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FUNDAMENTOS

HISTÓRICOS E
TEÓRICOS-
METODOLÓGICOS DO
SERVIÇO SOCIAL I E II

Viviane Maria Rodrigues


Teoria Positivista
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

n Refletir sobre a relação da Teoria Positivista com o Serviço Social brasileiro.


n Identificar os processos de trabalho do assistente social a partir da
Teoria Positivista.
n Reconhecer os limites e as possibilidades do Serviço Social quando se
utilizou da Teoria Positivista nos seus processos de trabalho.

Introdução
Neste texto, você vai conhecer a Teoria Positivista, vai estudar o conceito
e a influência desta teoria no Serviço Social brasileiro, especialmente
no processo de institucionalização dessa disciplina. Além disso, vai ver
quais são os limites e as possibilidades da Teoria Positivista aplicada ao
Serviço Social.

Relação da Teoria Positivista


com o Serviço Social brasileiro
A Teoria Positivista surgiu na França, no início do século XIX. Ela é baseada
nos ensinamentos de Auguste Comte e ganhou força na Europa em meados
do século XIX e início do século XX, quando também chegou ao Brasil.
Com as transformações no cenário político, econômico e social viven-
ciadas no Brasil nos anos 1940, também houve uma mudança considerável
no Serviço Social brasileiro. Essa alteração se deu por meio da modificação
da filosofia adotada na atuação profissional. Com a aproximação do Serviço
Social americano, a partir da década de 1940, o Brasil travou contato com
propostas de trabalho permeadas pela teoria social positivista.
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Assim, influenciado pela sua vertente norte-americana, o Serviço Social


brasileiro e seu pensamento pautado na doutrina social da Igreja Católica e no
ideário franco-belga sofrem mudanças. Nos Estados Unidos, o Serviço Social
era permeado pelo caráter conservador da teoria social positivista-funcionalista.
A aproximação com o Serviço Social norte-americano, tanto no Brasil
quanto na América Latina, ocorre após a Segunda Guerra Mundial, pela
incorporação das teorias estruturais-funcionalistas por meio da metodologia
de intervenção de caso, grupo e comunidade. “Da matriz positivista derivam
as vertentes denominadas de funcionalismo, estruturalismo e estrutural-
-funcionalismo, assentadas na abordagem instrumental e manipuladora da
realidade” (SIMIONATTO, 2009, p. 104).
A incorporação do Serviço Social norte-americano e da Teoria Positivista de
Comte vem com a proposta de intervir nas demandas crescentes apresentadas
pela classe trabalhadora mais empobrecida, que não acessa bens e serviços.
Além disso, a ideia é atender às demandas inerentes ao processo de reprodução
das relações sociais.

O sistema comteano surge como sustentáculo da ordem burguesa, uma vez


que as estruturas econômicas, sociais e políticas estabelecidas pela burguesia
precisavam, para sua perpetuação, de um ideário, um sistema explicativo
capaz de afastar as ameaças das lutas sociais e políticas que emergiam nesse
contexto. Ao estudar a sociedade segundo as leis da natureza, tendo como
modelo a biologia, a filosofia positivista a concebe como uma ordem natural
que não pode ser mudada e à qual os homens devem submeter-se (SIMIO-
NATTO, 2009, p. 103).

É a partir da aproximação com a Teoria Positivista que o Serviço Social


brasileiro teve um aporte teórico-metodológico que foi importante para a sua
qualificação profissional e para a sua modernização teórica e prática.
Você deve notar que a matriz teórica positivista não rompe com o conser-
vadorismo do Serviço Social. Afinal, a teoria social, assentada no positivismo,
aborda as relações sociais dos indivíduos no plano de suas vivências imediatas,
como fatos que se apresentam em sua objetividade e imediaticidade. Essa pers-
pectiva restringe a visão teórica ao âmbito do verificável, da experimentação
e da fragmentação. As mudanças apontam para a conservação e a preservação
da ordem estabelecida, isto é, do ajuste (SILVA, 2004).
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Nas décadas de 1940 e 1950, o Serviço Social não rompe com sua matriz conservadora,
contudo absorve uma matriz teórica, sendo esse o primeiro momento em que se
apoia realmente em uma teoria. No caso, a teoria de base positivista-funcionalista. Essa
teoria está vinculada ao ajustamento aos moldes pregados socialmente, assim como
aos princípios da ajuda psicossocial, vinculados ao pensamento de Mary Richmond
(1917). O que a norteia é a ideia de ajustar o indivíduo ao seu meio social por meio de
um “tratamento” intensivo e individual.

Apesar de o positivismo defender que o conhecimento científico deve


ser reconhecido como o único conhecimento verdadeiro, divergindo forte-
mente da filosofia adotada até então pelo Serviço Social, isso não ocorre na
sua totalidade. Embora se tenha adotado o Serviço Social de caso, grupo e
comunidade, com sua matriz teórica funcionalista, o processo de manuten-
ção do conservadorismo católico se manteve. Isso ocorreu pois os bolsistas
que acessavam bolsas de estudos concedidas pelo governo norte-americano
tinham como principal preocupação buscar nos Estados Unidos instituições
de orientação católica (AGUIAR, 1995).
Apesar disso, você deve considerar que a utilização da matriz teórica po-
sitivista representou um processo importante para o avanço profissional. Ela
oportunizou pesquisas na área do Serviço Social, bem como era considerada
um processo de modernização da profissão. Contudo, não rompeu com o
aspecto assistencialista, vinculado à caridade e à ajuda aos pobres.

Processos de trabalho do assistente


social dentro da Teoria Positivista
Ao estudar a Teoria Positivista aplicada aos processos de trabalho do Serviço
Social brasileiro, você deve considerar o método de intervenção de caso,
grupo e comunidade. Além disso, precisa ter em mente que o primeiro suporte
teórico-metodológico do Serviço Social foi a matriz positivista-funcionalista.
Com a influência da vertente norte-americana, o Serviço Social brasileiro
se aproxima mais das técnicas de intervenção, incorporando a técnica em uma
visão funcionalista.
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É a perspectiva positivista que restringe a visão de teoria ao âmbito do verificá-


vel, da experimentação e da fragmentação. Não aponta para mudanças, senão
dentro da ordem estabelecida, voltando-se antes para ajustes e conservação.
Particularmente em sua orientação funcionalista, esta perspectiva é absorvida
pelo Serviço Social, configurando para a profissão propostas de trabalho
ajustadoras e um perfil manipulatório, voltado para o aperfeiçoamento dos
instrumentos e técnicas para a intervenção, com as metodologias de ação,
com a “busca de padrões de eficiência, sofisticação de modelos de análise,
diagnóstico e planejamento; enfim, uma tecnificação da ação profissional que
é acompanhada de uma crescente burocratização das atividades institucionais”
(YAZBEK, 1984, p. 71).

O Serviço Social importa a atuação profissional de caso, inicialmente,


por meio dos conceitos defendidos por Mary Richmond no livro Diagnóstico
Social. Essa obra tem como objeto de intervenção a formação de caráter e a
criação de uma sociedade estruturada. Assim, a autora compreendia que os
problemas eram individuais, ou melhor, os “problemas eram os indivíduos”.
Havia, então, uma culpabilização do indivíduo, pois ele deveria se ajustar à
sociedade para que todos vivessem em harmonia.
Logo também se importou a atuação profissional de grupo e comunidade.
O Serviço Social de grupo foi desenvolvido por Gisela Konopka, assistente
social e psicanalista alemã, como um método que buscava o enfrentamento aos
problemas sociais e pessoais por meio de experiências em grupo. O Serviço
Social de grupo trouxe o seguinte preceito:

O Serviço Social de grupo é um método do Serviço Social que ajuda as pessoas


a aumentarem o seu funcionamento social através de objetivas experiências
de grupo e a enfrentarem, de modo mais eficaz, os seus problemas pessoais,
de grupo e de comunidade (KONOPKA, 1972, p. 33).

Outro método utilizado era o Serviço Social de comunidade. A implan-


tação desse método foi realizada por Jane Addams em centros comunitários
de Chicago, no ano de 1889. Você pode compreender que o Serviço Social
comunitário é um:

[...] processo através do qual os esforços do próprio povo se unem com os das
autoridades governamentais, com o fim de melhorar as condições econômicas,
sociais e culturais das comunidades na vida nacional e capacitá-las a contribuir
plenamente no progresso do país (AGUIAR, 1985, p. 69).
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O Serviço Social americano era baseado na atuação de caso, grupo e


comunidade. Além disso, era permeado pelo caráter conservador da Teoria
Positivista com orientação funcionalista. Veja:

No caso do Serviço Social, um primeiro suporte teórico-metodológico ne-


cessário à qualificação técnica de sua prática e à sua modernização vai ser
buscado na matriz positivista e em sua apreensão manipuladora, instrumental
e imediata do ser social. [...] O método positivista trabalha com as relações
aparentes dos fatos, evolui dentro do já contido e busca a regularidade, as
abstrações e as relações invariáveis (YAZBEK, 2009, p. 147).

O processo de intervenção do Serviço Social americano se estruturou


mais fortemente na capacitação profissional. Ou seja, criou-se a necessidade
da profissionalização do Serviço Social para a atuação junto ao modelo de
sociedade vigente. Contudo, não se rompeu com seu caráter doutrinário.
Outro fator que contribuiu para o processo de trabalho dos assistentes
sociais foi a ampliação dos espaços de atuação profissional. Isso ocorreu tanto
em espaços vinculados aos serviços públicos quanto em locais privados de
atuação profissional. Os principais foram a Legião Brasileira de Assistência
(LBA), o Serviço Nacional de Aprendizado Industrial (SENAI), o Serviço
Social da Indústria (SESI) e a Fundação Leão XIII.
Nos espaços públicos e privados, o trabalho dos assistentes sociais era
desenvolver ações educativas, com cunho moralizante e de ajustamento do tra-
balhador. O propósito disso era atender às demandas relacionadas ao mercado de
trabalho, ou seja, ajustar o proletariado para a manutenção da classe dominante.
Esse aspecto de controle da vida do trabalhador se fortalece com o po-
sitivismo. Isso acontece pois essa corrente teórica estuda os fatos, mas não
busca conhecer as causas dos fatores, já que acredita que os acontecimentos
são regidos por leis imutáveis. Desse modo, a matriz positivista associada ao
neotomismo ganha amplo espaço no Serviço Social brasileiro. Essa junção
se caracteriza por ter, tanto na filosofia neotomista quanto na matriz teórica
positivista, características humanistas cristãs.
Iamamoto (1997) assinala esse como um momento de arranjo teórico-
-doutrinário. É dentro do contexto da neutralidade e da imparcialidade entre
o sujeito e o objeto preconizado pela teoria social positivista que o Serviço
Social conforma-se com sua função de ajustamento social atribuída pelo
Estado e pelo empresariado.
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Limites e possibilidades do Serviço Social


quando vinculado à Teoria Positivista
Você deve saber que nem o doutrinarismo, nem o conservadorismo constituem
teorias sociais. A doutrina caracteriza-se por uma visão de mundo abrangente,
fundada na fé, em dogmas. O conservadorismo, como forma de pensamento
e experiência prática, é resultado de um movimento contrário aos avanços da
modernidade. Assim, suas reações são preservadoras da ordem capitalista.
O positivismo, para o Serviço Social, foi a teoria que primeiro orientou
as propostas brasileiras de trabalho. Além disso, diante de uma legitimação
do profissional, o positivismo proporcionou a perspectiva de ampliar refe-
renciais técnicos.
Desse modo, o primeiro suporte teórico-metodológico utilizado para a
qualificação técnica da prática do Serviço Social e para a sua modernização foi
buscado na matriz positivista e, consequentemente, na concepção de homem
dessa matriz. Nessa concepção, a ciência é absoluta e deve ser reconhecida
como o “único conhecimento verdadeiro”.
Assim, você pode considerar que o primeiro suporte teórico-metodológico
do Serviço Social foi a matriz positivista. Segundo Yazbek (1984):

Este horizonte analítico aborda as relações sociais dos indivíduos no plano de


suas vivências imediatas, como fatos, como dados, que se apresentam em sua
objetividade e imediaticidade. O método positivista trabalha com as relações
aparentes dos fatos, evolui dentro do já contido e busca a regularidade, as
abstrações e as relações invariáveis.

A aproximação com o Serviço Social norte-americano e a Teoria Positivista


busca responder à demanda crescente de trabalhadores empobrecidos, pois
esses trabalhadores desempregados, que não têm acesso a bens e serviços,
são fruto do processo de desenvolvimento do capitalismo. Contudo, essa
massa da população excluída começa a exigir ações do Estado voltadas a
ações assistenciais.
Desse modo, inicia-se um processo de expansão das instituições assisten-
ciais, tanto no espaço público como no privado, para regulamentar e viabilizar
as ações voltadas para atender às demandas das classes mais empobrecidas.
Mas, como você viu, essas ações eram fragmentadas, de caráter pontual e
localizado, não propondo mudanças, e sim colaborando para a manutenção da
ordem vigente, mantendo o “ajustamento” dos sujeitos dentro de um processo
conservador e moralizante.
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O positivismo aborda as relações sociais dos indivíduos dentro de uma visão


imediata de suas vivências, sem avaliar os motivos que levaram aos fatos, mas
focando no que é verificável, fortalecendo o “ajuste” dos sujeitos. É dentro
dessa perspectiva que o funcionalismo norte-americano se fortalece junto ao
Serviço Social brasileiro. Assim, há o aperfeiçoamento dos instrumentos e das
técnicas para a intervenção, com a busca de padrões de eficiência, sofisticação
de modelos de análise, diagnóstico e planejamento, enfim, uma tecnificação da
ação profissional acompanhada de uma crescente burocratização das atividades
institucionais (YAZBECK, 1984).
Nesse momento, a profissão se caracterizava mais como funcional ao
capitalismo e à burguesia, pois fortalecia o ideário assistencialista e de ma-
nutenção do Estado, exercido por meio do controle e da fiscalização dos
trabalhadores. Desse modo, a atuação do assistente social é transformada pela
força de trabalho reconhecida como mercadoria, assim como a profissão fica
subordinada à classe burguesa e ao sistema capitalista.

Talvez alguns dos aspectos mais difíceis de serem rompidos dentro da atuação pro-
fissional sejam o conservadorismo e a tecnicidade da profissão, que irrompem nesse
momento em que se fortalece o pensamento positivista. Desse modo, a atuação
profissional se expande para diversas áreas, contudo sem romper com a alienação,
com o conservadorismo e com a exploração da classe trabalhadora.

Um dos fatores positivos da expansão profissional foi a consciência do


Serviço Social em se reconhecer enquanto classe trabalhadora, inserida nas
relações sociais e técnicas do trabalho. Isso oportunizou a produção de uma
nova roupagem para a profissão e de uma proposta transformadora voltada
para a justiça social.
Essa proposta de transformação somente foi possível com a produção teó-
rica. Apenas com a absorção de uma vertente teórica surgiram instrumentais
para que se passasse a pensar e analisar as diferentes teorias, propiciando
assim mudanças no trabalho desenvolvido pelo Serviço Social.
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AGUIAR, A. G. Serviço Social e filosofia: das origens a Araxá. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1995.
IAMAMOTO, M. V. Renovação e conservadorismo no Serviço Social ensaios críticos. São
Paulo: Cortez, 1997.
KONOPKA, G. Serviço social de grupo: um processo de ajuda. 2. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 1972.
SILVA, A. A. A gestão da seguridade social brasileira: entre a política pública e o mercado.
São Paulo: Cortez, 2004.
YAZBEK, M. C. Fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço Social. In: SER-
VIÇO social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.
YAZBEK, M. C. (Org.). Projeto de revisão curricular da Faculdade de Serviço Social da
PUC-SP. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 14, 1984.

Leituras recomendadas
IAMAMOTO, M. V. O Serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação pro-
fissional. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações sociais e o Serviço Social no Brasil: esboço de
uma interpretação histórico-metodológica. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
YAZBEK, M. C. Classes subalternas e assistência social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1996.

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