas fomentadas na
prática pela administração oficial como forma de garantir a ocupação dos prazos no
remoto território dos rios de Sena. Devido a esta mesma necessidade de manter o espaço
habitado, para além dos casos descritos, a própria lei dava aos prazeiros um amplo
espaço de manobra na designação da sua sucessão, podendo a mesma ser indicada em
vida, ou por meio de testamento. Na eventualidade desta circunstância não ter sido
acautelada, algo comum dada a alta taxa de mortalidade no sertão africano, o prazo
passaria aos seus descendentes ou ascendentes.

No sertão africano, os novos muzungo partiam das terras adjacentes às


fortificações resultantes das expedições militares de Barreto e Homem. Esta guarda
avançada infiltrava-se em novos territórios onde Lisboa e Goa não tinham influência,
não restando às autoridades outra alternativa se não a de confirmar a posteriori os
territórios conseguidos individualmente através do regime de prazos. Como vimos, este
regime acolhe influência da legislação dos prazos da Província do Norte, nomeadamente
nos contratos de enfiteuse praticados neste território. Sendo um regime hibrido,
concentra igualmente características medievas da Lei Mental, nomeadamente no que
concerne à inalienabilidade e indivisibilidade de um bem que em última instância era da
Coroa. O costume no Zambeze, também neste campo contrariou a estatuição legal,
especialmente na prática da divisão dos aforamentos por ocasião das sucessões
(Rodrigues, p.18). A contradição entre a letra de lei e a prática foi uma marca definidora
de toda a instituição, baseando-se por um lado na absoluta necessidade que a Coroa
12

tinha de manter as terras ocupadas e no poder de que os prazeiros dispuseram para


equilibrar o poder no sertão.

O papel dos prazeiros evoluiu ao longo do período em estudo mediante o


interesse da Coroa pela região e o seu poder efetivo para intervir na mesma. Desta
forma, podemos genericamente assinalar dois períodos distintos. O primeiro período
coincide com o final do século XVI e vigorará com poucas interferências por todo o
século XVII. Nesta fase, os prazeiros teriam apenas a obrigação de pagar um foro à
Coroa, prometendo ajudar a mesma com as suas forças bélicas onde fosse necessário,
dispondo em contrapartida de amplos poderes administrativos e judiciais nos seus
prazos, poderes esses conferidos pelas chefias africanas e confirmadas por Goa e
Lisboa. Este foro foi inicialmente pago em géneros, como o milho, passando a ser pago
em meticais de ouro a partir de 1633. De resto, a tendência para o pagamento do foro
em ouro é uma característica que também encontramos nos prazos da Província do
Norte (Lobato, pp. 453).
Numa segunda fase, já no século XVIII, as diplomáticas iniciativas da Coroa
deram lugar a medidas musculadas no sentido de retomar a soberania sobre os
territórios e o seu aparelho administrativo. Contudo, a Coroa estava muito condicionada
pelos seus meios no terreno e uma estrutura administrativa delegada nos senhores nos
rios, e votada à corrupção na Ilha de Moçambique. Como reconhece Hoppe, “o poder
militar efetivo não pertencia às guarnições mas sim aos enfiteutas”. Entre estes dois
períodos, viveram-se anos conturbados que alteraram grandemente a geopolítica do vale
do Zambeze português.

5.3. Direito Administrativo nas sociedades Prazeiras


A iniciativa da exploração do vale do Zambeze coube a comerciantes
portugueses que seguiram o trato do ouro a partir de Sofala, em direção à sua origem no
Monomotapa. Perante a evidência do estabelecimento desta comunidade e da
rentabilidade do comércio no sertão, a Coroa seguiu a sua peugada dentro das suas
possibilidades de organização e dos efetivos de que dispunha no terreno. Dado o cariz
reativo das instâncias do Império, a análise da evolução da sua estrutura oficial ajudar-
nos-á a enquadrar a presença portuguesa na região.
13

Do ponto de vista administrativo, a Coroa dotou Moçambique de uma estrutura


que evoluiu ao longo do período em estudo, acompanhando por um lado as áreas de
influência portuguesa, bem como a influência global da mesma no todo. Na sua génese,
esta presença limitava-se a dois pontos-chave: Sofala como ponto litoral onde afluíam
as rotas do ouro e a Ilha de Moçambique enquanto ponto fulcral da Carreira da Índia.

Neste sentido, a primeira adaptação administrativa foi precisamente a


aglutinação da administração destes dois pontos, passando a Capitania de Sofala, a
designar-se Sofala e Moçambique, por diminuição da influência da primeira no cômputo
geral. Esta alteração vigorou, grosso-modo, até ao último quartel do séc. XVII, para
posteriormente assumir uma terceira designação que abrangia Moçambique e Rios de
Sena, em virtude da povoação do Vale do Zambeze. Mais do que a variação do título,
que se revelou constante, interessa-nos a sua abrangência geográfica, visto que a mesma
exprime, a cada momento, as áreas do território com um pulsar económico e social mais
evidente. Neste caso, a Coroa portuguesa reconhecia a importância do sertão numa
região onde até ao momento a tradição era meramente litoral (Rodrigues, pp.945).

Os extensos poderes do governador dos Rios prolongavam-se ao nosso objeto de


estudo, podendo o mesmo atribuir prazos, subordinando esta questão diretamente ao
vice-rei da Índia. Altamente alavancado pela exploração aurífera, o vale do Zambeze
tornou-se a parte mais importante da África Oriental portuguesa, num século XVII que
assistiu paralelamente à decadência da Carreira da Índia e consequentemente, da
influência política da Ilha de Moçambique. Perante o desafio de povoamento da região,
em 1635 a Coroa subordinou os Rios de Sena diretamente ao vice-rei, retirando-os da à
superintendência da Ilha. Contudo, esta situação duraria apenas até à reorganização
administrativa de 1688, data em que voltaria a ser hierarquicamente dependente de
Moçambique, apesar de manter, na prática, maior autonomia do que as outras capitanias
da região (Lobato, 1753).

6. Os Principais Direitos nas Sociedades Prazeiras


 Sucessão das linhagens;
 Renovação das sucessões;
 Direito Costumeiro;
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 Lobolo;
 Direito positivo, vindo da India e Portugal;
 Codificação das terras;

6.1. Ordenamento territorial das sociedades Prazeiras no âmbito legal


Importa-me referir que a primeira característica que podemos associar à
sociedade desenvolvida nos prazos do Zambeze, durante a presença portuguesa, é a sua
matriz fortemente multicultural. Nos prazos concentravam-se grupos tão distintos como
os portugueses, de diferentes origens geográficas e os seus descendentes, normalmente
fruto de miscigenação, os africanos, de origens igualmente diversas, os comerciantes
indianos, muçulmanos, as populações suaílis e, ocasionalmente, outros europeus, como
os holandeses, que tentaram o trato direto com as populações locais.

Por conseguinte vezes ao longo deste estudo, referimos a natureza inóspita e


periférica dos prazos no contexto imperial, pelo que é chegado o momento de descrever
este espaço físico como forma de melhor enquadrar os seus ocupantes. Na sua face
litoral, as Terras da Coroa tinham um território potencial que se estende desde a foz do
atual rio Púnguè até Quelimane, concentrando-se sobretudo no delta do rio Zambeze,
numa extensão total de 300 quilómetros.

6.2. Correlação junto aos suportes africanos e a mistura


Tendo em conta que a Coroa portuguesa concedia o direito dos senhores aos
prazos, sendo esta relação essencialmente jurídica, e acarretando funções militares e
económicas no terreno. Não obstante, o seu quotidiano encontrava-se ligado a África e
ser prazeiro implicava importantes funções sociais junto do seu campesinato nativo,
como é exemplo a execução da justiça e das funções rituais. Segundo Ernesto Vilhena,
para a população, o prazeiro era “o amo, juiz, tutor de todos os atos da sua vida, e até o
chefe que os conduzia aos combates”. Mais do que uma verdade absoluta, esta
afirmação identifica a extensão das funções do enfiteuta junto das estruturas locais
presentes no seu terreno.

6.3. As Senhorias
Tendo uma dicotomia contextual da presença portuguesa na África Oriental a
originalidade das senhorias dos prazos merece uma referência especial. A africanização
15

das sucessivas gerações de senhores dos aforamentos régios punha em perigo a


influência da Coroa, sendo necessário o incremento populacional de matriz portuguesa.
A solução encontrada passou por medidas de incentivo à deslocação de mulheres para o
terreno e a via de sucessão feminina dos prazos.
Vigorando o sistema de prazos desde o final do séc. XVI, esta via de sucessão
apenas foi implementada na década de 1670, não sendo a predominante mesmo a partir
dessa data, nem sendo uma originalidade no contexto imperial português. Mais uma
vez, tal como na origem do modelo, encontramos nesta evolução legislativa o paralelo
com a Índia portuguesa, sendo decretada a obrigação da nomeação em filha da segunda
vida do prazo, ainda com a condição de casamento com português reinol169.
Naturalmente, tal medida foi contestada no terreno, sendo de difícil a sua aplicação
prática plena.

6.4. Influência da Religião no quadro legal


Partindo deste pressuposto importa-me referir que uma pequena proporção dos
prazos do Zambeze era detida por ordens religiosas. Este é mais um padrão da distância
entre o enquadramento legal e a realidade regional, visto que por lei a concessão estava
vedada às mesmas.

A gênese da presença missionária na costa oriental africana é tão antiga quanto a


instalação da administração oficial portuguesa. Capela reconhece-lhes uma missão
conjunta com os exércitos de dilatar território e a fé cristã. As duas ordens que se
impunham na região eram a jesuíta e a dominicana, tendo esta segunda sido pioneira na
Ilha de Moçambique e a primeira ao longo do Zambeze. A missão Jesuíta foi
dramaticamente mal sucedida, culminando com a morte de Gonçalo Silveira na corte.

A primeira legislação sobre eles surgiu durante a dinastia filipina. A 12 de março


de 1618, no reinado de Filipe II de Portugal (1598-1621), o primeiro diploma régio
criou o regime de concessão de terras na Zambézia, mas as primeiras concessões foram
feitas em 1590, no reinado de Filipe I (1581-1598). Seguindo a análise de Newitt, os
prazos são um sistema de propriedade da terra, tornado possível devido à situação de
instabilidade nas comunidades políticas africanas na região do Vale do Zambeze.
16

Os prazos suscitaram polémica entre os historiadores que a eles se referiram. Por


exemplo, Oliveira Martins considerou o sistema de origem árabe, ao passo que Papagno
e Lobato se inclinaram para a influência da Índia. José Capela defendeu a origem
portuguesa como "um contracto enfitêutico, tal como era de uso em Portugal".
Interessante é a polémica entre Capela e Isaacman. Enfatizando as dinâmicas internas,
Isaacman analisou este tipo de concessões como uma instituição funcional, operando
dentro do meio africano. O sucesso alcançado deveu-se ao facto de, em sua opinião, o
sistema se entroncar na cultura do povo macua, de cariz matrilinear e tipicamente rural.
Capela, porém, refere contratos análogos em Portugal, nas ilhas atlânticas, no Brasil, na
Índia, bem como nas colónias africanas, incluindo Moçambique, sendo por isso um
fenómeno português.

Numa ótica diferente, Carlos Serra interpretou os prazos do ponto de vista do


modo de produção dominante, que denominou colonial-escravista. Procurando descobrir
as razões da criação do sistema pela coroa portuguesa, chegou à conclusão de que os
seus objetivos eram controlar e sedentarizar soldados e comerciantes, evitando o seu
envolvimento em guerras intermináveis. Assim, a coroa decidira transformar parte
considerável do seu domínio em propriedades, sujeitas a uma renda anual em ouro,
entregues a um casal europeu e cujo usufruto se fazia durante três gerações, cabendo a
sucessão à linha feminina. Ao fim dessas três vidas, o prazo reverteria para a coroa ou
seria renovado. Serra refere-se ao poder do prazeiro, através da força dos seus grandes
exércitos de escravos, os achicundas. Refere-se ainda ao facto de se ter mantido a
autoridade do chefe local, através de uma política de alianças matrimoniais entre os
prazeiros e os chefes africanos, o que levou a aumentar o seu poder e a criar estabilidade
numa região de lutas intestinas. O sistema foi também estudado por Ishemo, que
distingue na sociedade prazeira o senhor, o prazeiro, a dona e os muzungos, seus
descendentes mestiços.

Na base estavam as famílias de camponeses, os colonos a quem era cobrado o


mussoco ou mutsonko: "nas sociedades pré-capitalistas da Zambézia tinha sido um
tributo costumeiro (renda em espécies) pago pelo produtor camponês à aristocracia ou
chefes linhageiros" (Ishemo, 1989, pp. 109-158). Este imposto evoluiu para renda em
trabalho e em dinheiro, mantendo-se igualmente em espécies, o que provocou um
agravamento das condições de vida das famílias camponesas e a migração de força de
17

trabalho, constituindo para quem o recebia o principal mecanismo de acumulação


capitalista colonial.
18

7. Conclusão
Findo o presente trabalho posso constatar que a palavra prazo, foi usada a partir
do séc XIV para designar pequenas unidades políticas estruturadas dentro do império
dos Mwenemutapa por mercadores de origem portuguesa e indiana. O sistema de prazos
existiu apenas na região do Zambeze, entre Tete e Sofala nos séc. XVI e XVII.
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8. Referência bibliográfica
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 LOBATO, Alexandre, Evolução Administrativa e Económica de Moçambique
(1753-1763), Lisboa, Edições Alfa, 1989.
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 CRUZ, Maria Augusta Lima, D. Sebastião, Mem Martins, Temas e Debates, 2009.
 DISNEY, Anthony, História de Portugal e do Império Português, Vol. II, Lisboa,
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 LOPES, Maria Mártires, "Goa: a simbiose luso-oriental", in MARQUES, A.H.O. et
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