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Crenças e Normas Sociais

Pollyana de Lucena Moreira


Universidade Federal do Espírito Santo
Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento

O termo crença, é apresentado por Krüger (2013) como um dos mais delicados
da psicologia, devido ao seu uso em outras áreas do conhecimento como a filosofia e a
religião. Este autor o define como representações mentais relacionadas a processos
cognitivos, afetivos, motivacionais ou conotativos, que se expressam por meio da
linguagem oral ou escrita. Na psicologia as crenças são investigadas a partir de sua
manifestação objetiva, permitindo uma investigação por meio de diferentes métodos de
pesquisa. As crenças influenciam nossa tomada de decisão e orientam nossas condutas
e, de acordo com Krünger (2013), possuem cinco funções: descritiva, interpretativa,
explicativa, avaliativa e normativa ou prescritiva. A função descritiva das crenças
envolve a necessidade de representar simbolicamente o que percebemos, sentimos ou
pensamos; a função interpretativa envolve o significado que damos àquilo que
percebemos, sentimos ou pensamos; a função explicativa das crenças envolve a busca
por relações entre variáveis (dependentes e independentes); a função avaliativa das
crenças envolve o uso das crenças para a realização de julgamentos dos diferentes
objetos e situações sociais; por fim, a função avaliativa ou normativa das crenças
envolve o modo como as crenças orientam nossos comportamentos e nossas condutas
nas diferentes situações sociais e no desempenho de papéis sociais específicos.
Um sistema de crenças é constituído a partir de premissas, ou seja, assertivas que
orientam a cognição influenciando-a de acordo com o nível de credibilidade que
possuem. Por exemplo, a crença na igualdade entre os seres humanos é apresentada por
Krüger (2013) como a premissa de algumas ideologias contemporâneas, orientando as
reflexões e ações sobre inúmeras situações sociais como o processo de educação, as
condições de moradia e de saúde da população. A forma como a crença na igualdade
orienta as ações individuais direcionadas a diferentes situações sociais depende da
forma como essa crença é interpretada, explicada e avaliada por cada indivíduo. Por
exemplo, para algumas pessoas a crença na igualdade é interpretada a partir da noção de
que todos devem ter oportunidades iguais de acesso à educação; outras pessoas podem
interpretar essa mesma crença considerando a igualdade entre as pessoas perante a lei. A

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partir dessas interpretações as crenças são avaliadas como importantes para a orientar
suas ações, ou seja, ela se transforma em um valor.
Uma vez que as pessoas possuem diferentes crenças, diferentes valores podem
ser formados a partir delas. Autores da psicologia social e da psicologia social do
desenvolvimento (Kohlberg, 1984; Krüger, 2013; Piaget, 1965) apresentam a ideologia
como o conjunto de valores que orienta as ações das pessoas seja na esfera das relações
interpessoais ou na esfera das relações sociais e institucionais. Assim, “as ideologias
exercem sua influência na percepção seletiva dos fatos sociais, padrões de cultura,
manifestações políticas, atividades econômicas e financeiras, processos coletivos e
condutas individuais, nomeando-os e interpretando-os de acordo com as características
do sistema ideológico internalizado predominante” (Krüger, 2013; p. 293).
Torres e Rodrigues (2011) afirmam que estudos realizados a partir da psicologia
social sobre diferentes crenças devem levar em consideração as normas de cada cultura,
uma vez que as diferenças culturais refletem a existência de diferentes sistemas sociais,
que podem ser compreendidos a partir das normas que lhes dão sentido. Desse modo,
compreender as normas e seu impacto nas ações individuais pode ser o primeiro passo
para compreender as diferentes culturas, sua estrutura social e o comportamento das
pessoas, considerando a qualidade das relações interpessoais e intergrupais.
Assim como as crenças, e de acordo com Torres e Rodrigues (2011), o conceito
de normas está estruturado a partir do seu caráter prescritivo, ou seja, envolve uma
obrigação coletiva sobre como agir; envolve também uma forma de expressão dos
valores do grupo e de diferenciação intergrupal. A partir da psicologia social do
desenvolvimento (Beauvois, 2002) uma norma social possui um caráter prescritivo não
apenas devido à função de orientação das ações, mas também pelo fato das avaliações
sobre sua validade serem construídas a partir de valores que são, em sua essência,
prescritivos. Nesse sentido, a conformidade com uma norma envolve a consciência
sobre a necessidade da norma a partir da consciência sobre os valores que lhes são
subjacentes (Colby et al., 1987; Gielen, 1994; Kohlberg, 1984). Desse modo, é por meio
das normas sociais que as pessoas orientam suas ações, e é por meio dos valores,
subjacentes a essas normas, que as pessoas avaliam os diferentes grupos sociais
(Beauvois, 2002). Assim pode-se dizer que, incialmente, a relação entre indivíduo e
sociedade é construída a partir da consciência das normas; e ao longo do
desenvolvimento ontogenético, a relação entre normas e valores se torna mais complexa

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e passa a envolver não apenas a consciência das normas, mas a consciência sobre os
valores que lhes dão forma (Piaget, 1965).
A partir de uma perspectiva sociocognitiva, Piaget (1965) apresenta as normas
como um elemento que estabelece a relação entre indivíduo e sociedade. Essa relação é
estabelecida, inicialmente a partir de normas legais, que se caracterizam pelo
reconhecimento de direitos e deveres, institucionalmente estabelecidos, e que
representam a forma mais adequada para orientar as relações sociais. De acordo com
Kohlberg (1984), nessa relação inicial entre indivíduo e sociedade, as normas
constituem o fator que permite a coesão dos indivíduos, possibilitando que eles se
reconheçam enquanto cidadãos. Posteriormente, com o avanço no desenvolvimento
social (Selman, 1976) e moral (Piaget, 1932), a relação com a sociedade, que começa a
envolver a compreensão entre direitos e deveres, passa a ter outro sentido: as pessoas
reconhecem a responsabilidade que possuem com os outros cidadãos e percebem que
esta responsabilidade está além das normas legais: ela passa a envolver a percepção do
outro não apenas como cidadão ou como membro do mesmo grupo, mas como ser
humano cujos direitos estão além daqueles legal e institucionalmente estabelecidos.
Desse modo, as relações sociais deixam de ser orientadas exclusivamente por normas
legais e passam a envolver também, normas morais.
Ao apresentar esses dois tipos de normas presentes na sociedade, Piaget (1965)
ressalta a relação estrita entre as normas e os valores: por um lado, as normas são
construídas nas interações sociais e têm como base um valor; por outro lado, é a partir
dos valores que as pessoas defendem a validade das normas para orientar suas ações.
Desse modo não é possível conceber a existência de uma norma social sem um valor
correspondente. E, por essa razão, pode-se dizer que os valores possuem um caráter
prescritivo e normativo, pois motivam as pessoas a seguirem (ou não) determinadas
normas sociais (Piaget, 1965). Pode-se dizer, também, que, devido a sua base
valorativa, as normas representam um elemento chave do raciocínio moral, pois são
usadas para justificar decisões, orientar ações e regular as demandas e conflitos das
pessoas em diferentes situações sociais (Gielen, 1994; Kohlberg, 1984). Desse modo, é
possível dizer que crenças e normas sociais estão implicadas nas relações entre
indivíduo e sociedade considerando os valores que se formam a partir desses
constructos, valores que são responsáveis por regular as interações interpessoais.
Torres e Rodrigues (2011) destacam a relação entre normas e cultura, e
apresentam autores que indicam que existe uma cultura quando um grupo compartilha,

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de forma consciente, as mesmas crenças e normas. Ao considerar que as normas
envolvem a execução de comportamentos ligados a um papel social, esses autores
destacam que culturas diferentes podem ter, em seu sistema social, os mesmos papéis
desempenhados a partir de normas diferentes (ex. o papel e as normas associadas à
mulher e à maternidade em diferentes culturas). Esses autores destacam ainda que em
culturas mais coletivistas as pessoas tendem a perceber a si e aos outros considerando o
contexto no qual estão inseridas, de modo que as normas sociais possuem um peso
maior na regulação do comportamento. Ainda sobre a relação entre normas e cultura,
para Jackson (1966, como citado em Torres & Rodrigues, 2011) as normas consistem
em um componente da cultura e, por essa razão, são aprendidas pelos membros do
grupo social enquanto um padrão de crenças. Ainda, “as atitudes, sentimentos,
aspirações e objetivos compartilhados que caracterizam as identidades dos membros dos
grupos são relacionadas às normas e aos valores comuns para os grupos” (p. 106).
Como um referencial na Psicologia Social, Fishbein e Ajzen (1974, como citado
em Torres & Rodrigues, 2011) apresentaram a concepção de normas subjetivas, que se
difere da concepção de normas sociais, por envolver a pressão social percebida para que
o indivíduo se comporte de determinada forma, o que pode afetar suas atitudes sobre
outras pessoas e grupos. Cialdini e Trost (1998, como citado em Torres & Rodrigues,
2011), acrescentaram à concepção de normas subjetivas, a noção de que elas
representam crenças compartilhadas que podem afetar o comportamento individual
dependendo de caraterísticas do indivíduo, da situação e da cultura. Nesse sentido, e
considerando o caráter prescritivo das normas subjetivas, é possível dizer que para esses
autores, uma norma social consiste num conjunto de normas subjetivas. Ainda, de
acordo com Torres e Rodrigues (2011) as normas subjetivas possuem um caráter muito
mais prescritivo do que descritivo, uma vez que a pressão em realizar um determinado
comportamento está associada a percepção de aprovação ou reprovação das ações do
indivíduo. Torres e Rodrigues (2011) destacam que o processo de construção das
normas não pode ser pensado de forma dissociada do processo de socialização, cuja
função principal é implantar motivos e recursos apropriados para o indivíduo em seu
ambiente social. Esses autores destacam ainda que a conformidade com uma norma está
ligada à necessidade de aprovação social por meio da realização do comportamento
considerado correto e da construção de um autoconceito positivo; também à necessidade
de construir e manter relações sociais.

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Staub (1972, como citado em Torres e Rodrigues, 2011) verificou que o
contexto social pode ajudar na ativação de uma norma e que dois tipos de normas atuam
para favorecer a execução de comportamentos socialmente desejáveis: as normas
injuntivas e as normas descritivas. O primeiro tipo de norma envolve aquilo que
acreditamos que outras pessoas podem pensar sobre nós; aquilo que elas aprovam ou
reprovam em nós. O segundo tipo de norma envolve as nossas percepções sobre como
as pessoas realmente se comportam em determinadas situações, independente do
comportamento ser ou não socialmente aprovado. Ou seja, uma norma injuntiva
relaciona-se com o que a maior parte das pessoas de uma cultura aprova ou desaprova;
uma norma descritiva relaciona-se com o que as pessoas realmente fazem.
Um estudo realizado por Cialdini Kallgren e Reno (1991, como citado em
Aronson et al., 2018) teve como objetivo verificar o efeito de normas injuntivas e
descritivas no comportamento das pessoas. Os participantes foram expostos a um de
dois tipos de normas sobre jogar lixo no chão ou a nenhuma norma (o grupo de
controle). Na condição da norma descritiva, o cúmplice do experimentador carregava
um saco vazio de uma lanchonete e o deixava cair antes de passar pelo participante da
pesquisa. Ao deixar o lixo no chão, o cúmplice estava sutilmente comunicando que
jogar lixo no chão “é o que as pessoas fazem nessa situação.” Na condição da norma
injuntiva, o cúmplice não carregava nada e, ao invés disso, antes de passar pelo
participante, ele recolhia uma embalagem da mesma lanchonete fast-food, que estava
jogado no chão. Ao pegar o lixo de outra pessoa, o cúmplice do experimentar estava
sutilmente comunicando que “jogar lixo no chão é errado,”. Na condição da norma
descritiva, o fato de o cúmplice doe experimentador ter jogado lixo no chão comunicou
duas mensagens diferentes, dependendo da condição do estacionamento: quando o
estacionamento estava com vários pacotes no chão, o comportamento de jogar lixo no
chão comunicou ao participante que as pessoas, muitas vezes, jogam lixo no chão
naquele local — o cúmplice serviu apenas como um exemplo do tipo de comportamento
comum naquela situação; quando o estacionamento estava limpo o comportamento de
jogar lixo no chão comunicou uma mensagem diferente, lembrando ao participante que
a maioria das pessoas não joga lixo no chão, sendo esta a razão do estacionamento estar
limpo. Por isso, os pesquisadores esperaram que nesta última condição o
comportamento do cúmplice lembrasse os participantes de uma norma descritiva mais
forte contra jogar lixo no chão. À luz de estudos como esse, os pesquisadores

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concluíram que as normas injuntivas são mais poderosas que as descritivas para gerar o
comportamento desejado (Cialdini, 2003; Kallgren et al., 2000).
Ainda com relação ao efeito da influência social no comportamento socialmente
desejado, Schultz et al (2007, como citado em Aronson et al., 2018) verificaram a
existência do Efeito Bumerangue, que consiste na situação na qual a apresentação de
uma norma para modificar o comportamento tem um efeito contrário ao desejado. Esses
autores realizaram um estudo para verificar o efeito de normas descritivas e injuntivas, e
para tanto utilizaram uma situação de consumo de energia elétrica num condomínio. Os
moradores foram divididos em dois grupo aleatórios e cada grupo recebeu um tipo de
informação, das duas elaboradas: na condição de norma descritiva os moradores foram
informados sobre a quantidade de energia semanal que haviam utilizado e o consumo
médio por residência no bairro (a informação da norma descritiva) e receberam
sugestões de como economizar energia; na condição de norma descritiva e injuntiva os
moradores recebia a mesma informação anterior com um adicional de uma carinha feliz,
caso tivessem consumido menos energia que a média, e de uma carinha triste, caso
tivessem consumido mais energia que a média. A adição da carinha feliz ou triste
representou a norma injuntiva, ou seja, a forma como as pessoas desejam que outras se
comportem. Conforme indicado por Aronson et al. (2018), os resultados indicaram que
para aqueles moradores da que consumiam energia acima da média, a apresentação
apenas da norma descritiva ajudou na redução do consumo. Para aqueles que
consumiam abaixo da média a norma descritiva teve um efeito inverso, chamado de
efeito bumerangue, e favoreceu o aumento do consumo de energia. Para o grupo de
moradores que recebeu a informação de norma descritiva associada à norma injuntiva os
resultados foram mais positivos: aqueles que consumiam acima da média e receberam
uma carinha triste diminuíram o consumo de energia; aqueles moradores que já tinham
o consumo abaixo da média e receberam a carinha feliz mantiveram o consumo de
energia abaixo da média, não sendo verificado o efeito bumerangue. Ou seja, a
apresentação da norma injuntiva lembrou os participantes do comportamento que se
esperava deles.
As normas sociais foram amplamente estudadas na Psicologia Social por meio
dos processos de influência social. De acordo com Álvaro e Garrido (2006) a expressão
“Influência Social” abarca o estudo da forma como se constroem as normas sociais, a
conformidade social, a persuasão e a mudança de atitudes, os efeitos do poder e da
submissão, a obediência à autoridade e a influência das minorias. Aronson et al. (2018)

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ressaltam que as pessoas entram em conformidade com outras e com normas sociais por
várias razões: por não saberem o que decidir numa situação confusa, para evitar serem
ridicularizadas ou punidas por apresentar um comportamento ou opinião diferente das
demais pessoas, ou para não ser rejeitada pelo grupo de pertença. Esses autores
destacam a existência de dois processos de influência social: a influência social
informativa e a influência social normativa. A influência social informativa, inspirada
na teoria da comparação social de Festinger (1954, como citado em Aronson et al.,
2018), se refere a situações em que o comportamento do grupo é aceito como prova de
verdade. Ou seja, a influência social informativa pode ser pensada enquanto o processo,
por meio do qual, as normas de comportamento são formadas. A influência social
normativa se refere a situações em que a aceitação do comportamento e das normas do
grupo se explica pelo desejo de evitar a rejeição por parte desse grupo (Garcia-Marques
et al., 2013).

Aplicação das crenças e normas no estudo do preconceito


A compreensão do comportamento humano deve passar, de acordo com Torres e
Rodrigues (2011) pelo estudo da relação entre normas e atitudes. Nesse sentido, é
preciso considerar num primeiro momento que crenças, valores, ideologias e normas
sociais afetam a formação das atitudes, a exemplo do preconceito. O preconceito foi
definido por Allport (1954) como “uma atitude hostil ou prevenida direcionada a uma
pessoa que pertence a um grupo social simplesmente porque ela pertence a esse grupo,
supondo que ela possui as qualidades atribuídas ao grupo” (p.7). Essa atitude, segundo
Allport (1954), está pautada em um julgamento irreal e injustificado sobre a pessoa e
sobre o grupo ao qual ela pertence. Assim, para que um preconceito sobre um
determinado grupo social se desenvolva é preciso haver uma incompatibilidade entre os
valores do endogrupo e do exogrupo. Nesse contexto, os valores representam a variável
mais relevante para a expressão do preconceito, uma vez que esse fenômeno representa
uma forma de proteger os valores e crenças individuais e grupais diante da ameaça da
existência de valores opostos (Allport, 1954).
Nas últimas décadas, as formas de expressão do preconceito sofreram
modificações devido às mudanças nas normas sociais e devido à implementação de
legislações anti-discriminação, que apresentam a expressão direta do preconceito como
inaceitável (Costarelli & Gerłowska, 2015; Crandall et al., 2002; Lima & Vala, 2004;
Pereira & Vala, 2011; Pereira & Vala, 2010). De acordo com Pereira, Monteiro e

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Camino (2009) as normas sociais podem influenciar ou suprimir a expressão explícita
do preconceito, a depender do contexto no qual as pessoas estão inseridas. A expressão
do preconceito flagrante, que consiste em uma forma mais direta de hostilidade contra
um grupo minoritário visto como uma ameaça ao endogrupo (Lima & Vala, 2004), é
facilitada quando as pessoas se sentem protegidas pelas normas do grupo, que autorizam
a expressão do preconceito. Em situações nas quais existe uma norma anti-
discriminatória saliente, a expressão do preconceito flagrante é suprimida pois pode
acarretar consequências negativas para a pessoa ou seu grupo. Verifica-se, nessas
condições, a expressão de um preconceito sutil, caracterizado pela defesa dos valores
tradicionais, pelo exagero nas diferenças culturais e pela negação de emoções negativas
acerca do grupo alvo (Lima & Vala, 2004). A relevância das normas sociais para a
diminuição da expressão do preconceito foi verificada também por Oyamot, Jackson,
Fisher, Deason e Borgida (2017). Em um estudo realizado com o objetivo de verificar o
efeito das normas igualitárias na tolerância a minorias sociais, estes autores verificaram
que o endosso a valores igualitários e as mudanças nas normas sociais favoreceram à
diminuição da expressão do preconceito contra essas minorias entre os anos de 1992 e
2012, sobretudo por parte de pessoas que defendiam valores autoritários.
Apesar das evidências indicarem que existe uma tendência da expressão de
conformidade com uma norma social, nem sempre ela é possível, sobretudo quando a
norma é oposta aos valores individuais. Costarelli e Gerłowska (2015) verificaram que
um contexto social regido por normas que proibiam a expressão do preconceito
produzia uma ambivalência cognitiva nos indivíduos que envolvia o desejo de expressar
as avaliações negativas sobre o membro de um grupo, ou sobre um grupo, e a
necessidade de manter a conformidade com a norma, favorecendo assim a harmonia
social. Em um estudo que buscou investigar a relação entre a supressão do preconceito e
a ambivalência cognitiva, esses autores verificaram que a existência de uma norma
social que proibia a expressão do preconceito favorecia a expressão de avaliações
positivas sobre um grupo, mas não diminuía os sentimentos negativos que ele eliciava.
Ainda de acordo com Costarelli e Gerlowska (2015), a ambivalência cognitiva
produzida em situações desse tipo favorece, por sua vez, a busca por elementos que
possam justificar as avaliações negativas e que mantenham válidos os valores
individuais, contrários à norma.
De acordo com Allport (1971), as situações que não permitem a expressão direta
de um preconceito favorecem o surgimento de um conflito interno. Esse conflito

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representa uma situação de ambiguidade em que de um lado a pessoa sente a
necessidade de expressar seus sentimentos hostis, ou seu preconceito com relação aos
membros de um grupo, e de outro sente a pressão sobre a necessidade de manutenção da
conformidade com a norma social igualitária, que protege esse mesmo grupo. Com base
nestas considerações de Allport (1971) e, tendo em vista o papel das relações de poder
na manutenção das relações hierárquicas que favorecem o preconceito, Crandall e
Eshleman (2003) e Crandall, Eshleman e O’brein (2002) desenvolveram um modelo
sobre a supressão do preconceito (Justification-Supression Model). Para esses autores, a
supressão do preconceito ocorre a partir da construção de raciocínios que se organizam
de modo a favorecer uma adaptação às normas sociais por meio da expressão de
respostas adequadas à situação. Esses raciocínios se adaptam às ideologias e sistema de
valores sociais e políticos predominantes na sociedade e tornam a expressão do
preconceito mais difícil de ser identificada.
Para Crandall e Eshleman (2003), ao longo do desenvolvimento social, as
pessoas tomam conhecimento de normas sociais e culturais que podem favorecer a
expressão ou a supressão do preconceito de tal modo que o aumento das interações
sociais implica no aumento da habilidade para identificar em quais contextos a
expressão ou a supressão do preconceito são as respostas mais adequadas às emoções
eliciadas por um determinado objeto social. Desse modo, a supressão do preconceito
evita o surgimento do conflito interno, como apresentado por Allport (1954), pois evita
que a pessoa experiencie sanções internas (culpa, construção de uma autoimagem
negativa) e/ou externas (punições legais, por meio de instituições; ou morais, por meio
da avaliação negativa de grupos sociais), que são consequências diretas da expressão do
preconceito.
Com relação a possibilidade de expressão ou supressão do preconceito, a partir
da sua aceitabilidade social, Crandall et al., (2002) verificaram que em contextos onde a
expressão do preconceito é aceita, geralmente nos grupos com os quais as pessoas se
identificam, ocorre a expressão do preconceito flagrante; nesses contextos, as pessoas se
sentem livres para expressar suas crenças, valores e ideologias sem correrem o risco de
uma avaliação negativa ou de uma sanção por parte do grupo. Em contextos sociais nos
quais a expressão do preconceito é inaceitável, geralmente em contextos em que estão
presentes membros de diversos grupos sociais, ocorre a supressão do preconceito, que
se caracteriza por uma expressão mascarada da hostilidade contra os membros de um
grupo.

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Para a supressão do preconceito, as pessoas utilizam justificações que consistem
em "qualquer processo social ou psicológico que serve como uma oportunidade de
expressar o preconceito genuíno sem o sofrimento de uma sanção interna ou externa"
(Crandall & Eshleman, 2004, p. 248). Nessas situações, tem-se a expressão de
raciocínios que apresentam a aceitação de uma norma social com algum nível de
hostilidade. A aceitação da norma funciona como uma forma de mascarar a hostilidade
contra algum grupo minoritário. Desse modo, as justificações protegem a autoimagem
das pessoas como não preconceituosas por meio da expressão da aceitação da norma
igualitária, seguindo assim a tendência à adoção de um clima normativo contrário ao
preconceito (Crandall et al., 2002). Salienta-se, no entanto, que esse processo cognitivo
não é consciente e que as pessoas que se encontram nessa situação, podem realmente se
perceber como não preconceituosas.
Ainda considerando a relação entre contexto normativo, discriminação e
justificações para a discriminação, C. Pereira et al. (2009) realizaram um estudo com o
objetivo de investigar o efeito do contexto normativo (igualitária ou meritocrático)
considerando a relação entre desumanização dos membros do exogrupo, ameaça e
discriminação. Esses autores partiram do princípio de que a expressão ou não expressão
de discriminação depende de características do contexto normativo, que indica se a
discriminação é ou não um comportamento apropriado. Os resultados encontrados por
esses autores indicaram que quando o contexto normativo valoriza a igualdade, os
participantes experimentam um dilema e usam a ameaça simbólica como justificativa
para a discriminação. Esse dilema deixa de existir quando as normas para a
discriminação são permissivas ou meritocráticas.
A. Pereira et al. (2016) realizaram um conjunto de pesquisas por meio das quais
verificaram as condições sob as quais as normas anti-preconceito possuem um efeito na
redução do preconceito contra homossexuais e no aumento da probabilidade de
engajamento em comportamentos a favor de homossexuais. Os autores verificaram que
a efetividade de uma norma anti-preconceito na redução do preconceito depende do
quando as pessoas endossam crenças sobre natureza da homossexualidade.
Especificamente, A. Pereira et al. (2016) verificaram que quanto mais uma pessoa
percebe o preconceito como inapropriado menor é a adesão que ela possui a crenças
biológicas ou religiosas sobre a natureza da homossexualidade; nessas pessoas as
normas anti-preconceito são mais efetivas. Os autores verificaram ainda que as pressões
normativas para a redução do preconceito não apenas reduzem o preconceito, mas

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também aumenta a probabilidade das pessoas se engajarem em atividades que
favorecem os homossexuais.
A partir desses estudos A. Pereira et al., (2016) ressaltam que a análise das
normas anti-preconceito e das crenças sobre a natureza da homossexualidade é
importante para construir abordagens teóricas na pesquisa em psicologia social
preocupadas com os processos de influência social normativa e para melhorar as
relações intergrupais.

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