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FILOSOFIA MEDIEVAL - Escolástica

Contribuição de São Tomás de Aquino (1224-1274)

Contexto histórico da Alta Escolástica: Surgimento do Aristotelismo Cristão

O mundo europeu dos séculos XI-XII destaca-se por uma intensa atividade artesanal
e comercial, por uma progressiva imigração do campo e consequente surgimento de
núcleos urbanos importantes. Nessas cidades, o enriquecimento da população e a
mobilidade social são permitidas, instaurando uma nova ordem política e econômica.
Os artesãos se organizam em ligas - as corporações de ofício – para regulamentar as
suas práticas e proteger os seus interesses. Na cidade há maior liberdade e um novo
tipo de convívio social. É nesse contexto, de um processo lento de transformação que
vai culminar em profundas transformações nos séculos XV-XVI, que a obra de
Aristóteles, com sua preocupação científica e empírica, com um tipo de saber voltado
para a realidade natural, parece mais adequada; daí despertando grande interesse e
curiosidade. O surgimento das universidades e a criação das ordens religiosas dos
franciscano e dominicanos refletem as transformações desse período.

Importância das universidades


Embora as universidades tenham surgido em consequência do desenvolvimento das
escolas ligadas aos mosteiros e catedrais, com o crescimento dos núcleos urbanos e o
enriquecimento da sociedade, a demanda por educação aumenta progressivamente,
tanto no sentido eclesiástico, visando a formação de uma elite para combater os
hereges, quanto no leigo e civil, relacionada às necessidades do governo e da
administração pública. Surgem assim as universidades como instituições leigas. Os
setores mais tradicionalistas tentam proibir o ensino das obras de Aristóteles, porém
sua penetração será inevitável. De certo modo, a Igreja percebe a importância e
eficácia das universidades na elaboração e sistematização de um saber teológico e
filosófico necessário para combater os hereges e desenvolver a cultura do mundo
latino para se tornar um “saber universal”. O centro da produção filosófica se
consolida no Ocidente cristão, destacando-se as grandes cidades universitárias, Paris
e Oxford.
A universidade medieval é efetivamente o ponto de partida da concepção e do modelo
de universidade que temos até hoje. Trata-se não só de uma instituição de ensino, mas
de pesquisa e de produção do saber, de discussão e de polêmica, o que se reflete nas
constantes crises em que se viu envolvida e nas igualmente constantes intervenções
do poder real e eclesiástico.

Importância das ordens religiosas dos franciscano e dominicanos


As ordens religiosas dos franciscanos e dominicanos, criadas praticamente ao mesmo
tempo, tiveram um papel fundamental. Não eram ordens monásticas, em que os
eclesiásticos viviam no interior do mosteiro, mas sim dedicadas à vida no mundo
leigo, à pregação e à conversão dos hereges e pagãos. O nome oficial da ordem
fundada por são Domingos era “Ordem dos Pregadores”. Seu papel principal
inicialmente foi o combate às heresias e a defesa da fé, sendo, em seguida,
encarregados da Inquisição. Assumiram, em função disso, um lugar importante nas
universidades, principalmente em Paris – por conseguinte, no desenvolvimento da
filosofia e da teologia escolástica, destacando-se aí o pensamento de são Tomás de
Aquino. A ordem dos franciscanos teve papel fundamental na revitalização do
cristianismo, com sua defesa da austeridade e da pobreza, a discussão da natureza da
Igreja e da vida religiosa e, posteriormente ao desempenhar uma função importante
no desenvolvimento da filosofia e da ciência natural, sobretudo com a famosa escola
franciscana de Oxford.

Quem foi Tomás de Aquino


Tomás de Aquino (1224-1274) nasceu em Nápoles (Itália) de família nobre e não foi
só um frade dominicano. Ele teve sua carreira profundamente ligada às universidades
da época, sobretudo à de Paris. A Universidade de Paris data de 1200, quando o rei
Felipe Augusto reconhece a corporação de estudantes desta cidade, dando-lhes sua
proteção. Em 1244, entrou para a Ordem dos Dominicanos apesar da oposição da
família, indo em 1245 estudar em Paris. Foi sob a influência de seu mestre, o também
dominicano santo Alberto Magno (1206-1280), grande conhecedor da ciência da
época, que tomou contato com a obra de Aristóteles. Quando Tomás de Aquino
ingressou como professor na Universidade de Paris começou a desenvolver sua obra,
procurando mostrar que a filosofia de Aristóteles era perfeitamente compatível com o
cristianismo. Sua primeira obra importante foi Sobre o ente e a essência, de 1242-43.
Escreveu também tratados como Suma contra os gentios, de 1258-60, e Sobre a
verdade, de 1256-59. Sua obra principal é Suma Teológica, escrita em 1265-73,
considerada incompleta. Foi canonizado em 1323. Ao longo de toda a tradição
ocidental, a filosofia de são Tomás de Aquino e de seus discípulos e seguidores, o
tomismo, tornou-se uma espécie de representante da ortodoxia, quase uma “filosofia
cristã oficial”. Sua obra foi muito importante no sentido de mostrar a compatibilidade
entre o aristotelismo e o pensamento cristão, desenvolvendo uma versão do
aristotelismo mais adequada à doutrina cristã. Em sua obra Suma teológica se utiliza
da lógica aristotélica, com um estilo argumentativo, para desenvolver as Cinco vias
da prova da existência de Deus, a fim de realizar uma demonstração racional,
filosófica, da existência de Deus. Ou seja, ele articula razão e fé utilizando-se da
lógica aristotélica; daí a originalidade do aristotelismo cristão.

Base do aristotelismo cristão: Demonstração da existência de Deus


Tomás de Aquino procurou desenvolver uma teologia “natural”, valorizando tal como
Aristóteles o “conhecimento natural” ao reconhecer a a importância da participação
dos sentidos e do intelecto na produção do conhecimento, ou seja, o conhecimento
começa pelo contato com as coisas concretas, passa pelos sentidos internos da
fantasia ou imaginação até a apreensão de formas abstratas. Desse modo, o
conhecimento processa um salto qualitativo desde a apreensão da imagem, que é
concreta e particular, até a elaboração da ideia, abstrata e universal. Para ele, se a
razão não pode conhecer a essência de Deus, pode, no entanto, demonstrar sua
existência ou a criação divina do mundo. Vejamos as “cinco vias” de demonstração:
1) Movimento. Deus é a causa primeira, o Primeiro Motor Imóvel. Conforme a teoria
do ato e potência de Aristóteles, só algo em ato pode mover o que existe em potência;
portanto, tudo que se move deve ser movido por outro, pois nada se move por si
mesmo. Não regressando ao infinito, conclui-se que existe um primeiro motor que
move todas as coisas e não é movido: Deus.
2) Causa eficiente. Nada pode ser causa de si mesmo, senão seria anterior a si
mesmo. Não regressando ao infinito, conclui-se que é preciso admitir uma causa
primeira que não é causada: Deus.
3) Contigência e Necessidade. Um ser contingente é aquele cuja existência depende
de outro. Se todos fossem contingentes, nada existiria. Portanto deve haver um ser
necessário: Deus.
4) Os graus de perfeição. Todos os seres têm graus diferentes de perfeição,
qualidades que podem ser comparadas, mas só um ser teria o máximo de perfeição,
ou seja, o máximo de atributos e qualidades.
5) A causa final. Toda a natureza tem uma finalidade, um propósito, caso contrário
não haveria ordem. Conclui-se que deve haver uma inteligência ordenadora: Deus.

Desse método lógico de demonstração, são Tomás conclui que, como não
conhecemos diretamente a essência de Deus, Deus não é autoevidente, precisando ser
demonstrado através daquilo que conhecemos. Só se pode demonstrar a existência de
Deus por seus efeitos. A partir dos efeitos não podemos alcançar um conhecimento
perfeito de Deus, mas podemos demonstrar sua existência. A lógica é que: pode-se
demonstrar algo a partir dos efeitos, argumentar a partir daquilo que é primeiro para
nós, isto é, do efeito para a causa; isso equivale a um método regressivo. Conclui-se
assim que podemos demonstrar a existência de Deus, embora não conhecê-lo tal qual
é em sua essência, tomando como ponto de partida os efeitos que nos são conhecidos.

Embora as provas de são Tomás para a existência de Deus possam ser questionadas –
em se tratando de um ser perfeito que não precisa ser explicado – são importantes
pelos novos caminhos que abrem. São argumentos que vão contra a concepção de que
se pode conhecer Deus diretamente e através de uma evidência, sem passar pelo
mundo sensível. Além disso, vão igualmente contra a posição de que só se pode
conhecer Deus pela fé, e de que só se pode falar de Deus se já se sabe quem Ele é.
Trata-se essencialmente de uma demonstração da existência de Deus a partir da razão
natural, buscando conciliar a revelação, o que nos ensinam as Escrituras, com a assim
chamada “teologia natural”, a noção de Deus que temos. Abre caminho para a
revalorização do mundo natural como objeto de conhecimento.

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