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Professor Fernando Andrade –

Obras Literárias :

UFRGS
Exasiu
Obras Literárias
Caderno de Memórias Coloniais (Isabela Figueiredo)

Prof. Fernando Andrade

AULA

AULA 8 – Linguagem 1
Professor Fernando Andrade –
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Sumário

APRESENTAÇÃO 4

INTRODUÇÃO 4

Como usar este material 5

A exigência da Banca 6

1.PARÂMETROS INICIAIS - SPOILER 6

1.1 Quem? 8

2. CONTEXTO HISTÓRICO 9

2.1 A história com “h” minúsculo: os vencidos 12

2.2. Caderno de Memórias e a(s) história(s) 13

2.3 Questões de fixação 14

3. QUESTÕES LITERÁRIAS E SOCIOLÓGICAS 21

3.1 Anatomia do racismo estrutural 22

3.2 Os retornados 25

3.3 Questões de fixação 25

4. A SUBJETIVIDADE: GÊNERO E ENREDO 31

4.1 Gênero Blog 31

4.2 O enredo 33

4.2.1 Resumo 34
A vida em Lourenço Marques 35
Partida 41
A vida em Portugal 42

4.3 Os temas 44

4.4 Questões de fixação 45

5. ELEMENTOS DA NARRATAIVA 52

5.1 Tempo 52

5.2 Espaço 53

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5.3 Narrador 55

5.4 Personagens 56

5.5 Conflito 57

5.6 Recursos estilísticos 58

5.7 Questões de fixação 62

6. OBRA PÓS-MODERNA 68

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 69

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Apresentação
Olá, querido(a) aluno(a)
Seguimos firmes e fortes nessa empreitada de ajudá-lo(a)
no estudo de Literatura e, em particular, de obras literárias.
Chegou a vez de Caderno de memórias coloniais. Como o nome já
diz, trata-se de um livro de memórias de uma portuguesa que
nasceu em Moçambique. Então se prepare para uma Língua
Portuguesa um pouco diferente, mas nem por isso encantadora.
Não é só a linguagem que seduz. Há outros traços
importantes. O livro expressa de forma evidente o que chamamos
de pós-modernismo, pela sua estrutura fragmentária e mistura
entre ficção e realidade.
E por fim, não há como não ficar encantado pela narradora que tenta reviver o olhar de
menina em relação a uma realidade que vai se descortinando para ela. E não é uma realidade
qualquer, a protagonista viveu o fim do período colonial português em África em toda sua
ambiguidade.
Bom estudo e divirta-se.

Introdução

Antes de mais nada, vou repetir qual é o método que eu recomento para o estudo de obra
literária, já mencionado na aula zero e que que vale a pena rever.

E seu eu não tiver tempo para ler a obra?


Você deve estar ciente de que se arriscará, já que, geralmente, há uma ou duas questões
de verificação de leitura, ou seja, questões que exigem conhecimento específico de detalhes da
obra. Além disso, a leitura simples do resumo não reforça a memória. Ao entrar em contato com
obra, o efeito produzido deixa marcas fortes na lembrança.
Contudo, se você realmente não tiver tempo, o resumo elaborado para você é bastante
extensivo. No mínimo, leia os livros mais complexos ou que tenham enredos cheios de peripécias.

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Como usar este material

Leitura Resumo

Análise,
Aula
crítica

Aula Exercícios

Véspera da Quadro
prova sinóptico

Como esse material é para você, corujinha autodidata, sei que você deve usá-lo
segundo suas necessidades, contudo , seguem algumas sugestões.
✓ Para quem vai ler o livro. Leia o livro e faça seu resumo, seu mapa mental.
Observe que o resumo elaborado neste pdf está dividido em partes e para cada
parte há exercícios de fixação. Ponha-se à prova. Veja se com sua leitura você
consegue responder às questões sem ler o resumo. Se falhar em algumas, leia o
resumo para refrescar a memória. Perto da prova consulte o quadro sinóptico,
o resumo e anotações que você fez para você.
✓ Para quem não vai ler o livro. Aí não tem jeito. Você vai ter que encarar todas
as partes sem pular nenhuma. Procure não ler tudo de uma vez, você se
desanimará devido a uma certa repetição. Infelizmente a repetição é importante
para a memorização, mas procure não decorar.

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A exigência da Banca
A banca da UFRGS faz questões variadas em relação às obras escolhidas, mas de certa
forma previsíveis. Boa parte das questões giram em torno da verificação de leitura e interpretação
da obra e algumas sobre contexto.
Chamamos de verificação de leitura, aquelas questões sobre peripécias menores na obra,
de tal forma que somente alguém que tivesse lido o texto poderia se lembrar. Ao lado dessas, há
aquelas tradicionais, em que o candidato deve interpretar a ideia que foi abordada pela obra.
Inclui-se nesse tópico a cobrança em relação aos elementos da narrativa.
Retomando, prepare-se para os seguintes tipos de questões:
✓ verificação de leitura, narrativa;
✓ elementos da narrativa;
✓ temas que a obra aborda;
✓ comparação entre obras.
Mas não deixe de ficar atento também para esses outros itens, que inclusive ajudam a entender
melhor o texto:

✓ questões a partir de comentário de crítico literário;


✓ relação entre obra e movimento literário;
✓ contexto.

1.Parâmetros iniciais - Spoiler

Spoiler,
NÂOOOOO!!!

Calma, corujinha leitora, nesse caso, o spoiler não vai doer. Até porque não estamos diante
de uma obra convencional. Fruto de um blog pessoal, “Mundo Perfeito”, o livro Cadernos de
Memórias Coloniais de Isabela de Figueiredo é isso mesmo, um texto fragmentado de memórias,
que seduzem muito mais por cada memória registrada do que pela história que, por detrás da
memória, dá vida às lembranças.
A escritora portuguesa nasceu na cidade que hoje se chama Maputo e que na época do
seu nascimento era conhecida como Lourenço Marques. Viveu lá até os 13 anos, quando, devido
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à guerra de independência de Moçambique, seus pais mandam a filha para a segurança de
Lisboa. Ela registra suas memórias familiares, sua trajetória subjetiva de passagem da infância
para adolescência em um país que estava se transformando rapidamente, a mudança repentina
ocorrida em Portugal e Moçambique e sua relação como o pai.
Aliás, nessa relação aparece a grande traição, uma outra linha narrativa. O desejo dele era
que a filha pudesse mostrar ao mundo a história da injustiça sofrida pelos colonos brancos na
guerra pela independência e a autora registra, na verdade, uma releitura crítica do colonialismo
colocando o dedo na ferida de um país marcado pela brutalidade colonial sobre a qual nem “os
retornados”, como os colonos que fugiram de Moçambique eram chamados, nem os portugueses
da metrópole queriam discutir.
O encanto do livro está justamente em manter todas as pontudas ambiguidades expostas,
sem varrer para debaixo do tapete da história todas as culpas e arrogâncias possíveis numa
relação de exploração típicas do sistema colonial. Seu pai é racista, mas tem respeito aos negros
trabalhadores, e ama a vida. Ela admira seu pai, tem arroubos racistas também e sentimento de
culpa. Percebe criticamente a injustiça na relação entre brancos e negros, o que, ao mesmo
tempo, não apaga um sentimento nostálgico de tempos saudosos.
Sobre o próprio texto, a autora faz um comentário interessante no prólogo do livro.
O Caderno de memórias coloniais relata a história de uma
menina a caminho da adolescência, que viveu essa fase da vida no
período tumultuoso do final do Império colonial português. O cenário
é a cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo, espaço no qual se
movem as duas personagens em luta: pai e filha. São símbolos de um
velho e de um novo poder; de um velho mundo que chegou ao fim,
confrontado por uma nova era que desponta e exige explicações. A
guerra dos mundos em 1970.
Mas o Caderno transcende as questões de poder colonial, racial,
social e de género, transformando-se, também, numa narrativa de
amor filial conturbado e indestrutível. Segue o percurso sensual e
iniciático da menina que descobre o seu corpo e os alheios. É uma
história de perda, na qual uma rapariga cujo percurso autónomo se
adivinha, sente e mostra a necessidade de desenvolver a resistência
máxima, e de crescer depressa, para garantir a sobrevivência, testada
ao atravessar a realidade hostil da colonização e da descolonização,
primeiro em Moçambique, depois em Portugal, para onde é enviada
sozinha.

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Boa pergunta. Ela é portuguesa, por dois motivos. O primeiro tem a ver com a própria
política de naturalidade. Em Portugal, reconhece-se a nacionalidade originária pelo critério do
jus sanguini, ou seja, se os pais ou mesmo um dos pais for português, o rebento será também
lusitano de raiz. Mas não é só por isso que a defini como portuguesa, mas pela sua própria
experiência. Ele conta a história dos retornados, dos colonos que exploravam os negros e a
riqueza do pais africano. Sendo assim, sua perspectiva não assume os traços da cultura nativa,
por mais que ela amasse a terra.
Só a título de comparação, basta observar a trajetória de outro escritor, esse sim
moçambicano, pela forma com que assumiu o destino do país como sendo seu: Mia Couto. Esse
autor também era filho de portugueses, mas seu pai foi um defensor da libertação de
Moçambique e o próprio Mia Couto se filiou à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
Em 1975, ano da independência do pais, ele almejava subir a bandeira do seu país, agora livre.

1.1 Quem?
Isabela Figueiredo nasceu em Lourenço
Marques, Moçambique em 1963, e veio para Portugal em
1975 na condição de retornada. Foi viver com a avó,
ficando separado dos seus pais, que ficaram em
Moçambique, durante 10 anos. O seu pai era eletricista.
Figueiredo é licenciada em Línguas e Literaturas
Lusófonas pela Universidade Nova de Lisboa e possui uma
especialização em Estudos de Gênero pela Universidade
Aberta de Lisboa. Publicou seus primeiros textos em 1983
no DN Jovem, suplemento já extinto do Diário de Notícias.
Em 1988 ganhou seu primeiro prémio na Mostra
Portuguesa de Artes e Ideias com a obra publicada sobre o
nome Isabel Almeida Santos: Conto é Como Quem Diz. A autora trabalhou como jornalista no
Diário de Notícias entre 1989 e 1994 e também como professora de Ensino Médio na Margem Sul
de Lisboa entre 1985 e 2014.
Em 2009, publicou a obra autobiográfica Caderno de Memórias Coloniais a qual foi eleita
em 2010 como uma das obras mais relevantes da década pela escritora Maria da Conceição
Caleiro e pelo ensaísta Gustavo Rubim no especial publicado pela revista de cultura Ípsilon
(suplemento de artes do jornal Público).
Ainda em 2010, recebeu o prémio de melhor livro do ano com Caderno de Memórias
Coloniais. Seu romance A Gorda (2016) foi considerado um dos dez melhores livros de 2016 pela
revista online Espalha-Factos e venceu o Prémio Literário Urbano Tavares Rodrigues 2017
(Fonte Wikipedia)

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2. Contexto Histórico

A história já é velha conhecida de qualquer brasileiro, mas deve ser entendida pelo avesso.
O Brasil, durante muito tempo, foi a colônia-mor de Portugal. O projeto colonial significou a
construção de um aparato burocrático e a transferência de população de tal forma que se pode
dizer que a cultura europeia foi transposta para o trópico quase sem resistência dos nativos.
Na África, a história foi outra. A região de Moçambique era utilizada para extrair matéria
prima de negros para o comércio negreiro. Portugal encontrou resistência no interior e não
montou um aparato burocrático que desse unidade à colônia como aconteceu no Brasil. Somente
depois da perda da colônia brasileira, em 1822, é que Portugal se voltou para a África para realizar
um projeto semelhante ao que ocorreu do lado de cá do Atlântico.
Em 1930, instala-se a ditadura de Salazar, a ditadura mais longa do século XX na Europa, e
o nacionalismo lusitano se volta para as possessões em África. Por volta de 1950, o governo
autoritário estimula a ida de portugueses pobres para Moçambique e Angola. Era uma forma de
assegurar o controle da colônia, num momento em que outros países da África tornavam-se
independentes. Além disso, permitia ao governo de Salazar uma saída para os milhares de pobres

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portugueses que não tinham grandes perspectivas num país atrasado politicamente e estagnado
economicamente.
Esse é o contexto em que ocorrem os eventos apresentados no livro. Basicamente a
história se passa entre as décadas de 1960 e 1970, quando as tensões entre colônia e metrópole
se acirram.

Era uma vez um continente que seguia a


sua vida tranquila até o encontro com
povos vindo de outro mundo. Eram
brancos, fedidos (não gostavam de tomar
banho) e pareciam interessados naquilo
que a mãe África oferecia. Logo
começaram os saques, que a bem dizer,
tinham forma de trocas comerciais
bastante agressivas.
A ambição desses brancos não parou por aí.
Eles tinham tecnologia bélica invejável e
repartiram a África como se fosse deles. Um
desses povos, o português, apossou-se de
Moçambique. Foram chegando brancos
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ilha_de_Mo%C3%A7ambique#/media que se tornaram donos de terras e de
/Ficheiro:1598_Mosambique_Kaerius.jpg
serviços que
trouxeram mudanças e dizem que “progresso” para o povo.
Mas a diferença entre nativos e forasteiros era enorme. Os últimos eram donos das
propriedades e, mesmo que um negro se tornasse também proprietário, jamais receberia um
tratamento que a pele, aclarada, por si só poderia fornecer.
Então as coisas ficaram assim. Os brancos ou até morenos portugueses tinham
comodidades e respeito e os negros eram enxotados e tratados como homens de segunda
categoria. Um negro não olhava diretamente nos olhos do branco, abaixava a cabeça e ocupava
o seu lugar. Os brancos, por sua vez, encorajados por um sistema de repressão que os valorizava,
podiam ter direitos que aos outros eram vedados.

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Mas daí os outros países da África começaram a se tornar independentes. Era o começo
de 1960. Moçambique começava a se agitar.
Nem é preciso falar da insatisfação dos
negros: as terras não eram deles, embora
fossem os nativos, serviam como mão de
obra e nem eram respeitados por isso. E no
começo da daquela década, até mesmo os
colonos brancos de Moçambique
começaram a se revoltar. A mão forte do
https://www.novacultura.info/post/2018/09/24/a-frelimo-e-o-povo- Estado lusitano com impostos pesados
mocambicano-em-armas exasperava os produtores, além disso, essa
nova geração de nascidos em Moçambique
já defendia a nação africana ante os gajos da metrópole.
Em 1964, surge a Frente de Libertação
de Moçambique (FRELIMO). O movimento é
heroico. A partir da base em outros países da
África, os revolucionários começam uma
guerra de guerrilhas e aos poucos vão
tomando algumas cidades. A metrópole
contra-ataca, chegam soldados que são
deslocados para ao norte, para impedir o
avanço das forças hostis. Mas ninguém para
o ritmo da história. Os ventos democráticos https://www.wattpad.com/316372944-a-menina-que-veio-da-
derrubam os governos autoritários e o %C3%A1frica-a-guerra-colonial-em
salazarismo fica isolado. Em 1970, Salazar
morreu e o poder caiu no colo de Marcelo Caetano. Começa o período conhecido como
Marcelismo, um governo demagógico com verniz generalizante.
O marcelismo não conseguiu fazer frente à FRELIMO em Moçambique. Em 1974, o governo
português assina com os rebeldes a transferência de poderes para uma equipe mista composta
de representantes dos colonos e dos negros . Isso ocorreu no dia 7 de setembro, o que provocou
enorme alvoroço entre moçambicanos negros e brancos. Os últimos acreditaram que poderiam
tomar o governo local mantendo as mesmas condições sociais. Ledo engano.
Em 25 de abril, a mais longa ditadura da Europa ruiu. A Revolução dos Cravos em Portugal
devolve o estado de direito ao lusitanos. Os reflexos na África foram imediatos. Em
25 de junho de 1975, finalmente, Moçambique conquista a independência com um
governo dirigido pela FRELIMO e pró-nativos. Uma onda de violência e revolta varre
o país numa espécie de revanchismo contra o opressor branco. Os colonos, para
Figura :Pixabay

salvar suas vidas, abandonam o país e voltam para Portugal, ficam conhecidos
como os retornados.
O contexto histórico marcante e determinante do que vai acontecendo na
vida da narradora aparece como pano de fundo.

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Não descrevo uma terra ignorando que nela existia uma guerra.
Havia uma guerra, mas não era perceptível a sul; não sabíamos
como tinha começado, ou para que servia exatamente. Pelo menos,
até ao 25 de Abril, não se falou disso na minha presença. Nem se
evitou falar. Havia guerra porque havia turras. Havia turras porque
a natureza humana era maldosa e insatisfeita. A maldade existia em
todo o lado e restava-nos lutar contra ela. Daí os soldados.
Ela pouco fala de política. Os eventos vão acontecendo. No começo das memórias, ela
descreve o cotidiano de quem mora em Lourenço Marques. As impressões vão se alterando. As
impressões mudam. A narradora começa a falar do medo do pai e de cenas alteradas do
cotidiano. Em dado momento, o pai fala de suas esperanças de que o governo de 1974 instaure
um certo poder branco. Segue-se o desespero para conseguir que pelo menos a filha saia de
Moçambique.
Há algumas partes sobre esse momento que consideram as tentativas do pai, o embarque,
a viagem e a chegada em Portugal. Onde começa um nova vida.
A História no cadernos surge como um eco um pouco distante daquilo que evidentemente
impactava o cotidiano da menina.
Ah...A capital, que durante o período colonial se chamava Lourenço Marques, passa a se
chamar Maputo.

2.1 A história com “h” minúsculo: os vencidos


O que é que conta de fato para a vida da gente? A História com letra maiúscula, abstrata e
soberana ou a história do indivíduo concreto, escrita a sangue, suor e lágrimas? A história de
quem venceu a Segunda Guerra Mundial, ou a história do soldado que passou frio e fome na
frente de batalha sendo aliado ou nazista?
Pois é essa é a pergunta que, no século XX, começou a incomodar. Durante o século XIX, o
pensamento europeu entronizou o historicismo. Os pensadores como Hegel acreditaram que a
história humana andava como passo de bêbado sempre em
direção ao progresso. Dentro desse espectro, o indivíduo que
sofria com os movimentos históricos pouco importava, afinal a
civilização estava avançando....Para onde, cara pálida?
Em nome da civilização, os europeus saquearam o mundo e,
não exatamente por causa das boas intenções de transformar o
mundo em algo melhor. A Primeira Guerra Mundial expõe a
ganância europeia. A História talvez não seja progressiva. Ela é
resultado de lutas sangrentas, nas quais os mais fracos sucumbem
e são deixados no esquecimento. Walter Benjamin (1892-1940),
filósofo, expressa muito bem esse problema de letra maiúscula
Angelus novus, Paul Klee ou minúscula na história.
https://commons.wikimedia.org/

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Ele se vale da imagem do pintor Paul Klee para explicar o problema da história.
Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um
anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente.
Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas.
O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o
passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma
catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as
dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos
e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e
prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-
las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual
ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu.
Essa tempestade é o que chamamos progresso.1
É, a perspectiva de Benjamin não é lá muito elogiosa em relação à grande História. Mais
importante ainda, é que esse autor influenciou bastante a teoria literária e a própria literatura.
A escrita memorialista daqueles que viveram a ruína passa a ser a parte da história sobre a qual
a literatura tem muito a dizer.

2.2. Caderno de Memórias e a(s) história(s)


Esqueça o politicamente correto. A história está lá cheia de preconceitos, ideias e
sentimentos que desapareceram com seus autores. Nesse sentido, o Caderno de Memórias é
sensacional. A autora não desvia do tema do preconceito, mas também não esconde o quão ele
estava incrustrado nela mesma. A história dela, aliás, pode ser contada como a do despertar de
uma consciência de uma menina/mulher que vai percebendo a dor e a delícia das relações
humanas em toda sua complexidade histórica.
Seu pai é um colono branco, boa gente com os pretos, até onde se poderia ser sendo
branco e patrão. Preconceituoso e machista. Apesar disso, a construção desse personagem pelo
olhar da filha que idolatra o pai não esconde nem os defeitos desse homem comum, nem suas
críticas. O texto vai explorando as ambiguidades de quem vivia em meio a uma realidade hostil,
seja a do negro que enfrenta o branco, seja do colono português que é um remediado em
Moçambique, mas um pé-rapado em Portugal.
Nesse caso, o texto da autora junta um momento Histórico com “H” maiúsculo e o
cotidiano dessas gentes que viveram efetivamente esse momento. Pode-se dizer que estamos
diante de uma literatura que ganha dimensão política, por um lado, e por outro, um texto que
registra o trauma.

1 BENJAMIN, Walter. "Sobre o Conceito de História" (1940). In: Obras Escolhidas, v. I, Magia e técnica, arte e política.

Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 226.

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Em relação à política, a própria autora se admira do silêncio dos retornados. Era um
silêncio do poder. Havia algo de vergonhoso no colonialismo e na submissão imposta aos negros
que a revolução moçambicana expunha. O poder desumano da metrópole, que agora ficava
desnudo. Denunciar e não esquecer significava minar as bases de qualquer poder político que se
baseie no nacionalismo calcado em qualquer tipo de superioridade. Segundo Jeanne Marie
Gagnebin, em Lembrar escrever esquecer, a lembrança mediada pela memória pessoal introduz
uma ausência – o fato vivenciado – no presente, dando novas significações ao aqui e ao agora.
Não esquecer, nesse caso, significa lutar contra a repetição do horror.
Esse horror vivenciado deixa um trauma, uma experiência difícil de ser traduzida numa
linguagem que se seja capaz de simbolizar eventos que, para muitos deveriam ser esquecidos.
Contudo, como Freud já tinha demonstrado, aquilo que é recalcado volta como força inconsciente
capaz de provocar efeitos muito mais sinistros do que se pode supor. A fala, nesse caso, por mais
vergonhosa que seja, tem o efeito de um remédio e é capaz de fazer com que o leitor que não
viveu aquele momento experimente em si todas as ambiguidades históricas das quais não se
poderia escapar de lá, naquela época, o leitor tivesse vivido. Afinal, uma pergunta fica na cabeça
de qualquer leitor, como não ser o pai bonachão da narradora: se fossemos brancos, pobres,
portugueses com a oportunidade de viver uma vida boa num lugar onde negros eram os
trabalhadores?
A autora deixa isso explícito quando no prólogo do livro, quando discute a necessidade
de se falar sobre o passado
Do ponto de vista pessoal não havia motivos para evitar estas
revelações. A minha luta interior, pessoal, tinha acabado. Depois, e isto
já é a minha costela cristã, que herdei do meu pai, a fazer das suas: ele
não se confessou antes de morrer, e eu quero realizar essa concessão
em seu nome, e ao fazê-lo, como sua principal acusadora, que fui,
gostaria que também me fosse facultado o poder de o absolver. Quero
acreditar que o tenho. Este livro serve para lhe dizer isso: ok, vai em
paz, estás absolvido! Agora, cá me arranjo eu com o resto!
Juntar a grande História com a particular, entender os traumas e as vivências, eis uma
das grandes linhas do livro que podem ser exploradas pelo vestibular. Como exemplo, de como
isso pode ser cobrado, seguem-se algumas questões como aperitivo para essa obra
despretensiosa e de encantadora.

2.3 Questões de fixação

Questão 1.
A comida abundava, bem como o trabalho. Falavam muito das suas terras, mas não queriam
regressar. Estavam bem. Estavam felizes. Ao domingo pegavam nos carros e conduziam
quatrocentos quilómetros para norte ou sul para almoçar num sítio que não conheciam, mas
que devia ser lá longe, sempre em frente. Na machamba, longe.

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E depois esse tempo acabou, de repente, como um relâmpago rachando a planície.

(Figueiredo, Isabela. Caderno de memórias coloniais)

A partir da leitura desse fragmento e dos seus conhecimentos sobre a obra e a época histórica,
assinale a alternativa correta.
a) Esse saudosismo expresso no fragmento expressa a concepção da própria narradora, que
considerava feliz o tempo em que viveu em Moçambique, sem qualquer ressalva.
b) O fragmento manifesta uma faceta do pacto colonial, época em que brancos eram felizes
porque poderiam explorar os trabalhadores e a terra, e os negros estavam bem porque tinham
trabalho.
c) O trecho manifesta uma das facetas da escrita da autora: a ironia. Na verdade, nesse trecho,
ela manifesta justamente o contrário: a carência de um povo que era explorado pela metrópole.
d) A autora, nesse caso, assume a perspectiva que ela tinha quando criança, quando ainda não
conseguia perceber plenamente que toda essa fartura era conseguida pela exploração dos negros.
e) O trecho se refere àqueles, como o pai da narradora, que não queriam regressar, mesmo
depois da Independência.

Questão 2.
Percebi que os colonos desejavam a independência, mas sob poder branco. Eventualmente,
partilha de funções administrativas com um ou outro mulato educado, maleável. A FRELIMO era
indesejada. Aquela terra não seria para os negros nem para a metrópole, mas para os brancos
que ali viviam. Seria uma independência branca; pretendia-se erguer um sucedâneo de África do
Sul-Califórnia-portuguesa.
(Figueiredo, Isabela. Cadernos de memórias coloniais).

Esses fragmento faz referência a qual momento histórico de Moçambique?

a) Ao marcelismo, período em que entre 1968 e 1970, quando Salazar já não governava de fato
e Marcelo Caetono proporcionou uma abertura que elevou Moçambique a condição de província
ultra-marina.
b) À fundação da Frelimo, com suas ações de guerra de guerrilhas.
c) À assinatura do acordo entre governo português de rebeldes em 1974, que reconhecia um
governo composto por brancos e negros.
d) À Independência de Moçambique, quando a Frelimo assume o comando.
e) Às ações de revanchismo que varrem Moçambique depois da Independência.

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3.
Era absolutamente necessário ensinar os pretos a trabalhar, para seu próprio bem. Para
evoluírem através do reconhecimento do valor do trabalho. Trabalhando, poderiam ganhar
dinheiro, e com o dinheiro poderiam prosperar, desde que prosperassem como negros... De
maneira que, ocasionalmente, aos sábados à tarde, o meu pai tinha de ir ao caniço procurar o
Ernesto.
Figueiredo, Isabela. Caderno de memórias coloniais . Todavia. Edição do Kindle.

Nesse trecho, observa-se


a) a postura filantrópica do pai, que se preocupava com os negros e fazia o que era possível para
ajudá-los a conquistar a dignidade.
b) a necessidade de se manter a autoridade para que os negros não se rebelassem.
c) uma certa concessão aos negros, reconhecendo um certo valor, mas dentro da configuração
colonial.
d) desprezo em relação ao negros, demonstrando crença na ideia disseminada de que eles eram
inferiores.
e) a concepção evolucionista, segundo a qual os europeus teriam a obrigação de promover um
processo civilizatório nas colônias.

Questão 4.
“Lá pela metrópole andam muito amiguinhos dos pretos!, mas que vejam bem quem eles são, e
a paga que nos deram por tudo o que aqui enterrámos, e era nosso; esta cidade, o trabalho, donde
comiam. É por ti que vão saber. Tens de contar. Conta a todos.”
(Figueiredo, Isabela. Caderno de memórias coloniais . Todavia. Edição do Kindle.)

A partir desse fragmento são feitas as seguintes afirmações.


I. Nesse fragmento aparece o motivo pelo qual a narradora afirma em outras partes da obra que
ela também foi uma traidora.
II. O pai da narradora, ao dizer que na metrópole andam muito amigos dos pretos, demonstra
seu descontentamento com os portugueses que aceitavam e até defendiam a descolonização da
África.
III. Há um ressentimento justo por parte de quem fez investimentos em Moçambique e estava
perdendo todas suas economias.

Assinale a alternativa correta.


a) Somente as afirmações I e II são corretas.

AULA 8 – Linguagem 16
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Obras Literárias :
b) As afirmações I e III são corretas
c) As afirmações II e III são corretas.
d) Somente a afirmação I é correta.
e) Somente a afirmação II é correta.

Gabarito

1. E
2. C
3. D
4. A

Questão comentada

Questão 1.
A comida abundava, bem como o trabalho. Falavam muito das suas terras, mas não queriam
regressar. Estavam bem. Estavam felizes. Ao domingo pegavam nos carros e conduziam
quatrocentos quilómetros para norte ou sul para almoçar num sítio que não conheciam, mas
que devia ser lá longe, sempre em frente. Na machamba, longe.
E depois esse tempo acabou, de repente, como um relâmpago rachando a planície.

(Figueiredo, Isabela. Caderno de memórias coloniais)

A partir da leitura desse fragmento e dos seus conhecimentos sobre a obra e a época histórica,
assinale a alternativa correta.
a) Esse saudosismo expresso no fragmento expressa a concepção da própria narradora, que
considerava feliz o tempo em que viveu em Moçambique, sem qualquer ressalva.
b) O fragmento manifesta uma faceta do pacto colonial, época em que brancos eram felizes
porque poderiam explorar os trabalhadores e a terra, e os negros estavam bem porque tinham
trabalho.
c) O trecho manifesta uma das facetas da escrita da autora: a ironia. Na verdade, nesse trecho,
ela manifesta justamente o contrário: a carência de um povo que era explorado pela metrópole.
d) A autora nesse caso, assume a perspectiva que ela tinha quando criança, quando ainda não
consegui perceber plenamente que toda essa fartura era conseguida pela exploração dos
negros.

AULA 8 – Linguagem 17
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
e) O trecho se refere àqueles, como o pai da narradora, que não queriam regressar, mesmo
depois da Independência.
Comentário.
Alternativa "a" está incorreta. A narradora percebe a injustiça com que eram tratados os negros
e se entristecia com isso, portanto, não há saudosismo sem ressalvas.
Alternativa "b" está incorreta. Os brancos realmente estavam bem porque poderiam explorar a
mão de obra negra, mas os negros não viviam bem, eram humilhados em sua própria terra.
Alternativa "c" está incorreta. O trecho não é irônico. A narradora não está falando dos negros
e usando da ironia para falar o contrário. Ela está falando de como se sentiam os brancos em
Moçambique.
Alternativa "d" está incorreta. Mesmo quando criança, ela percebia que algo não estava certo
em relação àquela exploração, por isso em alguns momentos ela fala de branca com alma de
preta.
Alternativa "e" está correta. O pai da narradora e seus conhecidos eram remediados e vivam
bem e eram felizes em Moçambique. Não queriam retornar, não seriam nada em Portugal.
Gabarito: E

Questão 2.
Percebi que os colonos desejavam a independência, mas sob poder branco. Eventualmente,
partilha de funções administrativas com um ou outro mulato educado, maleável. A FRELIMO era
indesejada. Aquela terra não seria para os negros nem para a metrópole, mas para os brancos
que ali viviam. Seria uma independência branca; pretendia-se erguer um sucedâneo de África do
Sul-Califórnia-portuguesa.
(Figueiredo, Isabela. Cadernos de memórias coloniais).

Esses fragmento faz referência a qual momento histórico de Moçambique?

a) Ao marcelismo, período em que entre 1968 e 1970, quando Salazar já não governava de fato
e Marcelo Caetono proporcionou uma abertura que elevou Moçambique a condição de
província ultra-marina.
b) À fundação da Frelimo, com suas ações de guerra de guerrilhas.
c) À assinatura do acordo entre governo português de rebeldes em 1974, que reconhecia um
governo composto por brancos e negros.
d) À Independência de Moçambique, quando a Frelimo assume o comando.
e) Às ações de revanchismo que varrem Moçambique depois da Independência.
Comentário.

AULA 8 – Linguagem 18
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
Alternativa "a" está incorreta. No período do marcelismo, efetivamente pouco se alterou na
colônia, a situação não permitiu qualquer abertura para que os colonos brancos pensassem em
independência branca.
Alternativa "b" está incorreta. A fundação da Frelimo tem a ver com o poder negro, não com as
aspirações dos colonos brancos.
Alternativa "c" está correta. A assinatura do acordo entre o governo português e os rebeldes fez
os colonos brancos pensarem que poderiam tomar o poder e manter o jugo sobre os negros.
Alternativa "d" está incorreta. Depois da Independência e já com a Frelimo no poder, nenhum
colono acredita ser possível o projeto do poder branco.
Alternativa "e" está incorreta. O revanchismo é a prova de que não é possível manter o mesmo
sistema de exploração dos negros.
Gabarito: C
3.
Era absolutamente necessário ensinar os pretos a trabalhar, para seu próprio bem. Para
evoluírem através do reconhecimento do valor do trabalho. Trabalhando, poderiam ganhar
dinheiro, e com o dinheiro poderiam prosperar, desde que prosperassem como negros... De
maneira que, ocasionalmente, aos sábados à tarde, o meu pai tinha de ir ao caniço procurar o
Ernesto.
Figueiredo, Isabela. Caderno de memórias coloniais . Todavia. Edição do Kindle.

Nesse trecho, observa-se


a) a postura filantrópica do pai, que se preocupava com os negros e fazia o que era possível
para ajudá-los a conquistar a dignidade.
b) a necessidade de se manter a autoridade para que os negros não se rebelassem.
c) uma certa concessão aos negros, reconhecendo um certo valor, mas dentro da configuração
colonial.
d) desprezo em relação ao negros, demonstrando crença na ideia disseminada de que eles eram
inferiores.
e) a concepção evolucionista, segundo a qual, os europeus teriam a obrigação de promover um
processo civilizatório nas colônias.
Comentário.
Alternativa "a" está incorreta. A procura pelo trabalhador não era um atitude filantrópica, mas
autoritária de quem obrigava o outro a trabalhar.
Alternativa "b" está incorreta. Essa expressão também servia para justificar o lugar do negro,
mas isso de forma indireta. O primeiro movimento era considerá-lo inferior.
Alternativa "c" está incorreta. Não se percebe, nesse fragmento, nenhuma concessão ao negro.

AULA 8 – Linguagem 19
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Obras Literárias :
Alternativa "d" está incorreta. A crença na inferioridade dos negros era providencial, permitia
que os colonos justificassem a si mesmos como necessários. Eles teriam o papel de ensinar os
pretos, mas para isso precisavam dominar.
Alternativa "e" está incorreta. Não se percebe no texto qualquer insinuação de proximidade
entre os negros e os animais, pelo menos nesse trecho. A justificação que o pai encontrava para
considerar normal seu autoritarismo era relacionada ao trabalho.
Gabarito: D

Questão 4.
“Lá pela metrópole andam muito amiguinhos dos pretos!, mas que vejam bem quem eles são, e
a paga que nos deram por tudo o que aqui enterrámos, e era nosso; esta cidade, o trabalho,
donde comiam. É por ti que vão saber. Tens de contar. Conta a todos.”
(Figueiredo, Isabela. Caderno de memórias coloniais . Todavia. Edição do Kindle.)

A partir desse fragmento são feitas as seguintes afirmações.


I. Nesse fragmento aparece o motivo pelo qual a narradora afirma em outras partes da obra que
ela também foi uma traidora.
II. O pai da narradora ao dizer que na metrópole andam muito amigos dos pretos, demonstra
seu descontentamento com os portugueses que aceitavam e até defendiam a descolonização
da África.
III. Há um ressentimento justo por parte de quem fez investimentos em Moçambique e estava
perdendo todas suas economias.

Assinale a alternativa correta.


a) Somente as afirmações I e II são corretas.
b) As afirmações I e III são corretas
c) As afirmações II e III são corretas.
d) Somente a afirmação I é correta.
e) Somente a afirmação II é correta.
Comentário.
Afirmação I está correta. O pai pedira para que ela escrevesse a versão da vitimização dos colonos
brancos. Em seu livro, ela faz o contrário e mostra claramente a injustiça do sistema colonial.
Traiu o pai. No trecho, aparece o pedido do pai, que ela não atendeu.
Afirmação II está correta. A partir da década de 1960, cresce um movimento em Portugal de
repúdio ao colonialismo. A geração de 1960 e 1970 solidariza-se com o sofrimento dos negros.

AULA 8 – Linguagem 20
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Obras Literárias :
Afirmação III está incorreta. O ressentimento não é justo. A terra era dos negros. Os brancos
instalaram um sistema colonial e humilhavam diariamente os verdadeiros donos da terra. Além
disso, considerando a história do pai da narradora, não houve investimento. Ele trabalhava e, com
a exploração dos empregados, ganhava uma quantia que lhe permitia viver bem.
Gabarito: A

3. Questões literárias e sociológicas


No caso da literatura dos países colonizados, a questão literária extrapola o domínio da
pura literatura e linguagem. Digamos que a literatura é o lugar privilegiado, dentro da cultura,
para circulação de ideias e imagem que servem como um símbolo de uma determinada
perspectiva sobre um povo. No momento em que altera como uma nação se vê a si mesma, a
literatura torna-se um campo de batalha.
Eu sei, ficou muito abstrato!
Nada como o nosso exemplo tupiniquim. Até a independência do Brasil, as imagens que se
produziam sobre a nação tinham como ponto de referência o português, para quem o brasileiro
era um arremedo mal talhado do que seria o europeu. Essa perspectiva fica bem demarcada na
poesia de Gregório de Matos, que chega a mencionar que o Brasil é monturo (lixo) de Portugal.
Uma certa perspectiva de brasilidade aflora já no final do século XXIII. Basta lembrar o
profundo vínculo entre os poetas árcades do núcleo mineiro e a Inconfidência. Com
Independência, surge a necessidade de se distanciar da metrópole e forjar uma identidade social
que possa dar orgulho para o nativo do gigante adormecido. Escritores como Gonçalves Dias e
José de Alencar exaltarão a terra brasileira e suas gentes. O indianismo surge como forma de criar
um mito nacional que poderia sintetizar o que temos de diferente de Portugal.
Segundo o crítico literário, essa necessidade de se discutir uma identidade nacional é típica
das ex-colônias. O Brasil só se curou disso na literatura na década de 1930, quando uma sociologia
brasileira e consistente começou a produzir análises do “ser nacional” que dispensaram a
literatura de se ocupar disso.
Na África, a situação se repetiu. Os rebeldes de Angola ou Moçambique valiam-se da
poesia ou da literatura como forma de expressar um ideal nativo que deveria aglutinar os
africanos contra a opressão da metrópole.
Depois da libertação, a literatura que se produziu tentava reconstituir uma identidade que
já não era mais do africano das aldeias e tampouco poderia ser a da imitação do colonizador. Mia
Couto, autor moçambicano, com maestria conta a história de um jovem que não sabe quem é,
numa metáfora dessa África que deve fazer-se a si mesma, no romance Terra Sonâmbula.
E nesse contexto, encontramos essa pérola de Isabela Figueiredo. Normalmente, a
questão colonial passa a ter como ponto central a questão da representação: como aquele que
era representado vai representar a si mesmo? Como os negros africanos vão desenhar a si
mesmos depois que o olhar dos portugueses deixou de fazer sentido? Mas o texto da autora, que
AULA 8 – Linguagem 21
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Obras Literárias :
nasceu em Moçambique, mas é portuguesa, traz outra perspectiva bastante rara em literatura: o
olhar do colonizador, que se sente também colonizado e está na intersecção desses olhares.
Parece uma menina no meio do furacão. Sobre sua cabeça se abatem as ideias do seu pai,
que já se sabia uma no papel colonizador remediado, ou seja, um branco com vida de negro,
cujas regalias só se sustentavam por estar na colônia. Intui a culpa por perpetuar um modo de
vida injusto. Sente-se em alguns momentos tentada a sentir o orgulho da branca superior. É
atropelada pelo ressentimento revanchista dos revoltosos negros. Ama Moçambique e seu pai.
Nesse sentido, trata-se de uma obra que registra a culpa pelo racismo de uma maneira
própria da literatura do fim do século XX e começo do XXI, uma literatura pós moderna.

3.1 Anatomia do racismo estrutural


Quando se fala de racismo no Brasil , o tema mexe
com paixões nacionais e mazelas tradicionais. Como
em Portugal, tenta-se esquecer do passado; no nosso
caso, o escravagista que deve ser página virada. Por
outro lado, práticas racistas se mantêm, num país em
que a cor “parda” parece predominar e fazer de todos
os gatos pardos discutíveis objetos de discriminação,
pelo menos para quem não é pardo e não sofre de
humilhação pela cor da pele.
Por esses motivos, quando se fala de racismo estrutural, tudo parece ficar nebuloso. O que
é isso? Ora, Isabela Figueiredo, nesse sentido, parece mostrar, no tubo de ensaio moçambicano,
como esses indivíduos que vivem num meio marcado por práticas de humilhação absorvem por
“osmose” social formas de agir, que penetram até o tutano das relações sociais.
Afinal, o que é racismo estrutural? Racismo estrutural é o termo usado para reforçar o fato
de que há sociedades estruturadas com base na discriminação que privilegia algumas populações
em detrimento das outras a partir da categoria raça.
Dentro do sistema capitalista, a produção industrial se assentava na divisão entre o
burguês, que era dono da indústria, e os operários que, por não possuírem outro meio de
sobrevivência, tinham que vender sua força de trabalho. Essa realidade estrutura as sociedades
europeias pós-revolução industrial. Surgem os direitos
trabalhistas, os sindicatos, as instituições de regulação do
trabalho, estabelecem-se valores comportamentais
típicos de uma classe e outra e produz-se toda uma gama
de instituições que deverão dar conta dessa realidade e
que deixam marcas na maneira das pessoas pensarem e
agirem. A estrutura é a relação inicial de produção. No
caso do Capitalismo europeu, essa estrutura não apagou
a ideia de direitos humanos atribuídos não só aos
Figura :Pixabay

burgueses como também aos operários.

AULA 8 – Linguagem 22
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A estrutura nas colônias escravocratas ou fornecedoras de escravos como as africanas era
outra. A mão de obra era composta de indivíduos aos quais foram negadas as condições de seres
humanos. A relação entre Senhor e escravo era direta e baseada em violência e desprezo, cujo
rótulo “negro” tinha que ser constantemente colocado em circulação para justificar tamanha
crueldade. Essa estrutura de produção deixa marcas profundas na sociedade. Não foram criadas
instituições de direitos humanos, porque não havia “humanos”; a elite acostumou-se a mandar,
a matar inclusive, sem ter que responder por seus atos; criou-se uma possibilidade de usar forças
públicas em favor de uma elite que entendia ser a missão do Estado a captura dos negros
perigosos.
Findo o comércio de escravos, outra estrutura econômica tomou lugar, seja no Brasil ou
em Moçambique. Mas a maneira de se tratar o negro se incrustou de tal maneira na cultura que
formas preconceituosas, até certo ponto atenuadas, mantêm-se no cotidiano social. No Brasil,
essa maneira de agir foi sendo combatida, mas não desapareceu. Permanece latente num racismo
não assumido ou dito entre dentes por iguais.
Em Moçambique, os valores decorrentes das estruturas políticas-econômicas montadas
nos séculos anteriores circulavam explícitos nos discursos dos colonos brancos . Em pelo menos
4 tópicos, é possível perceber as formas que o racismo estrutural assume na cultura: em relação
à sexualidade; a animalidade corporal; a servidão e submissão e a preguiça.

Sexualidade

A imagem que foi sendo construída pelos colonizadores partia do pressuposto de que os
colonizados não eram “civilizados”, isso significava que não eram racionais o suficiente para
reprimir os desejos sensuais. Isso, aliado à moral cristã, na qual o sexo é sinônimo de pecado,
leva os colonos a enxergarem os negros sempre a partir da perspectiva da devassidão. Aliás, é a
partir desse tópico que a autora abre o livro.

As pretas tinham a cona larga e essa era a explicação para parirem Cona: órgão sexual
como pariam, de borco, todas viradas para o chão, onde quer que feminino.
fosse, como os animais. A cona era larga. A das brancas não, era
estreita, porque as brancas não eram umas cadelas fáceis, porque à
cona sagrada das brancas só lá tinha chegado o do marido, e pouco, e Avaliação moral das
com dificuldade; eram muito estreitas, portanto muito sérias, e negras; inferioridade
convinha que umas soubessem isto das outras. Limitavam-se ao moral, devassidão.
cumprimento das suas obrigações matrimoniais, sempre com
sacrifício, pelo que a fornicação era dolorosa, e evitável, por isso é que
os brancos iam à cona das pretas. As pretas não eram sérias, as pretas

AULA 8 – Linguagem 23
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tinham a cona larga, as pretas gemiam alto, porque as cadelas
gostavam daquilo. Não valiam nada.

(Figueiredo, Isabela. Caderno de memórias coloniais . Todavia. Edição do Kindle)

Animalidade corporal

O racismo estrutural fica explícito nos comentários que afirmam a inferioridade do negro
devido à sua proximidade como os animais. Essa era uma forma de justificar a superioridade
branca e a licença para a exploração daqueles que deveriam ser conduzidos pelo uso restrito da
razão. Em vários pontos do livro, a autora vai registrando a opinião que as pessoas tinham dos
africanos.

Os bebés dos brancos não tinham fome, nem se viam bem, encafuados
em roupas e cestinhas forradas. Observe a
(...) diferença. O branco
é envolto em panos;
Os bebés negros eram uma carne animal que demorava a acordar, que o negro tem
se ia criando às costas, sugando calor do sol e da mãe, respirando o ar contato direto com
queimado do capim ardido pela noite, e o cheiro enjoativo das a mãe como um
hormonas maternas, a teta morna, mole, caída, doce, que filhote
abocanhavam toda. E depois, os meninos, nesse ventre fora do ventre, animal.
abriam os olhos, falavam, queriam andar, e andavam.

Servidão e submissão

A estrutura colonial levou brancos e negros e comportamentos diferenciados. O branco


deveria ser respeitado; o negro, menosprezado. Até mesmo na postura e no olhar, essa divisão
ficava evidente. Ao mesmo tempo, a rebeldia possível era sempre latente, dada a violência com
que os negros eram submetidos. Daí a formatação de uma relação social baseada no medo, a
ameaça negra. A qualquer momento, um negro poderia ser capaz de uma ato ilegal.

(...)olhar um branco, de frente, era provocação; baixar os olhos,


admissão de culpa. Se um negro corria, tinha acabado de roubar; se
caminhava devagar, procurava o que roubar.”
(Figueiredo, Isabela. Caderno de memórias coloniais . Todavia. Edição do Kindle.)

Preguiça

AULA 8 – Linguagem 24
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Obras Literárias :
Por fim, resta o último traço que servia como justificativa da relação de mando: o negro
não gostava de trabalhar. Essa ideia aprece em vários momentos na narrativa.
(...) e se os faziam trabalhar sete dias por semana, sem horário, era
apenas o legítimo tratamento de que precisavam os preguiçosos. Um
favor que o branco lhes fazia. Civilizar os macacos.
(Figueiredo, Isabela. Caderno de memórias coloniais . Todavia. Edição do Kindle.)

3.2 Os retornados
O retorno foi extremamente difícil.
Os colonos que foram para Moçambique e retornaram eram mal vistos na metrópole.
Depois de 1975, Portugal emergia de uma ditadura longa como um dos países mais pobres da
Europa. Os portugueses que ficaram em sua pátria encaravam o cotidiano de uma vida dura e
medíocre.
Os retornados vinham de um país em desenvolvimento e com potencial econômico. A
vivência em África, com as comodidades que os brancos tinham e com uma vida cultural mais
dinâmica, marcada pela confluência das culturas nativas com as ideias europeias, tornavam
Moçambique mais dinâmica que a própria metrópole.
No livro, a autora registra a forma jocosa como era recebida em Portugal. O que dá ideia
do difícil processo de descolonização seja para os negros, seja para os colonos brancos.
A metrópole era suja, feia, pálida, gelada. Os portugueses da
metrópole eram pequeninos de ideias, tão pequeninos e estúpidos e
atrasados e alcoviteiros. Feios, cheios de cieiro, e pele de galinha, as
extremidades do corpo rebentadas de frio e excesso de toucinho com
couves. Que triste gente! Divertiam-se a mofar connosco, atirando-nos
à cara que estava difícil, pois estava, que aqui não havia pretinhos para
nos lavarem os pés e o rabinho, que tínhamos de trabalhar, os
preguiçosos de merda, que nunca fizeram a ponta de um corno pela
vida, que nunca souberam o que era construir uma vida e perdê-la, os
tristes, os pequeninos, os conformados.
(Figueiredo, Isabela. Caderno de memórias coloniais . Todavia. Edição do Kindle)

3.3 Questões de fixação


Questão 5.
Para responder à próxima questão, observe o texto abaixo.
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,

AULA 8 – Linguagem 25
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Obras Literárias :
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas


Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valorosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Essas são as duas estrofes do longo poema de Camões, Os lusíadas. Logo no começo, o eu-lírico
manifesta traços típicos da mentalidade colonial. Comparando-se essa obra com sua perspectiva
e o livro Cadernos de memórias coloniais, são feitas as seguintes afirmações:
I. Os dois texto apresentam ufanismo em relação à Portugal, a diferença entre um e outro está
no grau de elogio da pátria, o texto de Isabela Figueiredo mais crítico, não fecha os olhos às
injustiças cometidas.
II. O tema do vício como uma licença para dominar está presente no Caderno de Memórias
assim como na segunda estrofe do poema de Camões.
III. O poema de Camões exalta os portugueses pelas navegações, ação histórica que exigiu “mais
do que prometia a força humana”; assim como em Caderno de memórias coloniais, destaca-se a
presença de espírito descomunal do colono, só que agora no contexto da colonização.

Assinale a alternativa correta.

a) Somente as afirmações I e II são corretas.

b) As afirmações I e III são corretas

c) As afirmações II e III são corretas.

d) Somente a afirmação I é correta.

e) Somente a afirmação II é correta.

Questão 6.
Considere as seguintes afirmações sobre Caderno de Memórias coloniais
I. Em um dos episódios a narradora, sabendo que vai ao cinema que era frequentado também
por negros, deixa o anel em lugar visível para que fosse visto por qualquer pessoa. Como era

AULA 8 – Linguagem 26
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Obras Literárias :
esperado, o anel some, para alívio da narradora que detestava o adereço e comprovando a
falta de honestidade dos negros.
II. O pai da narradora era bastante compreensivo com seus trabalhadores, como demonstra o
episódio em que ele vai até o lugar que Ernesto mora para saber sobre sua saúde.
III. A frase “os brancos iam às pretas”, logo no início do livro, já manifesta a questão racial nas
práticas sociais; as negras eram vistas como disponíveis enquanto as brancas eram as “sérias”.
Assinale a alternativa correta.

a) Somente as afirmações I e II são corretas.


b) As afirmações I e III são corretas
c) As afirmações II e III são corretas.
d) Somente a afirmação I é correta.
e) Somente a afirmação II é correta.

Questão 7.
“Então, ó Rebelo, não viu o peão, e matou-o?”
“Eu não, agente Pacheco, era noite, não havia luzes na picada, o gajo ia bêbado, e atirou-se-me
para cima da carrinha, o que é que você queria que eu fizesse?!”
“Que parasse, homem, que prestasse assistência ao preto!”
“Pensei que fosse só uma pancada, que o gajo acordasse dali a umas horas com a bebedeira
curada… seguia caminho pra palhota e nunca mais se lembrava disso. É pretalhada. Bebem até
cair, e depois lixam-nos a vida.”
“Vou fechar os olhos desta vez, mas veja se não se repete, ó Rebelo, que agora temos ordens da
metrópole…”
Esse diálogo, pelo sentido e pelo que se fala, ocorre entre:
a) o pai da narradora e a narradora.
b) entre uma autoridade e um colono.
c) entre o pai da narradora e um colono chamado Rebelo.
d) Entre dois trabalhadores do pai da narradora.
e) Entre o ajudante do pai da narradora e um negro trabalhador chamado Rebelo.

Gabarito

5. E
6. E
7. B

AULA 8 – Linguagem 27
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Obras Literárias :

Questão comentada

Questão 5.
Para responder `a próxima questão, observe o texto abaixo.
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas


Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valorosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Essas são as duas estrofes do longo poema de Camões, Os lusíadas. Logo no começo, o eu-lírico
manifesta traços típicos da mentalidade colonial. Comparando-se essa obra com sua perspectiva
e o livro Cadernos de memórias coloniais, são feitas as seguintes afirmações:
I. Os dois texto apresentam ufanismo em relação à Portugal, a diferença entre um e outro está
no grau de elogio da pátria, o texto de Isabela Figueiredo mais crítico, não fecha os olhos às
injustiças cometidas.
II. O tema do vício como uma licença para dominar está presente no Caderno de Memórias
assim como na segunda estrofe do poema de Camões.
III. O poema de Camões exalta os portugueses pelas navegações, ação histórica que exigiu “mais
do que prometia a força humana”; assim como em Caderno de memórias coloniais, destaca-se a
presença de espírito descomunal do colono, só que agora no contexto da colonização.

Assinale a alternativa correta.

a) Somente as afirmações I e II são corretas.

b) As afirmações I e III são corretas

AULA 8 – Linguagem 28
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
c) As afirmações II e III são corretas.

d) Somente a afirmação I é correta.

e) Somente a afirmação II é correta.

Comentário.
Afirmação I está incorreta. Ufanismo significa orgulho e exaltação da Pátria. Isabela de
Figueiredo não manifesta ufanismo nem em relação a Moçambique, nem a Portugal.
Afirmação II está correta. No poema, o eu lírico afirma “A Fé, o Império, e as terras viciosas/ De
África e de Ásia andaram devastando”, ou seja, a devastação se justifica pelas terras viciosas;
também no livro de Isabela Figueiredo, percebe-se que os colonos justificavam a exploração
pelo vício e preguiça dos negros.
Afirmação III está correta. Não há exaltação do colono como ser heroico de descomunal; ele
surge como um aproveitador dos recursos e do povo da terra.
Gabarito: E

Questão 6.
Considere as seguintes afirmações sobre Caderno de Memórias coloniais
I. Em um dos episódios a narradora, sabendo que vai ao cinema que era frequentado também
por negros, deixa o anel em lugar visível para que fosse visto por qualquer pessoa. Como era
esperado, o anel some, para alívio da narradora que detestava o adereço e comprovando a
falta de honestidade dos negros.
II. O pai da narradora era bastante compreensivo com seus trabalhadores, como demonstra o
episódio em que ele vai até o lugar que Ernesto mora para saber sobre sua saúde.
III. A frase “os brancos iam às pretas”, logo no início do livro, já manifestam a questão racial nas
práticas sociais; as negras eram vistas como disponíveis enquanto as brancas eram as “sérias”.
Assinale a alternativa correta.

a) Somente as afirmações I e II são corretas.


b) As afirmações I e III são corretas
c) As afirmações II e III são corretas.
d) Somente a afirmação I é correta.
e) Somente a afirmação II é correta.
Comentário.
Afirmação I está incorreta. Contrariando o senso comum, um negro da plateia procura pela dona
do anel e o devolve.
Afirmação II está incorreta. O pai da narradora era autoritário e estúpido com seus trabalhadores.
Ele vai atrás do Ernesto e com safanões e gritos o obriga a ir no outro dia para o trabalho.

AULA 8 – Linguagem 29
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Obras Literárias :
Afirmação III está correta. Os brancos consideravam as mulheres negras como desfrutáveis; isso
serve como pretexto para que as mulheres brancas se afirmem como sérias em contrapartida com
as nativas.
Gabarito: E
Questão 7.
“Então, ó Rebelo, não viu o peão, e matou-o?”
“Eu não, agente Pacheco, era noite, não havia luzes na picada, o gajo ia bêbado, e atirou-se-me
para cima da carrinha, o que é que você queria que eu fizesse?!”
“Que parasse, homem, que prestasse assistência ao preto!”
“Pensei que fosse só uma pancada, que o gajo acordasse dali a umas horas com a bebedeira
curada… seguia caminho pra palhota e nunca mais se lembrava disso. É pretalhada. Bebem até
cair, e depois lixam-nos a vida.”
“Vou fechar os olhos desta vez, mas veja se não se repete, ó Rebelo, que agora temos ordens da
metrópole…”
Esse diálogo, pelo sentido e pelo que se fala, ocorre entre:
a) o pai da narradora e a narradora.
b) entre uma autoridade e um colono.
c) entre o pai da narradora e um colono chamado Rebelo.
d) Entre dois trabalhadores do pai da narradora.
e) Entre o ajudante do pai da narradora e um negro trabalhador chamado Rebelo.
Comentário.
Alternativa "a" está incorreta. A conversa se dá entre Pacheco e Ribeiro, e não entre o pai e a
própria narradora.
Alternativa "b" está correta. Na segunda fala, o outro interlocutor é reconhecido como agente
Pacheco. Portanto, a conversa se dá entre uma autoridade que agora deve inibir a morte de
negros e um colono branco que se incomoda com isso.
Alternativa "c" está incorreta. O outro interlocutor é o Pacheco, portanto, não pode ser o pai da
narradora.
Alternativa "d" está incorreta. O outro interlocutor, chamado de Pacheco, é um agente, logo
não é funcionário do pai da narradora.
Alternativa "e" está incorreta. Não se trata de uma ajudante do pai da narradora, mas do agente
Pacheco.
Gabarito: B

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4. A subjetividade: gênero e enredo


Até esse momento, se você não leu a obra e acompanhou o recorte feito dos temas até
agora, deve estar admirado(a) do preconceito da narradora, e, na verdade, quase não há
capítulo em que ela não faça algum comentário sobre os negros, chamados por ela de “pretos”,
não por desprezo, mas por uma questão cultural. Enquanto “preto” no Brasil tem conotação
negativa, em Portugal é o contrário.
Mas voltemos a questão. Não há qualquer dúvida de que a autora condena o racismo e o
preconceito. Mas, então, porque ela escreve coisas como as seguintes?
Um branco e um preto não eram apenas de raças diferentes. A
distância entre brancos e pretos era equivalente à que existe entre
diferentes espécies. Eles eram pretos, animais. Nós éramos brancos,
pessoas, seres racionais. Eles trabalhavam para o presente, para a
aguardente-de-cana do “dia-de-hoje”; nós, para poder pagar a
melhor urna, a melhor cerimónia no dia do nosso funeral.
Não se trata exatamente da opinião dela, mas daquilo que ela registra como sendo o
senso comum do que os adultos afirmavam. Essa separação entre os adultos e a criança; a
criança e a adulta em que ela se transformou é que dá livro um traço de subjetividade que
encanta qualquer leitor e o coloca acima do bem e do mal das necessidades do politicamente
correto. Afinal, se a autora ouviu isso quando era criança, não há como dizer que mencionar tal
discurso é anti-ético e, mesmo suas impressões e sentimentos que ela registra, são expressões
de quem confessa o que viveu.
Isso tem a ver como o próprio gênero do livro. Apesar de ter em mãos um livro acabado,
ele é resultado de uma coletânea dos posts publicados por Isabela de Figueiredo no seu Blog,
“Mundo Perfeito”.

4.1 Gênero Blog


Quais são as marcas do gênero? E quais são as marcas do gênero no livro?

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Ficha técnica: Blog


Finalidade: Compartilhar algum tipo de exeperiência com um público que se identifica com a temática.
Atulamente, é bastante flexível e pode se relacionar a arte, futebol, artes, moda educação etc.
Inicialmente, ele foi criado com um formato próximo ao do relato pessoal, o que lembrava um diário
público, fato que permitia ao blogueiro apresentar sua visão pessoal sobre aquilo que vivia e seus
sentimentos.
Sequências discursivas: Como blog pessoal, próximo da diário, predomina a narrativa com trechos
descritivos, geralmente associados a reflexões de caráter argumentativo-expositivo.
Estrutura: Na configuração própria do blog, há a marcação cronológica. Normalmente, o blogueiro
coloca um título e algum comentário secundário para chamar a atenção do leitor. Segue-se o texto que
é bastante variável. No caso de um blog pessoal, a marcação de tempo é bastante forte, seja pelo
advérbio hoje, seja por marcações indiretas do tempo do que será contado. Privilegia-se um episódio
particular, daquele dia, daquela semana etc. O que chamamos episódio pode ser algo acontecido
mesmo, ou alguma reflexão. Isso abre espaço para um texto marcado pela digressão, recurso que dá
um sabor de conversa “ao pé do ouvido”, de intimidade.
Linguagem: A linguagem é livre e depende do público que vai ler.

Essa separação da narrativa em posts fica evidente na obra. Não há título, só numeração,
mas cada parte tem começo meio e fim. Ela começa com uma frase ou uma informação
impactante e depois desenvolve o que se fala. O parte 12 é um exemplo típico disso. Ela
começa com “Havia o filho do vizinho preto”, daí passa a descrever quem é. Dois parágrafos
depois, ela escreve: “Quase engravidei do filho do vizinho preto”. O leitor, atiçado pela
curiosidade é lançado para a leitura das linhas seguintes para descobrir, que essa afirmação se
referia aos desejos e imaginações dela.
Há uma aparente liberdade na escrita de um blog pessoal, se cada parte é autônoma, o
escritor poderia organizar cada post em qualquer ordem. A própria autora no posfácio da obra
comenta:
O Caderno de memórias coloniais nunca estará acabado em mim. A
minha memória tem um caráter fragmentado, muito sensível aos
eventos do cotidiano. Há sempre alguma história que me vem à
cabeça e que lamento não ter incluído na narrativa.
A fragmentação exige uma certa participação ativa do leitor. Cada post revela uma
episódio que não se liga diretamente com o anterior. O leitor deve fazer um esforço para se
lembrar de outras partes que poderiam fornecer dados para a leitura. Um exemplo disso é o
post 47, no qual a narradora começa com a seguinte frase: “O meu corpo foi uma guerra”. Isso
permite que ela explore as percepções do corpo do seu pai e da sua mãe. A boa compreensão
dessa parte depende de alguns pré-requisitos: entender a relação que a narradora tinha com o
pai, saber que no momento em que ela escreveu isso, ele já estava de volta à Portugal e
próximo da morte. Só a partir disso, pode-se compreender o fragmento como uma espécie de
homenagem saudosa do pai.
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Apesar dessa aparência de fragmentação ao sabor da memória, o gênero é estruturado
de forma cronológica e a autora não fugiu disso. A autora vai pontuando acontecimentos mais
ou menos na sequência em que ocorreram. Não é tão rigoroso com as datas, mas o próprio
leitor lê os fragmentos como se fosse numa ordem linear e, na verdade, a autora passa essa
sensação.
Um exemplo disso é como ela fala da sua sexualidade. Primeiro, apresenta um post com
uma visão bem inocente do que deve ser o sexo, depois um envolvimento platônico e ainda
infantil com um rapaz preto, a seguir, seus sonhos já eróticos com o primo e depois a
menstruação. Observe que a uma ordem temporal clara, mas sem marcações precisas.
Outro traço forte próprio do blog pessoal é a linguagem próxima que manifesta não-
formalidade e, ao mesmo tempo, proximidade com os leitores. Num blog, normalmente o
escritor pode se valer de uma linguagem própria dele sem se preocupar em chocar seus
seguidores, já que a escolha pela leitura é livre, e aqueles que resolvem acompanhar o escrito o
fazem por simpatia. Isso se observa sobretudo quando a narradora se refere à sexualidade.
Provavelmente, a frase “Foder. O meu pai gostava de foder” não provocaria maiores reações
por parte dos leitores de Isabela no seu blog, mas a transposição para o livro dá um estatuto de
transgressão que originalmente não teria.

4.2 O enredo
O que Isabela Figueiredo registrou no Blog? O olhar de uma pré-adolescente em
transformação num país também em mudança. A crítica literária portuguesa, Maria Calafate
Ribeiro, assim compreende a obra: “Esse livro é um grito, no sentido em que relata a vivência do
trauma que unifica a pessoa do pai à violência explícita e implícita do colonialismo português” .
Como criança, ela ouve e observa coisas que não entende. Há uma imagem bem
interessante que ela constrói e que dá uma ideia desse impressionismo: “O meu
pai conversava na rua com outros homens. Eu rodopiava à sua volta, como sempre, escutando o
ruído distante das conversas”. Mas mesmo como criança, sua percepção de si não estanque.
Os primeiros posts apresentam uma menina à mercê da vontade e do ritmo impostos pelos pais
que vai se alterando pela descoberta da sexualidade e da consciência do que é ser branco em
Moçambique.
O livro está dividido pela mudança externa. Quando ele começa a narrar a capital de
Moçambique ainda se chamava Lourenço Marques. Em 1975, ocorre a mudança e ela parte para
Portugal. A partir daí pode-se fazer, grosso modo, uma divisão na obra.

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4.2.1 Resumo
Resumir um texto tão fragmentado não é fácil, mas vamos tentar. A autora muitas vezes
narra cenas do cotidiano, algumas bastante fortes. Como recurso didático, resolvi separar nas três
partes acima e considerar cada uma separado. Dá para perceber mudanças temáticas e, até
mesmo, de ritmo da narrativa. A primeira parte é mais poética e mais interessante do ponto de
vista da recriação de um contexto, de colonização e de memória pessoal. A da partida, mas
sobretudo a da vida como retornado, parecem muito mais momentos de prestação de contas em
não se percebe o mesmo viço e brilho de antes, mesmo que isso tenha sido às custas da
colonialismo.

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A vida em Lourenço Marques

A vida em Lourenço Marques aparece dividida: antes e


depois que as rebeliões começam a ser sentidas pela
narradora. Nos posts de 1 a 18, ele faz um retrato a partir de
cenas, ao mesmo tempo que ressalta sempre que possível a
exploração dos negros mesmo por seu pai. A partir do post
19, nota-se de alguma forma que as cenas já estão
contaminadas pelas rebeliões que começam a chamar a
atenção de uma menina que até então estava alienada dos
movimentos sociais. Aparece o primo que morreu na guerra,
a referência ao 25 de Abril (Revolução dos Cravos em
Portugal), as perseguições aos brancos, a carnificina etc.
Entre uma e outra parte, fica nítido o desabrochar de
uma mulher: a menstruação, os desejos em relação aos homens, as decisões particulares
contrárias à vontade do pai etc.

Nessa primeira parte, a narradora vai traçando um panorâma do que seria viver na capital
de Mocambique na era colonial a partir de temas que vão e voltam. Consegui mapear pelo menos
4 núcleos temáticos fortes, que embora um possa predominar em um post outro em outro, eles
muitas vezes se misturam.

Retrato de costumes

Sexualidade: a narradora narra cenas do seu despertar sexual

Os pretos: cenas de preconceito explícito

Pai: conta alguns dos momentos como o pai e constroi uma


imagem de um homem forte e preconceituoso

Ao começar a leitura esses 4 temas já aparecem

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Post Conteúdo Comentários

Texto curto, que fala de


Manuel que deixou seu Esse primeiro post é antecedido pela dedicatória ao
coração na África e termina pai, duas epígrafes sobre memória, uma foto da cidade
Epígrafe com a pergunta: Quem é que de Lourenço Marques tirade em 1960 e um diálogo
não foi deixando os seus entre um narradora e o espectro de um sonho, que o
múltiplos corações em leitor identifica como sendo do pai .
algures?

A partir desse comentário, a narradora mostra


todos os pré-conceitos envolvendo a sexualidade
2. Retrato de dos brancos e dos pretos. As mulheres negras
costumes A fase-mote desse post é: tinham órgão sexuais grandes o que se relacionava
Os brancos iam as pretas. com láscívia delas. As mulhere brancas eram
sérias. Um homem branco poderia escolher uma
negra, mas seria um absurdo uma branca escolher
um negro.

Aos sete anos, a narradora começa a perceber a


sexualidade do seu pai e suas traições. Conta do
3. Sexualidade Frase mote: Foder. O meu livro de sexo que os pais tinham e que o lia
pai gostava de foder. escondido. Torna-se consciente das desemedidas
do pai, quando aos 10 anos o flagra fai fazendo
galanteios à mulher que passa.

Ao pai coubera a missão de eletrificar Lourenço


Marques, era eletricista, corria a cidade no seu
trabalho. Era fácil um branco sentir prazer em
viver em Moçambique, quase todos eram patrões.
A narrador explora as relações entre brancos e
pretos:
4. O pai/ os pretos Frase-mote: Ele sentia
“O negro estava abaixo de tudo. Não tinha direitos.
prazer em viver…
Teria os da caridade, e se a merecesse. Se fosse
humilde. Se sorrisse, falasse baixo, com a coluna
vertebral ligeiramente inclinada para a frente e as
mãos fechadas uma na outra, como se rezasse.”
O capítulo-post termina com uma conclusão: “Não
havia olhos inocentes.”

Esse início dá uma ideia de como esses temas serão expostos no livro, sem muita
sistematização, mas se repetindo em cenas e histórias diferentes.

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Sexualidade

Post 5 . Mote: Foder. Essa descoberta tornou-se algo que me envergonhava e desejava.
Era criança, nem sabia o que era foder, mas o vizinho a chamou para isso. Procuraram um lugar
isolado, tiraram a roupa e ficaram um em cima do outro. Era isso foder? Apanhou do pai.
Post 12. Mote: havia o filho do preto.
Ela tinha 10 anos, fez amizade com o preto da vizinha. Deram-se as mãos, e
ele começou a imaginar que poderia ficar grávida desse contato.

Pai

Foder. O meu pai gostava de foder.

Post 6. Mote: Ele gostava de viver. Não tinha medo de nada.


O pai gostava de se aventurar nas estradas difíceis, enfrentava problemas na estrada ou com o
carro e tinha prazer nisso. Quando dizia “íamos passear”, mãe e filha ficavam até temerosas.

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Post 11. Mote: sábado de confusão, sábado do pagamento.
Aos sábados o pai pagava os seus pretos. Fazia contas, brigava, discutia e premiava aqueles que
eram seus escolhidos. Esse dia era uma tortura para a narradora.

Post 15. Mote: Ernesto não ia trabalhar.


Um dos trabalhadores do pai não ia trabalhar já há alguns dias. Ele junto com a filha vão onde ele
mora, uma espécie de favela. Procura o homem. Encontra-o e aos safanões, como um pai que
briga com o filho, ordena que vá trabalhar na próxima segunda.

O pai e os pretos

Cenas

Post 7. Mote: uma foto de uma machamba (uma espécime de sítio)


A narradora tenta reconstruir o que seria a cena da machamba que pertencia a um amigo de seu
pai. Seria um dia de confraternização, a mãe do machambeiro tinha preparado uma refeição, o
pai levara as bebidas, estariam felizes, dois remediados, um agricultor pobre e um eletricista
remediado mas que viviam bem em Moçambique.

Post 9.Mote: as mangas


Escondida da mãe, a narradora colhia mangas e ia vender na rua
como faziam as negras com seus tabuleiros.

Pretos

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Post 10. Mote: o preto Manjacaze.
Manjacaze era o criado do prédio do Lobato. Trazia o liso dos sete andares e deslocava-os para
não se sabe onde, até porque brancos não queriam saber disso. Ele era bom, humilde, não falava
alto e aceitava com alegria as sobras das casas brancas. Era digno.
Post 13. Mote: Não gostava de anéis.
A menina não gostava de anéis, mas os pais queriam que ela usasse um anel de ouro com rubi.
Ela então arranja um jeito de se livrar do anel. Aos domingos ia ao cinema. Os branco sentavam
num patamar, os pretos em outro. Tudo o que caia no chão rolava até o lugar dos pretos. Ela,
sem que os pais percebessem, deixa o anel cair. Para desespero dela, um preto que encontrou o
anel vai até onde o brancos estão e, passando fileira por fileira, descobre a dona do anel e o
devolve.
Post 14. Mote: Tínhamos mainatos (empregados domésticos)
A narradora faz algumas observações sobre ter empregados domésticos de forma irônica.
”Atravessavam Lourenço Marques a pé, se preciso fosse, com eles à cabeça, às costas; não
pensávamos nisso. Carregassem. Era o seu trabalho. Eles aguentavam. Tinham força. Não eram
como nós. Resistiam muito. Era da raça.”

Separei essas 3 partes, pois nelas a narradora, fala de aventuras próprias subjetivas. Até
esse ponto, a exceção dos momentos de sexualidade, o protagonista era o pai, a cidade, os
negros. Mas nessas três partes uma certa ponta de liberdade e pensamento próprio despontam.
No post 16, ela conta a bofetada que dá na Marília, um mulata que não poderia revidar, afinal,
não poderia enfrentar a branca. Sentiu muito remorso depois disso. No trecho seguinte, ela revela
seu hábito de comer pimenta como preparação para ser forte, queria ser como seu pai, como os
negros. Por fim no post 18, ela fala de uma grande aquisição, descobre que já sabe ler. A leitura

AULA 8 – Linguagem 39
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para ela torna-se a possibilidade de liberdade. Os frases poderiam levá-la para qualquer lugar e
acrescenta, “foi quando, devagar, comecei a tornar-me a pior inimiga do meu pai”.

O Marcelismo
Post. 19 . Esse trecho é expositivo, a narradora fala da chegada dos colonos e das tropas. As
tropas iam para o norte, a guerra era lá, e ali em Lourenço Marques, eles não tinham
consciência da gravidade.
O Primo
Posts 20 a 22. O primo nascera em Lourenço Marques e quando tinha 19 anos, partiu para
Guerra. Ia matar pretos. Matava-se com facilidade. “Vida de um preto valia o preço de sua
utilidade. O rapaz tinha sido educado para odiar pretos. Depois que foi para a guerra,
transformou-se. Deixou o cabelo crescer e não falava nada da guerra, ninguém falava. Amara-o
em segredo, tinha 10 anos, não sabia o que era sexo, mas sonhava viver com ele aventuras
eróticas. O primo acordara o primeiro desejo. Matou-se uns anos mais tarde.
A menstruação
Post 23. A primeira menstruação ocorreu de forma banal, estava fora de casa e ficou
envergonhada quando percebeu-se manchada de sangue.
25 de Abril e o pós
Posts 24 a 26
Souberam da Revolução dos Cravos. Exatamente, em que lugar houve a conversa em que ela
ouviu sobre o assunto, a narradora não se lembra. Havia muita curiosidade e dúvidas em relação
ao que ia ser da colônia. Os colonos desejavam o poder branco. A narradora dá a entender que
essa era também a ideia do seu pai. Mas no post 26, a narradora contrapõe duas cenas
terríveis. A dos negros jogando bola com cabeças dos brancos, esse episódio deve ter ocorrido
algum tempo pós 25 de abril. Mas isso levou-a a pensar no outro momento histórico, em 7 de
setembro de 1974, quando o governo de Marcelo Caetano reconheceu um governo
moçambicano composto por negros e brancos. Seu pai e outros brancos exultaram, entendiam
que era o primeiro passo para o poder branco, livre da metrópole, os brancos estavam a ganhar
dos pretos.
Pai e filha
Post 27
Descreve como o pai a tratava, como uma adulta, diferentemente da mãe. Nesse dia (não
identificado), em que eles caminham por Lourenço Marques, o pai lhe dá um conselho: “Tens de
ter uma profissão que te permita viver a tua vida, com os teus filhos, ou não, sem depender de
nenhum homem! Sem estares às custas de ninguém. Tens de ser dona da tua vida. Tens de ser
livre. Compreendes?”
Os animais

AULA 8 – Linguagem 40
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Post 28 e 29
A narradora se lembra de alguns de seus gatos. Descreve então o terror
da guerra pelos animais. “Depois veio a guerra, ou seja, a FRELIMO, e os
gatos ficaram abandonados em Lourenço Marques. Tiveram que
abandonar os animais. Correu um boato de que os negros haviam
comido os gatos. A narradora resume esse momento: “De todos os
morticínios daqueles dias, o que mais me tocou foi o dos animais
domésticos, por serem os únicos inocentes em tão complexo jogo de
poder.
A seguir no post 29, ela fala do cão branco do vizinho preto. Gostavam
do cachorro, e o pai tinha consideração pelo vizinho. Quando queria
saber notícias, quando queria rir sem cerimônias, com a camisa fora das
calças se dirigia ao preto. Quando precisaram se esconder no corredor
da casa contra as pedras e coquetéis molotov, após o 7 de setembro, o vizinho negro deve ter
sido o responsável por terem passado incólumes.

Partida

Coloquei sob esse tópico aqueles capítulos que também giram em torno do
recrudescimento do conflito. Ou seja, quando a onda de revanchismo começa, a família da
narradora começa a fazer os preparativos para que ele parta de Moçambique. Os capítulos 30 até
38 vão desde esse momento até quando ela desembarca em Lisboa.
Post 31 – O revanchismo
Esse post é bastante digressivo. Ela começa com a afirmação: “Diziam que eu já era mulher”. Fala
do trajeto de casa para o aeroporto. A seguir lembra das recomendações do pai, de dizer tudo o
que a petralhada estava fazendo com os brancos. Deveria falar sobre as matanças à catana
(espécie de foice), o jogo de bola com as cabeças de brancos, as torturas etc. A própria narradora
lembra um assédio físico que sofreu por parte de um negro umas semanas antes, algo que jamais
aconteceria antes dos movimentos que agora tomavam Lourenço Marques.
Post 31 – A nova situação
Esse post começa lembrando do que aconteceu com o Domingos, escapara da catana, mas não
do sequestro do seus bens. Nesse momento, lembrou-se, de forma digressiva da Domingas, a filha
do casal, que a introduzira algum tempo antes na masturbação a duas. De certa forma, ela dá um
vislumbre de como os brancos que não forma mortos sobreviveram nesses dias tenebroso. A
FRELIMO era marxista e promovia o sequestro das propriedades e uma nova educação sem
tribalismo, fascismo, formas tradicionais de viver etc. As mulheres brancas eram aceitas para
ensinar os negros e, durante algum tempo, a narradora foi professora.
Post 32 – As mudanças de Lourenço Marques

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A narradora volta a falar do trajeto entre sua casa e o aeroporto. Observa mudanças e lembra os
comentários de seu pai. Os voos para Portugal estavam esgotados, Lourenço Marques ficava
vazia, estava parada. Os negros sem emprego. Nas escolas, ensinava-se outra história, a história
dos reinos africanos anteriores. Escreviam-se poemas sobre colonialismo e exploração do
homem sobre o homem.
O pai entendia a revolta como uma ingratidão. Os colonos tinham transformado o país numa
nação e os negros retribuíam da pior forma possível.
Posts 33 a 36 – O Embarque
Eles se atrasaram, a narradora ficou ansiosa, queria ir embora desde que isso ficou decidido que
ela partiria, queria que tudo terminasse logo. Os pais deveriam ir quando fosse possível. Eles se
despediram. Relembra os últimos momentos com o pai. Passam pela cabeça preocupações
esparsas, recomendações dos pais: o anel de rubi, a necessidade de contar o que a petralha fez,
um novo recomeço em Portugal com todos juntos. Ela termina o pôs 35 com a seguinte frase:
“Nunca entreguei a mensagem de que fui portadora”. Já no avião, ele tem um pesadelo com uma
outra filha do seu pai.
Posts 37 e 38 – Portugal
O post 37 começa com frases que normalmente eram atiradas aos retornados: “Ah, não gostas
de bofe com arroz? Andaste a roubar os pretos e julgas que havemos de te servir camarão num
prato de ouro!” Lembra-se no post seguinte que o tio vestiu algumas de suas roupas de
Moçambique no Carnaval como forma de troça. Aprendeu a aguentar as ridicularizações
constantes.

A vida em Portugal

Essa é a última parte. O ritmo da narrativa muda. Portugal parece provinciano demais e
bastante asfixiante para a narradora, mas ela não se detém muito nisso. Escolhe apresentar
algumas cenas fortes da casa da avó e do seu primeiro emprego. Depois, observam-se capítulos
em que ela faz uma espécie de prestação de contas com toda essa história.

Posts 39- 41 – A casa da avó

AULA 8 – Linguagem 42
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A cena que a narradora descreve da casa da avó é inesquecível. A senhora,
que morava em Caldas da Rainha, era muito pobre e criava aves para vender.
O chão era coberto por cocô de galinha. Muitas vezes, ficava com pena dos
animais entrevados e os conservava na habitação pequena em que morava.
O colchão era de palha de milho. Não havia banheiro, as necessidades eram
feitas perto de um ralo e banhos deveriam ser tomados em bacias. A
narradora não estava acostumada a passar frio. Nesse momento ela entendeu
a diferença entre ser pobre e remediado.
A avó, entende que a neta é uma grande responsabilidade. Há um senhor
que frequenta a casa e ajuda a avó. Ele tinha permissão, pois gostava de
homens, ou seja, isso não seria uma afronta para a reputação de uma senhora. Pela primeira
vez, a narradora experimentou a ideia de um homem gostar de homem e achou-a absurda.
Post 42 -Lembranças de Moçambique
Havia uma livraria próxima de onde morava. Entre os livros, havia um que era significativo para
a narradora Moçambique, terra queimada. Repensou na metáfora, lembrou de que essa
expressão era sempre usada pelos retornados, muitos manifestaram a vontade de queimar as
propriedades antes de abandoná-las.
Posts 43 – 44 : Assédios
Para ir a escola, a narradora tinha que passar por uma rua
escura, na esquina tinha uma oficina e, frequentemente, os
homens lançavam impropriedades a ela. Não havia outro
caminho. Quando ela contou para a avó o que acontecia, a
velha senhora disse que “era assim, que não respondesse, que
mulheres honradas tinham orelhas moucas.
Em 1976, a narradora se mudou. Foi trabalhar para o ti Gusto
que tinha uma fábrica de louça de garagem e empregava
meninas para fazer acabamento. Ele se engraçava com ela. Fazia questão de roçar nela nas
estreitezas da fábrica. Sentia o sexo do homem. Ele tinha um filha entrevada de quem cuidava e
por isso era considerado por todos como um bom homem. Termina com um comentário: “O ti
Gusto era a lamentada fina flor do drama e virtudes provincianas”.

Impressões:
Post. 45 : “A metrópole era suja, feia, pálida gelada”. Ela faz um balanço pejorativo de Portugal.
Post 47 : “O corpo do meu pai era dele e valia a pena. O seu corpo era o do outro que estava em
mim, mas sem guerra”. A partir desse mote, ela descreve o corpo do pai e a sensação agradável
que sentia ao tocá-lo ou ao vê-lo.
Encontros:

AULA 8 – Linguagem 43
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Post 48: “A tia do anel de esmeraldas regressou ao Maputo. Montou uma empresa de turismo”.
A narradora foi visitá-la para seu desgosto. Teve de ouvir o discurso dos repatriados que tinham
saudades do tempo em que mandava e desmandavam .
Post 49. “Jovem encontrava-se à minha frente na fila do caixa, com um avio de bolachas e
chocolates. Trajava de oficial marinheiro.. nobre. Sobre a manga esquerda do casaco, ao alto,
numa placa de fazenda bordada a ouro, lia-se Moçambique. A minha atenção ficou presa àquele
rapaz.” A partir dessa circunstância, a narradora reflete sobre sua situação de desterrada.
Notícias do pai
Post 46: “O meu pai ia apodrecendo numa prisão da FRELIMO...” a partir dessa frase, a narradora
dá detalhes do que aconteceu com o pai em Moçambique enquanto ela estava em Portugal. Em
1978, ele foi acusado de ter insultado Samora Machel, líder revolucionário. saíra do cárcere,
irreconhecível, calado. A prisão tornou-se um tabu. Ele não falava a respeito e ninguém
perguntava. Quando nos anos 90, ele já se encontrava em Portugal, um dia mencionou que na
prisão, haviam jogado sobre ele um enorme bicho peçonhento. A vida dos brancos que ficaram
em Moçambique não foi fácil.
Post 50: “A história é de morte”. Apesar de falar em história de morte, narradora não é clara.
Conta, na verdade, o que fez com os objetos deixados pelos pais, ela não é especifica, não
menciona em especial um deles.
Balanço
Post 51 Nesse ultimo post hermético, a narradora estabelece uma diálogo eu/tu. Parece refletir
sobre a sua do condição de desterrada. Fala da terra, do retorno à terra, uma terra indistinta, mas
em que predomina a natureza bruta como em Moçambique. Usa a metáfora da noite, “a noite
caiu longa, e a noite é teu dia. Vais adaptar-te”. E termina com perguntas: “Para onde vais? Para
onde vais, agora?
bb

4.3 Os temas
Vale a pena destacar os temas mas evidentes da obra.

AULA 8 – Linguagem 44
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4.4 Questões de fixação


Questão 8.
Cadernos de Memórias coloniais nasceu da experiência de escrita de um blog. Considerando
esse gênero pode-se dizer que
a) a autora tensiona o gênero, pois dá uma organicidade para a narrativa que não existe no blog
pessoal.
b) fragmenta mais ainda os episódios através de microcontos totalmente independentes uns
dos outros.
c) vale-se do modelo do diário pessoal em que cada parte é datada de forma precisa de tal
maneira que o leitor sinta que está acompanhando o cotidiano do narrador.
d) recorre ao gênero blog, que lhe permite reconstituir a experiência passada através de
episódios marcantes e reflexões organizadas por uma ordem cronológica.
e) abusa do recurso da pessoalidade típica do blog pessoal produzindo uma narrativa hermética
na qual os eventos externos são registrados como metáforas subjetivas.
Questão 9.

“Meu pai gostava de foder.”

Essa frase inicial,


a) deve ser entendida como metafórica, no sentido que o pai gostava de prejudicar seus
trabalhadores.
b) trata-se de um julgamento moral negativo por parte da narradora, que por conta disso resolve
trair o pai, ao não escrever sobre a descolonização sob a perspectiva dos colonos.
c) refere-se à ideia equivocada que muitas pessoas tinham do pai da narradora.

AULA 8 – Linguagem 45
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
d) resume o que foi deduzido pela narradora, seja pelas fofocas que circulavam sobre a fama
paterna, seja pelo cena de assédio a uma mulher que passava presenciada pela menina.
e) traduzia uma frase parecida dita pelo pai em roda de amigos, quando ele fazia questão de
ostentar sua masculinidade.
Questão 10.
Na parte numerada 9, a autora se disse uma “negrinha loira”. Segundo o contexto da obra,
assinale a alternativa que melhor interpreta essa afirmação.
a) A afirmação expressa sua condição de mestiça, mas com educação branca.
b) A expressão mostra a situação ambígua da narradora, ele é colona branca, loira; mas entende
a condição dos negros.
c) A expressão revela uma personagem que não gosta de ser branca nem colona e gostaria de
ser negra.
d) Essa mistura expressa seu dilema entre ser séria, características típica das mulheres brancas,
e seu desejo de liberdade sexual, algo só permitido às negras.
e) Ela usou essa expressão para dizer que embora fosse branca, poderia ser violenta como uma
negra.

Questão 11.
Em relação ao pai, ela dizia “Ele gostava de viver. Não tinha medo de nada.” Qual das ações do
pai, abaixo elencadas poderia exemplificar essa frase?
a) As viagens de carro pelas estradas precárias de Moçambique.
b) As caçadas que ele gostava de fazer, quando sai para caçar e demorava para voltar.
c) O dia de pagamento quando ele enfrentava os negros, brigando com alguns, para efetuar o
pagamento abaixo do esperado.
d) Quando ele ia as negras, em suas traições masculina.
e) Quando ele xingou o líder guerrilheiro, motivo pelo qual foi preso.

Questão 12.
A descoberta da sexualidade, na obra, é bastante evidente. Qual episódio abaixo, realmente
poderia exemplificar isso?
a) Os banhos que ela toma com Domingas.
b) Os sonhos eróticos com o primo.
c) O assédio de seu empregador.
d) A amizade com o vizinho preto.

AULA 8 – Linguagem 46
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
e) A relação de amizade com o amigo de escola.
Questão 13
O pai anuncia que eles são remediados. A narradora compreende isso quando
a) chega a Portugal, na casa da avó.
b) não conseguem comprar a passagem de avião para todos os 3.
c) Tem dificuldade em fazer o pagamento dos pretos.
d) não consegue frequentar a escola em Portugal.
e) é obrigada a trabalhar depois que sua avó a expulsa
Questão 14
“ A vida de um branco em Lourenço Marques tinha-se tornado um jogo de sorte ou azar.
Joguei esse jogo, sem perdas de maior, umas semanas antes da partida, enquanto esperava a
boleia do meu pai, numa das esquinas da 24 de julho: a da Escola Especial.”
Com tais palavras, a narradora passa a narrar um evento que mostra o perigo que ela corria no
momento em que os negros tomaram o poder. Que evento é esse?
a) a fuga da família Domingos, que embora tenha salvado a pele, perdeu tudo na propriedade.
b) um negro se aproxima dela na rua em Loureço Marques e a assedia fisicamente.
c) um negro rouba seu anel enquanto estava no cinema, sem que ela nada possa fazer.
d) o trabalho à força como professora para a FRELIMO
e) a morte de seu primo de forma violenta por um dos rebeldes da FRELIMO.

Gabarito

8.D
9. D
10. B
11. A
12. A
13. A
14. B

Questões comentadas

AULA 8 – Linguagem 47
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
Questão 8.
Cadernos de Memórias coloniais nasceu da experiência de escrita de um blog. Considerando
esse gênero pode-se dizer que
a) a autora tensiona o gênero, pois dá uma organicidade para a narrativa que não existe no blog
pessoal.
b) fragmenta mais ainda os episódios através de microcontos totalmente independentes uns
dos outros.
c) vale-se do modelo do diário pessoal em que cada parte é datada de forma precisa de tal
maneira que o leitor sinta que está acompanhando o cotidiano do narrador.
d) recorre ao gênero blog que lhe permite reconstituir a experiência passada através de
episódios marcantes e reflexões organizadas por um a ordem cronológica.
e) abusa do recurso da pessoalidade típica do blog pessoal produzindo uma narrativa hermética
na qual os eventos externos são registrados como metáforas subjetivas.
Comentário.
Alternativa "a" está incorreta. A autora até dá uma certa organicidade ao reunir os posts, mas
cada post tem características próprias do gênero e não se percebe a tensão com o gênenro blog.
Alternativa "b" está incorreta. Os textos não são totalmente independentes, eles têm uma
temática própria e ordem cronológica.
Alternativa "c" está incorreta. Ela não data de forma precisa cada post.
Alternativa "d" está correta. A origem do texto é de postagens em um blog pessoal e a obra
mantém essa marca com partes curtas sobre uma temática e organizado de forma cronológica.
Alternativa "e" está incorreta. O texto não é hermético, a não ser em alguns momentos muito
subjetivos.
Gabarito: D

Questão 9.

“Meu pai gostava de foder.”

Essa frase inicial,


a) deve ser entendida como metafórica, no sentido que o pai gostava de prejudicar seus
trabalhadores.
b) trata-se de um julgamento moral negativo por parte da narradora, que por conta disso
resolve trair o pai, ao não escrever sobre a descolonização sob a perspectiva dos colonos.
c) refere-se à ideia equivocada que muitas pessoas tinham do pai da narradora.

AULA 8 – Linguagem 48
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
d) resume o que foi deduzido pela narradora, seja pelas fofocas que circulavam sobre a fama
paterna, seja pelo cena de assédio a uma mulher que passava presenciada pela menina.
e) traduzia uma frase parecida dita pelo pai em roda de amigos, quando ele fazia questão de
ostentar sua masculinidade.
Comentário.
Alternativa "a" está incorreta. A frase deve ser entendida literalmente, o pai gostava de fornicar,
de fazer sexo.
Alternativa "b" está incorreta. Trata-se muito mais de uma constatação que, inicialmente,
assusta a garota, mas que depois percebe as marcas desse prazer em si mesma.
Alternativa "c" está incorreta. O que se dizia sobre ele não era equivocado, segundo a
narradora, ele realmente era infiel.
Alternativa "d" está correta. Depois dessa frase inicial, a narradora passa a explicar como
deduziu isso. Menciona o que ela mesma presenciou e o quer diziam as mulheres brancas a
respeito do seu pai.
Alternativa "e" está incorreta. Essa frase foi da narradora, uma conclusão a que ela chegou e
não a repetição de uma frase dita pelo pai.
Gabarito: D
Questão 10.
Na parte numerada 9, a autora se disse uma “negrinha loira”. Segundo o contexto da obra,
assinale a alternativa que melhor interpreta essa afirmação.
a) A afirmação expressa sua condição de mestiça, mas com educação branca.
b) A expressão mostra a situação ambígua da narradora, ele é colona branca, loira; mas entende
a condição dos negros.
c) A expressão revela uma personagem que não gosta de ser branca nem colona e gostaria de
ser negra.
d) Essa mistura expressa seu dilema entre ser séria, características típica das mulheres brancas,
e seu desejo de liberdade sexual, algo só permitido às negras.
e) Ela usou essa expressão para dizer que embora fosse branca, poderia ser violenta como uma
negra.
Comentário.
Alternativa "a" está incorreta. Ela não era mestiça
Alternativa "b" está correta. Em vários momentos ela demonstra compreensão e admiração
pelos negros, não se identifica com o orgulho branco.
Alternativa "c" está incorreta. Ela não desejava ser negra de fato, apenas se identificava com os
negros.
Alternativa "d" está incorreta. Ela não tinha esse dilema, não gostava da imposição moral, mas
isso também não a levava ao desejo de liberdade sexual.

AULA 8 – Linguagem 49
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
Alternativa "e" está incorreta. Ela não fazia a distinção entre branca civilizada e negra violenta.
Gabarito: B

Questão 11.
Em relação ao pai, ela dizia “Ele gostava de viver. Não tinha medo de nada.” Qual das ações do
pai, abaixo elencadas poderia exemplificar essa frase?
a) As viagens de carro pelas estradas precárias de Moçambique.
b) As caçadas que ele gostava de fazer, quando sai para caçar e demorava para voltar.
c) O dia de pagamento quando ele enfrentava os negros, brigando com alguns, para efetuar o
pagamento abaixo do esperado.
d) Quando ele ia as negras, em suas traições masculina.
e) Quando ele xingou o líder guerrilheiro, motivo pelo qual foi preso.
Comentário.
Alternativa "a" está correta. Ele gostava de fazer viagens arriscadas. O carro muitas vezes tinha
problema mecânico ou atolava, e ele saia para procurar ajuda. Esse episódio mostra a coragem
do pai.
Alternativa "b" está incorreta. O texto não menciona caçadas.
Alternativa "c" está incorreta. No dia do pagamento, o que sobressaía era o seu autoritarismo e
não sua coragem e gosto de viver.
Alternativa "d" está incorreta. A ida às negras mostrava que ele gostava de viver, mas não que
ele não tinha medo de nada.
Alternativa "e" está incorreta. Ao xingar o líder, ele demonstra não ter medo, mas não é
exatamente uma amostra do seu gosto de viver.
Gabarito: A

Questão 12.
A descoberta da sexualidade, na obra, é bastante evidente. Qual episódio abaixo, realmente
poderia exemplificar isso.
a) Os banhos que ela toma com Domingas.
b) Os sonhos eróticos com o primo.
c) O assédio de seu empregador.
d) A amizade com o vizinho preto.
e) A relação de amizade com o amigo de escola.
Comentário.

AULA 8 – Linguagem 50
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
Alternativa "a" está correta. Domingas ensina à menina o que é masturbação, ou seja, a
introduz em alguns segredos da sexualidade.
Alternativa "b" está incorreta. Os sonhos eróticos com o primo revelam sua sexualidade, mas
não a descoberta da sexualidade.
Alternativa "c" está incorreta. Quando seu empregador a assedia, ela já tem consciência do que
é o sexo.
Alternativa "d" está incorreta. A amizade com o vizinho preto é marcada por uma espécie de
amor platônico, não lhe permite descobrir nada sobre a sexualidade.
Alternativa "e" está incorreta. Não há esse episódio com a relação de amizade com um amigo de
escola.
Gabarito: A
Questão 13
O pai anuncia que eles são remediados. A narradora compreende isso quando
a) chega a Portugal, na casa da avó.
b) não conseguem comprar a passagem de avião para todos os 3.
c) tem dificuldade em fazer o pagamento dos pretos.
d) não consegue frequentar a escola em Portugal.
e) é obrigada a trabalhar depois que sua avó a expulsa
Comentário.
Alternativa "a" está correta. Quando chega à casa da avó, em que não há banheiro e a cama é
de palha de milho, ela entende o que é pobreza e porque eles eram remediados.
Alternativa "b" está incorreta. Eles não compram passagens para os 3, há mais brancos
querendo sair de Moçambique do que aviões para levá-los e também porque, aparentemente, o
pai achava que as coisas poderiam melhorar.
Alternativa "c" está incorreta. A dificuldade que ele encontra é a de pagar pouco para os
trabalhadores descontentes, mas ele tinha o dinheiro necessário.
Alternativa "d" está incorreta. Ela frequenta a escola em Portugal.
Alternativa "e" está incorreta. Sua avó não a expulsou.
Gabarito: A
Questão 14
“ A vida de um branco em Lourenço Marques tinha-se tornado um jogo de sorte ou azar.
Joguei esse jogo, sem perdas de maior, umas semanas antes da partida, enquanto esperava a
boleia do meu pai, numa das esquinas da 24 de Julho: a da Escola Especial.”
Com tais palavras, a narradora passa a narrar um evento que mostra o perigo que ela corria no
momento em que os negros tomaram o poder. Que evento é esse?

AULA 8 – Linguagem 51
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
a) a fuga da família Domingos, que embora tenha salvado a pele, perdeu tudo na propriedade.
b) um negro se aproxima dela na rua em Loureço Marques e a assedia fisicamente.
c) um negro rouba seu anel enquanto estava no cinema, sem que ela nada possa fazer.
d) o trabalho à força como professora para a FRELIMO
e) a morte de seu primo de forma violenta por um dos rebeldes da FRELIMO.
Comentário.
Alternativa "a" está incorreta. Ela fala de reconhecer o perigo em relação a ela, o episódio do
Domingos mostra o perigo em relação a pessoas próximas.
Alternativa "b" está correta. Esse tipo de assédio descarado por um negro jamais ocorreria
durante o período do domínio dos brancos, nesse momento, ela percebe que as coisas
mudaram muito.
Alternativa "c" está incorreta. No episódio do cinema, o negro devolve o anel, não o rouba.
Alternativa "d" está incorreta. A bem da verdade, ela foi obrigada, pois isso poderia mostrar boa
vontade para com o regime, mas não foi um “trabalho à força”.
Alternativa "e" está incorreta. O primo se matou.
Gabarito: B

5. Elementos da narrataiva
O texto é uma espécie de diário, um blog pessoal. Até pouco tempo atrás, a crítica literária
não considerava esse gênero como “literário”, pois não era ficcional. A crítica mudou, reconhece
que, na reconstituição da memória, há uma certa recriação e até mesmo na reconfiguração da
linguagem. Em função disso, para a análise do texto, é comum usar os mesmos critérios do texto
ficcional: narrador, tempo, espaço, personagens e conflito.

5.1 Tempo
Há dois tempos que se interpenetram. O tempo histórico, o da revolta e da luta pela
independência, e o tempo de transformação da personagem.

Tempo cronológico

AULA 8 – Linguagem 52
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
Tempo histórico: desde o começo das guerra de guerrilha, passando pelos acordos de 7
de setembro de 1974, pela Revolução dos Cravos em Portugal e pela Independência de
Moçambique
Tempo da personagem: há marcação dos 7 anos (quando ela começa a se interessar por
sexo); dos 10 anos quando ocorrem suas primeiras experiências sexuais, a maioria
idealizadas; entre 11 e 12 anos tem sua primeira menstruação, época em que deixa
Moçambique para vir a Portugal.
Depois que chega a Portugal, há algumas marcações: 1976, quando se muda da casa do
avó para trabalhar como artesão para ti Gusto; 1978, quando o pai saiu do cárcere e começo
dos anos 1990 quando o pai já estava em Portugal.

Tempo da narrativa

É perceptível uma organização cronológica dos posts, embora, em alguns momentos haja
recuos. Normalmente, eles são apresentados com digressões dentro do próprio post ou em alguns
posts deslocados. Por exemplo, no post 18, ela fala da descoberta da leitura, mas nos fragmentos
anteriores, ela já tinha se apresentado como tendo 10 anos. O leitor fica sem saber qual a idade
em que realmente ela fez essa descoberta, e se tal post está na ordem cronológica correta. Em
todo caso, a linha do tempo parece bastante linear, o que permite entender como uma narrativa
que acompanha o desenvolvimento dela.

Há ainda os dois tempos da narração que se relacionam com o narrador adotado pela
autora, ou seja, tal traço será tratado no tópico “narrador”.

5.2 Espaço
No livro, logo se percebe uma oposição espacial, que se traduz em várias outras oposições

Portugal Moçambique
Casa da avó Casa paterna
Pobreza Remediados
Lugares fechados Lugares amplos
AULA 8 – Linguagem 53
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :

Importante lembrar, dois detalhes relacionados ao espaço. A autora se considerava


“desterritorializada”, pois era indesejável como colona branca em Moçambique e era alvo de
chacotas como retornada em Portugal. Além disso, sua pátria, aquele país em que nasceu, por
mais injusto que fosse, só existia na memória. Agora, Moçambique era outro lugar.
Outro detalhe diz respeito ao nome da capital. Durante todo o período em que ela descreve
Moçambique antes da Independência, ela se refere à capital como Lourenço Marques. Quando
já está em Portugal, usa o nome Maputo para falar de Moçambique na atualidade e de Lourenço
Marques para falar do passado.
Há um trecho interessante em que a narradora expõe a relação entre linguagem e
espaço.
O meu primo nasceu em Lourenço Marques e nunca pronunciou as
três sílabas muito difíceis da palavra Maputo. Ma-pu-to. As cinco
de Lourenço Marques fluíam líquidas. Muito brancas. Maputo era
nome de preto. Um preto, uma zona selvagem, um rio podiam
chamar-se Maputo, Incomati, Limpopo, Zambeze. Uma vila de
pretos podia chamar-se Marracuene, Inhaca, Infulene,
Xipamanine. Uma cidade de brancos, não. Tinha de ser Lourenço

AULA 8 – Linguagem 54
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
Marques, Beira, Vila Luísa, Mocímboa da Praia.

5.3 Narrador
A narradora é a própria autora que conta a sua história, portanto, trata-se de um narrador
em primeira pessoa. Essa escolha lhe permite dizer o que sente ou como percebeu tudo o que
aconteceu a sua volta. Em um certo ponto da narrativa, ela afirma:
Era a portadora da mensagem; levava comigo a verdade. A deles. A
minha, também, mas eles não imaginariam que eu pudesse ter uma
verdade só minha, sem a sombra das suas mãos.
Mas nesse processo, há que se destacar o espaço temporal entre a autora que já vivenciou
tudo o que narra e a adolescente que foi, cuja descoberta foi lenta. O narrador que ela assume
revela essa tensão entre o adulto e a criança. É como um adulto que fala do primeiro beijo, já
sabendo o que foi o primeiro beijo e fazendo comentários de quem já conhece o que é isso ao
mesmo tempo que tenta dar a noção do que foi essa descoberta no passado.
Disso decorrem dois traços: a capacidade da autora de relembrar e reviver a as
inseguranças de quando era criança; e seus comentários de quem já conhece a vida, incrustrados
na narrativa. Para exemplificar, observe o fragmento abaixo. Trata-se da conclusão do post em
que a narradora falava do costume do pai de fazer viagens intempestivas. No primeiro período,

AULA 8 – Linguagem 55
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
ela comenta o que sentia em relação a essas viagens. A seguir, manifesta um desejo de quem, já
sendo adulta, não tem mais o pai ao seu lado.
Não é que não apreciasse os passeios do meu pai, mas tinha medo. Era
criança. Não era o filho homem que desejou. Gostaria que tivesse sido
possível o meu pai viver o suficiente para podermos repeti-lo sendo Desejo de
adulta
adulta, capaz, mas não sei se lhe seria possível regressar a África,
apesar de ter sido a única terra que amou. Nos dias que antecederam
a sua morte ainda sonhava andar a fazer umas instalações nuns
prédios da Sommershield. Referência a
eventos futuros

5.4 Personagens

A protagonista já foi muito bem considerada, passemos para os outros personagens. Já


foram mencionados na parte do enredo, segue um resumo sistematizado. Abaixo, estão
organizados por três núcleos. Os familiares próximos, os amigos de Lourenço Marques e os de
Lisboa.

Familiares próximos

Pai O pai é o personagem principal em que ela se espelha. É eletricista e trabalha


bastante, mas tem uma vida relativamente boa, já que os negros fazem tudo. Ele
tem sede de viver, vive intensamente. Trata a filha com respeito e instiga-a a ser
forte como ele. Defende o colonialismo na África e o poder branco, pede que ela
revele aos portugueses as atrocidades cometidas na África contra os brancos. É
estúpido com os negros, mas compreensivo com aqueles de quem gosta.

Mãe A mãe quase não aparece na narrativa, a não ser como contraponto do pai. Ela é
séria, trata a narradora como criança, não lhe permite o toque. Censura o pai pela
amizade que tem ao vizinho preto.

Amigos

A tia dos O anel aparece mais do que a tia. Aparentemente, uma parente que conseguiu ter
anéis sucesso em Moçambique tanto que deu uma peça de ouro para a sobrinha. Nos
anos 90, a narradora se encontra com a tia que abriu uma empresa de turismo
em Maputo. Seu discurso é colonialista e preconceituoso.

AULA 8 – Linguagem 56
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :

Domingos O Domingos é o nome dado para um amigo da família. Fugiu junto com a mulher
e e a filha para não morrerem.
Domingas Merece destque especial a filha do casal, Domingas. A narradora visitava a família
e no momento dos banhos, Domingas a masturbava.

O vizinho O vizinho preto merecia a consideração do pai da narradora. Ele comprara uma
preto casa próxima, era remediado também. O pai mantinha boas relações com ele.
Por conta disso, a narradora desconfia que ele teria salvo a pele da família quando
houve a onda de ataques a brancos.

Marília Essa personagem aparece em um episódio. Era uma mulata a quem a narradora
esbofeteou. Ficou com remorso, ainda mais porque sabia que a menina não
reagiria, uma mulata não reage diante de uma branca.

O vizinho Há uma rápida menção a esse menino que era mal visto pela mãe da narradora. A
preto menina tinha uma amizade platônica com ele.

O primo O primo nascera em Moçambique e nutria raiva pelos negros. Alistou-se e foi
para a guerra de guerrilhas no Norte. Anos mais tarde se mata. Amou-o em
segredo, teve sonhos eróticos com ele.

Manjacze Criado do prédio de Lobato. Era um senhor por quem a narradora tinha um certo
carinho. Ele era humilde e prestativo. Pensa nele como um avô, e gostaria de
sentar ao seu colo, mas sabe que entre brancos e negros não pode ter contato
nem de avô. Apenas sorriem um para o outro.

Lisboa

Avó Uma senhora bem pobre que vivia das aves que criava. Recebeu-a em casa, mas
reclamava da responsabilidade.

Ti Gusto Ti Gusto era um empresário de garagem que emprega a narradora. Tinha um filha
entrevada, o que não impedia que assediasse suas funcionárias.

5.5 Conflito
Em qualquer narração, o interesse do leitor é despertado pela saga do herói. O personagem
perdeu alguma coisa e deve ir a procura do que perdeu ou aconteceu algo que muda a situação
inicial tranquila do personagem e ele deve lutar para reverter a situação. São dessas situações
iniciais que surge o conflito.

AULA 8 – Linguagem 57
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
Como a obra não é uma narrativa no sentido clássico do termo, mas um conjunto de
micronarrativas, encontram-se alguns núcleos de conflito.
A revolta dos negros e a tentativa de escapar: a
situação de conforto inicial é rompida.
Conflito: sociedade x família

A missão de revelar aos portugueses o ponto de


vista do pai (conflito que termina em traição)-
Conflito narradora x pai

A garota deve aprender a lidar com sua


sexualidade: conflito narradora x narradora

5.6 Recursos estilísticos


Já discutimos, anteriormente, a liberdade que o gênero blog pessoal permite. A autora não
precisa obedecer a nenhum esquema prévio de escrita a não ser a coerência de cada post que
permite uma leitura autônoma. Em muitos posts, a estrutura lembra a da crônica. A narradora
apresenta um fato ou um mote quaisquer e passa a desenvolver a peripécia ou comentar o que
aconteceu. Ou tudo isso junto.
Então vamos considerar alguns dos recursos utilizados pela autora.

Sequências discursivas diferentes

Num mesmo post, a narradora poderia se valer de qualquer um dos 5 tipos de texto
(narração, descrição, injunção, exposição ou argumentação) sem que se perceba com clareza qual
predomina.
Para se ter uma ideia do que isso significa, vamos considerar um post pequeno, observe
como ela se vale de tipos de discurso diferentes.

As mangas pesavam nas árvores, em cachos, penduradas por fios Descrição


verdes. Pesavam muito gordas, rosadas, levando os ramos a tocar o
chão. Da junção da manga a esse caule que a sustinha, escorriam gotas
viscosas de resina transparente.

AULA 8 – Linguagem 58
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
As pretas vendiam mangas no chão, em fila, no bazar de Lourenço
Marques. As pretas vendiam tudo no chão, em qualquer lado;
estendiam uma capulana velha e faziam montinhos de tomate, de
raízes, de mangas, de amendoim. Exposição.

Tudo o que as pretas vendiam tinha saído das terras que cultivavam,
mas não lhes pertenciam, e tudo era bom para comer. As pretas
vendiam para comerem elas e os seus filhos e os homens, que nunca
são de ninguém.
Um branco e um preto não eram apenas de raças diferentes. A
distância entre brancos e pretos era equivalente à que existe entre
Argumentação
diferentes espécies. Eles eram pretos, animais. Nós éramos brancos,
pessoas, seres racionais. Eles trabalhavam para o presente, para a
aguardente-de-cana do “dia-de-hoje”; nós, para poder pagar a melhor
urna, a melhor cerimónia no dia do nosso funeral.
Uma branca não vendia mangas a não ser por grosso, a outros brancos
que as distribuíssem. Uma branca não vendia mangas no chão, à porta.
Mas eu era uma colonazinha preta, filha de brancos. Uma negrinha
loira. E a colonazinha negra que eu era vendia montezinhos de mangas
do lado de fora do portão da machamba. Três mangas, com mais uma
empoleirada no topo. Quatro mangas: uma quinhenta. Eu sabia que
era barato, mas convinha vencer a desconfiança dos negros que
passavam a pé, vindos da jornada, e se deparavam com a colonazinha
sentada no chão, de pernas cruzadas, tomandoconta da pequena
venda de mangas, que assentava sobre um caixote virado, servindo de Narrativa
banca para o negócio. Era preciso que o preço fosse muito atrativo
para que ousassem perder o medo e aproximar-se da menina branca-
negra como eles. “Quanto é?”, perguntavam de longe. “Quinhenta”,
respondia. E então eles vinham, hesitantes, surpreendidos, mas
sorridentes. Lembro o sorriso grande dos negros. O sorriso inteiro, com
os dentes muito brancos de mascar ramos. E compravam. Eram as
melhores mangas da minha mangueira, muito gordas de sumo e carne,
muito coloridas de rosa e salmão. Só uma quinhenta. Quatro.
Vender mangas ao portão, escondida da minha mãe, era uma
desobediência que não compreendia nem resistia a praticar.
Era ser o que tinha nascido.

Digressão

Digressão consiste na interrupção da lógica discursiva que estava sendo desenvolvida. Sabe
quando aquela sua tia pula de assunto para outro sem que um tenha a ver com outro? Pois é, isso
é digressão. Na conversa cotidiana, aquela que usamos para passar o tempo, a digressão é
comum. Em um texto, que foi estruturado de acordo com uma finalidade, a digressão sempre foi

AULA 8 – Linguagem 59
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :
vista como interrupção que beira a incoerência. Numa dissertação, por exemplo, fugir da linha de
raciocínio é pecado capital.
Por outro lado, do final do século XIX para cá, vários autores se valeram desse recurso para
dar ao texto uma espécie de frescor do pensamento. Cria-se a ilusão de que se está diante de um
texto escrito no momento do próprio pensamento. Afirma-se, dessa maneira, a liberdade do
escritor.
No caso do texto de Isabela Figueiredo, muitas vezes, ela se permite fazer digressões que
mudam a temática, provocando surpresa, pois ela começa-o com uma camisa branca e termina
com uma descoberta. Esse recurso dá mais flexibilidade temática, pois ela pode incluir num
mesmo post temas bastante variados e, ainda assim, no final fechar o texto numa ideia que deseja
que o leitor fixe.
Não falei de “camisa branca de propósito”. O post 18 começa com o seguinte mote “As
camisas do meu pai eram sempre brancas.” A partir daí, ela fala do passeio que faria com o pai
pela cidade. No caminho, percebe que consegue ler bem. Volta a falar da camisa branca do pai e
de como ela ficaria cheia de nódoas, para no fim fazer uma reflexão sobre a importância da leitura
para ela.

Repetição

É perceptível, no Caderno de memórias coloniais, o uso repetido de determinadas palavras-


chave. Num texto marcado por fragmentação e digressão a repetição do termo mais importante
não deixa o leitor se perder na unidade do texto. Em outros momentos, a autora usa desse recurso
para dar ênfase, provocar desconforto. Como se observa nesse parágrafo.
Foder. O meu pai gostava de foder. Eu nunca vi, mas via-se. Uma
pessoa que observasse bem o meu pai, os olhos a sorrir ao mesmo
tempo que a boca, a sensualidade viril das mãos, braços, pés, pernas…
uma pessoa que escutasse a maliciosa rapidez da sua resposta, o
sentido de humor permanente e dúbio desse gigante percebia que
aquele homem gostava de foder. Eu não sabia, mas sabia.

Escolha de situações emblemáticas

Como a autora não conta uma história linear, aquilo que ela deseja ressaltar aparece em
núcleos narrativos ou descritivos com grande impacto para o leitor. O mais interessante é que
esses núcleos aparecem como cotidianos ou banais. Tome-se, como exemplo, o tapa que ela deu
em Marília, o banho com Domingas, o sábado de pagamento, o assédio do negro à luz do dia em
Lourenco Marques, a despedida no aeroporto, a chegada na casa da avó, o assédio de ti Gusto
etc.

AULA 8 – Linguagem 60
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :

Uso de metáforas

É frequente o uso de metáforas, uso de imagens comparativas no lugar do que se deseja


expressar e metonímias, considerar a parte pelo todo, principalmente quando o texto se torna
subjetivo demais expressando seus sentimentos relacionados à revolta, à saudade, à condição de
desterrada etc.
A autora tem predileção pela terra, pelo sangue, pela cor das roupas, pela sujeira para
indicar essa mistura entre a conduta que se esperava dela ou de qualquer outro e o
comportamento manchado pela terra da África. O pai tinha camisas brancas com nódoas do suor
da terra; sua roupa branca manchava-se com a terra do continente. Até mesmo ao falar de sua
traição, usa a metáfora de uma toupeira a roer as raízes de seus pais.

Polifonia e ironia

Polifonia remete a várias vozes, ou a um tipo de música em que várias músicas ou vozes se
sobrepõem. O primeiro a usar esse conceito para explicar a linguagem foi o linguista Mikhail
Mikhailovich Bakhtin (1895-1975).
A tese principal desse russo é a de que a aparente unidade do mundo é construída pela
linguagem. A fala individual é atravessada pelo trabalho coletivo que a comunidade já realizou no
repertório linguístico, ou seja, quando o indivíduo usa a língua, ele usa os discursos dos outros. É
esse jogo entre linguagem marcada fortemente pela ideologia e oposição e aceitação dessas
outras vozes que vai tornando a apropriação da fala algo muito particular e, ao mesmo tempo,
coletivo.
Em outras palavras, afirmamos nossa individualidade pela forma que nos apropriamos dos
discursos dos outros, que por sua vez, são discursos de todos numa determinada época. A autor
vive numa época em que os discursos que sustentam o colonismo são variados, ao mesmo tempo
que um contra-discurso começa a se formar. De certa forma, ela registra essas vozes plurais,
mostrando como vai se apropriando daqueles que por fim representarão o traço de quem ela é.
Ela faz questão de registrar os discursos dos brancos contrapondo-os às suas observações.
Nesse sentido, fragmentos inteiros de discurso preconceituoso aparecem num texto nitidamente
contrário ao colonialismo. Em alguns casos, o discurso da superioridade branca é desmontado
pelas reflexões da autora; em outras, ele é colocado ao lado de outros discursos ou cenas que
tornam a fala irônica. Observe o fragmento abaixo.
Tínhamos uns mainatos que carregavam as mercearias da loja do
Lousã, em caixotes de cartão. Atravessavam Lourenço Marques a pé,
se preciso fosse, com eles à cabeça, às costas; não pensávamos nisso.
Carregassem. Era o seu trabalho. Eles aguentavam. Tinham força. Não
eram como nós. Resistiam muito. Era da raça. Já vinham a pé lá do sítio
onde dormiam, que havia de ser uma palhota clandestina em qualquer
lugar no mato, que não nos interessava, desde que não trouxessem
pulgas nem piolhos nem parasitas dos que se enterravam na pele.

AULA 8 – Linguagem 61
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Obras Literárias :
Nele a autora fala de mainatos, ou empregados domésticos. Descreve o trabalho insano a
que eles eram submetidos. Percebe-se uma certa admissão de culpa ao dizer, “não pensávamos
nisso”, ao que se segue, provavelmente, uma frase típica de um defensor do sistema:
“Carregassem. Era o seu trabalho. Eles aguentavam...desde que não trouxessem pulgas nem
piolhos”.
Essa forma de descrever, contrapondo sequências de culpa e de justificação exagerada,
torna esse trecho absurdo por si mesmo, ou seja, ele afirmar o contrário do que diz. No fundo, a
autora não compartilha com a visão expressa no fragmento. Trata-se de uma escrita irônica.

Metalinguagem

Metalinguagem é um traço do texto que discute a própria criação ou formação do texto.


Rigorosamente falando, isso aparece uma vez na obra, quando a autora afirma
Todo o passado, presente e futuro ali se fundiram, naquela viagem, e
eu só posso falar usando as palavras de fronteira, de transição,
manchadas, duais que aí se formaram.
Talvez valha mais a pena notar a discussão que ela faz sobre as palavras em si, seus
significados sociais e compartilhados. Pensando nisso como uma espécie de metalinguagem não
da escrita, mas do próprio vocabulário que usa no cotidiano, há trechos notáveis, como por
exemplo quando a autora discute a diferença entre chamar a capital de Moçambique de Lourenço
Marques ou Maputo.

Corpo sensual

A autora consegue dar ao corpo um lugar especial na obra, em descrições marcadas por
sensualidade e brutalidade. Ao falar dos negros e da submissão a que eles estavam condenados,
o corpo ganha destaque até porque era por meio dele que os brancos diminuíam os nativos, basta
lembrar a discussão sobre o tamanho do órgão sexual das negras (elas tinham a cona longa).
Mas também é através de um dos mais enigmáticos capítulos que a autora, através da
descrição do corpo do seu pai, mostra todos seu amor paterno.

5.7 Questões de fixação


Questão 15.
“As pessoas não mudam. Um branco que viveu o colonialismo será um branco que viveu o
colonialismo até ao dia da morte. E toda a minha verdade será para eles uma traição. Estas
palavras, uma traição. Uma afronta à memória do meu pai. Mas com a memória do meu pai
podemos bem os dois.”

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Esse tipo de fragmento...
a) não é frequente me Caderno de Memórias, uma vez que o gênero se pauta pela narrativa e o
trecho é argumentativo.
b) configura Caderno de Memórias como uma espécie de diário de opinião digital, no qual a
autora manifesta suas opiniões como no fragmento acima.
c) expressa uma sequência expositiva-argumentativa, comum neste gênero que tem a liberdade
de mesclar várias sequências discursivas diferentes com predomínio da narrativa.
d) configura-se como uma sequência descritiva necessária para a contextualização da narrativa;
há um certo uso frequente desse recurso, traço típico de qualquer literatura que retrate algo da
história.
e) é retórico com finalidade moral, algo frequente no livro que tem a finalidade de condenar a
discriminação contra os negros.

Questão 16.
“Moçambique é essa imagem parada da menina ao sol, com as tranças louras impecavelmente
penteadas, perante a criança negra empoeirada, quase nua, esfomeada, num silêncio em que
nenhum sabe o que dizer, mirando-se do mesmo lado e dos lados opostos da justiça, do bem e
do mal, da sobrevivência. Um desterrado é também uma estátua de culpa. E a culpa, a culpa, a
culpa que deixamos crescer e enrolar-se por dentro de nós como uma trepadeira incolor, ata-nos
ao silêncio, à solidão, ao insolúvel desterro.”
Nesse fragmento,
a) Através da metáfora de uma menina parada ao sol perante a criança negra, a autora reforça
sua situação atual de alguém que não consegue retomar sua vida.
b) A dicotomia entre a loira e a negra no fragmento reforça o pacto colonial reproduzindo a
relação de exploração/submissão.
c) A cena metafórica de Moçambique gera uma outra metáfora a da trepadeira, estabelecendo
uma relação de causa e consequência.
d) a narradora, utilizando a metáfora da trepadeira, dá a entender que a culpa e consciência das
atrocidades cometidas em Moçambique atingirão todos os retornados.
e) a narradora destaca que brancos e negros estavam no mesmo lado das justiças, o seja, não se
poderia perceber quem tinha sido mais injusto.

Questão 17.
Em relação a forma de composição e aos elementos da narrativa, são feitas as seguintes
afirmações:
I. A narradora em primeira pessoa na verdade é testemunha do protagonista que é seu pai, daí
porque faz uma dedicatória ao pai.

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Obras Literárias :
II. Como a obra é composta por posts, não é unicamente um conflito que configura a obra,
embora a transformação de Moçambique, ou seja, alteração de uma situação tranquila para a
de revolta configura-se como o conflito maior que estrutura a ordem dos posts.
III. Pode-se entender o romance como polifônico, na medida em que registra os discursos dos
colonos defensores do poder branco, assim como os discursos da FRELIMO.
Assinale a alternativa correta.

a) Somente as afirmações I e II são corretas.

b) As afirmações I e III são corretas

c) As afirmações II e III são corretas.

d) Somente a afirmação I é correta.

e) Somente a afirmação II é correta.

Questão 18.
“Toda a gente considerava o ti Gusto um homem muito bom, porque tendo a filha incapaz, não
a atirara para um asilo, era fiel a uma mulher que nem barriga tivera para lhe dar um herdeiro
macho e são. O ti Gusto era a lamentada fina flor do drama e virtudes provincianas.
Eu e as cabritinhas das terrinas conhecíamos-lhe outra missa, e, nela, o oficiante era um suíno
de patilhas”.
Em relação aos recursos estilísticos, são feitas as seguintes afirmações:
I. Há na expressão “fina flor” uma metáfora que reforça o termo “virtudes”.
II. No fragmento, “uma mulher que nem barriga tivera para lhe dar um herdeiro”, observa-se o
uso de uma metonímia.
III. O uso de metáforas animalescas e a referência a outra parte da missa, reforçam a intenção
irônica da narradora de desconstruir a imagem de ti Gusto como homem bom.
Assinale a alternativa correta.

a) Somente as afirmações I e II são corretas.

b) As afirmações I e III são corretas

c) As afirmações II e III são corretas.

d) Somente a afirmação I é correta.

e) Somente a afirmação II é correta.

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Gabarito

15 . C
16. C
17. E
18. C

Questões comentadas

Questão 15.
“As pessoas não mudam. Um branco que viveu o colonialismo será um branco que viveu o
colonialismo até ao dia da morte. E toda a minha verdade será para eles uma traição. Estas
palavras, uma traição. Uma afronta à memória do meu pai. Mas com a memória do meu pai
podemos bem os dois.”
Esse tipo de fragmento...
a) não é frequente me Caderno de Memórias, uma vez que o gênero se pauta pela narrativa e o
trecho é argumentativo.
b) configura Caderno de Memórias como uma espécie de diário de opinião digital, no qual a
autora manifesta suas opiniões como no fragmento acima.
c) expressa uma sequência expositiva-argumentativa, comum neste gênero que tem a liberdade
de mesclar várias sequências discursivas diferentes com predomínio da narrativa.
d) configura-se como uma sequência descritiva necessária para a contextualização da narrativa;
há um certo uso frequente desse recurso, traço típico de qualquer literatura que retrate algo da
história.
e) é retórico com finalidade moral, algo frequente no livro que tem a finalidade de condenar a
discriminação contra os negros.
Comentário.
Alternativa "a" está incorreta. A obra tem traços típicos do blog, gênero no qual se aceita
percursos discursivos diferentes e não só narrativos.
Alternativa "b" está incorreta. Não é apenas um texto de opinião, mas também narrativo.
Alternativa "c" está correta. A autora frequentemente conta uma peripécia e emite sua opinião,
algo bem comum nesse tipo de gênero.
Alternativa "d" está incorreta. O fragmento manifesta uma opinião, ou seja, é argumentativo e
não descritivo.

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Alternativa "e" está incorreta. Não há no texto intenção de mudar as pessoas, ou seja intenção
moral, além disso o fragmento é objetivo e não pautado por uma linguagem emotiva típica do
estilo retórico.
Gabarito: C

Questão 16.
“Moçambique é essa imagem parada da menina ao sol, com as tranças louras impecavelmente
penteadas, perante a criança negra empoeirada, quase nua, esfomeada, num silêncio em que
nenhum sabe o que dizer, mirando-se do mesmo lado e dos lados opostos da justiça, do bem e
do mal, da sobrevivência. Um desterrado é também uma estátua de culpa. E a culpa, a culpa, a
culpa que deixamos crescer e enrolar-se por dentro de nós como uma trepadeira incolor, ata-nos
ao silêncio, à solidão, ao insolúvel desterro.”
Nesse fragmento,
a) Através da metáfora de uma menina parada ao sol perante a criança negra, a autora reforça
sua situação atual de alguém que não consegue retomar sua vida.
b) A dicotomia entre a loira e a negra no fragmento reforça o pacto colonial reproduzindo a
relação de exploração/submissão.
c) A cena metafórica de Moçambique gera uma outra metáfora a da trepadeira, estabelecendo
uma relação de causa e consequência.
d) a narradora, utilizando a metáfora da trepadeira, dá a entender que a culpa e consciência das
atrocidades cometidas em Moçambique atingirão todos os retornados.
e) a narradora destaca que brancos e negros estavam no mesmo lado das justiça, o seja, não se
poderia perceber quem tinha sido mais injusto.
Comentário.
Alternativa "a" está incorreta. A metáfora das duas meninas, retrata o pacto colonial e não a
situação da narradora.
Alternativa "b" está incorreta. A situação das duas meninas não é de submissão, a narradora diz
que nenhuma sabe o que dizer, ou seja, tanto a África branca como a negra não sabem para onde
vai Moçambique.
Alternativa "c" está correta. A imagem das duas meninas uma bem-vestida e outra na pobreza
gera, na narradora, um sentimento de culpa, ou seja, a imagem das meninas gera a imagem da
trepadeira.
Alternativa "d" está incorreta. O sentimento de culpa é a narradora que sentem, em nenhum
momento ela acreditou que os outros retornados pudessem compartilhar com ela esse
sentimento.
Alternativa "e" está incorreta. No texto, as meninas estão em lados opostos e do mesmo lado, a
injustiça contra os negros era perceptível.
Gabarito: C

AULA 8 – Linguagem 66
Professor Fernando Andrade –
Obras Literárias :

Questão 17.
Em relação a forma de composição e aos elementos da narrativa, são feitas as seguintes
afirmações:
I. A narradora em primeira pessoa na verdade é testemunha do protagonista que é seu pai, daí
porque faz uma dedicatória ao pai.
II. Como a obra é composta por posts, não é unicamente um conflito que configura a obra,
embora a transformação de Moçambique, ou seja, alteração de uma situação tranquila para a
de revolta configura-se como o conflito maior que estrutura a ordem dos posts.
III. Pode-se entender o romance como polifônico, na medida em que registra os discursos dos
colonos defensores do poder branco, assim como os discursos da FRELIMO.
Assinale a alternativa correta.

a) Somente as afirmações I e II são corretas.

b) As afirmações I e III são corretas

c) As afirmações II e III são corretas.

d) Somente a afirmação I é correta.

e) Somente a afirmação II é correta.

Comentário.
Afirmação I está incorreta. Ela é a protagonista da história e não o seu pai.
Afirmação II está correta. Há conflitos menores como o da traição ao pai, ou menores ainda,
como o da tentativa de perder o anel, mas todos eles estão submetidos a uma narrativa maior, a
situação inicial de conforto dos colonos mudou, e a narradora teve que fugir.
Afirmação III está incorreta. Ela não registra os discursos da FRELIMO, relata um pouco algumas
das ações da FRELIMO.
Gabarito: E

Questão 18.
“Toda a gente considerava o ti Gusto um homem muito bom, porque tendo a filha incapaz, não
a atirara para um asilo, era fiel a uma mulher que nem barriga tivera para lhe dar um herdeiro
macho e são. O ti Gusto era a lamentada fina flor do drama e virtudes provincianas.
Eu e as cabritinhas das terrinas conhecíamos-lhe outra missa, e, nela, o oficiante era um suíno
de patilhas”.
Em relação aos recursos estilísticos, são feitas as seguintes afirmações:
I. Há na expressão “fina flor” uma metáfora que reforça o termo “virtudes”.

AULA 8 – Linguagem 67
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Obras Literárias :
II. No fragmento, “uma mulher que nem barriga tivera para lhe dar um herdeiro”, observa-se o
uso de uma metonímia.
III. O uso de metáforas animalescas e a referência a outra parte da missa, reforçam a intenção
irônica da narradora de desconstruir a imagem de ti Gusto como homem bom.
Assinale a alternativa correta.

a) Somente as afirmações I e II são corretas.

b) As afirmações I e III são corretas

c) As afirmações II e III são corretas.

d) Somente a afirmação I é correta.

e) Somente a afirmação II é correta.

Comentário.

Afirmação I está incorreta. O termo fina flor é irônico, na verdade está em oposição à virtudes.
Ou ele não é fina flor de fato ou não tem virtudes.
Afirmação II está correta. A metonímia é a parte pelo todo, a narradora se vale da barriga para
se referir a gestação.
Afirmação III está correta. Ela se vale de “cabritinhas” para designar mulheres jovens que são
assediadas por homens mais velhos, e suíno para denotar a sujeira moral de ti Gusto. Ele era
bem-visto pela sociedade, mas tinha um comportamento reprovável com suas “meninas”, por
isso o texto irônico.
Gabarito: C

6. Obra pós-moderna
Como classificar essa obra? Não só pela data, mas também por uma série de traços, pode-
se dizer que Caderno de Memórias coloniais é um texto pós-moderno.

Segundo Barrento, crítico literário, os traços mais visíveis de uma obra pós-modena são:

AULA 8 – Linguagem 68
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Boa parte desses traços são visíveis no texto. A autora deixa claro que cada um tem uma
opinião diferente e não manifesta, em nenhum momento, estar escrevendo um texto em que se
revela uma verdade racional. Aceita e tenta compreender a diferença, até porque, ela torna-se
uma diferente seja na Moçambique negra, seja em Portugal.
O gênero escolhido permite a fragmentação e uso de elementos acidentais que ela sabe
usar para produzir um texto coerente. Não há a defesa de qualquer tipo de ideologia. Além disso,
deixa indistinto real e imaginário, ao se valer da própria biografia para fazer um texto que dialoga
com o ficcional.
De toda essa experiência, há o saldo de se acompanhar um personagem que sabe ser
humano na medida em entende e ama seu pai e um certo colonialismo, mas também luta contra
algumas heranças paternas e despreza o preconceito desumano. Resta uma traição, que a
medida de quem é humano carrega culpas, mas sabe entender e perdoar a si mesmo.
Talvez o mais verdadeiro texto sobre descolonização, por mais que haja injustiça, não
haverá lados.

7. Considerações Finais

AULA 8 – Linguagem 69
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Mais uma obra literária analisada.


Acredito que tenha sido muito agradável, tanto ler o livro, como depois rever o enredo
através dessa análise. Fiz tudo o que podia para tornar a narrativa mais clara para você.
O material que você tem em mãos é completo e bastante didático. Use e abuse. Faça os
exercícios.
O esforço é seu, meu, nosso.
Em caso de qualquer dúvida, estarei à disposição no Fórum.
Bom estudo e até a próxima obra literária.

Professor Fernando Andrade

@filosofia.do.portuga Redaçao e Filosofia

Blog de crônicas :

https://www.outrasvias.com/

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Versão Data Modificações

1 18/11/2021 Primeira versão do texto.

AULA 8 – Linguagem 71

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