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VI.

DA PRISÃO
Beccaria afirma que era comum outorgar-se ao magistrado poderes
discricionários, para prender cidadãos sem critérios pré-estabelecidos. Para o
autor, somente a lei deve definir os casos em que a pena de prisão deve ser
aplicada. Assim, a lei deve estabelecer, de maneira fixa, por que indícios de
delito um acusado pode ser preso e submetido a interrogatório. Não deve ficar
a cargo do juiz decidir tais questões, pois devem ser claras e de conhecimento
prévio dos cidadãos. Beccaria diz que o triste costume de sua época, de lançar
pessoas em prisões horríveis, sem indícios, sem critérios legais, é uma
herança de seus antecedentes bárbaros.
VII. DOS INDÍCIOS DO DELITO E DA FORMA DOS JULGAMENTOS
Aqui, o autor descreve uma forma interessante de se medir a certeza dos fatos
em relação aos seus indícios: se os indícios dependem uns dos outros, se para
que um seja válido, os outros também devem ser, pouca é a certeza a respeito
do fato. Se, porém, os indícios forem autônomos, independentes, cada um, por
si só, revelando o acontecimento, há maior grau de certeza sobre o fato.
Beccaria fala sobre provas perfeitas, ou seja, irrefutáveis, e provas imperfeitas,
as quais não excluem a possibilidade de inocência do acusado. Para o autor,
melhor é nos países em que os acusados são julgados por pessoas escolhidas
pela sorte, sem títulos de magistrados; estas julgariam a existência ou não do
fato através do bom senso, e não como os magistrados, que buscam culpados
em toda parte. É importante também que o acusado seja acusado por seus
semelhantes, e não por pessoas muito diferentes dele. Isso evitaria
julgamentos preconceituosos ou influenciados por diferenças sociais.
VIII. DAS TESTEMUNHAS
Beccaria defende a ideia de que todo homem capaz de raciocinar deve ser tido
como testemunha. Porém, a confiança dada a seus depoimentos deve variar
de acordo com a quantidade de motivos que esse homem tiver para não dizer a
verdade.
Quanto mais bárbaro e odioso o crime, menos provável que tenha acontecido;
quanto menor o interesse do acusado em cometê-lo, menor a probabilidade de
este o ter feito.
IX. DAS ACUSAÇÕES SECRETAS
Para Beccaria, as acusações secretas seriam um abuso consagrado em vários
governos pela fraqueza de sua constituição. Esse costume faria dos cidadãos
falsos e pérfidos; viveriam uns como delatores, traidores dos outros. O autor
mostra a injustiça deste instituto: “Quem poderá defender-se da calúnia,
quando esta se arma com o escudo mais sólido da tirania: o sigilo?”. No
restante do capítulo, Beccaria refuta todos os argumentos a favor das penas
secretas, e coloca-se como defensor de julgamentos públicos.
X. DOS INTERROGATÓRIOS SUGESTIVOS
Neste ponto, Beccaria critica severamente os interrogatórios que utilizam a dor
como meio de se obter informações do acusado. Segundo o autor, a proibição
de interrogatórios sugestivos, que indiquem uma resposta direta do acusado,
uma resposta que o faça escapar da tortura, seria uma proibição hipócrita e
contraditória, pois não haveria nada mais sugestivo do que a dor infligida a uma
pessoa ao ser questionada. Esta, na primeira oportunidade, inventaria uma
história para escapar daquele momento.
XI. DOS JURAMENTOS
Para Beccaria, os juramentos em nome de Deus não deveriam ser feitos, pois
colocam o acusado em situação em que inevitavelmente irá ofender as leis
divinas para se proteger. O autor diz que os juramentos fazem com que os réus
infrinjam as leis divinas, pois essas não são temíveis por eles tanto quanto as
consequências humanas, mais próximas dos sentidos.
XII. DA QUESTÃO OU TORTURA
Neste capítulo, Beccaria faz severas críticas à prática da tortura durante o
processo, a qual visa ao esclarecimento ou confissão por parte do acusado. Ou
o crime é certo ou incerto.
“Eis uma proposição bem simples: ou o delito é certo, ou é incerto; se é certo,
só deve ser punido com a pena fixada pela lei, e a tortura é inútil, pois já não
se tem necessidade das confissões do acusado. Se o delito é incerto, não é
hediondo atormentar um inocente? Com efeito, perante as leis, é inocente
aquele cujo delito não se provou.”
Para o autor, nenhuma confissão que se consiga através de tortura é válida,
pois o acusado teria razões suficientes para mentir e confessar um crime que
não cometeu. Da mesma forma, a não confissão depois de tortura não prova a
inocência de ninguém: prova somente sua resistência à dor.
XIII. DA DURAÇÃO DO PROCESSO E DA PRESCRIÇÃO
Beccaria divide os crimes entre crimes atrozes – o homicídio e suas espécies –
e crimes menos hediondos do que o homicídio.
Para ele, os crimes atrozes devem ter um processo rápido, pois a culpa do
acusado é improvável, dado que o homicídio é um crime que atenta contra leis
naturais, escritas no coração das pessoas.
Já os crimes menos atrozes, por serem mais prováveis – o direito à
propriedade não estaria escrito no coração dos homens – poderiam ter um
processo mais longo. Além disso, deveriam prescrever após certo tempo,
dando a oportunidade do infrator que viveu por muito tempo sob o risco de ser
condenado acertar sua vida e continuar a vivê-la corretamente.
XIV. DOS CRIMES COMEÇADOS; DOS CÚMPLICES; DA IMPUNIDADE
Assim como os crimes consumados, as tentativas de crimes também devem
ser punidas, porém não com a mesma severidade. Para Beccaria, isso faria
com que o criminoso, durante algum intervalo entre o começo da ação e sua
conclusão, possa repensar e desistir de praticá-la.
Outro ponto neste capítulo é a importância de se punir mais o executor do que
os cúmplices de um crime; dessa forma seria difícil encontrar um entre o bando
que executasse a ação, pois seu risco seria maior.
XV. DA PENA DE MORTE
Aqui, Beccaria faz uma reflexão sobre a pena de morte. Para ele, ela só é
importante em situações especificas:
“(...) nos momentos de confusão em que uma nação fica na alternativa de
recuperar ou de perder sua liberdade, nas épocas de confusão, em que as leis
são substituídas pela desordem, e quando um cidadão, embora privado de sua
liberdade, pode ainda, por suas relações e seu crédito, atentar contra a
segurança pública, podendo sua existência produzir uma revolução perigosa
no governo estabelecido.”
E continua:
“(...) sob o reino tranquilo das leis, sob uma forma de governo aprovada pela
nação inteira, num Estado bem defendido no exterior e sustentado no interior
pela força e pela opinião talvez mais poderosa do que a própria força, num
país em que a autoridade é exercida pelo próprio soberano, em que as
riquezas só podem proporcionar prazeres e não poder, não pode haver
nenhuma necessidade de tirar a vida a um cidadão, a menos que a morte seja
o único freio capaz de impedir novos crimes.”
O autor conclui questionando a existência de penas de morte, pois a prática
indica que os criminosos não são amedrontados por ela. Se a lei condena o
homicídio e o declara hediondo, não deveria praticar morticínios públicos.
XVI. DO BANIMENTO E DAS CONFISCAÇÕES
Beccaria sustenta que as penas de banimento podem ser aplicadas, mesmos
sem certeza absoluta de um crime. Para ele, é justo prevenir a sociedade de tal
indivíduo, mesmo que não esteja absolutamente comprovada sua conduta
criminosa.
Porém, o autor questiona a pena de confiscação de bens para o que não for
provado culpado. A confiscação seria uma pena muito pior que o banimento;
poderia fazer famílias irem à ruína, tornar um inocente mendigo, pedinte ou
bandido.
XVII. DA INFÂMIA
Beccaria trata das penas de infâmia, que deve ser imputada àqueles cujas
ações criminosas possam ser tidas como heroicas pelo povo. A humilhação e a
vergonha são mais eficazes, pois outras penas poderiam realçar o caráter
heroico do criminoso perante as pessoas simples e ignorantes.
O autor, porém, adverte que tal pena não deve ser aplicada
indiscriminadamente, pois se muitos forem infames, ninguém mais o será.
XVIII. DA PUBLICIDADE E DA PRESTEZA DAS PENAS
Neste capítulo brilhante, Beccaria fala a respeito do processo, da importância
de sua rápida duração; quanto mais rápida a aplicação, mais úteis e justas são
as penas.
O autor defende que durante os processos, só deve haver prisão para impedir
a fuga ou destruição de provas. Para ele, os juízes devem ser sensíveis,
agilizando os procedimentos, para que o acusado logo saiba de sua
condenação ou absolvição.
Novamente o autor retoma a ideia de que as penas não devem ser cruéis, e
que o povo se sensibilizaria com penas menores, imaginando a situação dos
condenados.
XIX. QUE O CASTIGO DEVE SER INEVITÁVEL
Beccaria defende a ideia de que o que evita os crimes não seria a severidade
da pena, mas sim a certeza de sua aplicação. O autor diz que as penas devem
ser brandas e os juízes devem estar sempre atentos, vigilantes, prontos para
aplicá-las.
As graças e anistias, que são concedidas pelo soberano ou pelo ofendido, não
deveriam ser aplicados, pois as leis penais existiram em função do bem
público. A partir do momento em que as penas forem mais brandas, não será
mais considerado uma virtude conceder graça àqueles que praticaram atos
criminosos.
XX. DOS ASILOS
Não se deve conceder asilo aos criminosos. Isso geraria um sentimento de
impunidade. Para Beccaria, os soberanos devem fazer permutação de
criminosos para que estes sejam julgados nos países em que cometeram o
crime, e não lhes seja concedida impunidade. Porém, Beccaria faz uma
ressalva:
“(...) Não ousarei, porém, decidir essa questão, até que as leis, tornando-se
mais conformes aos sentimentos naturais do homem, com penas mais
brandas, impedindo o arbítrio dos juízes e da opinião, assegurem a inocência e
preservem a virtude das perseguições da inveja; até que a tirania, relegada ao
Oriente, tenha deixado a Europa sob o doce império da razão, dessa razão
eterna que une com um laço indissolúvel os interesses dos soberanos aos
interesses dos povos.”
XXI. QUE AS PENAS DEVEM SER PROPORCIONADAS AOS DELITOS
A intensidade da sanção deve ser proporcional à infração cometida, tendo em
vista o grau de prejuízo ao bem público. A distribuição desigual de penas
produz contradições, tendo em vista que o homem é motivado, em suas ações,
a agir com vistas à recompensa ou a evitar castigo. Daí, um criminoso sempre
se inclinará a praticar crimes com menores penas.
Portanto, é necessário que o legislador estabeleça divisões principais na
distribuição das penas proporcionadas aos delitos e que, sobretudo, não
aplique os menores castigos aos maiores crimes.
XXII. DA MEDIDA DOS DELITOS
A intensidade do crime não depende da intenção de quem o comete, porque a
intenção do acusado depende de um julgamento subjetivo de circunstâncias.
Muitas vezes, com a melhor das intenções, um cidadão faz à sociedade os
maiores males, ao passo que outro lhe presta grandes serviços com a vontade
de prejudicar.
A gravidade do crime também não deve ser avaliada pela dignidade da pessoa
ofendida. Se esse método fosse aceito, uma pequena irreverência para com o
Ser Supremo mereceria uma pena bem mais severa do que o assassinato de
um monarca, pois a superioridade da natureza divina compensaria
infinitamente a diferença da ofensa.
Conclui-se que a verdadeira medida dos delitos é o dano causado à sociedade
tendo em vista a preocupação do Direito em regular o convívio social de forma
harmoniosa.
XXIII. DIVISÃO DOS DELITOS
Beccaria defende que somente há ato criminoso se este atentar diretamente
contra a sociedade ou aos que a representam, se atingir o cidadão em sua
vida, em seus bens ou em sua honra e, finalmente, for contrário ao que a lei
prescreve ou proíbe, tendo em vista o bem público. Fora isso, não há crime,
sob pena de se incorrer em prevalência de interesses particulares.
Essa definição de crime tendo como base o bem público é fundamental para
que moral e direito caminhem harmoniosamente. Todo cidadão pode fazer tudo
o que não é proibido por lei, sem temer outros inconvenientes além dos que
podem resultar de sua ação em si mesma. Esse dogma político deveria ser
gravado no espírito dos povos, proclamado pelos magistrados supremos e
protegido pelas leis. Segundo o autor, sem esse dogma sagrado, toda
sociedade legítima não pode subsistir por muito tempo, porque ele é a justa
recompensa do sacrifício que os homens fizeram de sua independência e de
sua liberdade.
XXIV. DOS CRIMES DE LESA-MAJESTADE
Os crimes de Lesa-Majestade, para Beccaria, foram postos na classe dos
grandes crimes, porque causam grande dano à sociedade. Mas a tirania e a
ignorância, que confundem as palavras e as ideias mais claras, deram esse
nome a uma multidão de delitos de natureza inteiramente diversa. Aplicaram-se
as penas mais graves a faltas leves, ferindo o princípio da proporcionalidade
das penas.
XXV. DOS ATENTADOS CONTRA A SEGURANÇA DOS PARTICULARES E,
PRINCIPALMENTE, DAS VIOLÊNCIAS
Tendo em vista que a segurança de seus cidadãos é o objetivo de todas as
sociedades humanas, para Beccaria, não se poderia deixar de punir com as
penas mais graves aquele que a atinge. Entre esses crimes, uns são atentados
contra a vida, outros contra a honra e outros contra os bens.
Os atentados contra a vida e a liberdade devem ser considerados graves e
punidos com penas corporais, sendo que as penas das pessoas de mais alta
linhagem devem ser as mesmas que as do último dos cidadãos. A igualdade
civil é anterior a todas as distinções de honras e de riquezas. Se todos os
cidadãos não dependerem igualmente das mesmas leis, as distinções deixarão
de ser legítimas.
XXVI. DAS INJÚRIAS
É de suma importância determinar uma noção de honra, tendo em vista sua
relevância na vida em sociedade. Para Beccaria, a honra deve ser uma
garantia protegida pelo Direito de forma a preservar a imagem de cada cidadão
perante outro, com determinação de reparação de dano quando é ferida.
As injúrias pessoais, contrárias à honra, isto é, a essa justa porção de estima
que todo homem tem o direito de esperar dos seus concidadãos, devem ser
punidas pela infâmia. Há uma contradição notória entre as leis, ocupadas
sobretudo com a proteção da fortuna e da vida de cada cidadão, e as leis do
que se chama a honra, que preferem a opinião a tudo.
XXVII. DOS DUELOS
Com a ideia de honra, surge a ideia de defesa pessoal desta honra; tendo em
vista que a lei pune quem fere a honra de outrem, às vezes, de forma
insatisfatória, surgem os duelos, que são embates físicos pela defesa da honra.
Para Beccaria, o melhor meio de impedir o duelo é punir o agressor, isto é,
aquele que deu lugar ao embate, a declarar inocente aquele que, sem procurar
tirar a espada, se viu constrangido a defender a própria honra, que as leis não
protegem suficientemente, e mostrar aos seus concidadãos que pode respeitar
as leis, mas que não teme os homens.
XXVIII. DO ROUBO
O roubo sem violência só deve ser punido com uma pena pecuniária. É justo
que quem rouba o bem de outrem seja despojado do seu. Se, porém, o roubo é
acompanhado de violência, é justa a pena corporal, tendo em vista que além
do dano patrimonial, houve dano à pessoa.
Cabe ressaltar que em caso de roubo sem violência motivado por miséria ou
desespero, as penas pecuniárias contribuirão simplesmente para multiplicar os
roubos, aumentando o número dos indigentes, arrancando o pão de uma
família inocente, para dá-lo a um rico talvez criminoso. Nesse caso a pena mais
justa será uma espécie de escravidão temporária, a qual torna a sociedade
senhora absoluta da pessoa e do trabalho do culpado, para fazê-lo expiar, por
essa dependência, o dano que causou e a violação do pacto social.
XXIX. DO CONTRABANDO
Embora o contrabando seja um verdadeiro delito, que ofende o soberano e a
nação, sua pena não deveria ser grave, porque a opinião pública não empresta
nenhuma infâmia a essa espécie de delito.
Isso se deve porque os homens sobre os quais as consequências remotas de
um ato só produzem impressões fracas, não veem o dano que o contrabando
pode causar-lhes. Essa maneira de sentir é consequência do princípio
incontestável de que todo ser sensível só se interessa pelos males que
conhece. Chegam mesmo, às vezes, a retirar dele vantagens momentâneas. O
confisco das mercadorias é uma pena justa.
XXX. DAS FALÊNCIAS
É preciso distinguir o empresário que age pautado na boa-fé daquele
fraudulento. Este deveria ser punido como são os moedeiros falsos, porque
não é maior o crime de falsificar o metal amoedado, que constitui a garantia
dos homens entre si, do que falsificar essas obrigações mesmas. O falido de
boa-fé deve ser tratado com menos rigor.
O falido de boa-fé acabou adquirindo tal condição devido a questões
econômicas, por circunstâncias do próprio mercado, o qual é voraz e arriscado
por natureza. O fraudulento usa a ocasião falimentar para obter vantagem
pessoal, em detrimento do bem público, e por isso deve ser punido de forma
mais severa, mas não tão grave quanto a punição de um crime contra a vida.
XXXI. DOS DELITOS QUE PERTURBAM A TRANQUILIDADE PÚBLICA
Nesse grupo de crimes estão compreendidos atos de vandalismo e desordem
que prejudicam a tranquilidade e a harmonia pública. Eles se baseiam no
princípio que expressa que os cidadãos devem saber o que precisam fazer
para serem culpados e o que precisam evitar para serem inocentes.
As medidas para se prevenir tais delitos consistem em medidas sociais, como a
vigilância ostensiva, leis de silêncio e de ordem, entre outras. Além disso, é
extremamente importante que haja mecanismos para garantir uma segurança
jurídica e social, cuidando para que as medidas não se baseiem em abusos e
arbitrariedades, pois estas somente causam revoltas na sociedade.
XXXII. DA OCIOSIDADE
Cabe exclusivamente às leis definir a espécie de ociosidade punível, de acordo
com a finalidade pública do Estado e sem ferir a liberdade individual de cada
indivíduo. É preciso encontrar uma proporção adequada entre a liberdade que
tem cada indivíduo de fazer qualquer coisa não proibida em lei e a finalidade
pública.
XXXIII. DO SUICÍDIO
O suicídio, em si, não é um crime contra os homens, nem contra a sociedade,
sendo impossível submeter seu agente a uma pena, pois esta só poderia recair
sobre um corpo insensível e sem vida. O caso de punir os familiares é
impensável, pois a pena recairia sobre inocentes. Além disso, cabe ressaltar
que ninguém pode ser concomitantemente sujeito ativo e passivo de um
mesmo crime.
Cabe ressaltar também que, caso houvesse alguma pena para suicídio, isso
certamente não deteria a mão do infeliz determinado a morrer, pois o próprio
ato do suicídio já mostra uma alternativa de punição pessoal, diga-se de
passagem, a maior punição de todas.
XXXIV. DE CERTOS DELITOS DIFÍCEIS DE CONSTATAR
Existem na sociedade certos delitos que são bastante difíceis de serem
constatados, como o adultério, a pederastia e o infanticídio.
O adultério e a pederastia são condutas que, consideradas sob o ponto de vista
político, só são tão frequentes porque as leis não são fixas e porque há atração
física natural. Envolvem questões morais e culturais complexas. É mais fácil ao
legislador determinar medidas quando tais delitos não foram cometidos, ou
seja, de prevenção, do que reprimi-los quando já se consumaram. O
infanticídio é ainda o resultado quase inevitável da cruel alternativa em que se
acha uma mulher infeliz, que só cedeu por fraqueza, ou que sucumbiu sob os
esforços da violência.
XXXV. DE UMA ESPÉCIE PARTICULAR DE DELITO
Os crimes contra liberdade religiosa são tratados isoladamente, tendo em vista
sua pontuação no período da História. Procurar demonstrar como certas
crenças religiosas, entre as quais só podem achar-se diferenças sutis,
obscuras e muito acima da capacidade humana, podem, contudo perturbar a
tranquilidade pública, a menos que somente uma seja autorizada e todas as
outras proibidas.
Cabe acentuar que o Direito Penal deve tratar de crimes que pertencem ao
homem natural e que violam o contrato social e o bom convívio da sociedade,
devendo silenciar, porém, sobre os pecados cuja punição mesmo temporal
deve ser determinada segundo outras regras que não as da filosofia.
XXXVI. DE ALGUMAS FONTES GERAIS DE ERROS E DE INJUSTIÇAS NA
LEGISLAÇÃO
A noção de utilidade para os legisladores é uma das fontes geradoras de
injustiças. Segundo o Beccaria:
“É por uma falsa ideia de utilidade que se procura submeter uma multidão de
seres sensíveis à regularidade simétrica que pode receber uma matéria bruta e
inanimada; que se negligenciam os motivos presentes, únicos capazes de
impressionar o espírito humano de maneira forte e durável, para
empregarmotivos remotos, cuja impressão é fraca e passageira, a menos que
uma grande força de imaginação, que só se encontra num pequeno número de
homens, supra o afastamento do objeto, mantendo-o sob relações que o
aumentam e o aproximam.”
Por exemplo, uma lei que proíbe o porte de armas desarma o cidadão pacífico,
ao passo que os criminosos mantêm suas armas, ou seja, qual a real utilidade
de desarmar inocentes? Além de ferir a liberdade individual, submeteriam os
inocentes a fiscalizações às quais só deveriam ser submetidos os infratores.
XXXVII. DO ESPÍRITO DE FAMÍLIA
O espírito de família é outra fonte geral de injustiças na legislação. Segundo
Beccaria:
“O espírito de família é um espírito de minúcia limitado pelos mais
insignificantes pormenores; ao passo que o espírito público, ligado aos
princípios gerais, vê os fatos com visão segura, coordena-os nos lugares
respectivos e sabe tirar deles consequências úteis ao bem da maioria.”
Desse modo, o autor coloca o espírito de família como algo divergente do
espírito público, deturpando as ideias de que numa república os homens são
cidadãos com igualdade de direitos, tendo em vista que nesse sistema os
homens convivem pautados num contrato social, enquanto na família as
relações são pautadas pela autoridade dos pais, um sentimento sagrado e
inviolável da natureza, caracterizando uma relação desigual.
Conclui-se que a moral familiar inspira uma submissão e um temor, o que
diverge dos princípios de liberdade que devem dominar a relação entre
cidadãos em uma república.
XXXVIII. DO ESPÍRITO DO FISCO
O espírito do fisco, ou seja, sua forma de atuar deve ter como eixo o interesse
público e não ser, simplesmente, um meio de o Estado lucrar em cima de seus
cidadãos, e o juiz tem papel fundamental nisso, tendo em vista que, através do
processamento e do julgamento das ações fiscais, ele tem o poder de usar os
meios e os argumentos favoráveis para impor o bem público sobre o abuso do
poder estatal.
O juiz deve adotar uma postura imparcial para não se confundir com um
“advogado do fisco”. A imparcialidade evita uma tendência em favorecer o fisco
unicamente por questões financeiras.
O verdadeiro processo das informações e a investigação imparcial do fato
devem ser prescritos pela razão seguida no ordenamento jurídico, zelando pela
moral e pelo bem público.
XXXIX. DOS MEIOS DE PREVENIR CRIMES
Para o autor, “é melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo
legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma
boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-
estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam
causar, segundo o cálculo dos bens e dos males desta vida.”
Ao fazer as leis contra os crimes é preciso ter clara a noção de nocividade da
conduta tipificada, pois, se nada ela tiver de nociva, acabará ensejando uma
confusão entre a dicotomia vício-virtude, fazendo com que novos crimes
surjam.
Para prevenir os crimes é necessário fazer leis simples e claras e que a toda
nação esteja disposta a defendê-las e cumpri-las sem que minorias se
preocupem constantemente em destruí-las. Além disso, deve a nação marchar
rumo à liberdade, iluminada pela ciência e pela razão.
O próprio Beccaria conclui: “o assunto é vasto demais para entrar nos limites
que me prescrevi. Ouso, porém, dizer que está tão estreitamente ligado com
a natureza do governo que será apenas um campo estéril e cultivado somente
por um pequeno número de sábios, até chegarem os séculos ainda distantes
em que as leis não terão outro fim senão a felicidade pública.”
XL. CONCLUSÃO
No fim de sua obra, Beccaria confirma que a pena deve ir ao encontro do
interesse público, sendo razoável e necessária ao delito, sendo definida pela
lei, sendo de importância fundamental a atuação virtuosa do legislador, para
que não ocorra violência contra o cidadão.
Referência: BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 3ª ed. São Paulo:
Edijur, 2012.
Data da conclusão/última revisão: 2017-07-31

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