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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO-GERAL DE PERÍCIAS
DEPARTAMENTO MÉDICO-LEGAL

AVALIAÇÃO PSÍQUICA
Laudo Pericial Nº 35494/2023

Solicitação/Ofício Sol.: 4517/2022 de 01/12/2022


Órgão Solicitante: 153117 - DP DE ENCRUZILHADA DO SUL / ENCRUZILHADA DO SUL
Órgão Destino: 153117 - DP DE ENCRUZILHADA DO SUL / ENCRUZILHADA DO SUL
Ocorrência Polícia Civil: 1937/2022 - 153117
Protocolo: 108541/2022

Ao(s) 15 de março de 2023 à(s) 15 hora(s) e 30 minuto(s) nesta cidade de Santa Cruz do Sul, no(a) Posto
Médico Legal de Santa Cruz do Sul, à requisição do Sr.(a) titular do(a) DELEGACIA DE POLICIA DE
ENCRUZILHADA DO SUL, difusão DELEGACIA DE POLICIA DE ENCRUZILHADA DO SUL, compareceu o(a)
perito(a) oficial Lilian Marx Flor para proceder o exame em ANDRIELLY ESPERIDIÃO AZAMBUJA, filho(a) de
Altemar Oliveira Azambuja e Angelica Esperidião, nascido(a) em 29/03/2008, RG nº 4113420758, descrevendo
o que encontrou e respondendo aos seguintes quesitos: PRIMEIRO, o(a) periciado(a) apresenta ou apresentou,
na época dos fatos relatados, alterações psíquicas e/ou comportamentais? Caso positivo, quais? SEGUNDO,
existem sinais e/ou sintomas de transtorno mental? Caso positivo, quais? TERCEIRO, se presentes, tais
sintomas e/ou alterações são frequentemente encontradas em vítimas submetidas a ato sexual e/ou ato
libidinoso? QUARTO, se presentes, tais sintomas e/ou alterações são frequentemente encontradas em vítimas
submetidas à estimulação sexual precoce, inadequada para a idade? QUINTO, o relato do(a) periciado(a)
preenche critérios de credibilidade? Por quê? SEXTO, observam-se no relato do(a) periciado(a) sinais de
influência e/ou indução? Por quê? SÉTIMO, existe nexo causal entre a situação relatada e os sinais
apresentados? OITAVO, o(a) periciado(a) apresenta atualmente sofrimento psíquico em decorrência da
situação relatada? NONO, o(a) periciado(a) apresentou sofrimento psíquico, no passado, em decorrência da
situação relatada?

LAUDO PSICOLÓGICO

1 IDENTIFICAÇÃO
Perita - Lilian Marx Flor - Perita Criminal/Psicóloga
ID Funcional 4626265 - CRP 07/10575
Fone: 51 3711 7564 - lilian-flor@igp.rs.gov.br
Local da avaliação: PML de Santa Cruz do Sul
Rua Mal Deodoro, 560 – Centro - CEP 96810-110
Fone: 51 3711 7564 - pml-santacruz@igp.rs.gov.br
Periciada – Andrielly Esperidião Azambuja, 14 anos, sexo feminino, residente em Encruzilhada do Sul (RS)

2 DESCRIÇÃO DA DEMANDA
Perícia Psíquica – Infantil, devido ao fato registrado no Boletim de Ocorrências supracitado.
Esta avaliação teve como objetivo avaliar as capacidades cognitivas do(a) avaliado(a), avaliar a presença de
prejuízos em seus recursos cognitivos, de linguagem ou sinais de psicopatologia que dificultam ou
impossibilitam o relato de situações por ele(a) vivenciadas; identificar sinais e/ou sintomas de sofrimento
psíquico; e avaliar se a sintomatologia identificada no(a) periciado(a) guarda relação com a situação relatada.

Avenida Ipiranga, 1807 - Santana - 90160.093 - Porto Alegre - RS-Fone: (51) 3288-2661
dml@igp.rs.gov.br
3 PROCEDIMENTOS
Realizadas entrevistas com o(a) acompanhante e com o(a) periciado(a) e avaliação clínica da sintomatologia e
do estado mental do(a) periciado(a). Nos relatos transcritos neste laudo, as porções registradas entre aspas no
item “4 ANÁLISE” são as palavras exatas de quem relata (ipsis litteris). A perícia psíquica em adolescentes é
conduzida por Perito Criminal – Área Psicologia, que realiza avaliação da sintomatologia, do estado mental, de
documentos de importância criminalística apresentados, do discurso do(a) acompanhante (se houver) e, prin-
cipalmente, do discurso do(a) periciado(a), verificando-se a possibilidade de ocorrência de violência na forma
descrita. A entrevista com o(a) periciado(a) foi gravada em áudio e será entregue à Delegacia de Polícia Regi-
onal de Santa Cruz do Sul.
3.1 Entrevista com o(a) acompanhante:
Entrevista semiestruturada com o(a) acompanhante do(a) periciado(a) para obtenção de dados sobre
anamnese do(a) periciado(a), o histórico da notificação e os fatos comunicados no Boletim de Ocorrência.
3.2 Entrevista com o(a) periciado(a):
Entrevista forense com o(a) periciado(a), gravada em áudio, por meio do protocolo NICHD 1, reconhecido inter-
nacionalmente como um dos instrumentos mais adequados para entrevistas com crianças vítimas de violência
(Williams, Hackbarth, Blefari, Padilha, & Peixoto, 2014)2. O protocolo é modelo estruturado e flexível e visa
promover a capacidade narrativa e de evocação mnésica do(a) entrevistado(a), limitando a interferência do(a)
entrevistador(a) na produção do relato. É composto de uma parte pré-substantiva da entrevista, que conta com
uma etapa introdutória, com apresentações e explicações sobre a tarefa a ser realizada e suas regras; e uma
etapa para construção do vínculo, subdividida em rapport e solicitação para o(a) periciado(a) descrever em
detalhes experiências recentes e eventos neutros, possibilitando-lhe familiarizar-se com questões abertas e
técnicas que serão utilizadas na sequência; e de uma parte substantiva da entrevista, na qual a investigação
dos incidentes é realizada através de perguntas abertas, com incentivos a descrições detalhadas.

4 ANÁLISE

4.1 HISTÓRICO DA VIDA PESSOAL E FAMILIAR DA PERICIADA


A periciada compareceu ao PML de Santa Cruz do Sul acompanhada de sua mãe para submeter-se à avaliação
solicitada. Andrielly é uma adolescente atenta, que se expressa bem. Ela aprendeu a tocar teclado sozinha aos
10 (dez) anos e está animada com ideia de aprender a tocar gaita. Ela não gosta da escola, porque seus
colegas são barulhentos, e não gosta de usar o método Braille, porque “dói os dedos”. A sra. Angélica relatou
que foi estuprada na adolescência e deste incidente nasceu o seu primeiro filho, que hoje está com 18 (dezoito)
anos. Ela foi abandonada pela mãe e o seu pai era alcoolista, fatos que levaram a residir com a irmã por algum
tempo, ainda que a relação entre elas fosse difícil. A sra. Angélica conheceu o pai da periciada “na noite”; ele
registrou a criança e ajudou-a financeiramente ao longo dos anos com os seus 2 (dois) filhos, mas eles nunca
formaram uma família. Com a ajuda da irmã do pai da periciada, a sra. Angélica conseguiu se reestruturar
financeiramente e buscar atendimento médico para a periciada. Mais tarde, a mãe da periciada engravidou-se
de um namorado e teve uma filha, que hoje está com 12 (doze) anos. Quando a periciada estava com 6 (seis)
anos de idade, a mãe uniu-se a novo companheiro, com quem teve mais 1 (uma) filha, que hoje tem 6 (seis)
anos. O relacionamento da sra. Angélica com o pai da sua caçula era abusivo e ela se separou dele há 1 (um)
ano e meio. Moram com a periciada sua mãe e seus 3 (três) irmãos.

1
Guia de Entrevista Forense NICHD – National Institute of Child Health and Human Development -Versão traduzida do original em
inglês: Lamb, M.E.; Hershkowitz, I.; Orbach, Y. & Esplin, P.W. (2008). Appendix 1 – Investigative interview protocol. In Lamb,
M.E.; Hershkowitz, I.; Orbach, Y. & Esplin, P.W., Tell me what happened – Structured investigative interviews of child victims and
witnesses (pp. 283-299) England: Wiley-Blackwell. Tradução para o Português (Brasil) de Lúcia Cavalcanti de Albuquerque
Williams, Chayene Hackbarth, Carlos Aznar Blefari e Maria da Graça Saldanha Padilha com base na versão original em inglês e na
versão para Portugal de Carlos Eduardo Peixoto, Isabel Alberto e Catarina Ribeiro, em 2010 (instrumento não publicado).
2
Williams, L. C., Hackbarth, C., Blefari, C. A., Padilha, M. S., & Peixoto, C. E. (dezembro de 2014). Investigação de Suspeita de
Abuso Sexual Infantojuvenil: O Protocolo NICHD. Trends in Psychology, 22, pp. 415-432. doi:10.9788/TP2014.2-12.

2
4.2 ENTREVISTAS

4.2.1 Entrevista com a acompanhante


Angélica Esperidião, mãe da periciada
4.2.1.1 Síntese do Relato
A sra. Angélica relatou que a periciada tocava teclado e as pessoas gostavam de ouvi-la praticando. A periciada
nunca contou para a mãe que o ora acusado havia “passado a mão nela” e tentado puxá-la para o banheiro
quando foi ouvi-la tocar no quarto. Andrielly só revelou parcialmente os fatos para a irmã depois que soube que
a mãe havia registrado na delegacia situações de violência e de perseguição do ex-companheiro, que era
cunhado do ora acusado. A mãe soube da suposta situação abusiva através de uma mensagem de celular,
enviada pela professora da adolescente. A sra. Angélica informou que a periciada recebeu atendimentos psi-
cológicos, mas não desejava retomá-los.
4.2.1.2 Sintomas relatados
No período da situação relatada, a mãe percebeu que a periciada mudou de comportamento drasticamente.
Andrielly, que até então gostava de se arrumar como menina, deixou de usar roupas femininas e passou a usar
roupas e perfumes masculinos; ela dizia para a mãe que “ia namorar gurias” e que “odiava guri’. Depois da
revelação, a periciada voltou a se vestir como menina.

4.2.2 Entrevista com a periciada


4.2.2.1 Síntese do Relato
Após a fase inicial de rapport e estabelecimento de vínculo, quando questionada sobre o motivo pelo qual havia
comparecido ao PML, a periciada perguntou se deveria falar sobre o “homem que se passou” com ela. Ela
relatou que estava no quarto com o suspeito e ele a tocou e a levou “à força” para o banheiro. Solicitada a
detalhar a cena, a periciada demonstrou, com gestos, que ele a tocou acima do peito, nos seios, na barriga, na
área genital e nas pernas e comentou que ela estava “nos dias, com TPM”; sua mãe estava no hospital, cui-
dando do seu tio, que estava com depressão, e ela e as irmãs ficaram em casa com o ex-padrasto; o suspeito
“começou a ir lá no quarto, espiar” o que ela estava fazendo. A periciada especificou: “Vai fazer 6 (seis) anos
agora”. Andrielly comentou que suas irmãs estavam com ela no quarto quando o suspeito a tocava e diziam
que queriam contar para a mãe; algum tempo depois, elas contaram; a irmã caçula tinha 3 (três) anos e a outra,
“uns 10 (dez) anos”. A periciada relatou: “Aí ele falava: ‘Nicole, vamo brincar. Daí a Nicole ia lá andar de bicicleta
(no quarto), só pra ele... só pra fingir que ele [...] Ele queria isso só pra ver eu. [...] Ela tava andando de bicicleta
e ela chamava: ‘Mario! Mario! Vem, titio!’ Aí ele não soltava eu”. A periciada especificou que estava deitada na
cama quando ele a tocava; ela ficava com medo e queria sair, mas não conseguia; sua irmã puxava-a pelo
braço, para ela sair, mas ele não soltava; “depois que ela puxou, daí ele soltou”. Quando o ora acusado a levou
“à força” para o banheiro, a irmã dela viu; ele a sentou no vaso e começou a tocá-la “por cima da roupa e por
baixo da roupa”. Além de passar a mão no seu corpo, ele a “levantou pra... pra fazer...”; ele a abraçou e a
“pegava” e ela ficou “ansiada” (a periciada deu um forte suspiro). Acerca da revelação, a periciada relatou que
a sua irmã contou para a mãe o que acontecia, porque “ela via tudo”, mas a mãe achou que ele estaria fazendo
com ela o mesmo que fazia com a sua irmãzinha, que era afilhada dele. Então, a periciada resolveu contar para
a sua monitora na escola. A periciada explicou que não podia contar para a mãe na época dos fatos, porque o
“padrasto tava junto”; ele “não acredita nas coisa” e “era ruim” para a mãe dela; ele não era “brabo” com a
periciada, porque sabia que ela não enxergava. A periciada relatou que a professora Tássia ouviu a conversa
dela com a monitora Jéssica e contou para o “Daniel”, que contou para a avó dela, que contou para a sua mãe.
A mãe entrou em contato com a Jéssica para verificar se era verdade e registrou ocorrência. A periciada infor-
mou que o suspeito tinha 36 (trinta e seis) anos e especificou o que havia contado para a Jéssica: “Que ele
tocou na minha parte íntima, que ele tirou a minha roupa, que ele me tocou no banheiro, que ele... que eu fugia
do quarto”. Questionada se a situação relatada teria acontecido 1 (uma) vez ou mais vezes, a periciada res-
pondeu: “Mais vezes. Sabe por quê? Por causa que o meu padrasto convidava eles, a irmã dele e ele, [...] pra

3
comer um churrasco; aí eu comia no chão, [...] pra ele não... não... me ver”. Questionada, a periciada respondeu
que não viu mais o suspeito, porque a mãe dela se separou do padrasto; ela comentou: “Ele mora lá em Dom
Feliciano, graças a Deus!”
4.2.2.2 Sintomas/alterações psíquicas e/ou comportamentais, sentimentos relatados:
A periciada revelou que era bastante sensível à forma com que era tratada na escola, explicando que chegava
a se machucar com as mãos quando nervosa; “ninguém pode falar nada” para ela, que ela chora. Ela mostrou-
se bastante vinculada a um amigo da mesma idade, porque ele era gentil e a ajudava. Quando o ora acusado
não ia à casa dela, “dava um alívio”; mas quando ele ia, “dava um medo” e ela ia para a cozinha ou “pra rua”;
a mãe estranhava, mas ela não explicava por que agia assim; apenas dizia que não queria que qualquer pes-
soa, com exceção das suas irmãs, entrasse no seu quarto. Ela relatou que fechou a porta da cozinha e do seu
quarto, mas ele veio e ela ficou com medo e com vontade de fugir. A periciada relatou que dizia para a mãe
que estava com dor-de-cabeça e ficava só deitada; ela comia no chão para o suspeito não vê-la e “tinha trauma
de sair”; ela tinha “trauma de tudo”. No período da pandemia, a periciada não conseguiu comer e a mãe estra-
nhou, mas ela disse: “Ah, mãe! Não é nada” e foi para a escola “bem triste”. A periciada relatou que “não queria
usar roupa de guria” e “queria andar só de boné”; ela não queria usar “short curto”, saia, vestido, maquiagem e
“perfume de mulher”, porque tinha medo. Aos 12 (doze) anos, ficava deitada, com a boca amarela, “ânsia” e
dor-de-cabeça, e a mãe achava que ela estava “em depressão”, mas “era trauma mesmo”. Ela tinha crises de
ansiedade, vomitava e ficava “só chorando na cama”. Hoje, a periciada “só” pensa “em coisa boa”. Tudo me-
lhorou depois que o padrasto dela, cunhado do ora acusado, foi embora. A periciada revelou que ficou “meia
triste” quando as pessoas ficaram sabendo dos fatos denunciados, mas expressou: “Mas tá bom. Pelo menos
isso ele vai pagar, que ele fez”.

4.3 DOCUMENTOS APRESENTADOS


1. Boletim de ocorrências nº 1937/2022/153117;
2. Termo de Declaração: Angélica Esperidião (genitora da periciada).

4.4 RESULTADO DA AVALIAÇÃO


Segundo relato da mãe, a periciada nasceu prematura e a deficiência visual teria sido decorrente do descola-
mento da retina. O desenvolvimento neuropsicomotor da criança transcorreu dentro dos parâmetros da norma-
lidade e a adaptação dela à creche foi “tranquila”, embora apresentasse dificuldade para fazer amigos. Atual-
mente a periciada está cursando o 1° ano do Ensino Médio e não apresenta dificuldades de aprendizagem.
Os relatos indicam que a periciada cresceu em situação de vulnerabilidade financeira e social. Embora o pa-
drasto não fosse “ruim com as crianças”, segundo a mãe, a periciada teria presenciado situações de violência
física e psicológica à mãe, que teriam possivelmente contribuído para comprometer o desenvolvimento da con-
fiança nas suas relações pessoais e dificultar a revelação dos fatos. Através das informações do relato da
periciada, pode-se estimar que as supostas situações abusivas teriam ocorrido dos 8 (oito) ou 9 (nove) anos
(ela expressou: “Vai fazer 6 (seis) anos agora”) aos 12 (doze) anos, momento em que ela começou a apresentar
crises de ansiedade e mudanças no comportamento, abandonando a forma feminina de se vestir para usar
roupas de “guri”.
Ao Exame do Estado Mental3, a periciada apresentou-se vestida com roupas limpas e apropriadas para a sua
idade e o clima do dia; a higiene mostrava-se adequada. Mostrou-se lúcida, atenta, orientada e com a memória
razoavelmente preservada. Sua postura era colaborativa, procurando responder prontamente às questões pro-
postas, e o seu relato foi elaborado espontaneamente. A periciada mostrava-se bastante tensa na situação da
entrevista, movendo nervosamente as mãos durante todo o tempo, e o afeto era congruente com o conteúdo
do seu discurso e ressonante com o ambiente. Clinicamente observada (sem testagem formal), a inteligência

3
Kaplan, H. I., Sadock, B. J., & Grebb, J. A. (1997). Compêndio de Psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica (7ª
ed.). (D. Batista, Trad.) Porto Alegre, RS, Brasil: Artes Médicas.

4
da periciada parecia compatível com a sua idade, tendo ela apresentado linguagem própria da sua idade e
nível de escolaridade, cultura e contexto socioeconômico e evidenciado pensamento ordenado e desempenho
apropriado na fase introdutória da entrevista, com satisfatória performance no treino de memória episódica, boa
distinção entre verdade e mentira e adequado entendimento das regras de comunicação. A periciada não apre-
sentou limitações de ordem psicológica ou em sua capacidade cognitiva, linguística e perceptiva que a impeçam
de emitir relato válido.

5 CONCLUSÃO
Durante a entrevista, foram observados sinais de sofrimento psíquico. A periciada forneceu relato claro, coe-
rente e contextualizado de situações compatíveis com a registrada na ocorrência policial. A partir das caracte-
rísticas da narrativa da periciada e da avaliação psíquica realizada, é possível inferir que as informações bási-
cas fornecidas correspondam a recordações de situações vivenciadas. Sugere-se acompanhamento psicosso-
cial para a família.

6 RESPOSTA AOS QUESITOS


PRIMEIRO, o(a) periciado(a) apresenta ou apresentou, na época dos fatos relatados, alterações psíqui-
cas e/ou comportamentais? Caso positivo, quais? Sim. Vide corpo do laudo, itens “4.2.1.2 Sintomas relata-
dos”, “4.2.2.2 Sintomas/ alterações psíquicas e/ou comportamentais, sentimentos relatados” e “4.4 RESUL-
TADO DA AVALIAÇÃO”.
SEGUNDO, existem sinais e/ou sintomas de transtorno mental? Caso positivo, quais? Foram relatados
e observados sinais de ansiedade e de afeto deprimido, mas estes sintomas são comuns também em pessoas
que não têm um transtorno mental, submetidas a relacionamentos abusivos e/ou negligentes. Não temos ele-
mentos suficientes e inequívocos para apontar ou descartar a presença de transtorno psíquico específico, por-
que o diagnóstico é dependente de confirmação por psicólogo ou psiquiatra, que a avalie por maior período.
TERCEIRO, se presentes, tais sintomas e/ou alterações são frequentemente encontradas em vítimas
submetidas a ato sexual e/ou ato libidinoso? Sim, mas podem não ser específicos/exclusivos dessa vitimi-
zação.
QUARTO, se presentes, tais sintomas e/ou alterações são frequentemente encontradas em vítimas sub-
metidas à estimulação sexual precoce, inadequada para a idade? Sim, mas podem não ser específicos/ex-
clusivos dessa vitimização.
QUINTO, o relato do(a) periciado(a) preenche critérios de credibilidade? Por quê? A periciada relatou a
essência da situação investigada de forma clara e espontânea e foram utilizadas perguntas mais específicas
(Quem? Como? Quando?) para o esclarecimento de alguns pontos. No relato, foram identificados os seguintes
indicadores de credibilidade, categorizados na SVA4: estrutura lógica, produção desestruturada, detalhes da
situação e detalhes supérfluos, encaixe contextual, descrição de interações, reprodução de verbalizações, de-
talhes não usuais, relatos do seu estado mental subjetivo, atribuição de um estado mental ao perpetrador,
correções espontâneas, admissão de falta de memória e detalhes característicos do evento, como medo das
ameaças do suposto agressor (Machado, Silvano, & Hutz, 2015)5. A avaliação psicológica da periciada identifi-

4
Statement Validity Assessment - Técnica que analisa o conteúdo de um relato para acessar sua veracidade, cuja premissa principal
está baseada na Hipótese de Undeutsch (1967): “Um testemunho derivado da memória de uma experiência real difere em conteúdo e
em qualidade de um testemunho baseado em fantasia ou invenção” (Machado, 2014). Reconhecida internacionalmente e validada por
diversas áreas do conhecimento, a SVA tornou-se uma das técnicas mais empregadas pelas forças policiais no mundo e aceita em
vários tribunais europeus. A técnica é apresentado em detalhes por Rovinski (2004) no seu livro “Fundamentos da Perícia Psicológica
Forense”. Cumpre ressaltar que a SVA não se propõe a detectar mentiras; o procedimento objetiva identificar aspectos de uma
narração que aumentam a probabilidade de sua credibilidade (Machado, 2014).
5
Machado, P. V., Silvano, M. B., & Hutz, C. S. (dez de 2015). Estudo Exploratório sobre Critérios de Veracidade em Relatos de
Eventos de Vida: considerações para a perícia psicológica criminal de adultos. Aletheia [online], 47-48, pp. 35-50. Acesso em 04 de

5
cou fatores de risco e de proteção para o seu desenvolvimento, que estão relacionadas com suas característi-
cas pessoais e com o funcionamento familiar e da rede de atendimento envolvida no caso (Duarte & Arboleda,
2005)6. O relato da periciada apresentou adequação da linguagem e consistência com o registro da ocorrência;
não foram utilizadas perguntas sugestivas e/ou coercitivas e não foram identificados motivos para eventual
emissão de declaração falsa. A credibilidade como um todo deve ser aferida no conjunto com outras provas.
SEXTO, observam-se no relato do(a) periciado(a) sinais de influência e/ou indução? Por quê? Não foram
observados sinais diretos de influência e/ou indução, porque a periciada não emitiu sua declaração de modo
rígido ou estereotipado.
SÉTIMO, existe nexo causal entre a situação relatada e os sinais apresentados? Pode haver. Os sintomas
relatados surgiram na época do evento investigado e são frequentemente encontrados em vítimas de abuso
sexual, ainda que possam não ser específicos e/ou exclusivos de tal situação.
OITAVO, o(a) periciado(a) apresenta atualmente sofrimento psíquico em decorrência da situação rela-
tada? Sim.
NONO, o(a) periciado(a) apresentou sofrimento psíquico, no passado, em decorrência da situação rela-
tada? Sim.

Lilian Marx Flor


Perita Criminal

Out de 2022, disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-


03942015000200004&lng=pt&nrm=iso
6
Duarte, J. C., & Arboleda, M. R. (2004). Sintomatologia, avaliação e tratamento do abuso sexual infantil. Em V. Caballo (Org),
Manual de psicologia clínica infantil e do adolescente: transtornos gerais (pp. 293-321). Santos, São Paulo.

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