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Cap.

177 – Tratado de Medicina de Família e Comunidade Raíssa Antunes

melhores evidências para RCV com potencial de


DISLIPIDEMIA intervenção (observação atenta, modificação de estilo de
______________________________________________ vida, ou medicação).
ASPECTOS-CHAVE • O National Institute for Health and Clinical Excellence
• A dislipidemia não apresenta sintomas. (NICE) recomenda o uso da ferramenta de avaliação de
• Na avaliação laboratorial, devem ser solicitados exames risco QRISK, que pode ser acessada no link
de colesterol total (CT), lipoproteína de alta densidade https://qrisk.org/ . Aqueles com risco calculado > 10%
(HDL) e triglicérides; a lipoproteína de baixa densidade em 10 anos deverão ter suas dosagens de lipídeos
(LDL) pode ser calculada pela fórmula de Friedwald. realizadas.
• É importante estratificar o risco da pessoa antes de
intervir. O QUE FAZER?
• As metas a serem alcançadas devem ser reavaliadas
ANAMNESE:
periodicamente.
• Para promover mudanças no estilo de vida, o ideal é o • História familiar, hábitos alimentares, atividade física,
trabalho com equipe multiprofissional. tabagismo, alcoolismo, uso de medicamentos, sintomas
de doença arterial coronariana (DAC), insuficiência
DO QUE SE TRATA? arterial periférica, ataque isquêmico transitório (AIT),
• Consiste em alterações no metabolismo dos lipídeos hipertensão, diabetes, dislipidemias prévias, doença renal
que podem ocasionar repercussões nos níveis séricos das crônica, doenças autoimunes (em especial, lúpus
lipoproteínas. eritematosos sistêmico e artrite reumatoide), enxaqueca,
• Os lipídeos exercem funções fundamentais na absorção problemas psiquiátricos, uso de antipsicótico atípico ou
de nutrientes lipofílicos, como as vitaminas, além de corticosteroides.
atuarem no armazenamento e na produção de energia. EXAME FÍSICO:
• As taxas excessivas de lipídeos são prejudiciais, visto que
• PA, estatura, peso, circunferência abdominal, ausculta
o aumento dos seus níveis séricos está associado à
cardíaca e pulsos periféricos.
aterosclerose.
EXAMES COMPLEMENTARES:
QUANDO PENSAR
• CT, HDL (conhecido como “colesterol bom”) e
• A dislipidemia em si, não causa sintomas, e por essa
triglicérides, sendo o LDL (conhecido como “colesterol
razão sua detecção ocorre em pessoas assintomáticas.
mau”) calculado pela fórmula de Friedwald desde que o
• É essencial lembrar-se de que a decisão deve ser
valor dos triglicérides seja de até 400 mg/dL. Segundo a
sempre compartilhada com o paciente e deverá ser
diretriz do Adult Treatment Panel III (ATP III), o LDL
subsidiada por dois alicerces: a medicina baseada em
é o principal valor para a tomada de decisões.
evidências (MBE) e a abordagem centrada na pessoa.

• Fórmula Friedwald:
‼ O rastreamento da dislipidemia deve ser realizado
sempre no contexto da avaliação do risco cardiovascular
LDL (mg/dL) = CT – HDL – (Triglicérides/5)
(RCV) global; para o médico de família e comunidade, o
perfil lipídico isolado tem pouco valor e deve ser usado
para ferramentas e tabelas de risco global cardiovascular DIAGNÓSTICO ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO
(ver Cap. 72, Rastreamento de doenças, Cap. 157,
DOS PACIENTES:
Prevenção primária e secundária para doenças
• Após classificar a pessoa como portadora de
cardiovasculares, e Apêndice 2, Tabela de
hipercolesterolemia isolada, hiperlipidemia mista,
recomendações de rotina em adultos segundo a faixa
hipertrigliceridemia isolada ou HDL baixo, procede-se à
etária). Por isso, as recomendações de rastreamento de
estratificação de risco.
dislipidemia devem seguir as recomendações com
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• A tabela mais completa é o QRISK. • Foram identificados quatro grupos com indicação para
• Após essa classificação, é possível reconhecer três uso de estatinas:
grupos: alto risco (risco de DCV em 10 anos maior do 1. Pessoas com doença cardiovascular aterosclerótica
que 20%), risco intermediário (risco de DCV em 10 clínica (ASCVD): síndrome coronariana aguda,
anos entre 10 e 20%) e baixo risco (risco de DCV em 10 história de infarto agudo do miocárdio, angina,
anos menor do que 10%) revascularização arterial coronariana, ou outra,
acidente vascular cerebral (AVC), AIT ou doença
arterial periférica.
2. Pessoas com elevação primária de LDL ≥ 190.
3. Pessoas de 40 a 75 anos com diabetes e LDL
entre 70 e 189 sem ASCVD.
4. Pessoas de 40 a 75 anos sem ASCVD ou diabetes
com risco em 10 anos estimado ≥ 7,5%.
• O tratamento da pessoa adulta (> 20 anos) aqui
recomendado se baseou no Third Report of the National
Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel
on Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood
Cholesterolin Adults (ATP III) 9 e é resumido na Tabela
177.4 e na Figura 177.1.
• A meta de LDL 70 mesmo para pessoas de alto risco
ainda é controversa, devendo ser apenas considerada
para prevenção secundária (para quem já teve algum
evento cardiovascular).

CON DUTA PROPOSTA:

TRATAMENTO:

• ↓ HDL = FATOR IMPORTANTE NA PREVENÇÃO DE


EVENTOS cardiovasculares e cerebrovasculares.

• ↑ HDL = fator de proteção.


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• A ingesta de proteína da soja pode reduzir o colesterol


plasmático.
• Os flavonoides podem estar envolvidos na prevenção
da aterosclerose por inibirem a oxidação do LDL,
diminuindo sua aterogenicidade e são encontrados nas
verduras, frutas (cereja, amora, uva, morango,
jabuticaba), grãos, sementes, castanhas e vinho.
• Pessoas com níveis muito elevados de triglicérides
MUDANÇAS NO ESTILO DE VIDA devem reduzir a ingestão de gordura total da dieta.

• São essenciais na prevenção de DCV.


ATIVIDADE FÍSICA
• Equipe multiprofissional.
• Está associada a uma melhora no perfil lipídico,
DIETA:
portanto, uma ↓ do RCV.
• ↓ consumo de alimentos de origem animal (vísceras, • A atividade física estimula a resposta termogênica,
carnes gordurosas, leite integral, derivados, pele de aves aumentando o metabolismo basal e a termogênese
e frutos do mar), polpa e leite de coco e alguns óleos induzida pela dieta, levando consequentemente a um
vegetais, como dendê. aumento do gasto energético.
• Evitar ácidos graxos trans, que elevam o LDL e os • Ajuda no↑da atividade da lipase lipoproteica
triglicérides e reduzem o HDL. muscular, da diminuição da insulina e da atividade da
‼ A principal fonte de ácidos graxos trans é a gordura lipase hepática, o que levará ao aumento do HDL e à
vegetal hidrogenada, utilizada no preparo de sorvetes redução do LDL e dos triglicérides.
cremosos, chocolates, pães recheados, molhos para
salada, sobremesas cremosas, biscoitos recheados,
OUTROS
alimentos com consistência crocante (nuggets,
croissants, tortas), bolos industrializados, margarinas • É importante aconselhar sobre a cessação do
duras e alguns alimentos produzidos em redes de fast- tabagismo 18 e o tratamento adequado das outras
foods. morbidades porventura associadas, como hipertensão,
• Substituir os ac. graxos por poli-insaturados para a ↓ diabetes e obesidade.
do CT, LDL e triglicérides, e são encontrados nos
vegetais (soja, canola e linhaça), e em peixes de águas TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
frias. • Deve ser indicado de imediato para pessoas
• Os ácidos graxos monoinsaturados exercem o mesmo consideradas de alto risco e para aquelas de risco
efeito sobre a colesterolemia, sem, no entanto, diminuir moderado ou baixo após tentativa de mudança no estilo
o HDL e provocar oxidação lipídica. de vida por 3 ou 6 meses, respectivamente.
• Suas principais fontes dietéticas são óleo de oliva, óleo • Hipercolesterolemia isolada → ESTATINAS.
de canola, azeitona, abacate e oleaginosas (amendoim, • É possível alcançar reduções nos níveis de LDL com
castanhas, nozes, amêndoas). doses equivalentes das diversas estatinas disponíveis.
• As fibras solúveis, que reduzem a absorção do • O potencial de elevar HDL e reduzir triglicérides é
colesterol, são representadas pela pectina (frutas) e pelas semelhante entre os vários fármacos dessa classe.
gomas (aveia, cevada e leguminosas: feijão, grão-de bico, • As estatinas de meia-vida curta (fluvastatina,
lentilha e ervilha). lovastatina e sinvastatina) devem ser administradas à
• O farelo de aveia é o alimento mais rico em fibras noite.
solúveis. As fibras insolúveis não atuam sobre a
colesterolemia, mas aumentam a saciedade, auxiliando
na redução da ingestão calórica.
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• Recomenda-se atenção especial nos portadores de


doença biliar, no uso concomitante de anticoagulante
oral, cuja posologia deve ser ajustada, e nas pessoas com
função renal diminuída.

• Ezetimiba: seu uso combinado com estatina ↓ 20% a


mais os níveis de LDL; é empregada na dose única de
10 mg ao dia, sendo administrada a qualquer hora do
dia. Está disponível no mercado brasileiro como
medicamento isolado ou em associação com
sinvastatina. • O ácido nicotínico pode ser usado em pessoas com
• O uso de estatinas requer alguns cuidados: dosagem HDL baixo isolado, mesmo sem hipertrigliceridemia
dos níveis basais de bilirrubina direta, associada, e como alternativa aos fibratos e estatinas ou
creatinofosfocinase (CPK), também chamada de em associação com esses fármacos em portadores de
creatinocinase (CK), e transaminases, devendo ser hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia ou dislipidemia
repetidos na primeira reavaliação ou quando houver mista.
aumento de dose. • Na hiperlipidemia mista, a conduta dependerá dos
• Aquelas pessoas com aumento de CK de 3 a 7 vezes o níveis de triglicérides:
limite superior da normalidade (LSN) ou com dor → Acima de 500 mg/dL: introduzir um fibrato,
muscular devem ser monitoradas cuidadosamente, adicionando, se necessário, o ácido nicotínico. Após
devendo suspender a medicação se houver aumento reavaliação, caso haja necessidade de redução
progressivo da CK, aumento da CK acima de 10 vezes o adicional da colesterolemia, acrescenta-se uma
LSN ou persistência dos sintomas musculares. estatina.
• Naquelas com sinais de hepatotoxicidade (icterícia, → Abaixo de 500 mg/dL: iniciar o tratamento com uma
hepatomegalia, aumento de bilirrubina direta e do estatina isoladamente ou associada à ezetimiba.
tempo de protrombina), recomenda-se a suspensão da
estatina e pesquisa da etiologia. ‼ A alteração dos lipídeos pode ser secundária ao
• Naquelas com sinais de hepatotoxicidade (icterícia, hipotireoidismo (clinicamente manifesto ou subclínico),
hepatomegalia, aumento de bilirrubina direta e do devendo ser tratada com posterior avaliação da
tempo de protrombina), recomenda-se a suspensão da necessidade de introduzir medicamentos para
estatina e pesquisa da etiologia. dislipidemia.
• Não há contraindicação ao uso de estatinas em
pessoas com doença hepática crônica ou esteatose não DECISÃO COMPARTILHADA
alcoólica. Entretanto, seu uso é contraindicado na • É importante envolver a pessoa na tomada de decisão
presença de hepatopatias agudas. sobre seu tratamento.
• Na presença de hipertrigliceridemia isolada ou HDL • Foram elaborados pictogramas que demonstram o
baixo, opta-se por fibratos (1 a escolha) ou ácido potencial benefício do uso.
nicotínico, ou ambos.
• Quando os triglicérides forem muito elevados (> 500
mg/dL), são recomendados inicialmente, junto com as
medidas não farmacológicas.
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ATIVIDADES PREVENTIVAS E DE EDUCAÇÃO


• Orientação sobre uma alimentação saudável e
atividade física regular para crianças e adolescentes nas
escolas.
• Orientação de mudança de hábitos para hipertensos e
diabéticos.
• Educação permanente para os Agentes Comunitários
de Saúde para que possam fazer as orientações
adequadas e identificar pessoas na comunidade com
CRIANÇAS fatores de risco.
• O tratamento deve sempre ser iniciado com adoção de • Realização de planejamento junto à equipe para
MEVs (educação alimentar e atividade física), de forma estratificação de RCV em adultos nas idades sugeridas
análoga ao exposto. pela literatura.
• Sugere-se que crianças e adolescentes com história de
hipercolesterolemia familiar e alteração importante dos REFERÊNCIAS
lipídeos, ou outros fatores de risco, sejam referenciadas Cap. 177 – Tratado de Medicina de Família e
para acompanhamento especializado de acordo com a Comunidade, 2ª edição.
avaliação do médico de família.

QUANDO REFERENCIAR
• Quando a variabilidade entre os resultados das
dosagens de CT, LDL, HDL e triglicérides persistir
além da esperada, mesmo na 3 a avaliação (ver Figura
177.1), a pessoa deverá ser referenciada para
confirmação diagnóstica e intervenção terapêutica
específica.
• Pessoas com formas graves de dislipidemia e que têm
pequena ou mesmo nenhuma resposta ao uso dos
medicamentos em doses habituais.
• Crianças com história de hipercolesterolemia familiar
ou alteração laboratorial proeminente.
• Pessoas com doença coronariana sintomática.

PROGNÓSTICO E COMPLICAÇÕES POSSÍVEIS


• Desenvolvimento de DAC, insuficiência arterial
periférica, doença cerebrovascular.
• Pancreatite em pessoas com triglicérides acima de 500.

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