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O AMOR DE CRISTO NO SERVIÇO A HUMANIDADE POR MEIO DA EUCARISTIA

E DO SACERDOTE

Carlos Alberto Bento1.


Orientador: Dr. André Phillipe Pereira2

RESUMO: Na última ceia, no pão e no vinho, Jesus antecipa sua morte, realizando a sua
autodoação sacramental, instituindo o memorial da sua Páscoa. De tal modo, Jesus instituiu a
Eucaristia na última ceia, ou seja, na última refeição, que celebrou com seus apóstolos em
Jerusalém (1Cor 11,23). Na última ceia, que instituiu a Eucaristia, ao mesmo tempo, instituiu o
Sacerdócio ministerial. O objetivo geral deste artigo é aprofundar o amor de Cristo no serviço
a humanidade por meio da Eucaristia e do Sacerdócio. A metodologia adotada neste artigo
consiste em uma pesquisa de abordagem qualitativa e a estratégia foi uma pesquisa bibliográfica
em documentos da Igreja Católica, catequese dos Papas e renomados teólogos. O artigo está
dividido em três seções. A primeira parte dedicou-se a pesquisar sobre a Instituição da
Eucaristia: demonstração de sua presença amorosa para com o ser humano. A segunda seção
foi sobre Jesus que institui o Sacerdócio ministerial. E finalizou-se o artigo desenvolvendo
sobre a Eucaristia e o Sacerdócio: verdadeiramente um serviço amoroso do salvador a
humanidade. Conclui-se seguramente que a Eucaristia é amor, e o Sacerdócio ministerial é
missão. Conhecedores desse amor os fiéis podem participar da celebração da mesa da Eucaristia
maia conscientes e piedosos.

Palavras-chave: Amor. Eucaristia. Sacerdote Ministerial. Serviço.

1 INTRODUÇÃO

O Concílio Vaticano II afirmou que o sacrifício eucarístico é “fonte e centro de toda a


vida cristã” (LUMEN GENTIUM (LG), 1964, n. 11), e “na santíssima Eucaristia está contido

1
Graduado em Teologia pela Católica de Santa Catarina (2020); graduado em Administração pela Universidade
da Região de Joinville (2004). Pós-graduando em Cristologia pela Católica de Santa Catarina. Possui
especialização em Liturgia pela Católica de Santa Catarina (2022); Especialização em Catequese no Mundo
Contemporâneo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2012); Especialização em Gestão de Marketing
Estratégico e Geração de Negócios pela Univille (2005). Coordenador da Escola Diocesana de Teologia para
Leigos. Membro da comissão Diocesana da Animação Bíblica da Pastoral - Diocese de Joinville-SC. E-mail:
carlosbento.ns@gmail.com. E-mail: carlosbento.ns@gmail.com.
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Associado a SOTER, possui Bacharelado em Filosofia pela Faculdade Arquidiocesana de Filosofia - Curitiba
/Brasil (2005). Bacharelado em Teologia pela Pontificia Universitas Lateranensis - Roma/Itália (2009).
Bacharelado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - Curitiba /Brasil (2011). Licenciatura
em Filosofia pela Faculdade Padre João Bagozzi - Curitiba / Brasil (2012). Licenciatura em história pela Centro
Universitário Claretiano (2018). Especialização em Espiritualidade pela Faculdade Vicentina - Curitiba / Brasil
(2012). Especialização em Educação, com área de concentração em Ensino de História e Geografia pelo Centro
Universitário Claretiano - Curitiba / Brasil (2014). Mestrado em Teologia pela Universidade Católica do Paraná -
Curitiba - Brasil. (2013). Doutor em Teologia pela PUC-RJ - Rio de Janeiro - Brasil. (2018). Atualmente é
professor de História da Igreja (Antiga, Medieval, Moderna, Contemporânea e na América Latina e Brasil) e de
Teologia Sistemática no Centro Universitário Católica de Santa Catarina e nesta mesma instituição coordena o
curso de especialização Lato Sensu em História da Igreja. E-mail: andre.pereira@catolicasc.org.br
.
todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o pão vivo que dá
aos homens a vida mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo”
(PRESBYTERORUM ORDINIS (PO), 1965, n. 5).
A Instituição da Eucaristia e do Sacerdócio ministerial é celebrada na quinta-feira Santa,
tal celebração nem sempre é compreendida pelos fiéis em sua profundidade do mistério e
significado. Por isso, o aprofundamento do tema leva os fiéis Católicos a participem do Sagrado
Mistério, mais consciente, ativa e piedosamente” (SACROSANCTUM CONCILIUM, 1963, n.
48).
O objetivo geral é aprofundar o amor de Cristo à humanidade na Eucaristia e no
Sacerdote Ministerial a partir da celebração da quinta-feira Santa. Os objetivos específicos
buscam aprofundar sobre a instituição da Eucaristia; Desenvolver sobre a instituição do
sacerdócio ministerial católico e refletir sobre o amor de Cristo à humanidade por meio da
Eucaristia e o Sacerdote.
Para isso, o desenvolvimento pauta-se pela pesquisa bibliográfica, que “é o estudo
sistematizado desenvolvido com base em material publicado em livros, revistas, jornais, redes
eletrônicas.” (VERGARA, 2005, p. 48).
Documentos Conciliares da Igreja, especialmente do Vaticano II, os pronunciamentos,
documentos e catequeses dos Papas João Paulo II, Bento XVI e Francisco, contribuíram
sensivelmente para aprofundar a pesquisa. Os livros litúrgicos, Catecismo da Igreja Católica e
renomados teólogos auxiliaram a fundamentar as abordagens propostas.
Este artigo está estruturado em três seções. Iniciou-se o desenvolvimento sobre a
Instituição da Eucaristia: demonstração de sua presença amorosa para com o ser humano. Na
sequência estudou-se que: Jesus institui o sacerdócio ministerial. E por fim aprofundou-se sobre
a Eucaristia e o Sacerdócio: verdadeiramente um serviço amoroso do salvador a humanidade.

2 INSTITUIÇÃO DA EUCARISTIA: DEMONSTRAÇÃO DE SUA PRESENÇA


AMOROSA PARA COM O SER HUMANO

O Concílio Vaticano II assegura que é pela Eucaristia que “vive e cresce a Igreja” (LG,
1964, n. 26). Diante da magnitude desse Sacramento para a Igreja, nessa seção do artigo, será
feita uma abordagem sobre a instituição do augustíssimo Sacramento da Eucaristia. Para isso,
atentar-se-á às fontes neotestamentárias que relatam o desejo de Jesus de celebrar a última ceia
com seus discípulos, iniciando sua paixão, morte e ressurreição, ou seja, a doação da própria
vida para nos salvar.
Na última ceia, no pão e no vinho, Jesus antecipa sua morte, realizando a sua autodoação
sacramental, instituindo memorial da sua Páscoa. De tal modo, Jesus instituiu a Eucaristia na
última ceia, ou seja, na última refeição, que celebrou com seus apóstolos em Jerusalém “na
noite que foi entregue” (1Cor 11,23).
As fontes que narram esse evento são: Mateus 26,26-293, Marcos 14,22-244, Lucas
22,14-205 e na primeira carta aos Coríntios, como escreve o Apóstolo Paulo:

Com efeito, eu mesmo recebi do Senhor o que vos transmiti: na noite em que foi
entregue, o Senhor Jesus tomou o pão 24e, depois de dar graças, partiu-o e disse: "Isto
é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim". 25Do mesmo modo,
após a ceia, também tomou o cálice, dizendo: "Este cálice é a nova Aliança em meu
sangue; todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de mim". 26Todas as
vezes, pois, que comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor
até que ele venha (1Cor 11,23-26).

O evangelista Lucas destaca em sua narrativa sobre a Ceia, que Jesus desejou
“ardentemente” comer a páscoa com os seus Apóstolos (Lc 22,15). No entendimento do Papa
Bento XVI (2011), na homilia na Santa Missa da Ceia do Senhor, o desejo de Jesus é o desejo
amoroso de Deus.

No desejo de Jesus, podemos reconhecer o desejo do próprio Deus: o seu amor pelos
homens, pela sua criação, um amor em expectativa. O amor que espera o momento da
união, o amor que quer atrair os homens a si, para assim realizar também o desejo da
própria criação: esta, de fato, aguarda a manifestação dos filhos de Deus (BENTO
XVI, 21 abr. 2011).

É o desejo de manifestar a profundidade de seu amor pela humanidade, São Lourenço


Justiniano assim percebe:

Como se nosso amante Redentor tivesse dito: ó homens, sabei que esta noite, na qual
se dará início à minha paixão, é o tempo pelo qual mais suspirei durante toda a minha

3
Durante a refeição, Jesus tomou o pão, benzeu-o, partiu-o e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai e comei, isto é
meu corpo. Tomou depois o cálice, rendeu graças e deu-lhe, dizendo: Bebei dele todos, porque isto é meu sangue,
o sangue da Nova Aliança, derramado por muitos homens em remissão dos pecados. Digo-vos: doravante não
beberei mais desse fruto da vinha até o dia em que o beberei de novo convosco no Reino de meu Pai.
4
Durante a refeição, Jesus tomou o pão e, depois de o benzer, partiu-o e deu-lhe, dizendo: Tomai, isto é o meu
corpo. Em seguida, tomou o cálice, deu graças e apresentou-lhe, e todos dele beberam. E disse-lhes: Isto é o meu
sangue, o sangue da aliança, que é derramado por muitos.
5
Chegada que foi a hora, Jesus pôs-se à mesa, e com ele os apóstolos. Disse-lhes: Tenho desejado ardentemente
comer convosco esta Páscoa, antes de sofrer. Pois vos digo: não tornarei a comê-la, até que ela se cumpra no Reino
de Deus. Pegando o cálice, deu graças e disse: Tomai este cálice e distribuí-o entre vós. Pois vos digo: já não
tornarei a beber do fruto da videira, até que venha o Reino de Deus. Tomou em seguida o pão e depois de ter dado
graças, partiu-o e deu-lhe, dizendo: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Do
mesmo modo tomou também o cálice, depois de cear, dizendo: Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que
é derramado por vós.
vida, porque agora com meus sofrimentos e com minha acerba morte vos farei
compreender quanto eu vos amo e assim vos obrigarei a amar-me da maneira mais
eficaz que me é possível (LIGÓRIO, 2012, p. 13).

Ao ler as narrativas neotestamentárias sobre a instituição da Eucaristia, observam-se


semelhanças e diferenças nos textos, mas a análise literária, comparação dos textos não é objeto
deste trabalho. Cabe, entretanto, ressaltar semelhanças importantes e fundamentais como: na
ceia Jesus fez gestos sobre o pão e o vinho, isto é, tomou, partiu, deu graças, distribuiu; “e
pronunciou palavras de bênção ritual sobre eles, relacionando o pão com seu corpo entregue e
o vinho com seu sangue derramado e, além disso, com a (nova) aliança; nos quatros relatos há
palavras de alcance escatológicos” (ALDAZÁBAL, 2012, p. 59).
Os textos da instituição relatam que Jesus usou pão e vinho na ceia. Para Harrington
(2014, p. 41), os atos e as palavras de Jesus com o Pão e o vinho antecipam e interpretam sua
morte eminente. “O que acontece ao pão acontece ao corpo de Jesus e o que acontece à taça de
vinho acontecerá com Seu sangue”.
Em sua homilia na Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, Papa Bento XVI (23 jun.
2011) explicita, que “nas palavras de Jesus: isto é o meu corpo, que é entregue por vós; isto é o
meu sangue, derramado por vós. Jesus antecipa o acontecimento do calvário. Por amor, Ele
aceita toda a paixão, com a sua dificuldade e a sua violência, até à morte de cruz”.
O Conselho Episcopal Latino - Americano - CELAM6 (2005, p. 124) entende que as
palavras de Cristo sobre o Pão e o vinho “têm um profundo sentido de autodoação sacramental:
depois de sua morte, em sua nova maneira de existência gloriosa, o modo de encontro e
comunhão com sua comunidade serão o pão e o vinho, que são seu corpo e seu sangue”.
Para os sinóticos, a última ceia deu-se “no primeiro dia dos Ázimos” (Mt 26,17), a festa
dos Ázimos, chamada Páscoa. “A Páscoa era celebrada desde o pôr-do-sol, que indicava o início
o mês de Nisã7. A ceia pascal era acompanhada de pão sem fermento (ázimo8)” (KARRIS,
2011, p. 294). Ao coincidir a última ceia de Jesus com a Páscoa dos Judeus, os sinóticos,

6
É um organismo de comunhão, reflexão, colaboração e serviço como sinal e instrumento de afeto colegial em
perfeita comunhão com a Igreja universal e com sua cabeça visível, o Romano Pontífice. Foi criado em 1955.
Como organismo de serviço, o CELAM deve ser, acima de tudo, animação e auxílio à reflexão e ação pastoral da
Igreja na América Latina e no Caribe. O CELAM presta serviços de contato, comunhão, formação, pesquisa e
reflexão às 22 Conferências Episcopais localizadas do México a Cabo Horn, incluindo o Caribe e as Antilhas
(CELAM, 21 jun. 2020).
7
O primeiro mês do calendário judaico é o mês de Nisã, quando se celebra a Páscoa. Diferentemente do
Gregoriano, é baseado no movimento lunar, onde a cada lua nova temos um novo mês.
8
Do latim azymu, e tal como do grego azdumos, significa sem fermento. O pão que os judeus empregavam para a
celebração da Páscoa (festas dos ázimos). E a liturgia romana ocidental para e Eucaristia: pão sem fermento, sem
levedura. (ALDAZÁBAL, 2013, p. 48).
“querem dar a entender que a Eucaristia cristã é a nova ceia pascal” (ALDAZÁBAL, 2012, p.
71).
Buyst (2003) explicita que a festa anual da Páscoa do povo judeu tem relação com a
saída do Egito, ou seja, a libertação da escravidão desse povo, uma festa associada com a
imolação dos cordeiros, conforme narra o Livro do êxodo no capitulo 12, e descreve como
memorial: Por isso, o Senhor ordena: “Este dia será para vós um memorial, e o celebrareis como
uma festa para o Senhor; nas vossas gerações a festejareis; é um decreto perpétuo” (Ex 12,14).
Segundo o Papa Bento XVI, na exortação apostólica sobre a Eucaristia:

Era memória do passado, mas ao mesmo tempo também memória profética, ou seja,
anúncio duma libertação futura; de fato, o povo experimentara que aquela libertação
não tinha sido definitiva, pois a sua história ainda estava demasiadamente marcada
pela escravidão e pelo pecado. O memorial da antiga libertação abria-se, assim, à
súplica e ao anseio por uma salvação mais profunda, radical, universal e definitiva
(SACRAMENTUM CARITATIS (SCa), 2007, n.10).

Deste modo, a obra da “redenção dos homens e da glorificação perfeita de Deus,


prefigurada pelas suas grandes obras no povo da Antiga Aliança, realizou-a Cristo Senhor,
principalmente pelo mistério pascal,” é o que afirma o Concílio Vaticano II na Constituição
Conciliar sobre a Sagrada Liturgia, n. 5.
Ao contrário dos outros Evangelhos, São João não se detém a narrar a instituição da
Eucaristia, “já evocada por Jesus no longo discurso de Cafarnaum (Jo 6, 26-65), mas demora-
se no gesto de lava-pés” (PAPA JOÃO PAULO II, 2000, p. 11).
Aldazábal (2012, p. 53) corrobora com a análise do Papa João Paulo II, segundo o qual
o evangelista João, “embora não narre diretamente as palavras e os gestos eucarísticos da ceia,
apresenta-nos em seu capitulo 6 o discurso do pão da vida, no 13 o lava-pés”.
São João descreve o episódio do lava-pés assim:

Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste
mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o
fim. 2Durante a ceia, quando já o diabo colocara no coração" de Judas Iscariotes,
filho de Simão, o projeto de entregá-lo, 3 sabendo que o Pai tudo colocara em
suas mãos e que ele viera de Deus e a Deus voltava, 4 levanta-se da mesa, depõe
o manto e, tomando uma toalha, cinge-se com ela. 5Depois coloca água numa
bacia e começa a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha com que
estava cingido. 6Chega, então, a Simão Pedro, que lhe diz: "Senhor, tu, lavar-me
os pés?!" 7Respondeu-lhe Jesus: "O que faço, não compreendes agora, mas o
compreenderás mais tarde". 8Disselhe Pedro: "Jamais me lavarás os pés!" Jesus
respondeu-lhe: "Se eu não te lavar, não terás parte comigo". 9 Simão Pedro lhe
disse: "Senhor, não apenas meus pés, mas também as mãos e a cabeça". 10Jesus
lhe disse: "Quem se banhou não tem necessidade de se lavar, porque está
inteiramente puro. Vós também estais puros, mas não todos". 11Ele sabia, com
efeito, quem o entregaria; por isso, disse: "Nem todos estais puros". 12Depois
que lhes lavou os pés, retomou o seu manto, voltou à mesa e lhes disse:
"Compreendeis o que vos fiz? 13Vós me chamais de Mestre e Senhor e dizeis
bem, pois eu o sou. 14Se, portanto, eu, o Mestre e o Senhor, vos lavei os pés,
também deveis lavar-vos os pés uns aos outros. 15Dei-vos o exemplo para que,
como eu vos fiz, também vós o façais. 16Em verdade, em verdade, vos digo: o
servo não é maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do quem o enviou
(Jo 13,1-16).

É a “Páscoa-passagem de Jesus deste mundo para o Pai. Nessa cena dramática Jesus,
servo do Pai, torna-se servo da humanidade. Sua hora chegou e Ele ama os amigos até o
extremo” (FLANAGAN, 2014, p. 127).
Para Bortolini (2018. p. 128), “essa ‘hora’ se caracteriza pelo amor, ‘amou-os até o fim’
(Jo 13,1), ou seja, até as últimas consequências do gesto de amar, até afirmar na cruz ‘tudo está
realizado’ (Jo 19,30)”.
Na narrativa do episódio do lava-pés, vemos que está carregada de situações,
personagens (um traidor9), diálogos, gestos e ações. A cena narrada é merecedora de um grande
desenvolvimento acerca de cada versículo. Aqui cabe destacar a humildade e o serviço de Jesus.
Por amor, mesmo sendo “Senhor e Mestre” (Jo 1,13) lava os pés dos discípulos e, assim, da
humanidade.
A função de lavar os pés era confiada a um criado, portanto, “executá-la implicava uma
situação de inferioridade” (LÉON-DUFOUR, 1996, p. 22). Lavar os pés dos hospedes que
chegavam de viagem das estradas empoeiradas era sinal de hospitalidade, e poderia ser
realizada pelos filhos, esposa, “mas geralmente era confiada a um escravo” (KONINGS, 2005,
p. 258).
No evento, Jesus tira o manto, significando seu despojamento de “todo privilégio ou
posição social. Ele se esvazia completamente, e se põe a fazer o que faziam os escravos”
(BORTOLINI, 2018. p. 130). É nessa condição que lava os pés dos discípulos.
Nesse gesto de despojamento e serviço de Jesus, em sua homilia na Missa “In Coena
Domini”, o Papa Bento XVI revela que:

Lava os pés sujos dos discípulos e torna-os assim capazes de aceder ao banquete
divino para o qual Ele os convida. As purificações cultuais e exteriores, que purificam
o homem ritualmente, deixando-o, contudo, tal como ele é, são substituídas pelo
banho novo: Ele torna-nos puros mediante a sua palavra e o seu amor, mediante o dom
de si mesmo (BENTO XVI, 20 mar. 2008).

9
Judas Iscariotes: escolhido por Jesus para se um dos Doze. Judas nas listas dos apóstolos, foi colocado em
último lugar (Mt 10,4; Mc 3,19; Lc 6,16). Os Evangelhos apenas registram sua negociação com o sinédrio (Mt
26, 14-16), a sua atitude na última ceia (Mt 26,25; Jo 13, 2) e identificam-no na noite, ao saudar Jesus com o
beijo da traição. Aquele que entregou Jesus (ZILLES, 1996, p. 31).
O lava-pés de Jesus terminará na cruz, na entrega da vida por amor. “Seu serviço será
completo quando der a vida totalmente” (BORTOLINI, 2018, p. 130). Tudo o Pai entregou ao
Filho, “para que o Filho pudesse trazer salvação a eles, morrendo por eles e, assim, mostrando
seu amor” (PERKINS, 2011, p. 792). Desse modo, “deixa aparecer o esvaziamento de Deus em
nosso agir. O ato de amor de Jesus – o lava-pés é a doação da própria vida – é único e
incomparável, um ato de Deus” (KONINGS, 2005, p. 260).
Assim, o Cristo que entrega a Eucaristia, o faz entregando Seu Corpo e derramando Seu
Sangue por nós. Tão sublime gesto de amor e serviço de Cristo aos seus discípulos e a
humanidade, é materializado permanecendo na Eucaristia, como confirma o Catecismo da
Igreja Católica (CaIC):

Para deixar-lhes uma garantia deste amor, para nunca se afastar dos seus e para fazê-
los participantes de sua Páscoa, instituiu a Eucaristia como memória de sua morte e
de sua ressurreição, e ordenou a seus apóstolos que a celebrassem até a sua volta”
(CaIC, n. 1337).

Deste modo, na última Ceia, Cristo instituiu o Sacramento do seu Corpo e do seu
Sangue, o Memorial10 do seu Sacrifício Pascal, pondo-se no lugar dos sacrifícios antigos,
conferindo-nos a Salvação, o pleno serviço de amor a humanidade.
Na última ceia, que instituiu a Eucaristia, ao mesmo tempo, instituiu o sacerdócio
ministerial, de modo que as duas instituições estão intimamente ligadas.

Existe um ‘vínculo intrínseco’ entre a Eucaristia e o sacramento da Ordem, deduz-se


das próprias palavras de Jesus no Cenáculo: “Fazei isto em memória de Mim” (Lc 22,
19). De fato, na vigília da sua morte, Ele instituiu a Eucaristia e ao mesmo tempo
fundou o sacerdócio da Nova Aliança”. (SCa, 2007, n. 23).

Nesse vínculo do sacramento da Ordem com a Eucaristia, na próxima seção, faz-se uma
abordagem sobre a instituição do sacerdócio da Nova Aliança, que age “in persona Christi”,
para cumprir o mandamento de celebrar a Eucaristia e dar continuidade à missão do próprio
Cristo.

10
O nome "memorial (em hebraico zikkaron, em grego anamnesis) foi o primeiro adotado pelas comunidades
cristãs para definir a Eucaristia. O mandamento de Jesus; "Fazei isto em memória de mim" O memorial não é
entendido pela Igreja como uma mera recordação subjetiva ou um aniversário. Ele é uma recordação eficaz, uma
celebração que atualiza o que recorda: ou seja, é um "sacramento do acontecimento passado. (ALDAZÁBAL,
2013, p. 222)
2.2 JESUS INSTITUI O SACERDÓCIO MINISTERIAL

Discorrido sobre a instituição da Sagrada Eucaristia, que, segundo o Concílio Vaticano


II, é a “fonte e centro de toda a vida cristã” (LG, 1964, n. 11), e pela qual “vive e cresce a
Igreja” (LG, 1964, n. 26). Nesta seção, desenvolveremos a pesquisa sobre a instituição do
sacerdócio ministerial Católico. Como veremos, ela tem vínculo com a instituição da Sagrada
Eucaristia, por Nosso Senhor, na última ceia.
Por meio dos documentos, Encíclica Mediator Dei (MD) de 1947, Carta Encíclica
Sacerdotii Nostri Primordia (SNP) de 1959, Decreto Presbyterorum Ordinis (PO) de 1965,
Exortação Apostólica Pastores Dabo Vobis (PDV) de 1992 e o Catecismo da Igreja Católica,
objetiva-se afirmar que o Sacerdócio Ministerial foi instituído por Cristo como um
prolongamento de Seu ministério, e perceber que Ele confiou aos apóstolos como sucessores a
missão de operar em Seu lugar (in persona Christi), para apascentar os fiéis e celebrar os
sacramentos da nova aliança.
O Novo Testamento é o ponto de partida, sobretudo as passagens que narram a cena da
última ceia em que Jesus pronuncia: “Fazei isto em memória de Mim” (Lc 22, 19). Deste modo,
com estas palavras, entende a Igreja que o Cristo entregou aos seus Apóstolos e aos sucessores
o ministério, como um encargo especifico, instituindo o sacerdócio ministerial.
Assim, o Papa João Paulo II, referindo-se às palavras e aos gestos de Jesus na última
ceia com os Apóstolos, afirma que:

É a eles que Jesus entrega a ação que acaba de realizar transformando o pão no seu
corpo e o vinho no seu sangue, ação na qual Ele Se apresenta como Sacerdote e
Vítima. Cristo quer que daí em diante esta sua ação se torne sacramentalmente
também ação da Igreja pela mão dos Sacerdotes. Ao dizer “fazei isto”, Ele não só
indica a ação, mas também o sujeito chamado a realizá-la, ou seja, institui o sacerdote
ministerial, que, assim, se torna um dos elementos constitutivos da mesma Igreja.
(JOÃO PAULO II, 2000, p. 17)

A Igreja, por meio do Concilio de Trento (Sessão 23ª, Cap. 1. 15 jul. 1563), anuncia que
recebeu por instituição do Senhor no Novo Testamento o santo sacrifício da Eucaristia. Para
isto, Cristo instituiu os apóstolos e seu sucessores novos sacerdotes, dando-lhes “o poder de
consagrar, oferecer e administrar seu corpo e sangue, assim como de perdoar e reter os pecados,
o demonstram as cartas sagradas e sempre o ensinou a tradição da Igreja Católica”
(DENZINGER, 2006, p. 451).
O Concílio Vaticano II distingue o sacerdócio comum dos fiéis do sacerdócio
ministerial, e afirma que: “Com efeito, o sacerdote ministerial, pelo seu poder sagrado, forma
e conduz o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo e oferece-
o a Deus em nome de todo o povo” (LG, 1964, n. 10).
A Exortação Apostólica pós-sinodal Pastores Dabo Vobis, explicita que:

Através do sacerdócio ministerial, a Igreja toma consciência, na fé, de não vir de si


mesma, mas da graça de Cristo no Espírito Santo. Os apóstolos e seus sucessores,
como detentores de uma autoridade que lhes vem de Cristo Cabeça e Pastor, são
colocados - juntamente com o seu ministério - perante a Igreja como prolongamento
visível e sinal sacramental de Cristo no seu próprio estar diante da Igreja e do mundo
(PDV, 1992, n 16).

A respeito do prolongamento ministerial de Cristo no sacerdote, “deve-se dizer também


que a graça ministerial é graça para o serviço de Cristo cabeça, isto é, graça destinada a
representar Cristo como a única Cabeça do corpo da Igreja, como único Senhor, como único
que preside a comunidade” (BOROBIO, 2009, p. 407).
O Papa Pio XII salienta que o ministro ordenado pela consagração sacerdotal,
“assemelha-se ao sumo Sacerdote e tem o poder de agir em virtude e na pessoa do próprio
Cristo; por isso, com sua ação sacerdotal, de certo modo, "empresta a Cristo a sua língua, e lhe
oferece a sua mão” (MD, 1947, n. 62).
Na Homilia da Santa Missa Crismal, o Papa Bento XVI (13 abr. 2006), afirma que
somente Jesus pode dizer: Isto é o meu Corpo isto é o meu Sangue. “O mistério do sacerdócio
da Igreja encontra-se no fato de que nós, pobres seres humanos, em virtude do Sacramento,
podemos falar com o seu Eu: in persona Christi”.
O excerto a seguir ajuda-nos a clarear o entendimento sobre “in persona
Christi”:

não quer dizer que o ministro substitua ou suplante ou faça as vezes de Cristo. Quer
dizer na realidade, que na Igreja não há outro ministro senão Cristo. A medida e o
modelo de todo ministério é Cristo. Todo outro ministério funda-se em Cristo e é
continuação histórica eclesial do ministério de Cristo, ao qual remete e que torna
presente (BOROBIO, 2009, p. 408).

O fundamento do sacerdote ministerial é Jesus Cristo, como bem esclarece a Carta aos
Hebreus. Sendo o Cristo enviado pelo Pai (Jo 17,3), obediente até a morte de cruz (Fl 2,8),
exerce o seu sacerdócio expiando o pecado da humanidade. De fato, Cristo, na sua paixão e
morte de cruz, foi confirmado como ‘sumo sacerdote’ (Hb 5,10), que “com o próprio sangue”
(Hb 9,12), “se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha.” (Hb 9,14), um único e
perfeito sacrifício pelos pecados (Hb 10,12-13).
Desse modo, a Igreja afirma que, em Cristo, cumprem-se as prefigurações:
Todas as prefigurações do sacerdócio da antiga aliança encontram seu cumprimento
em Cristo Jesus, ‘único mediador entre Deus e os homens’ (l Tm 2,5). Melquisedec,
‘sacerdote do Deus Altíssimo’ (Gn 14,18), é considerado pela Tradição cristã como
uma prefiguração do sacerdócio de Cristo, único ‘sumo sacerdote segundo a ordem
de Melquisedec’ (Hb 5,10; 6,20), ‘santo, inocente, imaculado’ (Hb 7,16), que ‘com
uma única oferenda levou à perfeição, e para sempre, os que ele santifica’ (Hb 10,14),
isto é, pelo único sacrifício de sua Cruz. (CaIC, n. 1544).

O exercício do ministério sacerdotal da Nova aliança, iniciado por Cristo, realiza-se pelo
Sacramento da Ordem. O catecismo define que “a Ordem é o sacramento graças ao qual a
missão confiada por Cristo aos Apóstolos continua a ser exercida na Igreja, até ao fim dos
tempos: é, portanto, o sacramento do ministério apostólico. E compreende três graus: o
episcopado, o presbiterado e o diaconato11” (CaIC, n. 1536).
Cabe salientar que apenas algumas pessoas são chamadas por Deus a desempenhar essa
especial missão, é o que se pode chamar de Vocação. Numa concepção espiritualista, "a
vocação consistiria num chamado direto e especial que Deus dirige individualmente às pessoas”
(GIORDANI, 1990, p. 29).
A ordenação ministerial do vocacionado acontece após um período de preparação, que
segue etapas segundo o Código de direito Canônico12 e as Instruções do Magistério. No rito de
ordenação presbiteral, riquíssimo em símbolos e orações, por meio da imposição das mãos e da
oração consecratória feita pelo do Bispo, que pede a Deus para o ordinando as graças do Espírito
Santo, requeridas para o seu ministério, estabelece-se, no presbítero, “um vínculo ontológico
específico que o une a Cristo, Sumo Sacerdote e Bom Pastor” (CONGEGAÇÃO PARA O
CLERO, 1994, p. 12). A ordenação imprime um “carácter sacramental indelével” (CaIC, n.
1597).
Assim, os presbíteros, como cooperadores e ligados ao Bispo, “por virtude do
sacramento da Ordem, são consagrados, à imagem de Cristo, sumo e eterno sacerdote, para
pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino, como verdadeiros sacerdotes
do Novo Testamento” (LG, 1964, n. 28).
O Decreto Presbyterorum Ordinis (1965) afirma que o primeiro dever dos presbíteros é
anunciar a todos o Evangelho de Deus, para realizar o mandato do Senhor: “Ide por todo o

11
Relativamente aos diáconos, diz a Lumen Gentium: “Em grau inferior da hierarquia estão os diáconos, aos
quais foram impostas as mãos não em ordem ao sacerdócio, mas ao ministério” (LG, 1964, n. 29).
12
Cân. 1025 — § 1. Para alguém ser licitamente ordenado de presbítero ou de diácono, requer-se que, além das
provas realizadas nos termos do direito, possua, a juízo do Bispo próprio ou do Superior maior competente, as
devidas qualidades, não esteja incurso em nenhuma irregularidade ou impedimento, e tenha preenchido os
requisitos, em conformidade com os câns. 1033-1039; cân. 1050, no cân. 1051.
mundo, pregai o Evangelho a todas as, criaturas” (Mc 16,15), pois “à fé vem pelo ouvido, o
ouvido, porém, pela palavra de Cristo” (Rm 10,17). Por isso, os presbíteros são devedores de
todos, para comunicarem a todos a verdade do Evangelho. Assim, os presbíteros são “ministros
da palavra de Deus” (PO, 1965, n. 4).
Para o Papa João Paulo II, na condição de ministro da Palavra de Deus o sacerdote:

[...]é consagrado e enviado a anunciar a todos o Evangelho do Reino, chamando cada


homem à obediência da fé e conduzindo os crentes a um conhecimento e comunhão
sempre mais profundos do mistério de Deus, revelado e comunicado a nós em Cristo.
[...]Por isso, o próprio sacerdote deve ser o primeiro a desenvolver uma grande
familiaridade pessoal com a Palavra de Deus (PDV, 1992, n. 26).

Na missão de apascentar os fiéis, os sacerdotes são chamados a cuidar que cada fiel seja
levado, no Espírito Santo, a cultivar a própria vocação segundo o Evangelho, a uma caridade
sincera e operosa. De modo particular, que os Presbíteros cuidem dos pobres e os mais fracos,
e que não esqueçam do zelo missionário, e que nunca sirvam a alguma ideologia, mas, “como
anunciadores do Evangelho e pastores da Igreja, trabalham pelo aumento espiritual do corpo de
Cristo” (PO, 1965, n. 6), deste modo exercem o ministério Pastoral.
Nessa mesma linha, o Papa Bento XVI dirigiu suas palavras aos sacerdotes.

Queridos sacerdotes, ‘apascentai o rebanho que Deus vos confiou, velando por ele,
não constrangidos, mas de boa vontade [...], como modelos do vosso rebanho’ (1 Pd
5, 2). Portanto, não tenhais medo de guiar para Cristo cada um dos irmãos que Ele vos
confiou, na certeza de que cada palavra e atitude, se vierem da obediência à vontade
de Deus, darão fruto (BENTO XVI, 26 maio 2010).

Deus unido aos seus colaboradores, introduz os homens no Povo de Deus pelo Batismo;
pelo sacramento da Penitência, reconciliam os pecadores com Deus e com a Igreja; com o óleo
dos enfermos, aliviam os doentes; sobretudo com a celebração da missa, oferecem
sacramentalmente o Sacrifício de Cristo, como os verdadeiros “ministros dos Sacramentos da
nova aliança” (PO, 1965, n. 5).
Para exercer o ministério, aos sacerdotes, foi confiado um dom essencial, como bem
destaca o Papa Bento XVI:

Nenhum homem por si mesmo, a partir da sua própria força, pode pôr o outro em
contato com Deus. Uma parte essencial da graça do sacerdócio é o dom, a tarefa de
criar este contato. Isto realiza-se no anúncio da palavra de Deus, na qual a sua luz vem
ao nosso encontro. Realiza-se de um modo particularmente denso nos Sacramento
(BENTO XVI, 05 maio 2010)
Para bem realizar a tarefa de pôr em contato o povo com Deus, o sacerdote ministerial
encontra em São João Maria Vianney uma referência nessa missão, como bem descreve o Papa
Joao XXIII, em 1959, e 50 anos mais tarde o Papa Bento XVI. Assim, a carta encíclica do Sumo
Pontífice João XXIII faz referência a São João Maria Vianney, o “Cura D'Ars”, que foi
beatificado em 8 de janeiro de 1905.
A Carta Encíclica Sacerdotii Nostri Primordia (1959) descreve que o Santo era um
Padre admirável, e que a Igreja o apresentou como modelo de ascese sacerdotal, de piedade, e
sobretudo de piedade eucarística, modelo enfim de zelo pastoral. Como afirma o Papa João
XIII, “mereceu na verdade ser proposto como exemplo aos pastores de almas e proclamado seu
celeste padroeiro” (SNP, 1959, n. 30).
O Papa Bento XVI (16 jun. 2009), na Carta de Proclamação do Ano Sacerdotal, destaca
que Cura D'Ars “ensinava os seus paroquianos sobretudo com o testemunho da vida. Pelo seu
exemplo, os fiéis aprendiam a rezar, detendo-se de bom grado diante do sacrário para uma visita
a Jesus Eucaristia”.
São João Maria Vianney era um incansável apóstolo do confessionário. João XIII (1959)
destaca que o Santo passava em média quinze horas no confessionário. Junto aos confessores
com delicadeza e fervor, “fazia a esperança renascer nos corações arrependidos!
Incansavelmente, tornava-se junto deles o ministro da misericórdia divina” (SNP, 1959, n. 55).
No seu ministério pastoral, acrescenta Papa Bento XVI (2009), o Santo procurou de
todos os modos, com a pregação e o conselho persuasivo, fazer os seus paroquianos
redescobrirem o significado e a beleza da penitência sacramental, apresentando-a como uma
exigência íntima da presença eucarística.
Pregador e catequista infatigável, o Cura D'Ars pregou até a sua morte. Nas Palavras do
Papa João XXII, esse humilde padre tinha, com efeito, compreendido em alto grau a dignidade
e a grandeza do ministério da Palavra de Deus: “Nosso Senhor, que é a própria Verdade - dizia
ele - não faz menos caso da sua Palavra do que do seu corpo” (SNP, 1959, n. 50).
Para estes tempos, o Papa Francisco exorta, na sua Homilia na Santa Missa do Crisma
(28 mar. 2013), dirigindo-se aos sacerdotes, “sede pastores com o ‘cheiro das ovelhas’, que se
sinta este –, serem pastores no meio do seu rebanho, e pescadores de homens”.
A partir dessas considerações sobre a instituição do Sacerdócio ministerial, tendo como
referência os documentos do magistério da Igreja e pronunciamentos dos Papas, e também o
reconhecido testemunho de São João Maria Vianney, percebe-se que, sem esse ministério, de
fato, a Igreja não poderia viver a fundamental obediência à ordem de Jesus: “pregai o Evangelho
a todas as, criaturas” (Mc. 16,15) e “Fazei isto em minha memória” (Lc 22, 19), ou seja, a ordem
de anunciar o Evangelho e de renovar todos os dias o Sacrifício do Seu Corpo e de Seu Sangue.
Desse modo, o sacerdote ministerial está a serviço da Igreja para prolongar o ministério de
Cristo cabeça, apascentando e santificando o povo sacerdotal.
Dando continuidade a pesquisa, a seção seguinte será dedicada ao serviço de amor de
Cristo à humanidade na Eucaristia e no Sacerdote.

2.3 A EUCARISTIA E O SACERDÓCIO: VERDAEIRAMENTE UM SERVIÇO AMOROSO


DO SALVADOR A HUMANIDADE

Discorrido sobre a instituição da Eucaristia e do Sacerdócio por nosso Senhor Jesus


Cristo, nesta seção aborda-se o serviço de amor de Cristo à humanidade por meio da Eucaristia
e do Sacerdócio ministerial Católico.
A Igreja faz memória das instituições nas celebrações da quinta-feira Santa. Assim, o
fiel é conduzido a mergulhar no memorial desse mistério de Amor. Trata-se de um amor-
sacrifício salvador, de ação de graça e de amor-presença; amor que, no pão e no vinho
transubstanciado no Corpo e no Sangue do salvador, alimenta e proporciona a intima
comunhão. Esse mistério da fé realiza-se graças ao sacerdote ministerial.
Conforme o missal romano, os sacerdotes ministeriais celebram, na quinta-feira, a Missa
do Crisma13, na parte da manhã e a Missa vespertina da Ceia do Senhor,14 com a qual se inicia
o tríduo Pascal.
No geral, de acordo com o permitido segundo o contexto de cada igreja particular, pela
manhã, cada comunidade diocesana, em torno do Bispo, celebra a Missa Crismal, na qual são
abençoados o Santo Crisma, o Óleo dos catecúmenos e o Óleo dos enfermos. Na homilia, o
Bispo exorta os presbiteros a serem fiéis aos seus cargos, convida-os e conduz-os a renovarem
publicamente as promessas sacerdotais (MISSAL ROMANO, 2011).

13
Segundo a rubrica do missal romano (2011), a bênção do óleo dos enfermos e dos óleos dos catecúmenos e a
consagração do são feitas normalmente pelo bispo na Quinta-Feira da Semana Santa, na Missa própria, que deve
ser celebrada pela manhã. Se for difícil reunir o clero e o povo neste dia com o bispo, pode-se antecipar a
bênção, sempre, porém nas proximidades da Páscoa e com Missa própria. Esta Missa, que o bispo concelebra
com seu presbitério, seja como um sinal de comunhão dos presbíteros com o seu Bispo. Convém, portanto, que
todos os presbíteros, tanto quanto possível, participem dela, e nela comunguem sob as duas espécies. Para
exprimir a unidade do presbitério da diocese, sejam de várias regiões da diocese os presbíteros que concelebram
com o Bispo.
14
Conforme a rubrica do missal romano (2011): Na hora mais oportuna da tarde, seja celebrada a Missa da Ceia
do Senhor com plena participação de toda a comunidade local, desempenhando todos os sacerdotes e ministros
suas respectivas funções. Onde uma razão pastoral exigir, o Ordinário do lugar poderá permitir que se celebre a
tarde outra missa, em igrejas e oratórios públicos e semipúblicos. E, em caso de verdadeira necessidade, também
pela manhã, ou pela noite da quarta, mas somente onde não se possa absolutamente participar da Missa
vespertina.
Na Missa vespertina, os fiéis católicos reunem-se para a celebrar a Ceia do Senhor, no
qual, Nosso Senhor Jesus Cristo, ao entregar-se à morte, deu a sua Igreja um novo e eterno
sacrificio, como banquete do seu amor, como inspira a oração do dia no rito inicial da missa no
missal romano.
A rubrica do missal romano recomenda que a homilia focalize os principais mistérios
celebrados na missa da ceia do Senhor, ou seja, a instituição da Eucaristia e do sacerdócio, e o
mandamento do Senhor sobre a caridade fraterna. Após a homilia, proceda-se o lava-pés pelo
sacerdote de homens escolhidos. Depois do rito da comunhão acontece a transladação do
santíssimo sacramento e o desnudamento do altar (MISSAL ROMANO, 2011).
Esse dia Santo “é a recordação do momento no qual, antes de entregar-se à morte, Jesus
confiou para sempre à sua Igreja o novo e eterno sacrifício, banquete nupcial do seu amor, a
fim de que está o perpetuasse em sua memória” (AUGÉ, 2019, p. 165).
Nessa missa, a Igreja realiza a obediência a Cristo e ao Seu mandamento de “fazer isto
em memória de mim” (1Cor 11,24). Essa obediência estende-se a todas as celebrações
Eucarísticas, nos dias feriais e de modo particular no domingo,15 durante todo o ano litúrgico.
Tal cumprimento é realizado pelos sacerdotes da nova aliança, que o fazem “in persona Christ”.
Nessa dimensão, o Papa Francisco (05 fev. 2014), explica que a celebração Eucarística
é memorial, por isso, ela “não significa apenas uma recordação, uma simples lembrança, mas
quer dizer que cada vez que nós celebramos este Sacramento participamos no mistério da
paixão, morte e ressurreição de Cristo”.
Assim, a Eucaristia é o memorial sacrificial de Cristo. Não é recordação, e não é uma
comemoração do evento salvífico, como bem desenvolve o Papa Pio XII:

Não é, pois, uma pura e simples comemoração da paixão e morte de Jesus Cristo, mas
é um verdadeiro e próprio sacrifício, no qual, imolando-se incruentamente, o sumo
Sacerdote faz aquilo que fez uma vez sobre a cruz, oferecendo-se todo ao Pai, vítima
agradabilíssima (MD, 1947, n. 61).

Na realidade da Nova Aliança, a vítima é o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do


mundo” (Jo. 1,29). Para o Papa João Paulo II, em sua homilia do dia 19 de abril de 1984, “o

15
Conforme a Carta Apostólica Dies Domini (1998) do Sumo Pontífice João Paulo II, o dia do Senhor — como
foi definido o domingo, desde os tempos apostólicos —, mereceu sempre, na história da Igreja, uma
consideração privilegiada devido à sua estreita conexão com o próprio núcleo do mistério cristão. O domingo, de
fato, recorda, no ritmo semanal do tempo, o dia da ressurreição de Cristo. É a Páscoa da semana, na qual se
celebra a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, o cumprimento n'Ele da primeira criação e o início da “nova
criação” (2 Cor 5,17).
mistério da Redenção, realizado na realidade do Cordeiro de Deus, deve permanecer como
Sacramento da Igreja: o sacramento do amor”.
Desse modo, o amor-sacrifício de Jesus permanece no Sacramento da Eucaristia, o
serviço de amor-salvador a todas as gerações. Por isso, o Pontífice afirma:

Este sacrifício é tão decisivo para a salvação do género humano que Jesus Cristo
realizou-o e só voltou ao Pai depois de nos ter deixado o meio para dele participarmos
como se tivéssemos estado presentes. Assim cada fiel pode tomar parte nela,
alimentando-se dos seus frutos inexauríveis (EE, 2003, n. 1).

A Igreja confirma esses dados da Fé, pois, na Eucaristia, Cristo dá aquele mesmo corpo
que entregou por nós na cruz, aquele mesmo sangue que derramou por muitos em remissão dos
pecados (Mt 26,28).
Com efeito,

É uma só e mesma vítima e Aquele que agora Se oferece pelo ministério dos
sacerdotes é o mesmo que outrora Se ofereceu a Si mesmo na cruz; só a maneira de
oferecer é que é diferente. [...] Se ofereceu outrora de modo cruento sobre o altar da
cruz, agora está contido e é imolado de modo incruento (CaIC, n. 1367).

Na concepção da Eucaristia como sacrifício, o Papa Bento XVI, ressalta que é um


sacrifício do amor, o amor que dá a vida pelos amigos como narra o evangelista (Jo 15, 13), ou
seja, “é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por
cada homem” (SCa, 2007, n.1).
Uma questão-reflexão surge: Como não se render ao amor-sacrifício e salvador de Jesus
presente em cada Eucaristia celebrada, dado que, ao realizar a instituição da Eucaristia, Ele quis
garantir que todos pudessem participar do memorial da sua paixão, obter os benefícios e
contemplar Seu amor-doação de forma incruenta no pão e no vinho?
Diante da plena manifestação de amor, impossível não retribuir o amor. Por isso, São
Bernardo (2015, p. 8), afirma que aí se encontra a medida e o motivo por que devemos amar a
Deus, e assim sintetiza: "o motivo de nosso amor por Deus é o próprio Deus, e que a medida
desse amor é amar sem medida".
Nesse mistério de amor, a Eucaristia é também ação de graças e o louvor ao Pai, por
isso, o catecismo da Igreja afirma que:

a Eucaristia é um sacrifício de ação de graças ao Pai, uma bênção pela qual a Igreja
exprime o seu reconhecimento a Deus por todos os seus benefícios, por tudo o que
Ele fez mediante a criação, a redenção e a santificação. Eucaristia significa, antes de
mais, ‘ação de graças’ (CaIC, n. 1360).
Em sua catequese, o Papa Francisco assegura que Jesus realizou a suprema ação de
graças ao Pai na última ceia, o Deus Pai que não poupou o único Filho. Ressalta o Pontífice:
“Eis por que motivo o termo Eucaristia resume todo aquele gesto, que é de Deus e ao mesmo
tempo do homem, gesto de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.” (PAPA
FRANCISCO, 05 fev. 2014).
Por essa razão, além do amor-sacrifício salvador de Jesus, Ele serve a humanidade na
mediação para que a Igreja possa oferecer a ação de Graças ao Pai, “por Cristo e com Cristo,
para ser aceite em Cristo” (CaIC, n. 1361).
O amor-sacrifício salvador e de ação de graças de Cristo ao Pai, no Sacramento da
Eucaristia é também Amor-Presença. A presença real de Jesus no Sacramento é fruto da fé
católica na transubstanciação.
O Papa João Paulo II classificou essa doutrina como sempre válida e explica, na sua
carta encíclica, a definição segundo o Concílio de Trento:

Pela consagração do pão e do vinho opera-se a conversão de toda a substância do pão


na substância do corpo de Cristo nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na
substância do seu sangue; a esta mudança, a Igreja católica chama, de modo
conveniente e apropriado, transubstanciação (EE, 2003, n. 6).

Essa fé na mudança de substância é uma condição que ultrapassa a compreensão


humana. Com efeito, “a Eucaristia é por excelência mistério da fé” (SCa, 2007, n. 6). Assim,
para Igreja, no santíssimo sacramento da Eucaristia “estão contidos, verdadeira, real e
substancialmente, o corpo e o sangue, conjuntamente com a alma e a divindade de nosso Senhor
Jesus Cristo e, por conseguinte, Cristo completo” (CaIC, n. 1374).
Nas espécies consagradas, a Eucaristia é amor-comunhão. Ao receber a Eucaristia, o fiel
é levado à íntima comunhão com Jesus e Dele receber os benefícios desse Amor. De fato, o
Senhor apresenta-se como o Pão da Vida (Jo 6, 48) e afirma: "Quem come a Minha carne e
bebe o Meu sangue tem a vida eterna" (Jo. 6, 54), e “permanece em Mim e Eu nele” (Jo 6, 56).
A manifestação do amor-comunhão é a iniciativa do próprio Deus. Assim, o Papa
Francisco (21 mar. 2018), em sua catequese, reflete que, quando caminhamos rumo ao altar
para receber a Comunhão, “na realidade é Cristo que vem ao nosso encontro para nos assimilar
a si. Há um encontro com Jesus!”.
Esse encontro com Cristo pode ser constante, pois, aumenta na pessoa que comunga as
virtudes que nos aproximam de Deus, é o que ressalta São Pedro Juliano Eymard, fundador da
Congregação do Santíssimo Sacramento:

É pela Santa Comunhão que Jesus Cristo Nasce, Cresce e se aperfeiçoa em nós, e seu
grande desejo é que a recebamos e a recebamos com frequências. [...] Se nos fosse
dado conhecer os dons e as virtudes inerentes à Comunhão haveríamos continuamente
de suspirar por ela (EYMARD, 2002b, p. 10).

Segundo a fé católica, a presença eucarística do Senhor Jesus “começa no momento da


consagração e dura enquanto as espécies eucarísticas subsistirem” (CaIC, n. 1377).
O magistério recomenda a conservação da Eucaristia fora da missa, em local apropriado
segundo o direito canônico16 e o livros litúrgicos, para administração do Viático, “levar a
sagrada Comunhão aos enfermos e para serem adoradas” (SAGRADA CONGREGAÇÃO
PARA O CULTO DIVINO, 2011, n. 5).
Para Eymard, a adoração eucarística tem por objetivo “a Pessoa Divina de Nosso Senhor
Jesus Cristo, presente no Santíssimo Sacramento, que aí está vivo, desejando ouvir-nos falar-
lhe e falar-nos também” (2002a, p. 12).
Uma declaração inspiradora de amor, fé e testemunho sobre a adoração a Jesus
Eucarístico encontramos em Joao Paulo II:

É bom demorar-se com Ele e, inclinado sobre o seu peito como o discípulo predileto
(Jo 13, 25), deixar-se tocar pelo amor infinito do seu coração. Se atualmente o
cristianismo se deve caracterizar sobretudo pela arte da oração, como não sentir de
novo a necessidade de permanecer longamente, em diálogo espiritual, adoração
silenciosa, atitude de amor, diante de Cristo presente no Santíssimo Sacramento?
Quantas vezes, meus queridos irmãos e irmãs, fiz esta experiência, recebendo dela
força, consolação, apoio (EE, 2003, n, 25).

Esse Sacramento conduz à intimidade com o Senhor e proporciona a contemplação da


obra de salvação, revelando Seu Amor pela humanidade. Assim, o amor-doação de Jesus
impulsiona o fiel a se santificar, a testemunhar e servir como Ele fez. Deste modo, nesse
Sacramento, Jesus age na conversão pessoal e na transformação da sociedade.
Nessa realidade, na Eucaristia, Jesus faz de nós testemunhas da compaixão de Deus por
cada irmão e irmã, “nasce assim, o serviço da caridade para com o próximo” (Sca, 2007, n. 88).
Na mesa da Eucaristia, nasce ainda a missão evangelizadora como bem explícita o Papa
João Paulo II (21 jun. 2000): “toda a Missa se conclui com o mandato missionário ‘ide’, ‘Ite,

16
Cãn .937-940
Missa est’, que convida os fiéis a levarem o anúncio do Senhor ressuscitado às famílias, aos
ambientes do trabalho e da sociedade, ao mundo inteiro”.
Toda a obra sacramental de amor que nos santifica, alimenta e salva, só é possível graças
ao sacerdote ministerial. De fato, em virtude da consagração que ele recebe pelo sacramento da
ordem, “é enviado pelo Pai, através de Jesus Cristo, ao qual como Cabeça e Pastor do seu povo
é configurado, de modo especial, para viver e atuar, na força do Espírito Santo, a serviço da
Igreja e para a Salvação do mundo” (ORIOLO, 2019. p. 13).
Pela unção sacramental, “o sacerdote ministro é servo de Cristo presente na Igreja
mistério, comunhão e missão. Pelo fato de participar da 'unção' e da 'missão' de Cristo, ele pode
prolongar na Igreja a sua oração, a sua palavra, o seu sacrifício e a sua ação salvífica” (PDV,
1992, n.16).
No Santo Sacrifício da Missa, conforme a Instrução Geral do Missal Romano (IGMR),
durante a oração Eucarística, o momento central e culminante de toda a celebração, pelas mãos
e palavras do sacerdote ministerial, o pão e o vinho convertem-se no Corpo e Sangue de Cristo.
Desse modo “a hóstia imaculada, que vai ser recebida na Comunhão, opere a salvação daqueles
que dela vão participar” (IGMR, n. 79).
O Sacerdote age ainda especialmente no Sacramento da penitência, que nos reconcilia
com Deus e com a Igreja. Nesse sacramento, quando o ele diz: “E Eu te absolvo dos teus
pecados em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, ele realiza em nome de Jesus”
(CaIC, n. 1441-1449).
O sacerdócio ministerial, portanto, fundamenta-se no “caráter impresso pelo sacramento
da ordem, que o configura a Cristo-Sacerdote, de modo a poder agir na pessoa de Cristo Cabeça
com a sagrada potestade de ser mediador da memória viva do amor, que dá a vida (Eucaristia),
e do amor que perdoa os pecados (Reconciliação)” (ORIOLO, 2019. p. 14).
Por isso, Cura D'Ars conclui que:

Se não tivéssemos o Sacramento da Ordem, não teríamos Nosso Senhor. Quem o


colocou no Tabernáculo? O padre. Quem foi que recebeu alma à entrada da vida? O
padre. Quem a prepara para comparecer perante Deus, lavando a alma pela última vez
no sangue de Jesus Cristo? O padre, Sempre o Padre (JOULIN, 1989, p. 25).

Como “ministros da palavra de Deus” (PO, 1965, n. 4) e da ação pastoral (PO, 1965 n.
6), os padres servem alimentando espiritualmente e conduzindo o povo ao seguimento de Jesus.
Neste sentido, na seção anterior, apresentou-se o Cura D'Ars como um modelo e referência,
especialmente pelo seu testemunho pastoral.
Convém ressaltar que os Padres são humanos, e a fragilidade humana é factível a todos,
por vezes, o contratestemunho leva a ferir o amor e a comprometer o serviço pastoral. Todavia
o testemunho dos valores evangélicos reflete na vida da ampla maioria.
Neste ano, o mundo vive uma crise de saúde mundial, uma pandemia atribuída ao
Coronavírus17. Tal peste tem tirado a vida de milhares de filhos de Deus e levado populações
ao isolamento social e à crise econômica em diversos países.
O Amor-doação, que nasceu na cruz e permaneceu na Eucaristia, também impulsiona o
Padre a doar-se. Foi o que muitos padres fizeram durante a pandemia do COVID-19, chegando
à doação da própria vida. Eles e os profissionais de saúde foram lembrados na homilia da Missa
do Crisma deste ano pelo do Papa Francisco:

Os sacerdotes, que oferecem a vida pelo Senhor; os sacerdotes que são servos. Nestes
dias, aqui na Itália, morreram mais de sessenta, infetados ao prestar cuidados aos
doentes nos hospitais e também aos médicos, aos enfermeiros, às enfermeiras... São
‘os santos de ao pé da porta’, sacerdotes que, servindo, deram a vida. (PAPA
FRANCISCO, 9 abr. 2020)

Ao fim do primeiro capítulo, no qual buscamos desenvolver sobre o amor de Cristo no


serviço à humanidade e na instituição da Eucaristia e do Sacerdote, chegam-se a algumas
considerações.
Primeiramente, verifica-se que a Sagrada Escritura revelou o desejo ardente de Jesus de
comer aquela última ceia com os apóstolos e instituir a Eucaristia e o Sacerdócio. Revelou o
esvaziamento total de Deus, colocando-se a serviço da humanidade, trazendo a Salvação pela
sua paixão, morte de cruz e ressurreição.
Partindo das narrativas neotestamentárias e documentos sobre a instituição do
Sacerdócio ministerial. Percebe-se que, sem esse ministério, de fato, a Igreja não poderia
prolongar o ministério de Cristo cabeça, apascentando e santificando o povo sacerdotal.
Ao olhar a singeleza do pão e do vinho transubstanciados pelas mãos do Sacerdote
ministerial, num primeiro momento, não se percebe a grandeza reveladora do amor-doação de
Deus. Mas, após desenvolver o trabalho, impacta-se pelo amor-sacrifício salvador de Jesus na
Eucarística. São Bernardo (2015) mostrou a que medida devo corresponder a esse amor, é amar
sem medida.

17
Segundo o Ministério da Saúde, o Coronavírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias. O
novo agente do Coronavírus foi descoberto em 31/12/19 após casos registrados na China. Ele provoca a doença
chamada de Coronavírus (COVID-19). (MINISTERIO DA SAÚDE, 2020).
A Eucaristia significa ação de Graças. Na nossa natureza, não poderíamos manifestar
diretamente ao Pai o justo louvor por suas obras. No entanto, no Sacramento “por”, “com” e
“em Cristo”, realiza-se o dever e salvação, como reza o prefácio do Santo Sacrifício da Missa.
Ao defrontar-se com o Amor-presença do Corpo e Sangue de Jesus nas espécies
consagradas, vê-se o Deus que caminha conosco, o pão da vida, aquele que se oferece à
intimidade, como testemunhou o Papa João Paulo II: “É bom demorar-se com Ele [...] deixar-
se tocar pelo amor infinito do seu coração” (EE, 2003, n, 25).
O amor-doação de Deus, que nasceu na cruz, permaneceu na Eucaristia, impulsiona o
fiel leigo e o sacerdote ministerial à santificação ao testemunhar e doar-se como Ele fez.
Seguramente, nesta pandemia do COVID-19, muitos fies leigos e sacerdotes estão
doando-se, alguns doando a própria vida, como bem lembrou o Papa Francisco em sua Homilia.
Eucaristia é amor. Sacerdócio ministerial é missão. Amor é serviço.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na quinta-feira Santa, o dia no qual antes de entregar-se à morte violenta de Cruz, Jesus
confiou para sempre à Igreja o novo e eterno sacrifício, o banquete e memorial do seu amor.
Nessa mesma noite, Jesus instituiu o Sacerdote Ministerial, confiando aos Apóstolos e
sucessores ordem de renovar todos os dias o Sacrifício do Seu Corpo e de Seu Sangue, e os
enviou a pregar o Evangelho e apascentar o povo de Deus.
O Sacerdote ministerial Católicos, instituído por Nosso Senhor, é o mediador da
memória viva do amor de Deus, que dá a vida (Eucaristia), e do amor que perdoa os pecados
(Reconciliação).
Refletiu-se que a Eucaristia é o verdadeiro serviço de amor-salvador a todas as gerações.
O amor de Deus que vem ao nosso encontro na fila da Sagrada comunhão. É o amor que aí está
vivo no meio de nós.
Conhecedores desse amor, que alimenta, perdoa, santifica, salva e caminhar conosco, o
verdadeiro serviço de amor de Cristo por meio da Eucaristia e do Sacerdote Ministerial, os fiéis
Católicos podem participar no Sagrado Mistério da Eucaristia e da celebração da quinta-feira
Santa frutuosamente, conscientes e piedosamente como recomenda o Concilio Vaticano II.
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