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Educação em tempo

integral na prática

Regiane Laura Loureiro

IESDE BRASIL
2021
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L931e

Loureiro, Regiane Laura


Educação em tempo integral na prática / Regiane Laura Loureiro. - 1.
ed. - Curitiba [PR] : Iesde, 2021.
138 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6714-5

1. Educação integral. 2. Planejamento educacional. 3. Ensino - Metodo-


logia. 4. Prática de ensino. I. Título.
CDD: 370.112
21-71887
CDU: 37.018.4

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Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Regiane Laura Mestra em Educação pela Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Especialista em Organização do
Loureiro Trabalho Pedagógico e graduada em Pedagogia pela
mesma instituição. Tem experiência como professora
na educação infantil, no ensino fundamental e no
ensino médio e como pedagoga em escolas que
ofertam educação básica. Atua na formação continuada
de professores e pedagogos em cursos e palestras
e na elaboração de materiais que subsidiam esses
profissionais na melhoria dos processos pedagógicos.
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SUMÁRIO
1 Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 9
1.1 O planejamento educacional na escola de tempo integral 10
1.2 O PPP e o plano de ação 17
1.3 Planejamento de ensino e plano de aula 25
1.4 Os caminhos da avaliação da aprendizagem 31

2 Sistematização do trabalho pedagógico 37


2.1 Tempo de escola e tempo de aprender 38
2.2 Conteúdos e atividades na escola de tempo integral 45
2.3 Articulação dos saberes com o ensino regular 54
2.4 Projetos de trabalho 62

3 Organização das atividades pedagógicas 71


3.1 Contribuições dos macrocampos do Programa Mais Educação 71
3.2 PPP e práticas educativas na escola 78
3.3 Organização do tempo livre 83
3.4 Aprendendo no refeitório 88

4 Metodologias de trabalho na educação em tempo integral 93


4.1 Como ensinar na escola de jornada estendida 94
4.2 Ludicidade e criatividade na educação integral 99
4.3 Oficinas pedagógicas como proposta de trabalho 103
4.4 Salas ambiente 109

5 Articulação e participação nos processos educativos 115


5.1 Estudantes como foco no processo educativo 116
5.2 Relação entre escola e comunidade 124

Resolução das atividades 131


APRESENTAÇÃO
Vídeo
Esta obra apresenta discussões sobre as práticas pedagógicas
desenvolvidas em escolas de tempo ampliado que objetivam a
formação humana nas suas diferentes dimensões, articulando
concepções a uma organização do trabalho pedagógico que
vislumbre a multidimensionalidade do sujeito da aprendizagem.
Desse modo, no Capítulo 1, discutimos a importância do
planejar como ato transformador da realidade educacional e
como essa ação está inter-relacionada à avaliação educacional:
planeja-se para avaliar e avalia-se para planejar, objetivando a
melhoria contínua dos processos de ensino-aprendizagem.
No Capítulo 2, trazemos a importância do trabalho
desenvolvido com os estudantes nas escolas que ofertam
educação integral em tempo ampliado, discutindo possibilidades
de diversificação de estratégias de ensino que vislumbrem os
diferentes tempos, ritmos e necessidades de aprendizagem
desses sujeitos.
Refletimos, no terceiro capítulo, sobre como os macrocampos
do Programa Mais Educação (PME) podem auxiliar os profissionais
que trabalham em uma escola de tempo ampliado, contribuindo
para a elaboração de atividades desafiadoras, lúdicas e que
levem os estudantes a avançarem no processo de aprendizagem.
Na defesa de uma escola que tem o compromisso não
apenas com a formação cognitiva, mas também com as demais
dimensões humanas, enfatizamos, no Capítulo 4, a importância
da elaboração de oficinas pedagógicas e da organização de salas
ambiente que tenham como fundamento o desenvolvimento da
ludicidade e da criatividade.
No quinto e último capítulo, resgatamos a importância
da efetivação da gestão democrática na escola, por meio do
fortalecimento das instâncias colegiadas, com destaque para o
grêmio estudantil, que, quando presente na escola, possibilita
aos estudantes exercerem seu protagonismo, contribuindo
para o exercício consciente da cidadania participativa e crítica.
Para aprofundar essas questões, tratamos da importância
de se estabelecer uma cultura escolar em que se consolide a autonomia,
a transparência, o diálogo e a ética como princípios da gestão escolar,
superando relações de poder hierárquicas e consolidando a articulação
entre as diferentes instâncias colegiadas, objetivando sempre o direito à
aprendizagem.
Concebendo que o estudante é o centro do fazer educativo e que ele é
capaz de avançar continuamente em seu processo de aprendizagem e de
desenvolvimento, não trazemos aqui um manual de como agir perante os
desafios do cotidiano escolar, mas proposições, que diante de uma concepção
emancipatória de sujeito de aprendizagem, podem ser colocadas em prática
em uma escola que oferta educação integral no tempo ampliado, na busca
permanente por uma educação de qualidade.
Desejamos uma excelente leitura e múltiplas reflexões!
1
Planejamento e avaliação
na escola de tempo integral
Neste capítulo, refletiremos sobre a importância do planejamento em uma
escola que oferta educação em tempo integral que coadune com a concepção
emancipatória e multidimensional de formação humana integral. Desse modo,
o marco de referência para o planejamento educacional será o compromis-
so da escola em articular o que está disposto no Projeto Político Pedagógico
(PPP), relacionando os princípios à prática pedagógica.
O PPP, construído pelo coletivo da escola, será delineado como instrumen-
to teórico-metodológico, o qual norteará as ações da comunidade educativa,
pois quando construído coletivamente, traz aos envolvidos um sentimento de
pertencimento. Nesse viés, discutiremos a importância da elaboração do pla-
no de ação que, articulado ao PPP e às avaliações institucionais realizadas de
maneira regular na escola, possibilita aos envolvidos no processo educativo
colocar em prática, avaliar e reelaborar propostas, visando à melhoria contí-
nua da qualidade de ensino.
Também abordaremos a importância da elaboração do planejamento de
ensino e do plano de aula, explicitando a diferença entre ambos, bem como
os pontos em comum, objetivando que a organização do trabalho pedagógico
seja efetivada de modo que haja a consolidação de um PPP que vislumbre a
formação humana em sua integralidade, balizando-se pelo princípio de que
todos os estudantes têm condições de avançar em suas aprendizagens.
Para ampliar e aprofundar a discussão, ressaltaremos a necessária articu-
lação entre planejamento escolar e avaliação da aprendizagem, pois à medida
que esta é realizada em função do direito à aprendizagem dos estudantes,
reorganizam-se as propostas didático-pedagógicas de maneira que possibili-
tem o avanço de todos os sujeitos da aprendizagem no processo de constru-
ção do conhecimento.

Objetivos de aprendizagem
• Reconhecer a importância de organizar o trabalho pedagógico na educa-
ção em tempo integral por meio do planejamento.
• Articular os diferentes níveis de planejamento educacional presentes na
escola.
• Reconhecer os elementos constitutivos do planejamento educacional
presentes na escola.

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 9


1.1 O planejamento educacional na
escola de tempo integral
Vídeo
A palavra planejar, no dicionário Michaelis (2021), está relacionada
à organização de ações para se atingir determinadas metas. O dicioná-
rio também a define como intencionalidade, projeção e antecipação.
Como podemos perceber, o planejamento é a capacidade de o sujeito
antever etapas de um determinado processo, antecipando possíveis
problemas, dificuldades, desafios e soluções, evitando, dessa forma,
entraves na execução de uma proposta.

O planejamento faz parte da vida de todos os seres humanos, das


ações mais simples às mais complexas, pois à medida que realizam
escolhas, avaliam se irão por um caminho em detrimento de outro, se
seguirão uma profissão ou outra, se viajarão ou não, entre outras deci-
sões, estão realizando um planejamento informal.

Sendo a escola um espaço formal, a qual tem uma função a ser cum-
prida na sociedade, no que tange à garantia do direito à aprendizagem,
o planejamento educacional necessita também ser realizado de maneira
refletida, pensada e organizada, fundamentando-se em princípios e con-
cepções que coadunem com uma formação humana integral. Logo, se o
objetivo é formar o sujeito em todas as suas dimensões (cognitiva, espi-
ritual, lúdica, físico-motora, sociocultural, entre outras), o planejamento
será articulado de acordo com essa proposição. Desse modo, a intencio-
nalidade presente nos documentos da escola (PPP, plano de ação, regi-
mento escolar etc.) será colocada em prática no cotidiano da instituição.

De acordo com Gesser (2011), muitos profissionais das escolas


encaram o planejamento como burocracia, vislumbrando-o como
desnecessário e desprovido de sentido. A autora argumenta que há pro-
fissionais que, fundamentando-se na própria origem do planejamento
estratégico – relacionado ao mundo empresarial, à produtividade, ao
controle e ao lucro –, negam a necessidade de planejar seu trabalho
didático-pedagógico. No entanto, ao não planejar, contrariam a essência
do seu próprio trabalho e o fazem sem reflexão sobre sua prática.

Ainda conforme a autora, os teóricos educacionais críticos ques-


tionam o planejamento dentro de uma racionalidade na qualidade de
dispositivo meramente técnico e hierárquico, pois essa perspectiva,
comumente associada à organização industrial, tira do profissional da

10 Educação em tempo integral na prática


educação a autonomia de projetar, repensar e refletir sobre sua prática,
ou seja, tira-se o que traria a ele possibilidades de aperfeiçoar o seu tra-
balho. Nesse sentido, planejar o ensino é fundamental para consolidar
uma escola que oferta educação em tempo integral de qualidade, uma
vez que a qualidade defendida está relacionada à garantia do direito à
aprendizagem.

A escola que oferta educação em tempo integral e que tem


como propósito a melhoria contínua dos processos educativos va-
loriza um planejamento educacional articulado a diagnósticos rea-
lizados na e com a comunidade educativa, por meio de um trabalho
coletivo fundamentado no diálogo, na democracia e na participação.
Vasconcellos (2002, p. 98) destaca a interdependência entre a educação
que se deseja realizar e o tipo de planejamento realizado:
entendemos que a educação escolar é um sistemático intencio-
nal processo de interação com a realidade, através do relacio-
namento humano baseado no trabalho com o conhecimento e
na organização da coletividade, cuja finalidade é colaborar na
formação do educando na sua totalidade [...], tendo como me-
diação fundamental o conhecimento que possibilite o compreen-
der, o usufruir ou o transformar a realidade.

Se o que desejamos é formar para a totalidade humana, concebendo o


sujeito como capaz de avançar permanentemente em suas aprendizagens,
sendo partícipe, reflexivo, crítico, resiliente na vida, quando elaboramos o
planejamento educacional, essa forma de vislumbrar o ser humano deve
estar presente, relacionando o que projetamos com a prática pedagógica.
Para ilustrar tal questão, propomos a análise da Figura 1.

Figura 1
Inter-relação entre concepção educacional e planejamento

Objetivos educacionais,
tendo em vista a função
social da escola
Concepção de educação Diálogo, reflexão
integral em uma escola Planejamento sobre a prática,
que oferta educação em educacional que reorganização do
tempo integral. considera a realidade trabalho, coletividade.
escolar.
Articulação entre concepção Direito à aprendizagem
e planejamento

Fonte: Elaborada pela autora.

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 11


Desse modo, o marco referencial do planejamento educacional
será a concepção de educação que essa escola terá, pois ela nor-
teará toda a prática realizada na instituição. Se essa concepção for
democrática e intersetorial, como requer uma concepção de educa-
ção integral emancipatória, os objetivos educacionais, as estratégias
elencadas, os prazos estabelecidos, o monitoramento e o estabe-
lecimento dos responsáveis pelas ações estarão conciliados com o
propósito formativo.

Segundo Souza et al. (2005), historicamente a escola tem privi-


legiado mais a adaptação dos sujeitos do que sua emancipação.
Enquanto uma educação voltada à adaptação dos estudantes a so-
ciedade forma para a conformação ao status quo, para a padroni-
zação e para a fragmentação, a formação emancipatória é voltada
à integralidade do indivíduo, à autonomia e à reflexão crítica. Se a
escola deseja romper com a formação para o ajustamento e a con-
formação, é preciso articular a teoria educacional voltada a uma for-
mação humana integral a planejamentos educacionais que revelem
essa concepção.

Se é desejo de uma comunidade educativa que ocorram melhorias


nos processos pedagógicos e consequentemente na qualidade educa-
cional, o planejamento pode ser um instrumento de transformação da
realidade. Para isso, ele precisa ser um aliado da equipe escolar que
busca realizar diagnósticos que revelem as necessidades educativas
dos estudantes, seus saberes, o contexto sociocultural, seus anseios,
suas dificuldades e seus conflitos para, a partir desse referencial, orga-
nizar propostas pedagógicas articuladas aos conhecimentos dispostos
no currículo escolar.

O planejamento educacional é elemento integrador entre o currí-


culo oficial ou prescrito e o contexto histórico-cultural da escola,
pois, nessa perspectiva, não se abre mão de garantir os saberes
histórico-culturais a que os estudantes têm direito e, ao mesmo tem-
po, considera-se a realidade da comunidade em que a instituição
está inserida. De acordo com Souza et al. (2005), esse modo de or-
ganizar o trabalho educativo é instrumento de transformação social,
priorizando-se a unidade entre teoria educacional e prática pedagó-
gica. Para ilustrar tal questão, propomos uma reflexão da Figura 2.

12 Educação em tempo integral na prática


Figura 2
Análise contextual e planejamento educacional

Avaliação diagnóstica
da realidade
educacional Planejamento:
elaboração,
Concepção de consolidação e
educação integral. Articulação entre avaliação.
currículo, planejamento
Organização do trabalho e avaliação. Ação, reflexão e
pedagógico ação sobre a prática
educativa

Fonte: Elaborada pela autora.


Quando a equipe gestora (direção e equipe pedagógica) de uma escola
que oferta educação em tempo integral mobiliza os demais membros da
comunidade educativa a cumprirem os propósitos de uma escola compro-
metida com uma formação humana em sua integralidade, o planejamen-
to coletivo é uma prática constante. Este considera as diversas vozes dos
diferentes segmentos representados nos órgãos colegiados institucionais
(grêmios, conselhos de escola, associação de pais e mestres, conselho de
estudantes, entre outros).

É importante destacarmos que, ao se propor a escuta dos diferen-


tes segmentos da comunidade educativa, não se está afirmando que
esse movimento é isento de conflitos, mas, como afirmam Souza et al. 1
(2005), quando estes surgem, impõe-se a necessidade de a equipe ges- Escola Esperança trata-se
de nome fictício, bem
tora realizar mediações que conduzam a um consenso possível, sem-
como os exemplos
pre assegurando que as diferenças sejam conciliadas em função do apresentados.

direito à aprendizagem. Vamos a um exemplo:

1
A equipe gestora da Escola Esperança , ao analisar os dados advindos das avaliações da aprendizagem
das quatro turmas de 5º ano, percebeu que 35% desses estudantes estavam com dificuldade em resolver
situações-problema. Ao fazer um mapeamento de quem fazia parte desse número, verificou-se que eram aqueles que não
estavam tendo acesso a uma oficina de Matemática, ofertada aos estudantes que frequentavam a escola por 8h diárias.
Quando o conselho de escola foi convocado, alguns representantes dele afirmaram a necessidade de reforço escolar no
período da noite. Outros afirmaram que a causa era a dificuldade individual de cada um dos estudantes, e que, para isso,
tinha que se enviar mais tarefa de casa. A equipe gestora, então, comprometida com disposição do PPP da escola, de que
todos são capazes de avançar em suas aprendizagens, afirmou a necessidade de (re)organizar o horário da oficina de
Matemática, de maneira que todos os estudantes do 5º ano pudessem ter acesso a essa proposta metodológica. Assim,
o planejamento escolar foi readequado de acordo com o diagnóstico realizado.

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 13


Quando os documentos institucionais são reflexo de uma dis-
cussão coletiva e democrática da comunidade educativa, e estes
afirmam o propósito do trabalho da escola em função do direito à
aprendizagem e da formação integral dos estudantes, a equipe ges-
tora direcionará e mediará as questões administrativas e pedagó-
gicas da escola fundamentando-se nos princípios, nas concepções,
nas estratégias, nas metodologias e nos demais direcionamentos
previstos nesses documentos.

Sendo assim, o planejamento educacional também será guiado por


2 estes (PPP, Regimento Escolar, Estatuto do Conselho de Escola ).
2

Esses documentos são


balizados na Constituição Segundo Souza et al. (2005), um dos requisitos essenciais para a ela-
da República Federativa boração de um planejamento participativo é a unidade entre o pensar
de 1988 e na LDB, Lei n.
9.394/1996. e o agir. Ou seja, quando todos os sujeitos da comunidade educativa
são pertencentes à proposta pedagógica da escola, não há uma hierar-
quização do planejamento, pois, desse modo, alguns pensariam e ou-
tros executariam. Quando há pertencimento e participação genuínos
dos envolvidos, instaura-se um processo de formação continuada per-
manente, em que se defende uma convergência teórica e finalidades
comuns. Para Souza et al. (2005, p. 34):
o planejamento participativo mostra-se como um avanço no sen-
tido da organização burocrática do trabalho pedagógico escolar
assentado na separação entre teoria e prática. É, portanto, mais
coerente com a complexidade do trabalho educativo, que como
vimos, não se resume a uma atividade meramente técnica, mas,
ao contrário, define-se enquanto portadora de racionalidade po-
lítica e ideológica.

Dessa forma, podemos afirmar que não há neutralidade na elabora-


ção de planejamentos, pois estes trazem em seu cerne os princípios, as
epistemologias, as culturas e as crenças que subjazem a prática peda-
gógica. Se o objetivo é a formação integral do sujeito da aprendizagem,
não se pode coadunar com a elaboração de um planejamento realiza-
do sem considerar quem são os estudantes, seu processo de desenvol-
vimento, sua cultura, suas necessidades de aprendizagem e o tempo
diário que eles permanecem na escola.

Quando pensamos em um planejamento voltado à formação integral


dos sujeitos e que estes têm mais tempo para aprender na escola, esse
tempo precisa ser organizado com vistas à consolidação dos objetivos
de aprendizagem. Também é necessário tempos e espaços qualificados,

14 Educação em tempo integral na prática


em que haja múltiplas oportunidades de interação, de vivência, de ex-
ploração, de reflexão, de pesquisa, de ludicidade, de questionamentos
sobre o que se aprende e sobre o que está sendo ensinado, tendo a
democracia e a intersetorialidade como fundamentos de todas as ações.
Para ilustrar o planejamento em diferentes concepções e destacar a ne-
cessidade de fundamentá-lo em função da multidimensionalidade do
ser humano, propomos uma reflexão por meio da Figura 3:

Figura 3
Concepções e práticas de planejamento

• O ensino é transmissivo.
• Relação autoritária entre professor e estudante.
Concepção tradicional • Os saberes dos estudantes não são reconhecidos.
• O planejamento está fundamentado numa concepção tradicional
de currículo: currículo como listagem de conteúdos.

• Ensino fundamentado em técnicas e em processos que visam


à objetividade, à mensuração.
• O professor tem o papel de instruir o estudante.
Concepção tecnicista
• Os alunos precisam dominar os objetivos estabelecidos.
• O planejamento é detalhado, com objetivos instrucionais a
serem especificados pelos técnicos.

• Ensino que tem o diálogo como elemento essencial


do trabalho pedagógico.
• A interação é a base para a relação entre o professor e o estudante.
Concepção democrática • Os estudantes têm saberes que são considerados na consolidação
do processo de ensino-aprendizagem.
• O planejamento é elaborado de maneira participativa, por meio de
diagnósticos da realidade escolar.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Libâneo, 2006.

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 15


Em uma escola que oferta educação em tempo integral que objetiva
formar os sujeitos da aprendizagem em todas as suas dimensões, como
propõe Guará (2009), traz-se a perspectiva do trabalho coletivo e parti-
cipativo, sendo, dessa forma, democrática. Logo, ao pensar o planeja-
mento nessa escola, ele seguirá também essa concepção, objetivando
superar as lógicas excludentes, que vislumbram a organização do traba-
lho pedagógico (currículo, planejamento e avaliação) de maneira autori-
tária e sem considerar a heterogeneidade presente na escola.

Para Gandin (2001), o planejamento participativo não se resume


a uma simples presença dos envolvidos em alguma reunião, colabo-
rações em determinados momentos ou mesmo decisão em alguns
pontos da organização do trabalho. Planejar de modo participativo
inclui, segundo o autor, distribuição de poder, com possibilidades
de que os diferentes segmentos da comunidade educativa opinem
sobre o que fazer, como fazer, quem vai fazer, qual o prazo, o que
será utilizado. Ou seja, é a superação do simulacro de participação,
em que se consolida o que Gandin (2001) denomina de construção
em conjunto.

A equipe pedagógica da escola (pedagogos e/ou coordenadores pe-


dagógicos) tem uma função primordial na mobilização, na organização
de espaços e de tempos para o planejamento, no estudo e na reflexão
sobre esse processo de elaboração coletiva, para que todos os envolvi-
dos no processo educativo percebam a relevância de planejar, de ava-
liar e de (re)elaborar o planejamento com vistas à consolidação dos
processos de aprendizagem. Ou seja, planejar envolve projetar uma
ação sobre a realidade, intervir sobre ela e avaliar o resultado dessa
intervenção, reelaborando estratégias para que se possa atingir os ob-
jetivos propostos.

Quando pensamos sobre a ação da equipe pedagógica da escola


nesse processo de mediação e de reflexão sobre o planejamento
na escola, é importante enfatizar que, em uma escola que oferta
educação em tempo integral, esse movimento se torna ainda mais
complexo, pois é necessário pensar em estratégias que sejam arti-
culadas a uma visão de totalidade do estudante e sem divisão entre
turno e contraturno.

Se o sujeito da aprendizagem é uno, indivisível e tem múltiplas di-


mensões, não cabe à escola fragmentá-lo, mas sim cumprir sua função

16 Educação em tempo integral na prática


social, garantindo que o tempo ampliado na escola seja em prol de seu
desenvolvimento integral. Desse modo, o planejamento educacional
deverá ser integrado e integrador, com propostas didático-pedagógicas
que contemplem os tempos de vida dos estudantes e que levem a eles
diferentes tempos de aprender de maneira lúdica, experiencial, viven-
cial e participativa.

Leitura
O artigo Educação e desenvolvimento integral: articulando saberes na escola e além da
escola propõe reflexões sobre a concepção de educação integral na perspectiva de
uma formação humana em sua totalidade, sinalizando a importância de que, para isso,
aquele que educa – o professor – também precisa ser vislumbrado em sua totalidade.
Aponta também que, na educação em tempo integral, não há modelos prontos, o que
nos leva a refletir sobre a importância de planejamentos e propostas pedagógicas que
considerem as diferentes vozes da comunidade educativa.

GUARÁ, I. M. F. R. Em Aberto, Brasília, v. 22, n. 80, p. 65-81, abr. 2009. Disponível em: http://rbep.inep.gov.br/ojs3/index.
php/emaberto/article/view/2419/2158. Acesso em: 24 fev. 2021.
O artigo A posição do planejamento participativo entre as ferramentas de intervenção na
realidade discute as três etapas do planejamento participativo, que, segundo o autor,
são o marco referencial, o diagnóstico e a avaliação. Combate a noção de neutralidade
do planejamento trazendo reflexões sobre sua importância na qualidade de instru-
mento de transformação da realidade.

GANDIN, D. Currículo sem Fronteiras, v. 1, n. 1, p. 81-95, jan.-jun. 2001. Disponível em: https://www.ets.ufpb.br/
pdf/2013/2%20S1%20Gestao%20Estrategica%20-%20IFES/GANDIN_A%20posi%C3%A7%C3%A3o%20do%20
planejamento%20participativo.pdf. Acesso em: 24 fev. 2021.

1.2 O PPP e o plano de ação


Vídeo Planejar é essencial em uma escola que oferta educação em tem-
po integral, visto que é preciso pensar coletivamente sobre a gestão
do tempo, dos espaços, dos materiais, das atividades, da organiza-
ção do trabalho pedagógico, da formação continuada dos professo-
res, entre outros elementos que impactam a garantia do direito
à aprendizagem.

Existem diferentes âmbitos do planejamento educacional, mas


todos eles necessitam convergir para que, assim, a extensão do
tempo que o estudante permanece na escola seja em prol de seu
desenvolvimento integral. Para ilustrar esses âmbitos, propomos a
análise da Figura 4:

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 17


Figura 4
Níveis do planejamento educacional

Planejamento dos
sistemas de ensino

PPP

Plano de ação

Plano de ensino e
planos de aula

Fonte: Elaborada pela autora com base em Gesser, 2011.

O planejamento dos sistemas de ensino diz respeito ao direcio-


namento das políticas públicas e dos programas estabelecidos pelos
governos para organizar, orientar e determinar metas, objetivos, es-
tratégias, financiamento, prazos, práticas e demais direcionamentos
necessários à garantia do direito à aprendizagem.

Durante a mobilização e a elaboração do PPP, os envolvidos nesse


processo de construção do mapa global da escola se fundamentam nes-
se primeiro âmbito para organizar todas as etapas do planejamento edu-
cacional realizado na instituição. Segundo Gesser (2011), isso caracteriza
Saiba mais uma certa hierarquização, como também fluência, encadeamento e in-
Na LDB n. 9.394/1996, terdependência entre os níveis de planejamento educacional.
tem-se aporte legal para
a elaboração participa- O PPP é instrumento de trabalho do coletivo e objetiva contribuir
tiva do PPP. No artigo para o enfrentamento dos desafios do cotidiano da escola. Para isso,
12, é determinado que
os estabelecimentos de aponta concepções e práticas possíveis em que esse dia a dia seja
ensino, respeitando os ressignificado, logo, o enfrentamento é realizado de maneira reflexiva,
sistemas de ensino e as
suas normas, elaborem e consciente, participativa e democrática (VASCONCELLOS, 2002).
executem suas propostas
pedagógicas.
De acordo com Veiga (2003), o PPP pode ter um propósito regulató-
rio ou emancipatório. No primeiro caso, está ligado apenas à dimensão

18 Educação em tempo integral na prática


burocrática e técnica, sem relação com os propósitos de uma formação
humana integral. Já quando tem um propósito emancipatório, tem-se
a inovação como meta, pois será buscada, no coletivo, a transforma-
ção da realidade. Ao se objetivar consolidar um PPP que coadune com
essa concepção, sua elaboração será alicerçada no diálogo com os sa-
beres advindos do contexto histórico-cultural, o que implica considerar
os diferentes sujeitos (estudantes, famílias/responsáveis, professores,
pedagogos e/ou coordenadores pedagógicos, funcionários e demais
representantes da comunidade educativa) como detentores de cultura.

Para Veiga (2003), o PPP é um instrumento que norteia a comunida-


de educativa à (re)construção do futuro, ou seja, o protagonismo dos
diferentes sujeitos nos processos participativos possibilita à escola co-
nhecer sua realidade local, elaborar diagnósticos, traçar objetivos, ava-
liar-se e redimensionar propósitos e ações, intervindo constantemente
para que a inclusão e a equidade sejam os princípios que balizam to-
das as práticas educativas realizadas na instituição. Conforme a autora,
quando isso ocorre, tem-se como norte a inovação, isto é, a escola não
ficará imobilizada diante das constatações, mas utilizará o PPP como
ferramenta do trabalho coletivo, possibilitando a articulação dos envol-
vidos em propósitos em comum.

Por esse motivo, o PPP deve revelar a identidade da escola, o que


quer dizer que ele deve ser único, representando os diferentes segmen-
tos da comunidade educativa para que todos sintam-se pertencentes ao
contexto educativo. Enfatizamos que esse pertencimento sempre será
alinhado à função social da escola que oferta educação em tempo in-
tegral, assim, quando os representantes da comunidade educativa, por
meio dos conselhos de classe, conselhos de escola, grêmios estudan-
tis, associações de pais e mestres, assembleias etc., reunirem-se para
discutir as pautas relacionadas à elaboração e à consolidação do PPP,
não expressarão visões individuais, mas que sejam em prol do direito à
aprendizagem e do desenvolvimento integral dos estudantes.

Segundo Vasconcellos (2010), há etapas essenciais para elaborar


um PPP em que o diálogo, a participação do coletivo e a gestão de-
mocrática se façam presentes, as quais são: marco situacional, marco
conceitual e marco operacional.

Marco situacional: nessa etapa também se realiza a contextualiza-


ção da situação socioeconômica da comunidade educativa, para que

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 19


se possa organizar planos de trabalho que considerem os diagnósticos
realizados nesse momento. É o desvelar do ponto de partida, onde es-
tamos para delinearmos onde queremos chegar, explicitando dificulda-
des, desafios a serem superados e avanços já consolidados.

No que tange à educação em tempo integral, pode-se realizar um


diagnóstico dos lugares que podem ser utilizados pela comunidade
educativa para o trabalho pedagógico com os estudantes, pois, des-
sa forma, haverá um mapeamento desses espaços que os professores
podem utilizar ao planejarem suas aulas e que torne o ensino mais
significativo para os estudantes.

Marco conceitual: nesse momento expressa-se a visão de mundo,


as concepções de: sociedade, sujeito, aprendizagem, ensino, educação
integral, professor, espaços, ambiente de aprendizagem, entre outras
que nortearão as práticas da comunidade educativa. Para realizar a ela-
boração dessa etapa é necessário planejamento e mediação da equipe
gestora, pois envolve estudo e reflexão a partir de teorias educacionais
que vislumbrem contribuir para a melhoria da realidade educativa, ob-
jetivando sempre a qualidade de ensino.

Marco operacional: diz respeito ao plano do que será realizado


a partir do diagnóstico da realidade e da opção teórico-metodológica
aderida pela comunidade educativa. Ou seja, nessa etapa será estabele-
cido o que será realizado, como será efetivada a proposta da escola nos
aspectos administrativos, pedagógicos e financeiros; que estratégias
serão utilizadas para consolidar a formação continuada dos professo-
res, a articulação entre os tempos escolares de maneira que os estu-
dantes não tenham o seu cotidiano divido entre turno e contraturno;
como organizar os espaços escolares de modo que os estudantes não
permaneçam 7h ou mais aprendendo apenas em sala de aula; como
propor planejamentos de ensino e planos de aula de uma forma que
os estudantes avancem em suas aprendizagens e se desenvolvam em
todas as suas dimensões; entre outras problemáticas a serem investi-
gadas de acordo com o contexto escolar.

Essas três dimensões são articuladas e necessitam ser organiza-


das, avaliadas e redimensionadas sempre que necessário, porque o
PPP, para além de ser um documento que é parte da vida legal da es-
cola, é ferramenta a ser utilizada por todos os envolvidos no trabalho
educativo.

20 Educação em tempo integral na prática


Em uma escola que oferta educação em tempo integral, é impor-
tante que, desde o momento da mobilização da comunidade educativa
à participação das etapas de construção do PPP, todos os envolvidos
estejam cientes do propósito de uma escola com seu tempo ampliado,
debruçando-se sobre os dados advindos da pesquisa socioeducacio-
nal para melhor compreensão da realidade e firmando-se em bases
teórico-metodológicas que venham ao encontro da formação integral
dos estudantes, evitando o que Arroyo (2012) denomina de oferta de
mais do mesmo, ou seja, a hiperescolarização, que prejudica o vínculo
dos sujeitos com o processo de aprendizagem.

Desse modo, a avaliação do PPP deve ocorrer em todo o processo, des-


de o estabelecimento do marco situacional, passando pelo marco concei-
tual e pelo marco operacional, como podemos observar na Figura 5:

Figura 5
Avaliação dos três marcos de construção do PPP

Avaliação dos instrumentos Marco conceitual


Avaliação da proposta
utilizados para a
de trabalho, que
elaboração do diagnóstico
Avaliação do processo articula todos os
e do processo de
de estabelecimento marcos da construção
mobilização.
do marco do PPP.
conceitual e da base
Marco situacional: teórico-metodológica. Marco operacional
avaliação diagnóstica

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vasconcellos, 2002.

Dessa forma, a avaliação ocorrerá nas diferentes etapas, o que traz


à comunidade educativa possibilidades de readequar seus rumos em
função da melhoria permanente da qualidade ofertada aos estudantes
e suas famílias/responsáveis. Por exemplo:

A equipe gestora da Escola Esperança, que oferta educação em tempo integral, convocou os diferentes
segmentos da comunidade educativa para participarem da elaboração do PPP. Nas reuniões realizadas
para estudo sobre a construção do documento, certificaram que a maioria presente era de professores e de funcionários
da escola e que as poucas famílias que se fizeram presentes não se sentiam à vontade para participar das discussões.
Avaliaram que deveriam mudar a estratégia de organização desses momentos de estudo, então, verificaram junto às famí-
lias quais os melhores dias e horários para participação e propuseram dinâmicas de trabalho em que fosse imprescindível
o posicionamento desses responsáveis.

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 21


A avaliação processual ocorrerá nas etapas de construção e tam-
bém após o documento estar pronto, pois se este retrata as singulari-
dades da escola, não pode ser engessado e sem vida, deve ser dinâmico
e articulado às demandas da instituição, visando que o processo de
ensino-aprendizagem seja profícuo e que o estudante se desenvolva
em todos os aspectos de sua multidimensionalidade.

Com vistas a esse acompanhamento e possível reorganização e rea-


limentação do PPP, sugere-se que anualmente a escola organize cole-
tivamente o seu plano de ação, decorrente de todo esse movimento
participativo realizado na escola, permitindo aos envolvidos detalhar
objetivos, estratégias, prazos, estabelecer responsabilidades e priori-
dades para um melhor monitoramento da qualidade educacional.

Esse monitoramento se faz necessário para que o projeto da escola


não se torne apenas algo para ser entregue aos órgãos gestores dos
sistemas de ensino, com fins burocráticos. Ao realizar um plano anual,
a comunidade educativa avalia a proposta da escola, retoma diagnósti-
cos, acompanha e participa do PPP de maneira mais próxima e interati-
va. Para ilustrar essa questão, propomos a reflexão da Figura 6:

Figura 6
Relação entre o plano de ação e o PPP da escola
PPP

Plano de ação

Fonte: Elaborada pela autora.

Ao organizar o plano de ação anual, programa-se o desenvolvi-


mento do PPP, de maneira que este seja implementado pelo coletivo
escolar, avaliado e reformulado – quando necessário. Dessa maneira,
o plano de ação possibilita à escola colocar em prática as definições
estabelecidas no PPP, fundamentando-se em avaliações institucionais
realizadas no ano letivo.

Em uma escola que oferta educação em tempo integral, é imprescin-


dível que anualmente a comunidade educativa avalie a organização

22 Educação em tempo integral na prática


dos seus tempos e seus espaços educativos, analisando se eles estão
a serviço do desenvolvimento integral dos estudantes, discutindo se
as metodologias de ensino estão considerando os tempos de vida dos
estudantes e se os professores têm organizado e efetivado propostas
em que os sujeitos da aprendizagem têm acesso a propostas que os
façam avançar na construção do conhecimento. Quando a comunidade
educativa realiza essa avaliação institucional, reflete sobre o processo
de ensino realizado na escola, como também observa se as questões
de ordem administrativa e financeira estão sistematizadas em função
das questões pedagógicas.

Ao realizar esse movimento anual de avaliação institucional, tem-se


elementos para a elaboração de diagnósticos que retratam a realidade
educacional da escola e, a partir destes, busca-se no coletivo melhores
estratégias para a superação dos desafios elencados. Diminui-se a dis-
tância entre os ideais listados no marco conceitual e a prática realizada
no cotidiano da instituição. Por exemplo:

Uma escola que oferta educação em tempo integral afirma, em seu PPP, que o seu planejamento
ocorre de maneira participativa, democrática e que visa formar os sujeitos de maneira multidimensio-
nal. Ao realizar a avaliação institucional, percebem que os estudantes se queixam de cansaço exces-
sivo, pois têm permanecido muito tempo em sala de aula. A equipe gestora (equipe diretiva e equipe pedagógica)
convoca uma reunião do conselho de escolar para que os diferentes segmentos da comunidade educativa possam
levantar estratégias de solução para esse problema. Nesse caso:
Os estudantes: sugerem que as aulas sejam realizadas também no pátio, na biblioteca e no laboratório de ciências.
As famílias/os responsáveis: podem contribuir com a escola no mapeamento de espaços que podem ser utilizados
na comunidade com os estudantes.
Os professores: contribuem com a organização do mapeamento dos espaços do entorno e da cidade, além de pla-
nejarem propostas em que os estudantes possam ter acesso aos conhecimentos científicos, históricos e culturais
articulados à vida em sociedade.
Os pedagogos e/ou articuladores pedagógicos: no momento de estudo e de planejamento com os professores,
propõem estratégias formativas em que os professores possam articular os princípios dispostos no PPP à prática
pedagógica.
A equipe diretiva: garante a logística para que os estudantes possam utilizar os diferentes espaços do entorno da
escola e os lugares da cidade para que o conhecimento se torne vivo. Articula para que as decisões realizadas na
reunião sejam registradas em ata e, a partir desta, o plano de ação seja elaborado.

Como podemos perceber no exemplo acima, a participação dos


diferentes segmentos da comunidade educativa é registrada e, após
acordadas as decisões nesse colegiado, estas são elementos que

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 23


compõem o plano de ação, que sempre está em consonância com o
PPP da escola. Também, verifica-se a inter-relação permanente entre
o processo avaliativo e o planejamento da instituição, buscando a me-
lhoria permanente da qualidade educacional. Desse modo, no plano
de ação tem-se condições de programar com detalhamento o que está
disposto no PPP, como podemos observar na Figura 7:

Figura 7
Plano de ação: programação e monitoramento

Avaliação e
planejamento
• Diagnóstico; institucional
• Plano de ação:
• Elaboração coletiva; participação da
• Efetivação pelos • Diagnóstico por meio da Efetivação
comunidade educativa;
diferentes segmentos avaliação institucional; do PPP
• Elaboração,
da comunidade. • Relação permanente
acompanhamento, • Gestão participativa.
com o PPP.
consolidação e
PPP
monitoramento.

Relação entre teoria


e prática

Fonte: Elaborada pela autora.

Verificamos que os dois níveis de planejamento institucional se articu-


lam objetivando que a proposta discutida, estudada e elaborada coletiva-
mente se efetive. O plano de ação permite que haja o monitoramento, a
avaliação e o replanejamento permanente do PPP. Para elaboração do pla-
no anual da instituição, sugerem-se os seguintes elementos constitutivos:

Diagnóstico: nesse item descrevem-se as necessidades da escola,


os desafios a serem superados, com vistas à consolidação da melhoria
da qualidade educacional. Esse elemento pode ser elaborado por meio
da análise do PPP, dos marcos estabelecidos e da avaliação institucio-
nal realizada anualmente. Como afirma Gesser (2011), o diagnóstico
é o momento de a comunidade educativa conhecer de fato a escola,
realizando uma leitura e uma interpretação da realidade educativa.

Objetivos: onde se deseja consolidar durante o ano letivo, con-


siderando a análise das necessidades realizadas na elaboração do
diagnóstico institucional e priorizando aqueles que são viáveis e
passíveis de monitoramento.

24 Educação em tempo integral na prática


Metas: mensuram-se os objetivos para que o monitoramento possa
ocorrer de maneira mais efetiva e, assim, os representantes da comuni- Leitura
dade educativa tenham melhores condições de cumprir sua função em O Caderno Rede de saberes
relação ao que foi definido coletivamente. traz indicativos de como
uma escola que oferta
Estratégias: dizem respeito ao que será feito para que metas e ob- educação em tempo in-
tegral deve organizar seu
jetivos sejam alcançados. Se foi verificado um problema, um desafio ou PPP, fundamentando-se
algo que necessita ser aprimorado, nesse momento se analisa como em uma perspectiva
intercultural, na qual a
isso será realizado. participação da comu-
nidade educativa se faz
Recursos: estão relacionados a tudo o que vai ser utilizado para necessária, bem como
que as estratégias sejam colocadas em ação. É importante descrever o reconhecimento dos
saberes advindos dos
de maneira detalhada os recursos humanos e materiais previstos para diferentes grupos que se
a efetivação do plano. inter-relacionam na es-
cola, sem deixar de lado
Cronograma: estabelecem-se prazos a fim de que os envolvidos o direito à aprendizagem
e ao desenvolvimento
coloquem em prática as ações propostas e, portanto, os objetivos e as integral de todos os
metas sejam alcançados. estudantes.

BRASIL. 1. ed. Brasília: Ministério


Responsáveis: garantia de que todos os profissionais da escola, as
da Educação, 2009. Disponível
famílias e/ou responsáveis se envolverão na execução do plano com em: http://portal.mec.gov.br/
dmdocuments/cad_mais_
vistas à garantia do direito à aprendizagem e de uma formação em fun-
educacao_2.pdf. Acesso em: 30
ção do desenvolvimento das diferentes dimensões humanas. jan. 2020.

Destacamos que, ao delinear esse instrumento, faz-se necessário


que ele seja publicizado para toda a comunidade educativa, pois, caso
contrário, será um documento de gaveta.

1.3 Planejamento de ensino e plano de aula


Vídeo Planejar o ensino traz segurança ao professor, pois o possibilita an-
tecipar-se em relação ao trabalho junto aos estudantes, evitando que
a aprendizagem se torne desinteressante e enfadonha a eles. Quando
há o compromisso do profissional do ensino com o desenvolvimento
humano integral, existe dedicação em realizar um planejamento em
que os conhecimentos a serem trabalhados com os estudantes são
discutidos e questionados, com vistas à escolha das melhores estraté-
gias metodológicas, que considerem os diferentes tempos e ritmos de
aprendizagem.

O planejamento do ensino em uma escola que oferta educação em


tempo integral que objetiva contribuir com o desenvolvimento dos

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 25


sujeitos em suas diferentes dimensões exige do professor um olhar
permanente para o PPP da instituição, não perdendo de vista seu refe-
rencial teórico-metodológico, ou seja, é no dia a dia com os estudantes
que concretizamos o que está disposto no mapa global da escola. De
acordo com Gesser (2011), quando se realiza o planejamento de ensi-
no, o professor expressa a intencionalidade da ação educativa, pautan-
do suas estratégias didático-pedagógicas no ser humano que se deseja
formar.

Isso quer dizer que, se no PPP da escola almeja-se formar um cida-


dão crítico, reflexivo, resiliente e partícipe da vida em sociedade, o pro-
fessor – quando se dedicar à elaboração do planejamento de ensino
– delineará objetivos de ensino-aprendizagem, metodologias, recursos,
prazos articulados aos propósitos dispostos no documento que rege a
instituição educativa. Para ilustrar a relação entre esses níveis de plane-
jamento, propomos a observação da Figura 8:

Figura 8
Relação entre níveis de planejamento

PPP

Planejamento
de ensino

Plano
de aula

Fonte: Elaborada pela autora.

26 Educação em tempo integral na prática


O planejamento de ensino na escola que oferta educação em tempo
integral será organizado de maneira que as diferentes dimensões huma-
nas sejam vislumbradas na qualidade de objetivos educacionais. Dessa
forma, esse nível de planejamento – instrumento de gestão do professor
em sala de aula – proporciona ao docente condições de avaliar se as me-
todologias e as estratégias utilizadas estão contribuindo para a consoli-
dação dos objetivos de ensino-aprendizagem. Logo, o planejamento de
ensino também é ferramenta de autoavaliação do professor, visto que
lhe possibilita analisar seu próprio trabalho e readequá-lo.

Segundo Vasconcellos (2002), quando há um bom planejamento,


existe transformação da realidade, uma vez que ele se relaciona com a
realidade educacional, distanciando-se de um planejamento positivista
em que há a hierarquização e a ênfase na técnica, sendo elaborado por
técnicos e sem a participação coletiva.

Quando existe planejamento coletivo, de acordo com Dalmás


(2005), há espaço para a criatividade e para a inovação, bem como para
o diálogo, troca de experiências, para a reflexão e para a reelaboração,
pois os esforços dos diferentes sujeitos estarão em conformidade com
os objetivos a serem alcançados em função da aprendizagem e do de-
senvolvimento integral dos estudantes.

Assim, o planejamento de ensino exige do professor conhecimento


técnico para sua elaboração, como também habilidade de interagir e
integrar-se com o coletivo de profissionais, desenvolvendo a empatia e
superando todo tipo de discriminação e de preconceito, acolhendo as
diferenças existentes na comunidade educativa e valorizando e consi-
derando em seu planejamento a heterogeneidade presente na escola.

A equipe gestora, ao organizar tempos e espaços para que os pro-


fessores sistematizem o planejamento de ensino, tem a incumbência
de promover um clima de integração e de coesão, o que, segundo
Dalmás (2005), abre muitas perspectivas para que haja compromisso
coletivo com o direito à aprendizagem dos estudantes. A mobilização
dos professores para a construção do planejamento, por meio de di-
nâmicas, estudos, reflexões, palestras, partilhamento de experiências,
entre outras estratégias, possibilita a esses profissionais um ambiente
de diálogo e um sentimento de pertença ao grupo.

Para Dalmás (2005), a equipe gestora tem como tarefa contribuir


para que os professores se engajem na elaboração coletiva do planeja-

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 27


mento, o que leva estes a assumirem integralmente a consolidação do
PPP da escola, do qual também fazem parte desde a sua construção.
Os demais níveis de planejamento escolar decorrem do PPP e, desse
modo, o planejamento de ensino estará articulado aos princípios, às
concepções e às práticas didático-pedagógicas dispostas no plano glo-
bal da escola, como podemos observar na Figura 9.

Figura 9
Passo a passo para elaboração do planejamento de ensino

Pedagogo Organização
e/ou articulador lógica do ensino, Coletivo de
pedagógico de acordo com profissionais
Coletivo de
mediam as o objeto de organizam
professores que Articular a
Diagnósticos discussões estudo de cada propostas
atendem turmas organização
do processo de em função componente didático-
em comum do plano
aprendizagem dos direitos à curricular, -pedagógicas que
reúnem-se de aula do
das turmas em aprendizagem conforme o coadunem com
conforme planejamento
comum. dos estudantes: currículo da as concepções
organização da de ensino.
desenvolvimento escola e de e os princípios
equipe gestora.
do sujeito nas acordo com dispostos no PPP
diferentes o diagnóstico da escola.
dimensões. realizado.

Fonte: Elaborada pela autora.

Ao articular a organização do plano de aula, o professor traz para o


componente curricular, ou para a oficina que trabalha, a possibilidade
de consolidar o que está disposto no PPP, pois os níveis de planejamen-
to escolar dialogam entre si e, assim, as concepções, os princípios e as
orientações didático-pedagógicas descritos no plano global da escola
são detalhados e colocados em prática em sala de aula.

Dessa forma, no plano de aula cada um dos professores se debruça


sobre o planejamento de ensino e, com apoio do pedagogo e/ou arti-
culador pedagógico, delineará métodos e estratégias de ensino especí-
ficos para o componente curricular que ministra, ou oficina, ou projeto
que trabalha. Também trará, no plano de aula, o registro de como os
tempos e os espaços serão organizados, com vistas a superar o que
Arroyo (2012) denomina de ofertar aos estudantes mais do mesmo. Ou
seja, se os estudantes frequentam uma escola que oferta educação
em tempo integral, é inaceitável que esses sujeitos permaneçam num

28 Educação em tempo integral na prática


mesmo espaço, sentados, e sem acesso a metodologias de trabalho em
que possam interagir, dialogar, descobrir, pesquisar e aprender num
espaço que se constitua um ambiente de aprendizagem.

No plano de aula, o professor descreve com detalhes os procedi-


mentos que fará para que os objetivos de ensino-aprendizagem se-
jam consolidados, atendendo às necessidades individualizadas dos
estudantes, propondo estratégias diferenciadas para contemplar os
diferentes tempos e ritmos de aprendizagem dos sujeitos da apren-
dizagem. Para Perrenoud (2000), o essencial é que o professor se de-
dique mais àqueles que dele mais precisam, reorganizando espaços e
tempos em função desses estudantes.

Objetivando realizar o plano de aula balizado pelo planejamento


de ensino, o professor fará diagnósticos avaliativos da turma e indivi-
duais (a fim de considerar as necessidades de aprendizagem de cada
estudante) para que tenha elementos que o subsidiem a elaboração
de propostas que contribuam para o desenvolvimento integral dos
sujeitos. Dessa forma, o professor comprometido com uma educação
emancipatória dos estudantes proporá atividades que – para além de
possibilitar o acesso aos conhecimentos históricos, científicos e cultu-
rais – contribuirão para que, em suas diferentes estratégias didático-
-pedagógicas, desenvolva:
a curiosidade, o questionamento, a observação, hipóteses, des-
cobrir, experimentar, identificar e distinguir, relacionar, classifi-
car, sistematizar, criar, jogar, debater, comparar e concluir, entre
outras experiências formadoras. Essas habilidades são inerentes
à prática escolar e sob muitos aspectos relacionam-se também
com os saberes comunitários. (BRASIL, 2009, p. 17)

Nesse viés, o planejamento a ser implementado na escola que ofer-


ta educação em tempo integral integrará os conhecimentos científicos,
históricos e culturais dispostos no currículo oficial a ser cumprido pela
instituição escolar, de acordo com seu PPP. No entanto, não deixará
de lado, em nenhum momento, o diálogo com os diferentes saberes
advindos da inter-relação com as diferentes culturas presentes na es-
cola, objetivando uma proposta educativa emancipatória e interseto-
rial. Para uma melhor observação do processo de realização do plano
de aula, sugerimos a reflexão por meio da Figura 10:

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 29


Figura 10
Plano de aula na educação em tempo integral

PLANO DE AULA:
• princípios dispostos
no PPP colocados em
prática pelo professor;
• objetivos de ensino-
-aprendizagem
articulados ao
planejamento de ensino;
Concepção de • temporalidade menor
educação integral: Planejamento Plano de que o planejamento de
formação humana de ensino aula ensino;
multidimensional
• necessidades de
(PPP).
aprendizagem e
potencialidades de cada
um dos estudantes a
partir de uma avaliação
diagnóstica;
• atividades diversificadas;
• detalhamento do que
será desenvolvido com
Livro os estudantes.

Fonte: Elaborada pela autora.

O planejamento de ensino e o plano de aula de uma escola que obje-


tiva contribuir para a formação de sujeitos que sejam vislumbrados em
sua totalidade situam-se no espaço de diálogo permanente entre os di-
ferentes saberes advindos dos diferentes campos do conhecimento e
aqueles que são produzidos e articulados por meio da convivência, do
No livro O planejamento intercâmbio cultural, da heterogeneidade e do entrelaçamento de ideias
educacional: da gênese
histórica-filosófica aos
que uma concepção intersetorial de educação integral permite.
pressupostos da prática,
a autora versa sobre a
Logo, planejar em uma escola que oferta educação em tempo inte-
importância do ato de gral exige diálogo permanente dos envolvidos no processo educativo,
planejar, discorrendo
sobre os diferentes níveis
para que esse ato imprescindível não se torne uma ação burocrática,
do planejamento educa- desprovida de sentido. Planejar envolve vislumbrar o futuro com oti-
cional e a necessidade de
articulação entre estes.
mismo, sem tirar os pés da realidade objetiva. Para isso, é preciso regis-
trar, organizar, sistematizar, envolver-se, avaliar, dialogar e agir, em um
GESSER, V. Curitiba: CRV, 2011.
movimento permanente em busca da qualidade educacional.

30 Educação em tempo integral na prática


1.4 Os caminhos da avaliação da aprendizagem
Vídeo Quando há, na escola que oferta educação em tempo integral, o
compromisso com a integralidade da pessoa humana, busca-se supe-
rar práticas pedagógicas em que o foco seja o acúmulo de informações,
indo ao encontro do que Guará (2006) denomina de uma formação em
que o sujeito seja compreendido em sua totalidade. Essa perspectiva
pressupõe que a escola vislumbre a intersetorialidade das diferentes
dimensões humanas, que, segundo Moll (2008), prescinde que os sabe-
res, as memórias, as culturas e as trajetórias da comunidade perten-
centes à escola serão valorizados.

3 Nesse viés, a organização dos tempos escolares será pla-


3
nejada de modo que se objetive o desenclausuramento dos
Desenclausurar está
relacionado a uma con- estudantes, o que, para Moll (2008), implica em uma escola
cepção de organização de
que consolide interlocuções entre os diferentes campos do co-
ambientes educativos que
busca organizar tempos nhecimento e a possibilidade de inter-relação entre os saberes
e espaços escolares em
apreendidos no espaço escolar e a sua relação com a vida em
função dos tempos de
vida dos estudantes. Isso sociedade. Essa concepção é fundamental para o redimensio-
implica mediar propostas
namento de práticas educativas, pois, dessa forma, há rele-
didático-pedagógicas
que coadunem com a vância, sentido e significado para o processo de construção do
perspectiva de formação
conhecimento dos estudantes.
integral dos sujeitos.

O processo de planejamento e o processo de avaliação,


quando fundamentados pelo propósito de contribuir com a formação
integral, estarão permanentemente articulados, visto que no planeja-
mento há o delineamento de estratégias e de metodologias com vistas
a consolidar os objetivos de ensino-aprendizagem, já na avaliação orga-
nizam-se diagnósticos com objetivando o redimensionamento dessas
estratégias, para que os objetivos sejam atingidos. Logo, as duas práti-
cas pedagógicas são orientadas para o futuro.

De acordo com Fernandes e Freitas (2007), a avaliação diz respeito


a melhorar a ação futura, buscando as melhores estratégias de ensino
que venham contribuir com a consolidação do processo de aprendi-
zagem de todos os estudantes e traz ao professor a possibilidade de
(re)orientar o trabalho pedagógico desenvolvido. Para os autores é ne-
cessário diferenciar o ato de avaliar do ato de medir.

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 31


Essa é a base da distinção entre medir e avaliar. Medir refere-se
ao presente e ao passado e visa obter informações a respeito do
progresso efetuado pelos estudantes. Avaliar refere-se à refle-
xão sobre as informações obtidas com vistas a planejar o futuro.
Portanto, medir não é avaliar, ainda que o medir faça parte do
processo de avaliação. Avaliar a aprendizagem do estudante não
começa e muito menos termina quando atribuímos uma nota à
aprendizagem. (FERNANDES; FREITAS, 2007, p. 19)

Instaurar, na organização do trabalho pedagógico, esse olhar avalia-


tivo favorece os profissionais da escola à reflexão e ao redimensiona-
mento das práticas educativas desenvolvidas, tendo em vista a melhoria
dos processos de ensino-aprendizagem. Desse modo, a sistematização
de uma avaliação da aprendizagem que vislumbre intervir no processo
de construção do conhecimento do estudante, tendo como objetivo o
seu avanço contínuo, permite aos professores coerência entre a con-
cepção de educação integral disposta no PPP da escola e uma prática
avaliativa inclusiva.

Segundo Luckesi (2005), quando avaliamos, realizamos diagnósti-


cos, objetivando-se reorientar ações, para que atinjamos os melhores
resultados possíveis, distanciando do ato de examinar, voltado para
a exclusão e para a classificação, pois, quando se avalia com vistas à
mediação, ao aprimoramento, colocamos em prática uma concepção
inclusiva de avaliação educacional. O autor ressalta que a aplicação de
provas e de exames objetiva verificar o nível de desempenho do estu-
dante em relação a determinado conteúdo e classificá-lo.

Luckesi (2005) conceitua a avaliação como um ato amoroso, pois


é acolhedora e inclusiva, trazendo à luz como as coisas estão naque-
le determinado momento. Para ele, ocorrerão julgamentos, mas esses
serão realizados com a finalidade de tomada de decisão, e não para a
exclusão. Dessa maneira, para Luckesi (2005, p. 173):
simbolicamente, podemos dizer que a avaliação, por si, é aco-
lhedora e harmônica, como o círculo é acolhedor e harmônico.
Quando chamamos alguém para o nosso círculo de amigos, es-
tamos acolhendo-o. Avaliar um aluno com dificuldades é criar a
base do modo como incluí-lo dentro do círculo da aprendizagem;
o diagnóstico permite a decisão de direcionar ou redirecionar
aquilo ou aquele que está precisando de ajuda.

A avaliação da aprendizagem, nessa perspectiva, é um meio para


que o professor forneça suporte ao estudante, incluindo-o em seu

32 Educação em tempo integral na prática


curso de aprendizagem, fundamentando-se na crença de que todos
são capazes de avançar no processo de construção do conhecimento.
Luckesi (2005) destaca algumas funções da avaliação da aprendizagem:

Propiciar autocompreensão: permite a autoconsciência do pro-


fessor, por meio da prática de reflexão permanente sobre o processo
de ensino, e a autocompreensão do estudante, à medida que lhe per-
mite conhecer seu processo de aprendizagem. É saber onde se está,
para decidir o caminho que irá seguir.

Motivar o crescimento: os diagnósticos realizados devem servir de


impulso para continuar, não para excluir e desanimar o estudante. A
avaliação da aprendizagem como ato amoroso cria o desejo de os estu-
dantes continuarem aprendendo e não desanimarem.

Aprofundamento da aprendizagem: como a avaliação está em


função da construção do conhecimento, o professor, ao realizar
diagnósticos, (re)planejará posteriormente suas estratégias para que
todos avancem em suas aprendizagens, ampliem e as aprofundem.

Desse modo, podemos perceber que a avaliação é também pro-


cessual, pois é realizada em diferentes momentos, para que possam
ser feitas as mediações necessárias ao avanço dos estudantes e tam-
bém à reorganização do trabalho pedagógico por parte do professor.
Como podemos observar na Figura 11:

Figura 11
Avaliação processual e formativa

• Readequação das
estratégias de ensino;
• Avaliação diagnóstica: Interação: professor • Planejamento do
análise e tomada de e estudante processo avaliativo: uso de
decisão. diferentes instrumentos
• Avaliação formativa: ao de avaliação.
(re)planejamento longo do processo de
ensino-aprendizagem. Aprendizagem e
desenvolvimento nas
diferentes dimensões
humanas

Fonte: Elaborada pela autora.

Dessa forma, mesmo a avaliação formativa que ocorre ao longo do


processo tem um caráter diagnóstico, o que, segundo Haydt (2000),

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 33


permite ao professor ajustes no processo de ensino, mediando, rea-
dequando estratégias metodológicas para que todos os estudantes
avancem. Assim, ao analisarmos o que o processo avaliativo revela,
há mudanças de estratégias com vistas à consolidação do processo de
aprendizagem.

De acordo com Perrenoud (2000), a avaliação formativa contri-


bui para a regulação das aprendizagens em curso, ou seja, o profes-
sor, fundamentando-se na apreciação do progresso dos estudantes,
acompanhando o processo de aprendizagem deles, realizará suces-
sivas intervenções, sendo um gestor de situações didáticas. Para
o autor, a avaliação formativa está intrinsecamente relacionada à
didática, pois, à medida que o professor analisa os caminhos da
aprendizagem de cada estudante, realiza adequações nas estraté-
Vídeo
gias e nas metodologias utilizadas em seu planejamento, individua-
A entrevista do vídeo
lizando o ensino.
Jussara Hoffmann em
avaliação: caminho para Conforme Hoffmann (2001), a avaliação nessa perspectiva é me-
aprendizagem vídeo 04, no
canal Jussara Hoffmann, diadora e objetiva promover a aprendizagem, desvencilhando a pa-
com os dois professo- lavra promoção das decisões burocráticas de avaliações tradicionais
res que são referência
em pesquisa sobre o que servem para o acesso a outros níveis de ensino. Promoção, para
processo avaliativo, a autora, relaciona-se à reflexão, ao diálogo permanente entre os
Cipriano Luckesi e Jussara
Hoffmann, apresenta a diferentes envolvidos no processo educativo, ao estudo, ao questio-
concepção de avaliação namento, a mudanças de direção relacionadas à escolha de outras
da aprendizagem numa
perspectiva emancipató- estratégias de ensino que venham contribuir para a aprendizagem de
ria, o que vai de encontro cada um dos estudantes.
a uma formação humana
comprometida com a Segundo Hoffmann (2001), para mudar a avaliação, superando prá-
formação integral dos
sujeitos. ticas excludentes e classificatórias, é imprescindível balizar as ações
Disponível em: https:// em concepções e princípios que coadunem com processos avaliativos
www.youtube.com/ em função da promoção das aprendizagens, e não da reprovação e
watch?v=fXztUiDPCSM. Acesso em:
26 fev. 2020. da seleção.

Se a escola que oferta educação em tempo integral tem compro-


misso com a formação humana nas suas diferentes dimensões, objeti-
vará que em sua prática pedagógica a avaliação da aprendizagem seja
delineada de acordo com uma concepção emancipatória de educação,
o que traz a responsabilidade à equipe gestora, aos professores e aos
demais funcionários da escola em articular os fundamentos teóricos
que estão dispostos no PPP à organização e à efetivação de estratégias
avaliativas que coadunem com esses propósitos humanizadores.

34 Educação em tempo integral na prática


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse capítulo, pudemos perceber a importância do planejamento
educacional fundamentado em uma concepção de educação integral e
que objetive formar o sujeito em suas múltiplas dimensões, não sendo
reduzido ao aspecto cognitivo do ser humano. Logo, a escola que tem
esse compromisso utiliza o planejamento como instrumento de trabalho.
Também destacamos a importância da articulação do planejamento
realizado na escola. Por meio das concepções, dos princípios, das estra-
tégias e das metodologias previstas no PPP, elabora-se o plano de ação
da instituição, o que traz à comunidade escolar possibilidades de con-
cretizar o que está disposto no plano global da escola, reelaborando-o
quando necessário. Desse modo, planejamento e avaliação são elemen-
tos inter-relacionados.
Quanto à gestão de sala de aula, o planejamento de ensino e o plano
de aula são imprescindíveis, pois trazem ao professor um delineamento
dos objetivos de ensino-aprendizagem, da organização dos tempos esco-
lares, das estratégias e das metodologias que serão efetivadas, com vistas
à garantia do direito à aprendizagem. Esses instrumentos organizativos
não são burocráticos, mas fundamentados em processos diagnósticos de
uma avaliação da aprendizagem que traz referenciais para o redimensio-
namento do trabalho do professor.

ATIVIDADES
Vídeo 1. Qual é a importância do planejamento em uma escola que oferta
educação em tempo integral?

2. Como organizar um PPP em uma escola que oferta educação em tempo


integral de maneira que ele supere o viés regulatório e burocrático?

3. De que forma o planejamento de ensino e o plano de aula se consolidam


na qualidade de instrumentos de gestão de sala de aula do professor?

4. Como se efetiva a avaliação da aprendizagem em uma escola que tem


compromisso com a formação integral dos estudantes?

Planejamento e avaliação na escola de tempo integral 35


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abstract&tlng=pt. Acesso em: 24 fev. 2021.

36 Educação em tempo integral na prática


2
Sistematização do
trabalho pedagógico
Neste capítulo, refletiremos sobre a sistematização do trabalho pedagó-
gico com a discussão das dimensões que fundamentam a organização do
tempo ampliado em uma escola. Este tem um compromisso com a forma-
ção humana em suas diferentes dimensões. Desse modo, o tempo escolar
será continuum, ou seja, sem fragmentação entre turno e contraturno e em
função dos tempos de vida dos estudantes.
Abordaremos, também, a importância de propostas didático-meto-
dológicas em que as atividades sejam desafiadoras e o estudante possa
continuar a se desenvolver, reconstruindo permanentemente sua capaci-
dade de aprender. Nesse viés, os conhecimentos científicos, históricos e
culturais não serão transmitidos aos estudantes conforme uma concepção
tradicional de ensino, pois, com base em Becker (2013), defenderemos a
heterogeneidade como fundamento para as estratégias a serem utilizadas
no processo de ensino. Assim, aprender não é acumular informações, e o
tempo escolar é tempo de gênese, de criação, de imaginação, de constru-
ção e de diálogo.
Para ampliar e aprofundar a discussão, trataremos da articulação neces-
sária entre os conhecimentos dispostos no currículo oficial, com base nos
direitos de aprendizagem dispostos na Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) e nas práticas educativas desenvolvidas no tempo ampliado, a fim
de que o currículo escolar seja integral e integrado.
Como possibilidade de organizar o currículo de uma escola que oferta
educação integral em tempo ampliado, uma reflexão com base na pers-
pectiva educativa por projetos de trabalho é proposta, sendo discutidas,
com base em Hernández, nas obras de 1998 e 2014, as características
dessa pedagogia e as possibilidades de sua efetivação.

Sistematização do trabalho pedagógico 37


Objetivos de aprendizagem
• Reconhecer a importância da sistematização do trabalho desen-
volvido com os estudantes nas escolas que ofertam educação em
tempo integral.
• Identificar estratégias de sistematização do trabalho pedagógico a
ser realizado em escolas que ofertam educação em tempo integral.
• Perceber a necessidade de diversificar estratégias de ensino, ten-
do em vista as especificidades dos estudantes que frequentam
escolas que ofertam educação em tempo integral.
• Compreender a importância da articulação do trabalho pedagógico
e dos conhecimentos trabalhados no período regular e integral.

2.1 Tempo de escola e tempo de aprender


Vídeo A escola que oferta educação integral em tempo ampliado organiza
o trabalho pedagógico de maneira que os tempos de vida dos estudan-
tes sejam considerados em todas as suas propostas, desmistificando
os tempos concretizados no espaço da instituição e, assim, revelando a
cultura escolar ali consolidada.

De acordo com os autores Frago e Escolano (2001), o tempo esco-


lar é construído social e culturalmente e, como tal, pode ser redimen-
sionado. Sendo assim, é elemento que não é dado naturalmente e é
internalizado pelos envolvidos no processo educativo, como se fosse
imutável. Dessa forma, acabam por reproduzir e amoldar-se a padrões
previamente estabelecidos, sendo que estes, muitas vezes, não contri-
buem para que o direito à aprendizagem se consolide.

Ainda segundo Frago e Escolano (2001), o tempo escolar é elemen-


to curricular e deixa suas marcas na construção das identidades dos
estudantes. Ao se pensar no planejamento e na vivência dos tempos
de escola, com base nessa afirmação, é possível questionar qual é a
concepção de currículo colocada em ação no cotidiano da instituição
e como isso contribui ou não para a formação de identidades autôno-
mas, reflexivas, críticas, resilientes e partícipes da vida em sociedade.

Se o objetivo é formar para a integralidade do sujeito, contribuin-


do com o desenvolvimento das suas diferentes dimensões humanas, a
qualidade do que é ofertado na ampliação do tempo escolar pode ser
questionada com base algumas questões, dispostas na Figura 1.

38 Educação em tempo integral na prática


Figura 1
Perrenoud (2000) alerta para o fato de que muito Questionamentos acerca do
tempo escolar
do que é realizado na escola contemporânea
ainda reproduz os modelos realizados na Na ampliação do tempo
escola do século XIX, em que os anos escolar, existe a correção entre
a organização dos espaços
e as etapas são percorridos pelos
e das atividades escolares,
estudantes de maneira imutá- de maneira que objetivem a
vel e o tempo escolar é rígido, formação integral dos sujeitos?

em função de métodos tradi-


cionais de ensino e de uma Há a defesa da
O tempo escolar
ordem previamente estabe- qualificação do tempo
é organizado em
lecida de conhecimentos a escolar ou apenas de
função dos tempos
sua extensão?
serem transmitidos. de desenvolvimento e
de aprendizagem dos
Quando isso ocorre em estudantes?
uma escola que oferta edu-
O tempo escolar é
cação em tempo integral, organizado apenas por
uma concepção de forma- técnicos ou há espaço
O tempo escolar
ção humana, de estudante, de diálogo entre os
é inflexível ou é
diferentes segmentos da
de ensino, de aprendizagem, de fundamentado
comunidade educativa?
no direito à
desenvolvimento, de escola, de co- aprendizagem?
nhecimento e de currículo tradicional
é traduzida, o que coaduna com a forma-
Fonte: Elaborada pela autora.
ção de sujeitos que se adaptam ao contexto vi-
vido, sem fazer relação com os saberes apresentados
na escola e com a vida em sociedade. Segundo Eyng (2007), quando isso
ocorre, os métodos tradicionais de ensino se tornam o foco do trabalho,
no qual o professor transmite os conhecimentos e os estudantes os re-
produzem, fazendo uso da memorização.

Nessa concepção, o tempo escolar vivenciado pelos estudantes será


preenchido com a cópia, a tarefa sem sentido e a falta de oportunidade
de interação entre professores e estudantes, bem como entre os pró-
prios e estudantes. A lógica do tempo será ditada por uma listagem de
conteúdos.

Quando se amplia os tempos escolares, é necessário superar essa


lógica das turmas homogêneas, na qual se supõe que os estudantes
aprendem todos ao mesmo tempo e da mesma forma. Para Machado
(2002), a escola que oferta educação em tempo integral tem especifi-
cidades que precisam ser consideradas e atendidas pelos sistemas de

Sistematização do trabalho pedagógico 39


ensino e pelas equipes gestoras, pois permanecem mais de sete horas
em um espaço educativo.

Esse espaço, segundo Machado (2002), deverá ter uma infraes-


trutura que permita aos envolvidos no processo educativo planejar e
efetivar propostas didático-pedagógicas que contribuam para o de-
senvolvimento das diferentes dimensões do sujeito da aprendizagem.
Logo, essa permanência no tempo escolar será produtiva e prazerosa.
Será produtiva porque os conhecimentos científico, histórico e cultu-
ral serão trabalhados de maneira lúdica, experimental, vivencial e por
meio de atividades significativas, porque esse saber não será trabalha-
do de maneira mecânica, mas articulado à vida em sociedade.

De acordo com Rays (2004), quando se objetiva uma educação de


qualidade, são assumidos paradigmas metodológicos que possibilitem
a crítica sobre o trabalho pedagógico desenvolvido e, dessa forma, os
profissionais da educação podem redimensionar sua prática em fun-
ção do desenvolvimento integral dos estudantes. Desse modo, o tempo
escolar de sete ou mais horas diárias será planejado, mas será também
um tempo de vivências, de intercâmbios culturais, de aprendizagem
para estudantes e professores. Para o autor, determinadas dimensões
embasam o trabalho pedagógico e precisam ser conhecidas, analisa-
das e consideradas pelos profissionais da escola. São elas:

Figura 2
Dimensões que embasam o trabalho pedagógico

Dimensão Dimensão Dimensão Dimensão Dimensão


histórica antropológica epistemológica política pedagógica

Fonte: Elaborado pela autora com base em Rays, 2004.

Na dimensão histórica, os profissionais envolvidos no processo


educativo, podem levantar os seguintes questionamentos:
• A forma como organizo o planejamento revela a intenção de ga-
rantir o direito à aprendizagem, considerando os tempos de vida
dos estudantes e seus contextos?
• A consolidação das propostas pedagógicas está articulada ao
contexto escolar contemporâneo ou ela revela concepções tradi-
cionais de ensino-aprendizagem?

40 Educação em tempo integral na prática


• Como a organização do tempo escolar é vislumbrada no PPP, de
modo a considerar a historicidade dos sujeitos da aprendizagem,
suas vivências e suas culturas?

Quando a escola tem um PPP que considera o contexto histórico da


sua comunidade, os tempos escolares serão pensados em função dos
sujeitos da aprendizagem, pois esse projeto não será externo às ne-
cessidades da escola, mas sim construído pelo coletivo, de modo que
os diferentes segmentos dessa comunidade educativa tenham partici-
pação ativa. Assim, a organização do tempo escolar irá de encontro ao
direito à aprendizagem e à integralidade dos estudantes, articulando
os saberes escolares.

Na dimensão antropológica é possível levantar reflexões que tra-


gam à comunidade educativa caminhos que revelem os aspectos cultu-
rais relacionados aos tempos de vida nos tempos da escola. Dentre elas:
• Como o tempo é vislumbrado no PPP da escola, enquanto ele-
mento curricular que pode ser redimensionado de acordo com
as propostas a serem desenvolvidas ou algo cristalizado, como se
fosse definitivo e pré-determinado?
• O tempo escolar está organizado de modo a valorizar as múlti-
plas culturas presentes na escola?
• Como os conhecimentos trabalhados no currículo escolar são
organizados didaticamente no ano letivo? Eles são questiona-
dos de modo que haja relação com a cultura escolar? Esse tem-
po é revisto ou redimensionado, de acordo com os objetivos de
ensino-aprendizagem?

Dessa forma, as reflexões são realizadas pelo desvelamento da


cultura dos sujeitos da comunidade educativa, analisando se o tempo
pode ser (re)organizado ou se os horários, os cronogramas e os ca-
lendários são rígidos, sem a possibilidade de modificações que vislum-
brem a garantia do direito à aprendizagem.

Na dimensão epistemológica podem se desvelar questões a res-


peito dos fundamentos teóricos que embasam as concepções relacio-
nadas à organização do tempo. Por exemplo:
• Quais teorias embasam as práticas pedagógicas desenvolvidas e
a organização do tempo de ensino?
• Ao organizar o tempo escolar, foram consideradas as fases de
desenvolvimento do estudante, a necessária mediação do pro-

Sistematização do trabalho pedagógico 41


fessor para a continuidade das aprendizagens dos estudantes e o
sujeito da aprendizagem em todas as suas dimensões?
• Há tempo e espaços para que a escola potencialize ações para a
formação do pensamento crítico dos estudantes?

Nessa dimensão, há espaço para reflexão crítica da comunidade


educativa, buscando desvelar o sentido da ampliação e da organização
do tempo escola, investigando qual é a base teórica das práticas desen-
volvidas na escola, questionando se há coerência entre o que se afirma
no PPP, enquanto discurso sobre os fins da educação, e o que se efetiva
no cotidiano da instituição.

Na dimensão política, podem ser levantadas algumas questões,


que levem a comunidade educativa a discutir sobre o tempo escolar e
o exercício da cidadania, como:
• Como os tempos escolares possibilitam aos estudantes a partici-
pação efetiva nos rumos da instituição educativa?
• O tempo ampliado está organizado com base em princípios de-
mocráticos e a gestão democrática é fundamento para todas as
propostas realizadas na escola?
• O tempo escolar está articulado à gestão dos espaços, de modo
que estes contribuam para que o estudante inter-relacione os sa-
beres históricos, culturais e científicos trabalhados na escola e na
vida em sociedade?

Como se pode observar, nessa dimensão o tempo escolar é um po-


tencializador do desenvolvimento do estudante, enquanto sujeito que
tem condições de agir sobre a realidade. Desse modo, o tempo está
articulado aos espaços educativos, que em uma perspectiva interseto-
rial não se restringe aos limites do prédio escolar e seus muros, mas se
inter-relaciona com o entorno da escola, assim como com o bairro e a
cidade.

Na dimensão pedagógica, que perpassa todas as dimensões ante-


riores, uma vez que é fundamento necessário para o trabalho da esco-
la, podem ser levantados os seguintes questionamentos:
• O tempo ampliado está em função da garantia do direito à
aprendizagem?
• A organização do trabalho pedagógico promove tempos e espa-
ços de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes?

42 Educação em tempo integral na prática


• O PPP da escola está fundamentado e articulado para que os
tempos escolares se consolidem enquanto tempos de aprender
de maneira lúdica, experiencial e por meio de problematizações?

Essa dimensão se relaciona intrinsecamente à função social da esco-


la, ou seja, é a garantia do direito à aprendizagem. No que tange a uma
escola que oferta educação em tempo integral, compromissada com a
formação humana integral, é preciso que o tempo escolar seja qualita-
tivo, isto é, que o currículo escolar não se restrinja a uma listagem de
conteúdos, mas que o processo de ensino-aprendizagem seja promo-
vido de maneira lúdica, experimental e por meio de problematizações.

Quando há essa perspectiva de trabalho em prol de uma formação


humana multidimensional, o tempo escolar é continuum, sem a preo-
cupação de vencer conteúdos, mas tendo como foco a consolidação
das aprendizagens dos estudantes. Nesse viés, a escola se organiza de
modo que o tempo dos estudantes não seja fragmentado em turno
e contraturno. Segundo Leclerc e Moll (2013), quando isso ocorre, há
divisão entre os componentes curriculares obrigatórios
1
e as práticas 1
educativas desenvolvidas no tempo ampliado. Para explicitar como se- Arte, Educação Física, En-
sino Religioso, Geografia,
ria uma proposta que considera o sujeito na sua integralidade nesse História, Ciências, Língua
tempo também integral, apresentamos a Figura 3. Portuguesa e Matemá-
tica, na primeira fase do
Figura 3 ensino fundamental (do 1º
Escola de tempo ampliado na perspectiva da educação integral ao 5º ano).
É importante enfatizar
que a Lei n. 9.394/1996
Considera quem são os sujeitos da aprendizagem de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB)
prevê, no Art. 34, que “o
Tempos da escola organizados em um continumm tempo escolar no ensino
fundamental incluirá pelo
menos quatro horas de
trabalho efetivo em sala
Qualidade do tempo vivido na escola
de aula, sendo progres-
sivamente ampliado o
Sujeito período de permanência
Planejamento e avaliação de acordo com a integral na escola”.
concepção de formação humana integral

Práticas pedagógicas que considerem a


heterogeneidade presente na escola

PPP participativo

Intersetorialidade: a escola se articula na


comunidade e com a comunidade

Fonte: Elaborada pela autora.


Sistematização do trabalho pedagógico 43
Dessa forma, os tempos escolares precisam ser planejados com base
em uma concepção humanista de formação do sujeito, considerando-o
na sua totalidade e objetivando que ele se desenvolva plenamente em
todas as dimensões. Isso quer dizer que a organização do trabalho pe-
dagógico em seus três elementos fundantes – currículo, planejamento e
avaliação – será realizada com o compromisso de que o tempo escolar
potencialize a aprendizagem do estudante, não dividindo o tempo do
Livro sujeito em tempo de ludicidade e tempo sério, pois isso, segundo Leclerc
e Moll (2013), compartimentaliza as dimensões do sujeito.

Segundo Esquinsani (2009), quando existe essa compartimentali-


zação entre turno e contraturno, há um currículo fragmentado, sem
valorização do tempo de vida do sujeito e do uso do tempo escolar de
maneira qualitativa. Para a pesquisadora, seria de máxima importância
que o professor permanecesse o dia todo em uma mesma escola, pois,
dessa forma, teria melhores condições de perceber o estudante em sua
O texto Os tempos da integralidade e organizar propostas didático-pedagógicas que vislum-
vida nos tempos da escola: brassem esse sujeito em sua totalidade humana.
em que direção caminha
a mudança, da autora De acordo com Cavaliere (2009), a escola de tempo integral não pode
Jaqueline Moll, está pre-
sente no livro também de ser minimalista, ou seja, ofertar o mínimo de conhecimentos para os es-
sua autoria: Os tempos da tudantes e com pouco espaço para aprender. A escola que oferta tempo
vida nos tempos da escola:
construindo possibilidades. de qualidade aos sujeitos da aprendizagem fundamenta suas ações em
Nele, a autora levanta propósitos democráticos e emancipatórios e isso implica em mobilizar a
questionamentos sobre
a lógica em que a escola comunidade a participar efetivamente na elaboração e concretização do
tem trabalhado, trazendo PPP da instituição educativa. Quando isso ocorre, há estudo, discussão e
aos leitores elementos
que os façam refletir reflexão sobre os propósitos da escola, além da elaboração de um plane-
sobre a organização do jamento institucional em que todos se sentem envolvidos e comprometi-
tempo na instituição
educativa que, muitas dos para colocá-lo em prática. Vejamos um exemplo.
vezes, não contribui para
a formação integral do
sujeito da aprendizagem. No PPP da escola Esperança, toda a comunidade educativa assume
Desse modo, essa leitura que o tempo escolar será continuum, sem fragmentar o tempo do
é recomendada para estudante em turno e contraturno. No planejamento institucional,
todos aqueles que têm
ou Plano de Ação anual, verifica-se, após um amplo diagnóstico,
compromisso com uma
escola que possibilite aos a necessidade de que o planejamento dos professores considere propostas didá-
estudantes experiências tico-pedagógicas em que haja a integração entre o período da manhã e o período
cognitivas, estéticas, afeti- da tarde. Assim, a equipe pedagógica da escola (pedagogos e/ou articuladores
vas e sociais, de maneira pedagógicos) decide, com o apoio dos diferentes segmentos da comunidade
que eles sejam de fato os
educativa, organizar ao longo do ano estudos, discussões e oficinas pedagógicas,
protagonistas do seu pro-
cesso de aprendizagem. com o intuito de contribuir na formação continuada dos professores, a fim de que
o planejamento de ensino e o plano de aula considerem o sujeito da aprendizagem
MOLL, J. Porto Alegre: Penso, 2013.
no tempo de sete horas ou mais em que este permanece na escola.

44 Educação em tempo integral na prática


Com esse exemplo podemos perceber que o tempo escolar não é
um elemento à parte da organização da instituição, ou algo imbuído de
neutralidade. Ao contrário, o tempo pode estar em função da formação
integral do estudante e isso implica mudanças na escola.

Segundo Moll (2013), quando há questionamento sobre a possibili-


dade de transformações na escola e, com isso, também a organização
dos tempos, muitos podem afirmar que isso não é possível. No entan-
to, se a escola é obra humana, sua lógica, sua cultura, suas contradi-
ções podem ser revistas e, se necessário, redimensionadas em função
do desenvolvimento integral dos estudantes.

Para Moll (2013), é possível realizar rupturas; estas não devem mas-
carar velhas práticas, o que denomina de travestir o velho do novo. É
preciso superar concepções e práticas que vislumbrem o estudante
como responsável pelas não aprendizagens, como também suas fa-
mílias. Assim, é preciso que se conceba a escola como espaço para a
criatividade, para a pesquisa, para a ludicidade, para o diálogo e para o
intercâmbio cultural.

2.2 Conteúdos e atividades na


Vídeo
escola de tempo integral
Ao assumir o compromisso com a formação humana integral, com
espaços e tempos organizados para a consolidação das aprendizagens
e em prol do desenvolvimento humano nas diferentes dimensões, é
preciso refletir sobre o que será proposto para os estudantes nesse
tempo que ultrapassa as sete horas diárias.

De acordo com Coelho (1997), a escola que oferta a ampliação do


tempo deve se preocupar com a sua intensidade, ou seja, não basta es-
tendê-lo, mas, sobretudo, refletir sobre a qualidade do que é ofertado
aos estudantes, superando a concepção de que basta preencher esse
tempo com muitas atividades.

Desse modo, a escola precisa revisitar sua prática pedagógica com


olhar crítico, pois, muitas vezes afirma em seu PPP que o estudante
está no centro do fazer educativo, mas continua realizando práticas tra-
dicionais de ensino, em que a memorização e o acúmulo de conteúdos
se fazem presentes. Para Becker (2013), isso se configura uma contra-

Sistematização do trabalho pedagógico 45


dição quanto a existêncoa de um discurso renovado, porém sem que
haja uma prática inovadora.

Ainda segundo Becker (2013), é recorrente nas escolas o discurso de


que todos os estudantes podem aprender tudo, desde que se respeite
a capacidade de aprendizagem dos sujeitos. Tal afirmação não consi-
dera a função social da escola em intervir, mediar para que o direito à
aprendizagem se consolide. De acordo com o autor, existe passividade
por parte dos profissionais da escola que realizam esse discurso, por-
que não há ações, encaminhamentos e instrumentos que possibilitem
aos estudantes avançarem na construção dos conhecimentos. Desse
modo, é preciso ter um respeito ativo, para que haja transformações,
com elevações na capacidade de aprender.
O respeito ativo, ao contrário do passivo, propõe atividades ou
experiências significativas ao viabilizar as aprendizagens atuais,
preparando futuras aprendizagens. [...] Aliás, esse postulado só
pode ser interpretado em um sentido ativo: reconheço que há
capacidade de aprendizagem se ela foi construída e se continuar
a ser indefinidamente reconstruída. (BECKER, 2013, p. 52)

Assim, quando planejam e consolidam as propostas didático-pe-


dagógicas, os professores que têm como fundamento de sua prática
o respeito pela capacidade de aprendizagem são desafiados a irem
além desse discurso, pois, conforme o autor, é preciso agir, propon-
do atividades em que o estudante possa continuar a se desenvolver,
reconstruindo permanentemente sua capacidade de aprender. Para
refletirmos um pouco mais sobre essa questão, propomos a análise
da Figura 4.

Figura 4
Respeito à capacidade de aprender

Atividades e
experiências
significativas. Todo estudante
têm condições de
Postulado: respeito avançar em suas
à capacidade de Planejamentos e práticas aprendizagens.
aprender. que possibilitem ao
estudante avançar. Reconstrução
Respeito ativo. permanente na
capacidade de
aprender.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Becker, 2013.

46 Educação em tempo integral na prática


Para que esse movimento observado na Figura 4 se consolide,
Becker (2013) propõe que os professores olhem para a função do erro
no processo de aprendizagem, principalmente nos processos avaliati-
vos. Nesse sentido, o erro passa a ser sempre ponto de partida e não
de chegada, pois, de outro modo, é visto como algo definitivo, exclu-
dente e sem contribuições para a formação do sujeito integral.

Se as atividades propostas pelos professores ainda objetivam preen-


cher o tempo do estudante, e se elas ainda são avaliadas por docentes
na perspectiva de acerto ou erro, sem observação atenta da construção
das aprendizagens do sujeito e sem um (re)planejamento, a concepção
humanista de formação humana multidimensional não está presente.
Mesmo que no PPP da escola e no discurso dos profissionais haja a
concepção multidimensional, não há efetivação, articulação, entre a
teoria e a prática pedagógica.

No dicionário Michaelis (2021), o verbo errar está relacionado ao en-


gano, ao descompasso, à desarmonia, a falhas, ao atrapalhar-se. Assim
é na sociedade, o erro está associado ao insucesso, a errar o alvo, ao
julgamento entre o que é bom ou mau. No entanto, na escola o erro de-
veria ocupar outro lugar, para que, assim, práticas excludentes fossem
superadas. Na perspectiva piagetiana, segundo Queiroz et al. (2011), é
possível fazer uso da observação dos erros como recurso pedagógico,
utilizando-os como forma de propor estratégias para que ocorra supe-
ração, por meio de atividades desafiadoras.

Dessa forma, o erro do sujeito serve de base para o replanejamen-


to e para a mediação do professor, sendo fundamento para uma ava-
liação diagnóstica, inclusiva e mediadora. Segundo Hoffmann (2000),
corrigir as atividades sem análise, sem reflexão sobre os caminhos dos 2
pensamentos dos estudantes, revela que o professor tem como fun- Para Durkheim (2011), um
2 dos principais pensadores
damento o paradigma positivista de avaliação, em que se valoriza a positivistas, a educação
mensuração e a quantificação, sem considerar a heterogeneidade pre- é realizada por uma
geração adulta e madura
sente em sala de aula. na vida social, sobre
aqueles que não têm essa
Para Becker (2013), a escola precisa ir além do ensino de conteúdos maturidade. Desse modo,
que ela mesma selecionou, da sequência que ela mesma escolheu para podemos verificar uma re-
lação não dialógica entre
trabalhá-los e das estratégias de ensino que, na maioria das vezes, uti- o professor e o estudante.
liza-se da repetição. Segundo o pesquisador, o caminho para ir além A concepção tradicional
de ensino tem como base
está marcado pela compreensão da heterogeneidade, que na escola o positivismo.
ainda não é vislumbrada, pois está marcada pelo discurso de que o

Sistematização do trabalho pedagógico 47


aluno bom é aquele que fica em silêncio, que obedece, não questiona e
realiza as atividades propostas conforme as orientações do professor.
Para refletirmos sobre estratégias e encaminhamentos que têm como
princípio a heterogeneidade versus homogeneidade, observaremos a
Figura 5.

Figura 5
Heterogeneidade versus homogeneidade nas atividades escolares

Heterogeneidade Homogeneidade

Pressuposto: Pressuposto:
há diferentes tempos, todos aprendem ao mesmo
ritmos e formas de aprender tempo e da mesma forma

Mesmas estratégias didático-


Estratégias diferenciadas pedagógicas para todos os
estudantes

Processo de ensino e de
Ensino transmissivo
aprendizagem articulados

Fonte: Elaborada pela autora.

Quando a heterogeneidade é considerada nos encaminhamentos


didático-pedagógicos, os tempos de aprendizagem não se configuram
como o que Becker (2013) denomina de estocagem de conteúdos. Para
o pesquisador, quando há heterogeneidade na base das estratégias
de ensino, o tempo escolar é configurado como tempo de gênese,
isto é, tempo de nascer algo novo, de renovação; amplia-se horizontes
e a aprendizagem não será no sentido de acúmulo de informações,
mas como (re)construção dos instrumentos lógicos do processo de
aprendizagem.

As práticas homogeneizadoras têm como pressuposto que os estu-


dantes não aprendem porque lhes falta inteligência, porque são ima-
turos, porque suas famílias não colaboram com a escola, não havendo
questionamento sobre as atividades desenvolvidas na escola. Uma
escola que oferta educação em tempo integral necessita romper com
essas práticas para que possa cumprir sua função social no que tange
à garantia do direito à aprendizagem.

48 Educação em tempo integral na prática


Segundo Becker (2012), uma das possíveis estratégias para supe-
rar práticas homogeneizadoras seria a formação de professores, pois,
em uma pesquisa desenvolvida pelo autor, concluiu que muitos desses
profissionais ainda carregam concepções e práticas pedagógicas da
época em que eram estudantes. Conforme Becker (2013, p. 58),
tanto o empirismo quanto o apriorismo desqualificam a ação
do sujeito: o empirismo, porque atribui ao meio o papel deter-
minante do conhecimento – paradoxalmente, desqualificando
a função do meio –; o apriorismo, porque atribui esse papel à
hereditariedade, às condições prévias a qualquer experiência –
paradoxalmente, desqualificando essas condições prévias.

Quando o professor se fundamenta no empirismo, sua prática


pedagógica será tradicional, e o estudante terá um papel passivo de
aprender conforme as informações são repassadas pelo professor. A
3
avaliação do processo de aprendizagem será classificatória, e o docen-
Segundo essa episte-
te não realizará a autoavaliação com vistas à melhoria do processo de mologia, o sujeito já traz
3 conhecimentos inatos,
ensino. Já no apriorismo , a hereditariedade e o desenvolvimento na-
que serão despertados
tural do sujeito são os responsáveis pelas aprendizagens, logo o pro- pelo professor; ele será
um facilitador.
fessor se exime de sua responsabilidade no processo de mediação, de
intervenção no processo de construção do conhecimento.

Segundo Becker (2012), quando se tem como premissa que apren-


der é algo simples, que basta apenas copiar e repetir, há uma renúncia
da função do professor e consequentemente da função social da escola
na garantia do direito à aprendizagem. Quando se tem como funda-
mento das ações que a aprendizagem ocorrerá naturalmente ou não,
de acordo com a hereditariedade do estudante, também é deixado ao
acaso o que é essencial no papel da instituição escolar, o seu trabalho
didático-pedagógico.

Para consolidar uma prática transformadora, na qual o professor


propõe situações problematizadoras, é necessário fundamentar-se na
epistemologia interacionista para organizar e consolidar seu planeja-
mento. Nessa epistemologia, a aprendizagem ocorre de maneira endó-
gena, ou seja, ocorre por meio da experiência do sujeito com o objeto
do conhecimento; dessa forma, o professor não é aquele verbalista,
que propõe problematizações objetivando constantes desequilíbrios
cognitivos e consequentemente novas aprendizagens (BECKER, 2013).

Para Becker (2012), na formação do professor (inicial ou continua-


da), é necessário desenvolver a postura de um pesquisador, em que

Sistematização do trabalho pedagógico 49


tenha condições de reconhecer, em sua prática e em seu discurso, a
epistemologia presente e superar aquelas que embasam pedagogias
que não contribuem com a organização de atividades que possibili-
tem aos estudantes avançar em suas aprendizagens. Destacamos aqui
a função do pedagogo e/ou articulador pedagógico como formador,
planejando propostas de estudos e reflexões em que o professor te-
nha oportunidade de realizar questionamentos sobre sua prática e so-
bre sua epistemologia. Nesse movimento de confronto entre o que se
apregoa e o que se realiza, o pedagogo e/ou articulador pedagógico
também traz ao professor reflexões sobre a epistemologia interacionis-
ta, contribuindo, também, no planejamento do professor, para que ele
organize atividades significativas e desafiadoras aos estudantes. Para
refletir sobre a epistemologia interacionista e a organização de ativida-
des desafiadoras, observe a Figura 6.

Figura 6
Epistemologia interacionista e a organização de atividades desafiadoras

As atividades propostas
Superação de aos estudantes são
Formação de professores:
concepções que não desafiadoras, que geram
o pedagogo e/ou
contribuem com a desequilíbrios cognitivos.
articulador pedagógico
formação humana Esses desequilíbrios marcam
contribui com a crítica
integral. o início de novas gêneses,
epistemológica.
Organização de propostas segundo a teoria piagetiana.
Ação, reflexão- didático-pedagógicas
ação do professor. que estejam articuladas Processo de ensino
à epistemologia e de aprendizagem
interacionista. em uma perspectiva
emancipadora.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Becker (2012; 2013).

Nessa perspectiva, não apenas o processo de aprendizagem é vis-


lumbrado, mas também o processo de ensino, visto que, se o estudan-
te aprende agindo sobre o objeto do conhecimento, o professor tem a
função de organizar propostas em que o sujeito seja desafiado, para
que a construção do conhecimento seja consolidada.

Segundo Macedo (1994), a formação de professores que se funda-


menta no interacionismo considera quatro pontos essenciais. São eles:
• Consciência do que faz ou do que pensa: autoanálise das con-
cepções e práticas pedagógicas.

50 Educação em tempo integral na prática


• Visão crítica do que realiza em sala de aula: reflexão sobre
suas ações desenvolvidas com os estudantes.
• Postura de pesquisador: assumir uma postura de produtor de
conhecimento, não daquele que repete o discurso presente no
senso comum.
• Conhecimento dos conteúdos e das características das for-
mas e tempos de aprender dos estudantes: para planejar e
consolidar o que se propõe, com relação aos objetivos de ensino-
-aprendizagem, o professor precisa conhecer os conteúdos a se-
rem trabalhados com os estudantes. Também é essencial realizar
uma avaliação diagnóstica, para que organize atividades diversifi-
cadas que contemplem os diferentes tempos, ritmos e formas de
aprender dos estudantes.

Desse modo, o professor trabalha com os conteúdos escolares


presentes no currículo, planejando de acordo com a heterogeneida-
de presente na turma, organizando um ambiente de aprendizagem
em que as diferenças sejam contempladas e as atividades promovam
aprendizagens.

Segundo Mizukami (1986), se o professor se fundamentar no intera-


cionismo de Piaget para a organização das práticas educativas, ele não
terá um modelo pedagógico para seguir, mas uma teoria da construção
de conhecimento que traz implicações para a organização do trabalho
pedagógico a ser realizado na escola. Uma dessas implicações é a utili-
zação, em sala de aula, de trabalhos em equipe, nos quais os estudan-
tes compartilham ideias, responsabilidades, dúvidas e decisões, sendo
decisivo no desenvolvimento intelectual dos sujeitos.

Em uma escola que oferta educação em tempo integral, em que os


estudantes permanecem no espaço escolar no mínimo sete horas diá-
rias, propor atividades em grupo é de fundamental importância, pois
nelas os sujeitos da aprendizagem trocam informações, desenvolvem
a cooperação, não sendo importante apenas para a socialização. Se-
gundo Mizukami (1986), em uma perspectiva piagetiana, a cooperação
é importante para que se desenvolva a inteligência e a superação do
egocentrismo natural do ser humano, que acontece à medida que este
está em contato com os outros indivíduos e ocorrem conflitos que se
busca serem resolvidos em equipe. Na perspectiva piagetiana, “[...] os

Sistematização do trabalho pedagógico 51


membros do grupo funcionam como uma forma de controle lógico do
pensamento individual” (MIZUKAMI, 1986, p. 79).

O jogo adquire importância no trabalho com os estudantes, ob-


jetivando utilizar estratégias diferenciadas para cada fase do desen-
volvimento. Segundo Mizukami (1986), é função do professor, com a
mediação do pedagogo e/ou articulador pedagógico, organizar propos-
tas didático-pedagógicas que contribuam com o processo de constru-
ção dos conhecimentos dos estudantes.

Se o sujeito deve agir sobre o objeto, pois é da interação entre am-


bos que ocorre a construção do conhecimento, quando o professor
propor as estratégias para os estudante, não apenas demonstrará por
meio de recursos audiovisuais, é necessário lançar problematizações
em que o sujeito da aprendizagem seja desafiado a continuar avan-
çando e desenvolvendo-se. Nessa perspectiva, de acordo com Mizu-
kami (1986), o conceito de aula deveria ser revisto, pois se remete, na
maioria das vezes, a uma concepção tradicional de ensino em que os
estudantes ouvem o que o professor explica.

Com base em Vygotsky (2001), os encaminhamentos didático-peda-


gógicos também se desvinculam do ensino tradicional, pois, para o teó-
rico, o ensino com base em memorização e com explicações artificiais
não atinge o estudante, sendo inócuo. Para o estudioso, é por meio da
cooperação entre o estudante e o professor que se abrem caminhos
para o desenvolvimento dos conceitos científicos. Ele também valoriza
a escola, afirmando que nela o sujeito tem oportunidade de avançar
em seu conhecimento sobre a sociedade em que vive, ampliando sua
visão de mundo, apropriando-se de um saber elaborado, sistematiza-
do. Para Vygotsky (2001, p. 90),
[...] os rudimentos da sistematização começam por entrar no
espírito da criança através do contato que ela estabelece com
os conceitos científicos, sendo depois transferidos para os con-
ceitos cotidianos, alterando toda a sua estrutura psicológica de
cima até embaixo.

Assim, ao mediar o trabalho pedagógico, o professor atuará na zona


de desenvolvimento proximal, que é o estágio em que o sujeito ainda
não está amadurecido. Nesse viés, ao organizar as atividades, o profes-
sor não irá considerar o estudante como uma tábula rasa, como se não
tivesse nenhum saber, mas irá considerar o que o estudante já consoli-
dou e aquilo que ainda tem necessidade de ajuda para fazer.

52 Educação em tempo integral na prática


Para planejar as propostas e realizar as mediações, é de máxima
importância a realização de diagnósticos, a fim de que o ensino se utili-
ze de problematizações e não seja repetitivo, pois não será profícuo se
as atividades forem com base naquilo que a criança já sabe. O ensino
deverá ser desafiador. Para ilustrar essa questão, observe a Figura 7.

Figura 7
Ensino desafiador e eficaz

Jacob Lund/Denis Moskvinov/ Shutterstock


Ao observar as duas imagens podemos deduzir que, na primeira, a
criança ainda não tem autonomia para andar de bicicleta, necessitando
da mediação de um adulto para fazê-lo. O que hoje essa criança faz com
auxílio, no futuro realizará com autonomia, como na segunda imagem.
Para Vygotsky (2001), o bom ensino é aquele que vislumbra o futuro.

Na segunda imagem, vemos uma criança que consegue se equili-


brar sozinha, sem o auxílio de um sujeito mais experiente para que
possa andar de bicicleta. Seria ineficaz um adulto a auxiliando, pois, ao
invés de desafiá-lo, iria tolher sua autonomia.

No caso da organização das atividades na escola, o professor não se


limitará ao que o estudante já domina, mas realizará mediações, para
que ele adquira autonomia no que hoje precisa ainda de ajuda. Nesse
sentido, o ensino deverá ser sempre desafiador, objetivando que o es-
tudante avance permanentemente em suas aprendizagens.

Assim, as atividades em uma escola que oferta educação em tem-


po integral precisam ser cuidadosamente planejadas, pois esse tempo
precisa ser articulado à superação dos conhecimentos de senso co-

Sistematização do trabalho pedagógico 53


mum, para o domínio dos saberes científicos, históricos e culturais, que
são direitos de aprendizagem dos estudantes.

Ao considerar tais premissas na organização das propostas, o pro-


fessor não propiciará aos estudantes apenas atividades pelas ativida-
des, como preenchimento do tempo escolar, sem função educativa.
Ao contrário, tem possibilidades de propor encaminhamentos que ve-
nham a contribuir para a formação multidimensional dos estudantes.

Artigo

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40362011000300003

O artigo A escola de tempo integral: desafios e possibilidades, das autoras


Adriana de Castro e Roseli Esquerdo Lopes, traz uma discussão sobre a
importância da qualificação do trabalho desenvolvido na escola de tempo
integral. Pensando nos componentes curriculares obrigatórios e nas
atividades desenvolvidas com vistas à ampliação e ao aprofundamento das
práticas educativas realizadas no tempo estendido, as autoras defendem
a concepção e a organização dessa escola para que se comprometa com a
emancipação humana.

Acesso em 16 abr. 2021.

2.3 Articulação dos saberes com o ensino regular


Vídeo O PPP de uma escola que oferta educação em tempo integral –
propondo-se a ser instrumento teórico-metodológico da comunidade
educativa em função do direito à aprendizagem – terá, para além dos
objetivos educacionais e de seus fundamentos teóricos, caminhos pos-
síveis para integrar os conhecimentos essenciais dispostos no currículo
(fundamentando-se na BNCC) aos demais saberes trabalhados no tem-
po ampliado.

O currículo da educação em tempo integral precisa ser integrador,


por meio de práticas educativas que articulem os saberes advindos dos
componentes curriculares obrigatórios aos saberes trabalhados no
tempo ampliado, sem fragmentar o tempo do estudante em turno e
contraturno.

Dessa forma, é necessário delinear caminhos estratégicos, assim


como tempos e espaços de estudo e discussão com a comunidade edu-
cativa sobre a organização do trabalho pedagógico desenvolvido. Com
base nesse PPP democrático e participativo, será efetivada a inter-rela-
ção entre os conhecimentos essenciais dispostos na BNCC e os demais

54 Educação em tempo integral na prática


conhecimentos retirados dos diferentes âmbitos da produção cultural,
da história, das ciências, da arte e das tecnologias.

Assim, pensar em educação integral é pensar em um sujeito integral,


em uma escola de tempo ampliado que planeja e propõe situações di-
dático-pedagógicas que possibilitam a inter-relação permanente entre
os saberes escolares e a vida, não havendo fragmentação entre as ativi-
4
dades desenvolvidas no tempo obrigatório pela legislação brasileira e o 4
que é proposto no tempo ampliado. De acordo com Wellfort, Andrade De acordo com a LDB,
o ensino será de, no
e Costa (2019), as práticas educativas da educação em tempo integral
mínimo, 200 dias letivos e
que visam consolidar uma educação integrada podem ser descritas de 800 horas. Sendo quatro
horas diárias de efetivo
acordo com suas abordagens, objetivando ofertar o acesso a:
trabalho do professor e
Múltiplas formas de estudo e de investigação: os planejamentos ampliado progressiva-
mente o tempo na escola.
de ensino e os planos de aula são integrados, e os professores propõem
diferentes estratégias para que os estudantes se apropriem de diferen-
tes formas de investigar e de agir sobre o objeto do conhecimento.

Múltiplas linguagens: para se comunicar bem na sociedade con-


temporânea, o estudante não deve dominar apenas a linguagem oral,
mas, de acordo com a BNCC (BRASIL, 2017), também corporal, digital,
sonora e visual, além das linguagens referentes às especificidades de
cada componente curricular: Matemática, Geografia, Português, Arte,
entre outros.

Múltiplas ocasiões de interação: a escola que se propõe a ofer-


tar um currículo integrado, proporcionando a articulação entre os di-
ferentes componentes curriculares e as diferentes práticas educativas
desenvolvidas na instituição educativa. As metodologias utilizadas no
tempo escolar objetivam levar ao estudante uma visão do todo e supe-
rar a fragmentação do trabalho por disciplinas.

Múltiplas formas de despertar o interesse do estudante: a fim


de superar metodologias tradicionais de ensino em que o estudante
perde a motivação de continuar aprendendo, uma escola com currí-
culo integrado se utilizará de estratégias diferenciadas e diversificadas
para que todos sejam contemplados em suas necessidades de apren-
dizagem e sintam-se desafiados e curiosos quanto aos conhecimentos
históricos, científicos e culturais a que têm direito.

É importante enfatizar que o currículo escolar também será integra-


do, não apenas aos conhecimentos dispostos no currículo prescrito ou
oficial e aos saberes trabalhados no tempo ampliado, mas também a

Sistematização do trabalho pedagógico 55


5 uma perspectiva intersetorial de educação integral, em que há integra-
O termo está associado ção entre a escola e diferentes âmbitos da sociedade. Fundamentan-
à concepção de Cidade
Educadora. Quando há o do-se nessa premissa, a ampliação do tempo não se configura reforço
objetivo de formar para escolar no ensino de Português e de Matemática, mas possibilidade de
a integralidade humana,
a educação não ocorre diálogo entre as diferentes áreas do conhecimento e os saberes prove-
apenas dentro do espaço nientes da comunidade educativa, do seu entorno, do bairro e da cida-
escolar, mas nos diferen-
tes territórios educativos. de. Assim, a relação entre ensino-aprendizagem também se relaciona
5
Neles, os sujeitos apren- com a ampliação dos territórios educativos , que não se limitam ao
dem pela cidade, com a
cidade e na cidade. espaço da escola, como pode ser observado na Figura 8.

Figura 8
Inter-relação entre os saberes

Thiago Melo/ shutterstock


Planejamento articulado aos
saberes dispostos no currículo,
aos conhecimentos advindos da
comunidade educativa.

O planejamento é articulado
Espaço da escola: trabalho com o
aos saberes dos diferentes
currículo formal, articulação dos
territórios educativos
tempos escolares aos tempos de vida.
disponíveis na cidade.

Fonte: Elaborada pela autora.

Ao buscar, nos diferentes espaços da comunidade e da cidade, pos-


sibilidades de intercâmbio cultural, os saberes trabalhados na escola
não são estanques, mas relacionados também a outros conhecimentos
presentes na cidade, formando sujeitos reflexivos, críticos, resilientes e
atuantes na sociedade em que vivem. Nesse viés, os territórios educati-
vos trazem à escola possibilidades de superar práticas transmissivas de
ensino, construindo e colocando em prática um currículo vivo, o pos-
sibilita que sejam estabelecidos diálogos com os contextos históricos,
políticos e culturais dos diferentes lugares da cidade, tendo participa-
ção ativa na melhoria das condições de vida dos sujeitos da aprendiza-
gem (COSTA, 2015).
Nessa configuração, a gestão da escola se fundamenta em princí-
pios democráticos, com a participação genuína da comunidade edu-
cativa no PPP e em um currículo em ação que se efetiva com base na
inclusão e na equidade. Assim, a escola se torna uma referência para
a comunidade local, uma vez que não é fechada, isolada do contexto

56 Educação em tempo integral na prática


em que está inserida, mas acolhe, inclui, articula saberes e culturas, Livro
possibilitando e promovendo a aprendizagem de maneira que os estu-
dantes construam conhecimentos ativamente.
Uma escola que oferta educação em tempo integral, que busca com-
preender melhor e de maneira mais profunda os currículos, os proces-
sos de ensinar e de aprender, segundo Arroyo (2007), são constituídas
com base em outros delineamentos que não os tradicionais. De acordo
com o autor, quando isso ocorre, o ordenamento curricular não será
fixo, mas por meio da compreensão da vida dos estudantes, de suas
famílias, dos seus interesses, desafios, saberes e de suas necessidades. O caderno Territórios
educativos: experiências em
Para que esse currículo seja integrado à vida, superando a lineari- diálogo com o Bairro-esco-
dade presente em currículos tradicionais, Arroyo (2007) afirma a ne- la traz a possibilidade de
o leitor se aproximar da
cessidade de que a escola realize a prática de planejamentos coletivos, concepção de territó-
questionando quais conteúdos serão trabalhados, porque alguns serão rios educativos e das
possibilidades de sua
desenvolvidos antes de outros, quais problematizações serão utilizadas efetivação na escola que
para que haja apropriação desses saberes por parte dos estudantes. tem compromisso com a
formação integral dos su-
Nesses planejamentos, também se discute em quais espaços e jeitos. O caderno é com-
posto de uma coletânea
como eles serão utilizados para que o processo de ensino-aprendiza-
de artigos produzidos por
gem seja efetivado. Essa organização é sistematizada, mas não é fixa, diferentes autores; estes
uma vez que ao desenvolver um olhar sensível para os estudantes es- abordam a conexão entre
a escola e o seu entorno,
tes nos obrigam a rever constantemente o currículo (ARROYO, 2007). o bairro e a cidade, cons-
truindo um currículo vivo
Assim, é necessário indagar o currículo escolar, buscando desvelar e integrado.
sua lógica e sua estruturação hierárquica, desmistificando o ideário de
SINGER, H (org.). São Paulo:
que é algo imutável. Na BNCC (2017), são descritos os conhecimentos Moderna, 2015.
essenciais que os estudantes têm direito, no entanto, esses saberes Disponível em: https://www.
cidadeescolaaprendiz.org.br/
não devem ser trabalhados como uma listagem de conteúdos, mas de wp-content/uploads/2015/04/
modo que tenham sentindo e significado na vida dos estudantes. Para Territorios-Educativos_Vol1.pdf.
Acesso em: 16 abr. 2021.
Arroyo (2007, p. 22),
se reconhecemos o papel constituinte dos educandos sobre o
currículo e deste sobre os educandos, somos obrigados a repen-
sar os currículos e as lógicas em que os estruturamos. Estas lógi-
cas são muito mais conformadoras das identidades dos alunos
do que as lições que transmitimos. Estes pontos têm merecido
estudos e debates nas escolas.

Assim, os debates e os estudos coletivos necessitam ser contínuos


para que a lógica do trabalho pedagógico e da organização curricular
seja realizada em função dos estudantes, não do cumprir integralmen-
te um documento. Claro que é essencial que haja documentos nortea-

Sistematização do trabalho pedagógico 57


dores que organizem o currículo da escola, que mostrem os caminhos
a serem seguidos com aquela determinada comunidade. No entanto,
mesmo que esse documento seja elaborado com base em uma gestão
democrática, tendo participação dos diferentes segmentos da comuni-
dade educativa, é necessário que se tenha uma postura crítica-reflexiva
sobre o currículo, analisando se os tempos da escola obrigatória de
quatro horas diárias estão integrados ao tempo ampliado. Para pensar
a integração entre os tempos e espaços escolares e, sobretudo, sobre
os conhecimentos, observe a Figura 9.

Figura 9
Integração curricular na escola de tempo integral

Conteúdos
escolares

Metodologias e Identidade
Tempo
estratégias de do sujeito da
continuum
ensino aprendizagem

Espaços

Fonte: Elaborada pela autora com base em Arroyo, 2007.

Ao articular os conteúdos essenciais trabalhados obrigatoriamente


na escola aos saberes que são direitos de aprendizagens dos estudan-
tes, será levado em conta o tempo de sete ou oito horas que esse su-
jeito da aprendizagem permanece diariamente na escola e também os
diferentes lugares em que os conhecimentos poderão ser explorados,
bem como as estratégias e metodologias em que o estudante possa
aprender de maneira ativa e experimental.

Assim, compreendemos que o currículo de uma escola que oferta


educação em tempo integral, quando trata o sujeito como indivisível e
complexo, entrelaçará os diferentes saberes, sem fragmentar os conhe-

58 Educação em tempo integral na prática


cimentos e nem mesmo o estudante, como se este fosse composto de
diferentes caixinhas. Para explicitar essa questão, observe a Figura 10.

Figura 10
O conhecimento e a educação em tempo integral

Concepção de educação Planejamento integrado e


Tempo continuum.
integral humanizadora e integrador, considerando
multidimensional. os tempos de vida dos
Ampliação e
estudantes.
aprofundamento dos
Mais tempo na conhecimentos científicos,
escola. Currículo integrado.
históricos e culturais.

Fonte: Elaborada pela autora.

Como é possível observar, apenas a ampliação do tempo escolar


não garante a qualidade ofertada nesse tempo estendido, sendo ne-
cessário que haja uma integração do planejamento, fundamentando-se
em uma concepção de educação integral humanizadora e multidimen-
sional que coloca em ação práticas pedagógicas integradoras. Dessa
forma, as discussões curriculares não abarcam apenas os conteúdos
a serem trabalhados na escola, mas, também, segundo Moreira e
Candau (2007, p. 180),
posicionamentos, compromissos e pontos de vista teóricos. [...]
Podemos afirmar que as discussões sobre o currículo incorpo-
ram, com maior ou menor ênfase, discussões sobre os conheci-
mentos escolares, sobre os procedimentos e as relações sociais
que conformam o cenário em que os conhecimentos se ensinam
e se aprendem, sobre as transformações que desejamos efetuar
nos alunos e alunas, sobre os valores que desejamos inculcar
e sobre as identidades que pretendemos construir. Discussões
sobre conhecimento, verdade, poder e identidade marcam, inva-
riavelmente, as discussões sobre questões curriculares.

Diante dessa concepção de currículo, a escola que tem o propósito


de formar para a multidimensionalidade do sujeito se preocupa em
discutir, estudar e avaliar as práticas educativas, bem como analisar se
os conhecimentos e a forma de trabalhá-los convergem para o propó-
sito de formação humana integral. Assim, também são avaliadas todas
as práticas desenvolvidas na escola, à luz de teorias emancipatórias, a

Sistematização do trabalho pedagógico 59


fim de que sejam redimensionadas – quando necessário – para que
todas contribuam com a consolidação do direito à aprendizagem dos
estudantes.

A organização curricular da educação em tempo ampliado, para dar


conta da formação humana integral, deverá articular, segundo Arroyo
(2012, p. 44), “o direito ao conhecimento, às ciências e tecnologias com
o direto às culturas, aos valores, ao universo simbólico, ao corpo e suas
linguagens, expressões, ritmos, vivências, emoções, memórias e iden-
tidades diversas”. Sendo assim, é necessário superar o dualismo da or-
ganização do tempo, um período para atividades corpóreas, de livre
escolha, com jogos, brincadeiras e experiências, e outro para a parte
Figura 11 mais rígida desse currículo. Para superar essa dualidade, Arroyo (2012)
Currículo integrado afirma a necessidade de integrar culturas, tempos,
na escola de
tempo ampliado espaços e saberes, sem dividir, mas articular,
planejar de modo que haja inter-relação
Direitos de entre os diferentes campos do conhe-
aprendizagem Tempo cimento. Com vistas a refletir sobre
dos estudantes escolar
a integração entre saberes e en-
tre os tempos e espaços educa-
tivos, analise a Figura 11.

Espaços Parcerias Ao observar a Figura 11,


mediados para a intersetoriais verificamos que, no centro,
aprendizagem Sujeito
multidimensional temos o sujeito da aprendiza-
gem, considerado em todas
as suas dimensões (ética, lú-
Saberes de Tempos de dica, social, cultural, espiritual,
diferentes vida cognitiva, físico-motora, entre
âmbitos
outras). Em um currículo integra-
Contexto do, o tempo é continuum, sem frag-
escolar e suas
especificidades
mentação entre turno e contraturno
escolar, e considera os tempos de vida
Fonte: Elaborada pela autora. dos estudantes, seus interesses, seus sabe-
res, seus conflitos e sua fase de desenvolvimento.

Esse currículo também amplia a concepção de espaço, pois consi-


dera que os estudantes aprendem tanto dentro de uma sala de aula
quanto no pátio, na biblioteca, no parquinho, no entorno da escola
(em seus diferentes lugares) e na cidade (em seus diferentes territó-
rios educativos). Desse modo, o currículo escolar não se fecha aos con-

60 Educação em tempo integral na prática


teúdos dispostos nos documentos, mas é articulado aos saberes dos Leitura
estudantes – adquiridos em diferentes âmbitos de convivência – e aos
O texto Educação integral
saberes dos diferentes ambientes de aprendizagem. e currículo escolar: análises
e proposições baseadas no
Quando o sujeito da aprendizagem é o centro do fazer educativo da debate teórico e em expe-
comunidade escolar, há valorização da sua cultura, dos conhecimen- riências em redes públicas
de ensino, produzida pela
tos adquiridos em outros espaços e sua família/seus responsáveis são Cenpec, traz ao leitor, em
ouvidos, pois há instâncias coletivas de participação. Assim, o currículo uma linguagem didática e
acessível, uma discussão
escolar é também discutido, e temáticas relacionadas a ele são pau- sobre a organização
tas de diálogo com as instâncias colegiadas; assim, o que se ensina, curricular em escolas que
ofertam educação em
as estratégias, os conteúdos e a consolidação das aprendizagens são tempo integral. Assim,
também pautados a se conversar com a comunidade. os autores resgatam
conceitos de currículo,
Quando existe gestão democrática, existe transparência nas de- articulando-os à neces-
sidade de se assumir
cisões, e o diálogo está presente em todos os momentos; todas as concepções curriculares
práticas, os estudos e as discussões ocorrem em função do direito à que coadunem uma
formação humana multi-
aprendizagem. O planejamento é coletivo e integrado, e a escola busca dimensional.
consolidar práticas pedagógicas que valorizam os saberes essenciais GALIAN, C. V. A; ALAVARSE, O. M;
(direitos de aprendizagem, conforme a BNCC) e os demais conheci- FEITOZA, S. R. São Paulo: Cenpec,
2019.
mentos que são advindos de outros espaços. Disponível em: https://www.
cenpec.org.br/wp-content/
Assim, a inter-relação dos saberes ocorre de maneira planejada, sis- uploads/2019/06/educacao-
tematizada pelos profissionais da escola e sem perder de vista a dialo- integral-curriculo-escolar.pdf.
Acesso em: 16 abr. 2021.
gicidade entre os saberes acadêmicos e a vida, os territórios educativos
presentes no bairro e na cidade. Logo, a conexão entre o currículo local
e o currículo da cidade está no centro da concepção de educação inte-
gral integrada. Nessa perspectiva integradora, não há divisão entre o
que se aprende no tempo obrigatório por lei e no tempo ampliado, pois
a educação em tempo integral está em função do desenvolvimento do
sujeito em sua totalidade.

2.4 Projetos de trabalho


Vídeo Ainda é recorrente nas escolas que ofertam educação em tempo
integral a utilização de métodos tradicionais de ensino, havendo dife-
rença entre o que se afirma no PPP e nos discursos dos profissionais
e a prática pedagógica. Desse modo, existem contradições entre o que
se afirma e o que se efetiva. Mesmo escolas que investem em novas
tecnologias muitas vezes acabam por reproduzir velhas práticas, pois
não estão centradas no protagonismo do estudante no processo de
aprendizagem.

Sistematização do trabalho pedagógico 61


Já quando as metodologias são ativas, o foco está no autodesen-
volvimento do estudante, com a mediação do professor. Segundo
Mitri et al. (2008), as metodologias ativas usam a problematização
para que o estudante seja motivado e envolvido em seu processo de
aprendizagem. Quando o estudante se vê diante de uma problema-
tização, de tarefas instigantes, desenvolve sua criticidade, sua cria-
tividade, sua autonomia, sua resiliência e a percepção de que pode
encontrar diferentes soluções para uma mesma questão (BACICH;
MORAN, 2018).

O diálogo e a indagação movem a perspectiva educativa por proje-


tos de trabalho (PEPT), que, segundo Hernández (2014), os estudantes
encontram o seu lugar para aprender, pois, essa perspectiva se funda-
menta na heterogeneidade presente na escola e supera a padroniza-
ção em que os estudantes aprendem da mesma forma e no mesmo
ritmo. Para o pesquisador, ao se utilizar da PEPT, a escola se abre para
diferentes fontes de aprendizagem, pois é guiada por questionamen-
tos realizados com e pelos estudantes, pelo diálogo e pela premissa de
que o professor aprende enquanto ensina.

A pedagogia da PEPT é centrada na formação integral dos estudan-


tes, na qual há envolvimento destes em todas as etapas, possibilitando
um sentimento de pertencimento ao processo de aprendizagem, pois
este não ocorre de maneira impositiva, mas por meio da reflexão, da
tomada de decisão coletiva, de escolhas, de discussão e da dialogicida-
de. Assim, há o desenvolvimento da autonomia, sem a imposição de
conteúdos de maneira autoritária e tradicional. Os conteúdos na PEPT
são contextualizados e significativos (HERNÁNDEZ, 2014).

Segundo Hernández (2014), a pedagogia da PEPT possibilita aos


sujeitos a consciência sobre seu próprio processo de aprendizagem;
essa consciência se constrói à medida que o conhecimento faz conexão
com a história do estudante, havendo relação com a reflexão sobre o
processo da sua aprendizagem. Para isso, o professor tem um papel
fundamental: o de mediador. Ao realizar essas mediações, o professor
realiza questionamentos ao estudante, que o faz refletir sobre o seu
percurso de aprendizagem. Por exemplo: Você tem certeza dessa afir-
mação? Poderia ser realizado de outra forma? Você chegou a uma con-
clusão sobre essa questão; poderia ter outras? Vamos comparar com
as conclusões de seu colega? Ele utilizou as mesmas estratégias que
você para chegar às suas conclusões?

62 Educação em tempo integral na prática


Assim, para Hernández (1998), é necessário questionar quando há
uma versão única da realidade, em que cada percurso de aprendiza-
gem é singular e, portanto, o processo de escuta ao outro precisa ser
exercido por estudantes e professor. A pedagogia de PEPT parte do
princípio de que todos são capazes de aprender, desde que encontrem
lugar para isso. Esse lugar é possível quando a diversidade do grupo é
considerada na escola e cada um é visto como singular e desafiado a
continuar participando das propostas, pesquisando, posicionando-se,
sendo ouvido e contribuindo com o grupo.

Hernández (1998) afirma que há muitos equívocos sobre a pedago-


gia de PEPT e que, para superá-los e, assim, trabalhar de fato com essa
perspectiva, é importante descrevê-los; desse modo não é considerado
um projeto de trabalho:
• Um percurso descritivo por um tema: alguns professores que-
rendo se utilizar da perspectiva de PEPT usam temas isolados e
trabalham com ele de modo linear.
• O professor como apresentador do que sabe: o professor se
utiliza de alguma temática que tem o domínio para demonstrar
aos estudantes o seu conhecimento.
• Aulas expositivas sem um fio condutor: não há questionamen-
tos, pesquisa e exploração dos estudantes sobre um problema.
• Apresentação linear de um tema: na pedagogia de PEPT, não
há passos exatos, o caminho será delineado no diálogo e no per-
curso da pesquisa.
• O professor dá respostas sobre o que já sabe: é necessário que
o professor realize mediações, questionamentos, instigue a refle-
xão e a busca do estudante por soluções, informações e conheci-
mentos, superando a ânsia de transmitir conteúdos prontos.
• O professor pensa que o aluno vai aprender tudo do jeito
que é ensinado: a pedagogia de PEPT tem como princípio que
todos têm condições de avançar em suas aprendizagens e isso
não será ao mesmo tempo, pois as singularidades são contem-
pladas, as diferentes formas de aprender, os ritmos e os tempos
são vislumbrados.
• Uma apresentação das matérias escolares: o currículo de uma
escola que se utiliza de PEPT será vivo, construído no percurso,
no processo de pesquisa com os estudantes, não por meio de
uma apresentação dos conteúdos dispostos em um documento.

Sistematização do trabalho pedagógico 63


Isso não quer dizer que os conteúdos não são importantes, ao
contrário, o conhecimento científico é valorizado.

Para Hernández (1998), essa listagem poderia ser mais extensa, po-
rém essas questões já contribuem para a escola que se propõe a orga-
nizar o processo de ensino-aprendizagem por meio da PEPT e faz uma
listagem do que poderia compor o conjunto de características de um
trabalho desenvolvido nessa perspectiva. Vejamos:
• Tema problematizador: levantado com os estudantes, um tema
problematizador favorece a interpretação e o pensamento crí-
tico, sendo considerados os diferentes pontos de vista. Para o
estudo, são levantados questionamentos com os estudantes e,
para responder às perguntas, são levantadas hipóteses iniciais,
que buscarão ser respondidas no decorrer da proposta.
• Professor como aprendiz: o professor não se coloca como al-
guém que tem todo o conhecimento para responder às questões
levantadas com os estudantes, mas em cada questionamento
buscará aprender mais sobre o assunto. Aprende no processo de
pesquisa e ao realizar mediações com os estudantes.
• Atitude questionadora: há questionamentos sobre a versão de
uma única verdade ou uma única solução para determinado pro-
blema. Assim, o professor sempre indagará, no processo de pes-
quisa e reflexão, se há outras possibilidades de resolução de um
problema, se há outras possíveis conclusões e se o conhecimento
pode ser visto por um outro prisma.
• Trabalho com diferentes formas de informação: as temáticas
que guiarão o PEPT podem surgir de diferentes fontes, não ten-
do um passo a passo para ser aplicado de maneira única, mas a
chave para o trabalho é a problematização; esta pode ocorrer por
meio de uma notícia da TV, uma busca na internet, um debate em
sala de aula, uma visita a uma exposição, entre outras formas.
O que importa, segundo Hernández (1998), é uma tarefa-chave
para o processo de pesquisa.
• Aprendizagem do processo de escuta: aprender com o profes-
sor e com os pares é elemento essencial para desenvolver um
trabalho em que o processo de pesquisa e de confronto de re-
sultados possa ser o cerne de uma proposta pedagógica. Assim,
aprender a ouvir o outro é fundamental para que haja reconheci-

64 Educação em tempo integral na prática


mento de que todos podem contribuir na construção do conheci-
mento e na busca pelo aprender a aprender.
• Caminhos alternativos para aprender o que o professor quer
ensinar: quando o professor ensina, os estudantes não apren-
dem do mesmo jeito e ao mesmo tempo; assim, a aula não é
unidirecional, mas atinge os sujeitos de maneira distintas. Na
pedagogia da PEPT, há potencialização de caminhos alternativos
para o processo de aprendizagem, pois os estudantes conectam
os conteúdos de diferentes formas. Ao professor cabe mediar es-
ses caminhos, questionando e construindo outras problematiza-
ções, para que os estudantes avancem permanentemente no seu
processo de aprendizagem.
• Currículo oficial como ponto de contraste: há saberes no cur-
rículo oficial que são direitos de aprendizagem dos estudantes,
mas isso não quer dizer que são o único ponto de partida para
a PEPT. Os conhecimentos dispostos no currículo oficial podem
servir de conteúdo para o levantamento de questionamentos
sobre a temática estudada. Por exemplo: os estudantes estão
investigando uma temática que aborda o tema “Descobrimento Vídeo
do Brasil”. O professor pode instigar os estudantes a estudarem No vídeo Pedagogia dos
as diferentes perspectivas dessa descoberta, não apenas aquelas projetos, publicado pelo
canal SM Educação, o
que estão dispostas no livro didático. professor Nilbo Nogueira
aborda a importância e
• Aprendizagem vinculada ao fazer: aprender por meio da ex-
os motivos de trabalhar
perienciação, de colocar a mão na massa, de articular os saberes com a pedagogia dos
projetos, uma vez que
dispostos nas diferentes fontes à prática é um princípio fundante
esta permite ao estudan-
da PEPT. Assim, aprender fazendo contribui para recuperar uma te se aproximar do objeto
série de habilidades que muitas vezes nossa cultura insiste em de estudo. Além disso,
promove a interação
menosprezar. entre os estudantes, bem
como a possibilidade
Em uma escola que oferta educação em tempo integral, a pedago- de superar métodos
gia da PEPT pode contribuir para que o processo de aprendizagem se tradicionais de ensino.
O pesquisador traz
torne vivencial e experimental, superando propostas didático-peda- elementos para organizar
gógicas em que o ensino se torna enfadonho e sem sentido para os um planejamento na pe-
dagogia de projetos com
estudantes. Seria uma alternativa para que o tempo escolar não fosse temáticas que surgem no
fragmentado e os estudantes pudessem, assim, ser vislumbrados em diálogo com os sujeitos
da aprendizagem.
suas diferentes dimensões e como capazes de aprender.
Disponível em: https://
A aprendizagem em uma escola que desenvolve a PEPT será ativa www.youtube.com/
watch?v=eguk20OL76c.
e por meio da descoberta, o que se deseja em uma escola de tempo Acesso e: 16 abr. 2021.
ampliado, pois esse tempo precisa ser qualificado com propostas didá-

Sistematização do trabalho pedagógico 65


tico-pedagógicas que contribuam para o desenvolvimento integral do
sujeito. Assim, para que o trabalho por projetos se efetive, há a cons-
trução de um ambiente educativo propício à cooperação, ao compar-
tilhamento, ao estudo, à integração de novos saberes àqueles que já
estão consolidados pelo estudante, o que corrobora a concepção de
educação integral em uma escola que oferta educação integral.

Um ambiente que oferta educação em tempo integral pode en-


contrar na PEPT a possibilidade de flexibilizar o currículo e superar a
fragmentação entre turno e contraturno, pois, pelas problematizações
realizadas com os estudantes, haverá investigação, estudos e desafios,
em busca de diferentes soluções para a pesquisa. Além dessas ques-
tões, existem características da pedagogia da PEPT, citadas por Her-
nández (1998), que a aproximam de uma escola de tempo ampliado,
conforme podemos observar na Figura 12.

Figura 12
Características da pedagogia da PEPT e a escola de tempo integral

Interesse dos Currículo Diálogo


Realização Objetiva a
estudantes integrado e permanente
de atividades formação
pelo construído com a
práticas: integral
processo de no percurso comunidade
escola ativa
aprendizagem

Fonte: Elaborada pela autora.

Assim, uma escola que oferta educação em tempo integral encontra


na PEPT um campo fecundo para a ruptura do ensino tradicional, pois
favorece a organização do tempo escolar, de modo que esteja em fun-
ção do desenvolvimento do estudante, integrando o tempo da escola
aos tempos de vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A lógica do tempo em uma escola que oferta educação integral no
tempo ampliado necessita ser em função da formação do sujeito mul-
tidimensional, ou seja, a organização escolar será realizada em prol do
desenvolvimento do estudante nos aspectos cognitivo, físico-motor, es-
piritual, social, lúdico, entre outros. Nesse sentido, é necessário superar
a fragmentação do tempo escolar em turno e contraturno, pois o sujeito

66 Educação em tempo integral na prática


da aprendizagem precisa ser vislumbrado em seu tempo de vida. Assim, o
tempo escolar é elemento do currículo escolar a ser pensado e reorgani-
zado com vistas à garantia do direito à aprendizagem.
A fim de consolidar um currículo integrado no tempo continuum, os
conhecimentos escolares serão trabalhados de maneira que não haja
separação entre o que é parte dos conteúdos – concernentes aos com-
ponentes curriculares obrigatórios na legislação brasileira – e as demais
práticas educativas desenvolvidas na extensão do tempo escolar.
Um trabalho pedagógico comprometido com essa integração curricu-
lar pode ser desenvolvido por meio da PEPT, pois traz à escola possibilida-
des teórico-práticas de desvencilhar do professor a função de transmissor
do conhecimento, trazendo o questionamento, a pesquisa e o diálogo
como cerne da construção do conhecimento.

ATIVIDADES
Vídeo 1. Como a organização do tempo escolar revela a concepção de formação
humana, de educação, de ensino e de aprendizagem?

2. De que forma a compreensão do erro do estudante pode contribuir


para a organização de um trabalho pedagógico fundamentado em
uma concepção humanista de educação integral?

3. Quais são os possíveis caminhos para a superação de currículos


tradicionais?

4. Como a perspectiva educativa por projetos de trabalho (PEPT) pode


contribuir para a consolidação de um currículo integrado em uma
escola que oferta educação em tempo integral?

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Sistematização do trabalho pedagógico 67


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68 Educação em tempo integral na prática


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VYGOTSKY. L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Sistematização do trabalho pedagógico 69


3
Organização das atividades
pedagógicas
Neste capítulo refletiremos sobre as contribuições que os ­macrocampos
e as atividades propostas pelo Programa Mais Educação (PME) podem trazer
às escolas que ofertam educação em tempo integral e são comprometidas
com a formação integral dos estudantes. Embora o PME já não esteja mais
em vigência, a proposta pedagógica do programa traz às escolas diferentes
possibilidades de organização de práticas educativas que vão ao encontro
dos princípios e das práticas da formação multimensional dos sujeitos.
Discutiremos, ainda, a importância de um Projeto Político Pedagógico
(PPP) que seja aberto à comunidade educativa, não sendo apenas um do-
cumento burocrático, mas um instrumento teórico-metodológico da gestão
escolar, portanto, construído pelo coletivo da escola e considerando a hete-
rogeneidade e as diferentes culturas presentes no seu cotidiano.
Para refletir sobre o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos da
aprendizagem em uma escola que objetiva formar os estudantes nas suas
diferentes dimensões, discutiremos a importância de organizar o tempo
livre; também abordaremos o necessário olhar sensível para o momento
da alimentação, construindo um ambiente educativo em todas as práticas
escolares.

Objetivos de aprendizagem
• Identificar as contribuições dos macrocampos orientados pelo
Programa Mais Educação e articulá-los a possibilidades de organi-
zação de atividades pedagógicas de acordo com o PPP da escola.
• Reconhecer a necessidade de identificar as especificidades da
comunidade educativa para planejar propostas que venham de
encontro às suas necessidades de aprendizagem.
• Perceber a importância de organizar todas as propostas da escola,
incluindo o tempo livre, reconhecendo que o tempo é livre para o
estudante e não para os profissionais que trabalham na escola.

70 Educação em tempo integral na prática


3.1 Contribuições dos macrocampos
do Programa Mais Educação
Vídeo
O Programa Mais Educação (PME), instituído pela Portaria Interministe-
rial n. 17/2007, constituiu-se como estratégia para a indução da jornada do
tempo ampliado no país, considerando como educação em tempo inte-
gral um período de mais de sete horas diárias na escola. Também induziu
a construção de currículos que vislumbravam a formação humana plena,
em consonância com a legislação educacional brasileira (BRASIL, 2009a).

Nesse viés, ainda que o PME não esteja mais em vigência – uma vez
que se tratou de uma política de governo e não de Estado –, o programa
trouxe aportes teóricos e práticos para os sistemas de ensino e para as es-
colas que buscam elaborar um Projeto Político Pedagógico (PPP) compro-
metido com a formação humana multidimensional, bem como colocar em
ação currículos que possibilitem aos sujeitos da aprendizagem aprender
de maneira experiencial e relacionando os saberes científicos, históricos e
culturais à vida em sociedade.

O PME objetivou a ampliação do tempo escolar, considerando que este


não precisaria ocorrer necessariamente dentro dos muros da escola, mas
sim contar com o planejamento e a articulação dos profissionais da esco-
la. Assim, integram-se diferentes saberes, pessoas, culturas, saberes de
diferentes lugares da escola, da comunidade e da cidade, aderindo a uma
proposta educativa intersetorial (BRASIL, 2009a).

Para o trabalho com esse intercâmbio cultural, o PME propôs uma or-
ganização em diferentes macrocampos, que trazem elementos referentes
à organização de atividades e oficinas para a organização do tempo da ins-
tituição educativa das escolas que ofertam educação em tempo integral:
Acompanhamento Pedagógico; Comunicação e Uso de Mídias; Cultura e
Artes; Direitos Humanos em Educação; Investigação no Campo das Ciên-
cias da Natureza; Educação Econômica; Esporte e Lazer; Cultura Digital;
Educação Ambiental e Promoção da Saúde (BRASIL, 2009a).

Visando contribuir para a elaboração de propostas didático-pedagógi-


cas que sejam fundamentadas nos macrocampos do PME, discorreremos
sobre cada um deles e traremos algumas possibilidades de organização
de atividades que tenham como pressuposto a vivência de um currículo
emancipatório e comprometido com a formação humana integral:

Organização das atividades pedagógicas 71


Acompanhamento Pedagógico: constituía-se como um macrocam-
po obrigatório para as escolas e os sistemas de ensino que aderiam ao
PME, pois envolvia a possibilidade de integração das quatro áreas do co-
nhecimento (Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da
Natureza) e a proposta do programa por meio das seguintes atividades:
Matemática, Letramento, Línguas Estrangeiras, Ciências, História e Geo-
grafia, Filosofia e Sociologia. Dessa forma, a escola não deixava de lado o
seu PPP, mas articulava sua proposta ao que o PME trazia, realizando es-
colhas conforme suas necessidades com base em diagnósticos realizados
com a comunidade educativa (BRASIL, 2009b). Para ilustrar essa possibili-
dade de organização, observe a figura a seguir.
Figura 1
Articulação entre o currículo escolar e a escolha das atividades

Articulação
curricular

• Elaboração de
• Escolha das atividades
atividades didático-
• Áreas do do PME concernentes
-pedagógicas.
conhecimento ao Acompanhamento
Pedagógico.
Diagnósticos Integração
curricular

Fonte: Elaborada pela autora.

Assim, a escola que oferta educação em tempo integral e que objetiva


trabalhar nessa perspectiva não abrirá mão das áreas do conhecimento e
dos direitos de aprendizagem dispostos no seu currículo, mas, por meio
de avaliações diagnósticas, verifica quais atividades poderão ser integra-
das ao seu trabalho pedagógico.

A Escola Esperança trabalha por meio de Projetos de Trabalho e


elaborou, com os estudantes do 5º ano, baseando-se em suas ne-
cessidades, o projeto Coisas de Criança. Observando as avaliações
diagnósticas realizadas durante o primeiro trimestre do ano letivo, os professores
da disciplina de Matemática observaram que os estudantes precisavam apro-
fundar seus conhecimentos sobre grandezas e medidas. Já os professores de
Geografia observaram que ainda precisavam aprofundar os conhecimentos dos
estudantes a respeito do conceito de espaço. Assim, com a mediação do pedago-
go escolar, eles redimensionaram o planejamento de ensino objetivando articular
(Continua)

72 Educação em tempo integral na prática


os conhecimentos trabalhados nos componentes curriculares obrigatórios e a
proposta dos macrocampos de Acompanhamento Pedagógico de Matemática e
de Geografia e História sem se distanciar do projeto elaborado com os estudan-
tes. Também ampliaram a organização do projeto, que antes era restrito apenas
ao turno da manhã, trazendo os professores do período da tarde – que trabalham
com os mesmos estudantes – e fazendo-os se envolverem na efetivação de um
planejamento articulado, que partiu das necessidades dos estudantes.

Comunicação e Uso das Mídias: as atividades pautadas nesse ma-


crocampo preveem que a comunicação é um direito do cidadão e que
vivemos na sociedade da informação. Por isso, para além de utilizar as
diferentes mídias (jornal escolar, rádio escolar, vídeo, fotografia e história
em quadrinhos) propostas pelo PME, também há proposições que bus-
cam levantar questionamentos sobre a função das mídias na sociedade,
suas ideologias e propósitos, objetivando a formação de sujeitos críticos e
partícipes da vida em sociedade (BRASIL, 2009c) .

No projeto Coisas de Criança, os estudantes pesquisaram, em uma


das etapas do trabalho, sobre os brinquedos da época dos seus
avós e pais, construindo uma linha do tempo sobre esses objetos, a
forma de brincar, bem como o tempo e a cultura das suas famílias. Em um deter-
minado momento, levantaram questionamentos: se existem mudanças no tipo de
material, no formato, na estrutura desses brinquedos, como serão os brinquedos
do futuro? Os professores, então, estimularam a imaginação, a criatividade e a
continuidade do trabalho dos estudantes propondo que utilizassem da história em
quadrinhos (HQ) para estimular, exercitar e desenvolver suas diferentes habilida-
des. Assim, o planejamento do projeto é realimentado e os professores o articu-
lam à atividade proposta do PME relacionado ao macrocampo Acompanhamento
Pedagógico Comunicação e Uso das Mídias com atividades realizadas com HQ.

Cultura e Artes: o objetivo desse macrocampo seria promover a


aprendizagem por meio do acesso à produção cultural utilizando os di-
ferentes espaços da cidade. As artes são vislumbradas como espaço para
a construção e valorização das subjetividades e da heterogeneidade, ou
seja, por meio do intercâmbio cultural e do trabalho com as diferentes lin-
guagens artísticas (visual, musical, corporal e dramática), o estudante tem
oportunidade de desenvolver sua criatividade, exercer sua autonomia e
sua liberdade de pensamento (BRASIL, 2009d).

Organização das atividades pedagógicas 73


No projeto Coisas de Criança, os alunos tiveram acesso à
obra de arte de Pieter Bruegel, Jogos de crianças, de 1560.

Google Arts & Culture


Os professores discutiram com os estudantes sobre como
as crianças eram vistas na época – como adultos em miniatura – e realiza-
ram a análise de algumas brincadeiras que ainda existem na atualidade,
daquelas que são realizadas de maneiras diferentes das observadas na
pintura e daquelas que não existem mais. Como na pintura há adultos
brincando, os professores levantaram questionamentos: apenas as crian-
ças brincam atualmente? Há adultos que brincam? Podemos aprender por
meio da brincadeira? Com essas perguntas, os professores aguçaram a
BRUEGEL, P. Jogos de crianças. 1560. óleo sobre
curiosidade dos estudantes por continuar pesquisando sobre a Idade
madeira: 118 x 161cm. Museu de História da
Média – hábitos, costumes, organização da sociedade – e buscaram co- Arte, Viena.
nhecer também outras obras de arte que retratam a cultura da época.

Direitos Humanos em Educação: o propósito desse macrocam-


po é ir além do currículo formal, sendo fundamento para o trabalho
com todas as áreas do conhecimento e com a inter-relação entre
esses saberes, pois, se existe o propósito de educar o sujeito con-
templando suas diferentes dimensões, é necessário realizar um tra-
balho pedagógico em que os direitos humanos sejam contemplados.
Dessa forma, a escola fomentará, em suas estratégias didático-pe-
dagógicas, a inclusão de temas relacionados aos direitos da criança,
o direito à moradia, ao trabalho digno, à educação, à renda mínima,
as relações desiguais de gênero, entre outros assuntos que levem os
estudantes a refletir sobre as desigualdades e injustiças presentes
na sociedade (BRASIL, 2009e).

No projeto de trabalho Coisas de Criança os estudantes podem


investigar o que “não são coisas de criança”. O professor mediaria
1 algumas discussões e proporia estudos sobre trabalho infantil,
Um bom caminho para o analisando com os estudantes se existe na comunidade tal condição e trazendo
trabalho com Ciências da conhecimentos para que eles questionem tal condição. No caso de estudantes
Natureza é o do trabalho
da própria escola ou da turma, deve-se seguir os protocolos do Conselho Tutelar
com sequências didáticas,
baseadas nos seguintes visando à proteção da criança e do adolescente, conforme o Estatuto da Criança
passos: observação – e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990).
situação – problema,
elaboração de questões,
investigação, análise e re- Investigação no Campo das Ciências da Natureza: está rela-
gistro de dados, comparti- 1
cionado ao ensino de Ciências amparado pela pesquisa , isto é, o
lhamento das conclusões
e seu processo de estudo estudante aprende a colocar suas ideias a prova. Para isso, não é ne-
(BRASIL, 2009).
cessário aguardar a construção de laboratórios, mas fazê-lo por meio

74 Educação em tempo integral na prática


de um ensino que seja fundamentado em formulações de boas per-
guntas que possibilitem ao sujeito da aprendizagem “aprender Ciên-
cias como linguagem, como instrumento e como visão de mundo”
(BRASIL, 2009f, p. 11).

É importante destacar que um dos objetivos de ensino-aprendiza-


gem relacionados ao ensino das Ciências da Natureza na primeira fase
do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) é a compreensão da natureza
como processo dinâmico, considerando que o ser humano é parte da
natureza. Outro objetivo é o reconhecimento da inter-relação entre a
ciência, a tecnologia e a sociedade (BRASIL, 2009f).

Na Escola Esperança os estudantes estão aprendendo por meio do


projeto de trabalho Coisas de Criança, e para trabalhar os objetivos
de ensino-aprendizagem anteriormente descritos os professores se
basearam no seguinte questionamento: ciências é coisa de criança?
Com base nessa pergunta, os estudantes foram instigados a realizar outros ques-
tionamentos: como fazemos parte da natureza? De que modo, como parte da na-
tureza e da sociedade, podemos contribuir para a melhoria da nossa comunidade?

Educação Econômica: o empreendedorismo e suas práticas são o


foco desse macrocampo, e nele os estudantes são ensinados a aprender
de maneira prática, colocando as “mãos na massa” visando à construção
de redes educativas em função de uma economia solidária. A economia
solidária permite aos sujeitos olhar para o futuro, estabelecendo objeti-
vos e metas que os levem a ultrapassar a realidade em que vivem. Assim,
nesse macrocampo são trabalhas estratégias criativas para a organização
do trabalho, bem como a construção de sistemas de renda em que a soli-
dariedade esteja presente (BRASIL, 2009g).

Os estudantes dos 5os anos da Escola Esperança construíram, em


uma das etapas do projeto de trabalho em desenvolvimento, um
mural com as figuras dos brinquedos que desejam adquirir. As pro-
fessoras de Matemática propõem o seguinte questionamento: teria desconto à
vista na compra do produto? Quanto juro seria pago se fosse comprado a prazo?
Quanto cada estudante economizaria caso comprasse à vista? Esses tipos de
pergunta contribuem para que os estudantes percebam que comprar a prazo não
aumenta o poder aquisitivo, mas apenas adia a dívida (BRASIL, 2009g).

Organização das atividades pedagógicas 75


2 Esporte e Lazer: esse macrocampo se propunha a integrar o espor-
2
O esporte e o lazer são te e o lazer aos conhecimentos escolares dispostos no currículo. En-
vislumbrados no PME
tão, para desenvolver atividades relacionadas ao macrocampo Esporte
como práticas sociais
culturais e de aprendiza- e Lazer, pressupõe-se a inter-relação com diferentes sujeitos e espaços
gem da cultura (BRASIL,
da cidade. Assim, há integração entre os saberes escolares e os saberes
2009h).
advindos da comunidade, havendo articulação com o componente cur-
3
ricular de Educação Física . Há ênfase também na ludicidade, pois ela
3 traz ao sujeito a possibilidade de envolvimento nas propostas educativas
A Educação Física passou (BRASIL, 2009h).
a ser considerado
componente curricular
obrigatório no Ensino A Escola Esperança escolheu como um dos macrocampos o
Fundamental a partir da Esporte e Lazer, uma vez que, após realizar um diagnóstico junto
LDB n. 9394/1996. à comunidade educativa, verificou-se que 65% dos estudantes
tinham como única forma de lazer nos finais de semana ir à casa de parentes.
A escola, então, fez um mapeamento dos espaços da comunidade e constatou
que próximo a ela havia um centro de esportes e que, após conversar com
os responsáveis dos alunos, as aulas de Educação Física poderiam ocorrer
nesse lugar, cujo acesso também era permitido aos finais de semana para os
estudantes e suas famílias.

Cultura Digital: envolve o trabalho com práticas que desenvolvam a


inclusão tecnológica, a alfabetização e o letramento digital, além da infor-
mática educativa. As atividades desenvolvidas nesse macrocampo permi-
tem a integração crítica e reflexiva das tecnologias digitais de comunicação
e informação ao currículo escolar (BRASIL, 2009i).

No projeto Coisas de Criança os estudantes divulgam no blog da


escola, com a mediação dos professores, os resultados das suas
aprendizagens, as conclusões que obtêm por meio das pesquisas
que envolvem as diferentes áreas do conhecimento. Como houve muita participa-
ção dos estudantes e interesse por parte deles e das suas famílias, a equipe ges-
tora da escola organizou no final de semana uma oficina de construção de blog.

Educação Ambiental: o foco é a educação para a sustentabilidade,


buscando uma relação de equilíbrio entre o sujeito e o ambiente. Dessa
forma, objetiva-se a qualidade de vida para as gerações atuais e as futu-
ras. E, para que isso ocorra, o currículo da educação em tempo integral na
perspectiva da educação integral estará fundamentado na sustentabilida-
de por meio da educação ambiental (BRASIL, 2009j).

76 Educação em tempo integral na prática


Tendo-se como princípio da sustentabilidade o pensar global e o agir
local, os professores observaram haver estudantes que na hora do al-
moço não estavam se alimentando com hortaliças, ocorrendo também
desperdício desse tipo de alimento. Por isso, lançaram o desafio de organizar uma
pequena horta na escola para que os estudantes pudessem se envolver no cultivo,
no cuidado e na colheita, com o objetivo de que revissem seus hábitos alimentares.

Promoção da Saúde: esse macrocampo está relacionado à saúde do


sujeito como condição básica para o exercício da cidadania, estando rela-
cionado à formação integral do estudante (dimensão físico-motora, ética,
lúdica, social, cognitiva, entre outras). A saúde, no PME, é vislumbrada não
apenas como ausência de doença, mas como bem-estar em todas as di-
mensões do indivíduo. Nesse sentido, a escola pode contribuir para que o
estudante realize escolhas saudáveis na sua vida, ou seja, trabalhará com
temáticas e atividades que forneçam ao sujeito repertório para que ele te-
nha seus direitos fundamentais respeitados e tome decisões que o levem
à manutenção da saúde (BRASIL, 2009k).

A Escola Esperança trabalha com o macrocampo Promoção da


Saúde de modo transversal – isto é busca articular a temática nas
diferentes áreas do conhecimento –, bem como as práticas coti-
dianas, pois compreende que saúde não se trabalha de maneira isolada, mas por Vídeo
meio de problematizações e do intercambio permanente com a educação. Como O vídeo Boas práticas do
uma das ações da escola, destaca-se a presença constante dos agentes de saúde Programa Mais Educação
na escola e, quando necessário, dos estudantes e professores no posto de saúde. traz depoimentos de
diferentes gestores,
Um dos trabalhos que a escola realizou juntamente com a unidade de saúde foi o
professores e estudantes
mapeamento das potencialidades da região (como hospitais, universidades, pra- de dez cidades do interior
ças, jardins, centros de lazer) e também dos fatores de risco (como bares, tráfico do Brasil que implanta-
de drogas, trânsito intenso, entre outros). ram o Programa Mais
Educação em escolas que
ofertam educação inte-
gral em tempo ampliado.
Como é possível observar, não há uma forma única de trabalho com
Ele ilustra como essas
os macrocampos, pois dependerá sempre primeiramente do PPP da es- escolas de diferentes
comunidades articularam
cola e de constantes diagnósticos realizados pela equipe escolar. Para
práticas pedagógicas ao
que se efetive uma proposta que tenha coerência com os objetivos da PPP de suas unidades,
considerando os con-
educação integral e com as atividades realizadas, será necessário que o
textos locais de maneira
currículo não seja vislumbrado como uma listagem de conteúdos, mas exitosa.

sim concebido como vivo, relacionando os conhecimentos históricos, Disponível em: https://www.
científicos e culturais (que são direitos de aprendizagem do estudante) youtube.com/watch?v=Hqa_
CYl7vAk. Acesso em: 23 abr. 2021.
aos saberes da vida em sociedade.

Organização das atividades pedagógicas 77


3.2 PPP e práticas educativas na escola
Vídeo A escola tem uma função essencial na elaboração de práticas edu-
cativas que coadunem com as concepções de educação integral eman-
cipatórias, articulando os objetivos de formação humana com os
encaminhamentos didático-pedagógicos previstos no PPP. Se a escola
tem como fundamento de suas ações a gestão democrática e a interse-
torialidade, o PPP será construído com ampla participação da comuni-
dade educativa, e os espaços e tempos escolares serão pensados para
além do espaço da instituição escolar.

Para que a educação integral seja efetivada, não serão deixados de


lado os conhecimentos históricos, científicos e culturais presentes no
currículo oficial, porém tais saberes serão contextualizados e problema-
tizados diante das necessidades de aprendizagem dos estudantes e dos
saberes advindos dos diferentes espaços de vivência da comunidade edu-
cativa. Assim, para a construção de práticas educativas que tenham senti-
do e significado para os estudantes, o currículo será colocado em ação por
meio do diálogo, do compartilhamento de culturas, de encaminhamentos
didático-pedagógicos que permitam o estudante desenvolver:
a curiosidade, o questionamento, a observação, hipóteses, des-
cobrir, experimentar, identificar e distinguir, relacionar, classifi-
car, sistematizar, criar, jogar, debater, comparar e concluir, entre
outras experiências formadoras. Essas habilidades são inerentes
à prática escolar e sob muitos aspectos relacionam-se também
com os saberes comunitários. (BRASIL, 2009l, p. 19)

Dessa forma, os saberes comunitários são valorizados no espaço escolar


por meio de um debate permanente entre escola e comunidade, necessi-
tando que haja espaços de diálogo para que isso ocorra, a fim de que as prá-
ticas pedagógicas realizadas na escola possibilitem o desenvolvimento do
sujeito nas suas diferentes dimensões. Assim, o espaço das inter-relações
será valorizado, conforme pode ser observado na figura a seguir.
Figura 2
Inter-relações entre PPP e o desenvolvimento de práticas educativas

Espaços de participação
PPP: elaborado coletivamente efetiva da comunidade
Práticas educativas educativa

Fonte: Elaborada pela autora.

78 Educação em tempo integral na prática


Dessa maneira, todas as práticas pedagógicas e atividades desenvolvi-
das dentro da escola ou nos diferentes lugares da comunidade e da cida-
de irão convergir em um currículo em ação que possibilite aos estudantes
avançarem em suas aprendizagens. Observe a figura a seguir.
Figura 3
Mandalas e a educação integral
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As mandalas podem ilustrar a integração permanente entre os sabe-


res, pois simbolizam a totalidade, representando a inter-relação entre o
homem e a natureza. No PME, foram utilizadas essas figuras para que os
envolvidos pudessem se remeter ao intercâmbio, à infinitude e à produ-
ção de saberes de maneira permanente, podendo também estar relacio-
nadas à integralidade de cada sujeito da aprendizagem (BRASIL, 2009l).

Sendo a educação em tempo integral na perspectiva da educação inte-


gral um processo dinâmico, o PPP de uma escola que tem essa perspectiva
também terá essa dinamicidade, podendo ser utilizada a figura da mandala
para redimensionar o plano macro da unidade educativa, uma vez que
As Mandalas de Saberes propõem-se como estruturas de dupla
codificação: nem isto ou aquilo, mas isto e aquilo. Nessa perspec-
tiva, o educador abre todos os seus poros, trabalha junto com e
não mais sozinho. O seu lugar não é mais somente dentro da es-
cola, mas dentro do grupo em que a escola atua. A educação não
se realiza somente na escola, mas em todo um território e deve
expressar um projeto comunitário. A cidade é compreendida
como educadora, como território pleno de experiências de vida
e instigador de interpretação e transformação. (BRASIL, 2009l, p.
33, grifos nossos)

Organização das atividades pedagógicas 79


Assim, o PPP de uma escola que oferta educação em tempo integral,
quando construído de maneira democrática, expressará uma concepção
de ambiente educativo em que os espaços e os tempos para aprendiza-
gem não se limitam a estar dentro do espaço da escola, mas sempre com
a perspectiva de garantir a todos os estudantes o direito à aprendizagem
por meio de práticas contextualizadas, conforme podemos observar a
seguir.
Figura 4
PPP e práticas contextualizadas

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Fonte: Elaborada pela autora com base em Brasil, 2009l.

Isso quer dizer que o PPP de cada escola será único, mesmo que os
fundamentos teóricos-metodológicos sejam os mesmos em duas escolas
localizadas em uma mesma comunidade, que haja o compromisso com
a formação integral e que o currículo esteja balizado pela Base Nacional
Comum Curricular (BNCC). Vamos a um exemplo:

80 Educação em tempo integral na prática


Livro

A Escola de Tempo Integral Esperança e a Escola de Tempo Integral


Kairós estão localizadas em um mesmo bairro e pertencem a um
mesmo sistema de ensino. As duas necessitam reelaborar o PPP
ainda no ano vigente, uma vez que a BNCC ainda não foi contem-
plada no documento das duas escolas. As duas instituições ofertam educação
em tempo integral e ambas têm no seu PPP o intuito de organizar propostas di-
dático-pedagógicas que objetivem a formação integral do sujeito. As duas farão
O material Trilhas educa-
pesquisas de contexto para verificar quem são os estudantes, suas famílias, suas tivas aborda de maneira
condições socioeconômicas, além de análise qualitativa dos dados advindos da didática as diferentes
pesquisa, mas cada um dos PPPs será único e, ao serem colocados em prática, possibilidades de a escola
abrir-se para a comunida-
retratarão inter-relações, saberes, aprendizagens e conflitos que revelarão a iden- de, trazendo uma aborda-
tidade de cada escola. gem sobre uma educação
que ocorre em uma
cidade educadora. Assim,
Desse modo, todas as práticas pedagógicas serão desenvolvidas na os diferentes territórios
educativos presentes na
escola por meio do diálogo e da troca entre os saberes, abrindo-se es- cidade podem ser explo-
paço para que a escola esteja voltada à comunidade e a comunidade rados por uma escola que
tem um compromisso
esteja aberta à escola. Nesse sentido, não há um modelo único de es- com a educação integral
e, dessa forma, um PPP
cola a ser desenvolvido, mas concepções emancipatórias de educação emancipatório.
integral que são colocadas em prática (BRASIL, 2009l). TRILHAS EDUCATIVAS. Moderna:
São Paulo. (Coleção Tecnologias
Ao se colocar em prática um PPP emancipatório que considera os do Bairro Escola). vol. 2.
saberes dos diferentes sujeitos da aprendizagem, os profissionais da Disponível em: https://www.
cidadeescolaaprendiz.org.br/
escola podem organizar planejamentos e mediações em que os hábi- wp-content/uploads/2014/04/
Tecnologias-do-bairro-escola_
tos e as culturas sejam valorizados. Esses saberes se manifestam de di- Vol2_trilhas-educativas.pdf. Acesso
ferentes formas, conforme podemos observar a seguir (BRASIL, 2009l). em: 26 abr. 2021.

Habitação Alimentação
Qual é a história das Corpo/vestuário Como é a alimentação dessa
construções do entorno Existem movimentos, danças comunidade? Há sabores e aromas
dessa escola? Houve e expressões corporais que característicos dessa alimentação?
planejamento desse bairro caracterizam a comunidade? Há falta ou desperdício de
ou vila? Existem heranças É possível identificar a origem alimento? Há hortas comunitárias?
culturais que podem ser cultural dessas expressões?
identificadas? Há vestuários que caracterizam a
cultura dessa comunidade?

(Continua)

Organização das atividades pedagógicas 81


Trabalho
Expressões Condições ambientais Brincadeiras
Há alguma profissão que
artísticas Como é a região em que Há brincadeiras típicas que
seja mais comum na região?
Quais são as essa escola está inserida? revelam parte da cultura
É possível observar
expressões artísticas Há compromisso com dessa comunidade? As
que há qualidade de
observadas na a sustentabilidade? brincadeiras realizadas na
vida no trabalho dessa
comunidade? Há Quais são os desafios escola e na comunidade
comunidade? As
festas populares? ambientais observados são as mesmas? Como
condições de trabalho
Há tradição musical na região? brincaram as outras
são questionáveis?
nessa região? gerações?

Essas são algumas das possibilidades dos muitos questionamen-


tos que podem ser realizados pela escola na reelaboração dos PPPs e
no planejamento de práticas educativas que venham ao encontro do
desenvolvimento do sujeito nas suas diferentes dimensões. Também
outros âmbitos podem ser espaços e lugares de intercâmbio cultural,
como a organização política da comunidade, analisando se seus mem-
bros frequentam associações de bairro, se buscam representatividade
no exercício da sua cidadania, se reivindicam seus direitos, se conhe-
cem e cumprem seus deveres etc.

Em todos esses âmbitos culturais a escola pode abrir-se para o que a


comunidade tem a dizer, a questionar, a acrescentar em seu currículo lo-
cal. Isso é possível por meio de um PPP que não seja apenas instrumento
burocrático, mas ferramenta efetiva de participação do coletivo, objeti-
vando a garantia do direito à aprendizagem de todos os estudantes.

3.3 Organização do tempo livre


Vídeo A escola é o lócus para que o direito à aprendizagem seja consolida-
do, e a mediação dos professores é de fundamental importância para
essa efetivação. Na perspectiva da educação integral no tempo amplia-
do, aumentam-se as possibilidades de aprendizagem e de desenvolvi-
mento quando se busca a qualificação desses tempos. Para além do
trabalho com os conhecimentos científicos, históricos e culturais pre-
vistos no currículo, a escola também é espaço de socialização, de diá-
logo, de acolhimento, de oportunidades, de afetividade, de cuidado, de
ludicidade e também de lazer.

82 Educação em tempo integral na prática


Assim, para além de propiciar aprendizagens do campo dos diferen-
tes campos dos saberes acadêmicos, uma escola que objetiva formar
integralmente também possibilita aos seus estudantes outras apren-
dizagens que ocorrem por meio da interação. Essas interações não
ocorrem apenas por meio da intervenção do professor, mas também
quando os estudantes realizam escolhas sobre quais atividades dese-
jam realizar, colocando em ação sua autonomia.

Em uma escola que oferta educação em tempo integral há, geral-


mente, dois intervalos – um no período da manhã e outro no período
da tarde –, como também há um intervalo após o almoço para que os
estudantes tenham tempo para descanso ou para alguma atividade que
envolva livre escolha. Isto é, há um tempo para que esse estudante opte
entre conversar, brincar, jogar, ler, estudar ou simplesmente descansar.

É um espaço-tempo para que o sujeito da aprendizagem amplie sua


cultura lúdica, pois, como se pode notar, as crianças, em sua maioria,
optam pelo brincar como atividade principal, não tendo uma função re-
lacionada ao ensino de conteúdos, pois, de acordo com S
­ ommerhalder,
Alves e Maximo (2019), o intervalo é tempo de fruição para exercer a
autonomia, sem o engessamento didático desse momento.

Os autores destacam que o tempo de livre escolha também precisa


ser planejado pelos profissionais da escola, pois, embora esse tempo
seja de escolha para os estudantes, é necessária uma organização an-
terior, uma escuta sensível por parte dos professores e um olhar atento
no momento em que ele está acontecendo.

O tempo/espaço do recreio, quando organizado nessa perspectiva


de autonomia regulada, envolve principalmente o brincar como lazer,
o que traz à escola a responsabilidade de criar contextos lúdicos para
que os estudantes possam se envolver se assim o desejarem. Segundo
Oliveira e Perin (2008), é função da escola criar condições adequadas
para que as práticas realizadas no tempo livre estimulem as interações
afetivas, o que contribui para o desenvolvimento integral dos sujeitos.
Para pensarmos sobre diferentes possibilidades lúdicas para a organi-
zação do recreio, observe a figura a seguir.

Organização das atividades pedagógicas 83


Figura 5
Práticas de livre escolha no tempo/espaço do recreio

Iakov Filimonov/Shutterstock
NadyaEugene/Shutterstock

Iakov Filimonov/Shutterstock
BAZA Production/Shutterstock

Tramp57/Shutterstock

Africa Studio/Shutterstock
Atividades como amarelinha, pular corda, conversar com os colegas, dançar, ler e jogar xadrez são algumas das possibilidades para o
momento de livre escolha dos estudantes, sendo que, para essa organização, é importante que os profissionais da escola considerem os
interesses dos estudantes, suas culturas, suas formas de ver o mundo e seus tempos de vida.

Nas escolas que têm instituído o grêmio estudantil, pode-se contar,


na organização dos recreios, com a participação dos representantes,
que devem avaliar junto aos estudantes se as propostas estão indo de
acordo com o que eles almejam, ouvir propostas para melhoria desse
tempo e solicitar apoio para realizar outras propostas.

Os profissionais da escola estarão alicerçados no PPP da unidade


para que possam contribuir para a organização das propostas voltadas
aos tempos de livre escolha, uma vez que esse documento traz princí-
pios e fundamentos que explicitam a concepção de estudante, apren-
dizagem, ensino e formação humana. Assim, quando os estudantes
solicitarem mediação de alguma situação nos tempos do recreio, os pro-
fissionais da escola estarão balizados nesses princípios e fundamentos.

O tempo/espaço de intervalo, então, não é improdutivo, mas tam-


bém momento de aprendizagem, de interação, de cuidado com os
materiais de uso coletivo, de respeito pelo outro, de alegria e de ludici-
dade. Quanto aos espaços possíveis para a organização desse tempo
livre, verifique a figura a seguir.

84 Educação em tempo integral na prática


Figura 6
Possibilidades de espaços para a organização do tempo livre

Pátio Quadra

Parquinho da
Biblioteca
escola

Laboratórios Cancha

Fonte: Elaborado pela autora.

Os espaços para a organização de propostas para a livre escolha


dos estudantes serão de acordo com a estrutura arquitetônica de cada
escola, no entanto é preciso enfatizar que a concepção de ambiente
educativo precisa estar fundamentando as propostas, pois, caso con-
trário, os estudantes não estarão envolvidos. Para contribuir com uma
possível organização do tempo/espaço dos recreios da escola, suge-
re-se a elaboração de um planejamento específico. Vejamos a seguir.
Figura 7
Planejamento do tempo livre

Diagnóstico do
Recursos
momento do Avaliação
humanos
tempo livre

Recursos
Objetivos
materiais

Estratégias Prazos

Fonte: Elaborado pela autora.

Organização das atividades pedagógicas 85


Diagnóstico: realiza-se um levantamento do que vem sendo opor-
tunizado aos estudantes, os espaços utilizados, as faixas etárias, os in-
teresses, as dificuldades, entre outros.

No recreio da Escola Esperança, que atende estudantes da primeira


fase do Ensino Fundamental, foi observado que os estudantes estão
tendo muitos conflitos entre si. Os que não entravam em conflitos
corriam de um lado para outro sem envolvimento algum em brinca-
deiras, diálogo ou jogos.

Objetivos: com base no diagnóstico, levantam-se possibilidades de


melhorias de aonde se quer chegar, do que se quer organizar para os
estudantes.

Ofertar aos estudantes diferentes atividades para que os conflitos


sejam minimizados. Envolver os estudantes em propostas lúdicas
com vistas à melhoria do ambiente educativo.

Estratégias: são estabelecidas as formas ou meios de como serão


atingidos os objetivos elencados.

Os estudantes do 5º ano que desenvolvem o projeto de trabalho


Coisas de Criança foram incentivados a fazer uma mostra dos brin-
quedos que construíram. Com base nisso, ofertarão uma oficina de
construção de brinquedos para os outros estudantes que desejarem.
Também reservarão um espaço no pátio para que possam brincar com esses obje-
tos. Em outro espaço do pátio haverá uma caixa com jogos de tabuleiro, atividade
que contará com o auxílio dos estudantes do grêmio estudantil para sua organiza-
ção. No outro canto do pátio haverá objetos para lazer: cordas, bolas e petecas. A
biblioteca ficará aberta para empréstimo de livros e se algum estudante desejar lá
ficar para realizar uma leitura fruição, terá essa autonomia. Como a escola tem um
espaço com algumas árvores, serão organizados alguns bancos para que aqueles
que desejarem descansar ou conversar embaixo delas também o possam fazer.

Recursos Humanos: descrever quem são as pessoas que estarão


envolvidas na organização das propostas, na confecção de materiais e
na mediação das atividades.

Professores, representantes do grêmio estudantil e representantes


das famílias.

86 Educação em tempo integral na prática


Recursos materiais: relacionar o que será necessário para que seja
possível disponibilizar as atividades aos estudantes.

Cinco jogos de tabuleiro, duas bolas de futebol, 50 livros diversifica-


dos de literatura, 10 cordas e tinta para pintar amarelinhas no pátio.
Nesse momento a escola analisa, também, o que ela já tem no seu
almoxarifado e o que é necessário adquirir.

Prazos: definem-se as etapas e os períodos para a organização e a


efetivação de propostas para que seja possível monitorar e replanejar
estratégias.

A escola estabelece um cronograma para que possa efetivar a pro-


posta com os estudantes.

Avaliação: no decorrer do monitoramento da proposta de melho-


ria do tempo de intervalo, verifica-se se está havendo mais interações,
brincadeiras, diálogo e jogos, diminuindo-se os conflitos.

Os professores observam que algumas crianças queriam participar Vídeo


dos jogos de tabuleiro, mas não sabiam as regras, então solicitam a
O vídeo Brincantes,
alguns estudantes que já tinham esse domínio que auxiliem aqueles
que tem duração de 25
que não sabem. minutos, traz um olhar
sensível sobre o tempo
do intervalo escolar e so-
Como é possível observar, não há um modo único de organizar as bre como as crianças pro-
propostas, pois isso depende do diagnóstico realizado, das propostas duzem cultura, ensinam
e aprendem a brincar,
organizadas e do envolvimento de todos. O importante é que os in- recriam, divertem-se e
tervalos sejam espaços/tempos de desenvolvimento da autonomia, da desenvolvem autonomia.

socialização, de diversão, de convivência, pois assim o tempo livre con- Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=3Q5QX-
tribuirá para o desenvolvimento integral dos sujeitos da aprendizagem, TDUW8. Acesso em: 26 abr. 2021.
indo ao encontro do que está disposto no PPP da escola.

3.4 Aprendendo no refeitório


Vídeo Em uma escola que oferta educação em tempo integral, todas as
ações realizadas dentro dela são pedagógicas e imbuídas da inter-rela-
ção permanente entre o cuidar e o educar. O educar é indissociável do
cuidar, pois, quando se está cuidando, há ações educativas; quando se
educa, há ações de cuidado.

Organização das atividades pedagógicas 87


O cuidar está relacionado à ação de contribuir com o desenvolvi-
mento do sujeito, valorizando suas potencialidades, o que inclui proce-
dimentos específicos que envolvem a dimensão afetiva do ser humano,
como também os aspectos relacionados ao cuidado consigo mesmo, à
saúde, aos hábitos de higiene, à segurança e a uma alimentação sau-
dável (BRASIL, 1998).
3 A alimentação adequada para crianças e adolescentes está pre-
Nenhum dos direitos da vista na legislação brasileira, sendo que o ECA, no artigo 4º, diz que
criança e do adolescente
é mais importante do
é dever da família, da comunidade, da sociedade e do poder público
que o outro, todos são assegurar os direitos relacionados à vida, à saúde, ao esporte, ao la-
necessários para que 3
esses indivíduos possam
zer, à cultura, ao esporte a à alimentação com absoluta prioridade
se desenvolver em sua (BRASIL, 1990). Assim, os estudantes terão acesso a uma variedade
integralidade.
de cardápios que sejam adequados à sua faixa etária, suprindo as
necessidades nutricionais que promovam a saúde, o crescimento e
Saiba mais o seu desenvolvimento.
Para saber mais sobre
O refeitório é um espaço que não se restringe às práticas alimen-
uma alimentação equi-
librada e que supra as tares, sendo lugar de aprendizagem e de interação. Assim, é ambiente
necessidades nutricionais,
educativo no qual a inter-relação entre o cuidar e o educar também
consultar o Guia Alimen-
tar para a População. se efetiva. Assim, o momento do lanche ou do almoço não se limita
Disponível em: http://bvsms.saude. apenas a ingerir algo, mas também é tempo/espaço de compartilhar
gov.br/bvs/publicacoes/protocolos_
experiências, diálogo, intercâmbio cultural e aprender a se alimentar
guia_alimentar_fasciculo1.pdf.
Acesso em: 03 abr. 2021. de maneira saudável.
Para isso, se faz necessário organizar um refeitório em que o am-
biente seja tranquilo, evitando que haja excesso de ruídos e de agi-
tação, o que contribui para que os estudantes possam se alimentar
de maneira mais tranquila e sentir o aroma e o sabor dos alimen-
tos. Visando à organização desse ambiente, é preciso que profissio-
nais da escola construam, juntamente com os estudantes, rotinas
que os levem a desenvolver hábitos saudáveis e equilibrados na
sua alimentação.
A escola comprometida com a formação humana integral neces-
sita, ainda, definir estratégias para manter as famílias constante-
mente informadas sobre os hábitos e as rotinas de alimentação dos
estudantes, pois é por meio da correlação entre família e escola que
se promoverá a alimentação saudável. Por isso, é de máxima im-
portância que as famílias estejam cientes sobre o cardápio servido
na escola e sobre quais estratégias são utilizadas no refeitório para
que os estudantes adquiram o hábito de realizar boas escolhas no
momento de se servir.

88 Educação em tempo integral na prática


Também para construir um ambiente educativo em que estu-
dantes adquiram hábitos saudáveis, é relevante que haja uma or-
ganização do espaço, possibilitando aos sujeitos da aprendizagem
desenvolver autonomia na escolha dos alimentos que irão ingerir,
como também na quantidade, evitando desperdício e buscando que
os envolvidos desenvolvam e coloquem em prática o princípio da
sustentabilidade.
Outra questão importante é que, nesse ambiente educativo, os es-
tudantes tenham acesso e aprendam a utilizar os utensílios adequados
para o momento da alimentação, de acordo com a autonomia de sua
faixa etária, como é possível observar na figura que se segue.
Figura 8
Alimentação e autonomia
Robert Kneschke/Shutterstock

Monkey Business Images/Shutterstock

MikeDotta/Shutterstock
Como se pode notar, as crianças da primeira imagem ainda necessi-
tam se alimentar com a colher, bem como da mediação de um adulto.
Também é necessário que o profissional da escola estimule-as a experi-
mentarem os diferentes alimentos. Já na segunda e na terceira imagem
percebe-se que os estudantes já têm autonomia para se servir, assim
como para utilizar a faca e o garfo para se alimentar.
Outra questão importante são os hábitos de higiene que a escola
que oferta educação em tempo integral necessita garantir e ensinar
aos estudantes, construindo com eles uma rotina de lavar as mãos an-
tes da refeição, bem como de escovar os dentes após esse momento.
Transformar o refeitório em um lugar acolhedor, humano e de mui-
ta aprendizagem requer dos profissionais da escola um olhar sensível
para os estudantes, compreendendo-os como sujeitos capazes de avan-
çar em seus conhecimentos. Quando isso ocorre, busca-se trazer para o
momento da alimentação dos sujeitos da aprendizagem não apenas a
possibilidade de ingerir o que é necessário à manutenção da saúde, mas
também de pensar no ambiente desse espaço como um todo.

Organização das atividades pedagógicas 89


Artigo

https://anped.org.br/sites/default/files/gt06-2183_int.pdf.

O artigo A poética do espaço escolar: algumas questões sobre o refeitório escolar


como espaço de educação popular de crianças em periferias urbanas, decorren-
te da tese de doutorado da pesquisadora Maria Tereza Goudard Tavares,
traz um olhar sensível para o refeitório como ambiente de aprendizagem.
A autora traz como essência do seu texto a inter-relação entre as práticas
alimentares e o projeto de humanização como horizonte educativo.

Acesso em: 26 abr. 2021.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na educação em tempo integral todas as práticas desenvolvidas são
pedagógicas. Por isso, é necessário articular a concepção de educação in-
tegral com todas as ações desenvolvidas no interior da escola. Assim, um
PPP elaborado coletivamente, com ampla participação da comunidade,
traz maiores possibilidades de todos os envolvidos no processo educativo
envolverem-se na efetivação de atividades que estejam de acordo com
uma concepção emancipatória de educação integral.
Ao elaborar o PPP e na sua efetivação, a escola tem nos documen-
tos que balizaram o PME fundamentos teóricos-metodológicos que po-
dem contribuir para os princípios, fundamentos e encaminhamentos
didáticos que colaboram na formação dos sujeitos da aprendizagem
em suas múltiplas dimensões.

ATIVIDADES
Vídeo 1. De que forma os macrocampos propostos pelo PME podem contribuir
para a organização das atividades em uma escola que oferta educação
em tempo integral?

2. Por que as mandalas podem representar o PPP de uma escola que


oferta educação em tempo integral na perspectiva da educação
integral?

3. Qual é a função dos profissionais que trabalham na escola na


organização do tempo livre?

4. Como o cuidar e o educar podem estar presentes na organização do


refeitório?

90 Educação em tempo integral na prática


REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário
Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 26 abr. 2021.
BRASIL. Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo,
Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.
Acesso em: 26 abr. 2020.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Introdução. Volume I. Brasília: MEC/
SEF, 1998. Disponível em: https://pt.slideshare.net/Mirabenvenuto/referencial-curricular-
nacional-para-a-educao-infantil-vol-1rcnei-vol1. Acesso em: 26 abr. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Educação integral: texto referência para o debate nacional.
Brasília: MEC, SECAD, 2009a. (Série Mais Educação). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/
dmdocuments/cadfinal_educ_integral.pdf. Acesso em: 26 abr. 2021.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Acompanhamento Pedagógico.
Brasília: MEC, SECAD, 2009b. (Série Cadernos Pedagógicos). Disponível em: https://
docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxlZHVjYWNhb
2ludGVncmFsc2VkZnxneDo3YzExNGVkZDdlYzY1MzUz. Acesso em: 26 abr. 2021.
BRASIL. Comunicação e uso de mídias (Cadernos Pedagógicos). Brasília: MEC, SECAD, 2009c.
(Série Mais Educação). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=12328-comunicacaoeusodemidias-pdf&Itemid=30192.
Acesso em: 27 abr. 2021.
BRASIL. Cultura e Artes (Cadernos Pedagógicos). Brasília: MEC; SECAD, 2009d. (Série
Mais Educação). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=12329-culturaartes-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 27 abr. 2021
BRASIL. Direitos Humanos em Educação (Cadernos Pedagógicos). Brasília: MEC; SECAD, 2009e.
(Série Mais Educação). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=12331-direitoshumanos-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 27
abr. 2021.
BRASIL. Investigação no Campo das Ciências da Natureza (Cadernos Pedagógicos). Brasília:
MEC; SECAD, 2009f. (Série Mais Educação).
BRASIL. Educação Econômica (Cadernos Pedagógicos). Brasília: MEC; SECAD, 2009g. (Série
Mais Educação).
BRASIL. Esporte e lazer (Cadernos Pedagógicos). Brasília: MEC; SECAD, 2009h. (Série
Mais Educação). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=12335-esportelazer-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 27 abr. 2021
BRASIL. Cultura digital (Cadernos Pedagógicos). Brasília: MEC; SECAD, 2009i. (Série
Mais Educação). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=12330-culturadigital-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 27 abr. 2021.
BRASIL. Educação ambiental (Cadernos Pedagógicos). Brasília: MEC; SECAD, 2009j.
(Série Mais Educação). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=12332-educacaoambiental-pdf&Itemid=30192. Acesso em: 27
abr. 2021
BRASIL. Promoção da saúde (Cadernos Pedagógicos). Brasília: MEC; SECAD, 2009k.
(Série Mais Educação). Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=12337-promocaosaude-pdf&Itemid=30192. Aceso em: 27 abr. 2021.
BRASIL. Rede de Saberes: Mais Educação. Pressupostos para Projetos Pedagógicos de
Educação Integral: caderno para professores e diretores de escolas. Brasília : Ministério
da Educação, 2009l. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cad_mais_
educacao_2.pdf. Acesso em: 15 jul. 2021.
OLIVEIRA, A. A. B.; PERIN, G. L. (org.). Fundamentos pedagógicos do Programa Segundo Tempo.
Maringá: Eduem, 2008.
SOMMERHALDER, A.; ALVES, F. D.; MAXIMO, H. de C. Recreio escolar de crianças do ensino
fundamental: estudo de panorama de produções científicas brasileiras. Quaestio - Revista de
Estudos em Educação, v. 22, n. 3, p. 823-838, 23 dez. 2020. Disponível em: http://periodicos.
uniso.br/ojs/index.php/quaestio/article/view/3645. Acesso em: 27 abr. 2021.

Organização das atividades pedagógicas 91


4
Metodologias de trabalho na
educação em tempo integral
Neste capítulo, refletiremos sobre como ensinar em uma escola de jor-
nada estendida, com o compromisso de contribuir para que o estudante
se desenvolva em todas as dimensões humanas. Para que isso se efetive,
o professor deve compreender que também é um sujeito integral e capaz
de se aprimorar em sua função docente.
Ainda, abordaremos a importância de esse professor, que trabalha
na educação integral em tempo ampliado, colocar em prática estratégias
didático-pedagógicas que contemplem a dimensão lúdica do sujeito, pois
são possibilidades de impulsionar a imaginação, a fantasia, a curiosidade,
a alegria, a criatividade e o desejo de continuar aprendendo.
Para organizar práticas educativas que considerem a ludicidade, a
criatividade, o desafio, a problematização e o aprender na prática, tra-
zemos discussões sobre a organização de oficinas, visto que, com elas, o
estudante aprende por meio da experimentação, refletindo sobre a ação
desenvolvida e permite que haja superação de práticas pedagógicas des-
providas de sentido para o sujeito da aprendizagem.
Nesse viés, discutiremos como é possível organizar salas ambiente
que promovam o acesso do estudante a diferentes tempos, espaços e
oportunidades de aprendizagem, articulando essas salas a propostas de
oficinas e ao Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola.

Objetivos de aprendizagem
• reconhecer que, na escola de tempo integral, se faz necessário pos-
siblitar aos estudantes diferentes estratégias e metodologias que
tenham como fundamento a ludicidade e a criatividade;
• compreender a organização de uma oficina pedagógica;
• identificar a organização de uma sala ambiente.

92 Educação em tempo integral na prática


4.1 Como ensinar na escola de jornada estendida
Vídeo Ensinar em uma escola que oferta educação integral em tempo am-
pliado requer proporcionar aos estudantes múltiplas oportunidades
para que se desenvolvam nas suas diferentes dimensões humanas, que
não se limitem apenas à dimensão cognitiva. Para tanto, faz-se necessá-
rio um mapeamento dos territórios educativos, a fim de que se possa
articular o currículo da escola aos saberes presentes nesses lugares.

Assim, o ensinar em uma escola de jornada estendida exige do pro-


fessor ir além de planejar estratégias para que os estudantes apren-
dam conteúdos presentes em uma grade curricular, com listagens de
conteúdos. Segundo Moll (2012), a escola de tempo ampliado não pode
ser mínima e sem diálogo entre as atividades propostas, mas sim com-
prometida com a formação humana integral, propondo pontes entre
os saberes que os estudantes trazem de suas vivências, dos territórios
e os saberes dispostos no currículo.

Desse modo, o professor que trabalha em uma escola que oferta


educação integral em tempo ampliado deve possibilitar aos estudantes
expandir seus repertórios científicos, históricos e culturais, instrumen-
talizando-os para exercerem sua cidadania e aprenderem na cidade,
com a cidade e pela cidade. Os diferentes territórios serão potenciali-
zadores da aprendizagem dos estudantes e, para isso, o docente terá
intencionalidade pedagógica para que possa, assim, exercer sua fun-
ção de mediador do processo de ensino-aprendizagem. Vamos a um
exemplo:

Na Escola de Educação Integral Esperança, a professora está de-


senvolvendo com os estudantes do 2º ano do ensino fundamental
um projeto de trabalho denominado Ruas da Cidade. Em uma das
etapas do projeto, os estudantes pesquisaram as características da rua da escola,
como: quem eram os moradores mais antigos; se havia comércio; o tipo de co-
mércio; se havia arborização; e se a rua era segura para os estudantes no trajeto
de casa. A professora instigou os estudantes a pesquisarem a rua no mapa da ci-
dade. Também, convidou alguns moradores antigos para descreverem como era a
rua antes, levando os estudantes a compararem e perceberem as transformações
no espaço geográfico. Os moradores levaram fotos antigas – isso serviu de mate-
rial didático para a observação dos estudantes. Estes fizeram um painel contendo
o comparativo entre as duas plantas da rua da escola, antes e na atualidade.

Metodologias de trabalho na educação em tempo integral 93


No exemplo anterior, observe que os conhecimentos científicos, his-
tóricos e culturais são trabalhados de maneira contextualizada e a co-
munidade educativa é convidada a participar efetivamente do processo
de ensino-aprendizagem dos estudantes. A escola e a comunidade se
inter-relacionam e o conceito de espaço é ampliado, ganhando contor-
no de território educativo, ou seja, há um cenário de intersetorialidade,
no qual as estratégias metodológicas não são pensadas apenas para
dentro de sala de aula, dentro de determinados limites.

Assim, educar em uma escola que oferta educação em tempo inte-


gral exige que o professor não se coloque como detentor do conheci-
mento a ser transferido para o estudante ou, até mesmo, acima deste.
É necessário ter uma postura que, de acordo com Freire (2007), exerça
a pedagogia da autonomia, a qual demanda o exercício permanente do
diálogo, da convivência amorosa com os estudantes, do respeito, do
compromisso, da ética e da tomada de decisões em função do desen-
volvimento do sujeito nas suas diferentes dimensões.

Dessa forma, ensinar precisa se distanciar do que Freire (2007)


denomina de ensino bancário, em que se deposita os saberes sobre
os estudantes. Ensinar, portanto, implica a presença de professo-
res que instiguem os alunos a questionarem, a refletirem, a serem
curiosos, a dialogarem com o conhecimento estudado e com os dife-
rentes saberes presentes nos territórios da cidade.

A necessidade de ser um pesquisador é outro ponto a ser consi-


derado pelo professor, pois, somente assim, será aquele que indaga
permanentemente sobre o seu próprio saber, sobre seu próprio per-
curso formativo, refletindo e (re)construindo sua prática pedagógica
em função do desenvolvimento dos estudantes. Vamos a um exemplo
de como esse professor pode pesquisar sobre seu processo formativo
e buscar, assim, aperfeiçoamento contínuo:

A professora do 2º ano da Escola de Educação Integral Esperança,


no desenvolvimento do projeto de trabalho Ruas da Cidade, anali-
sou, em uma roda de conversa, que os estudantes ainda não tinham
percebido as transformações que ocorreram na rua da escola; ela também per-
cebeu que não havia realizado um trabalho mais efetivo com a construção de
plantas baixas, como está disposto na BNCC, como um direito de aprendizagem
do estudante. Então, a professora retomou o planejamento e analisou os seus
encaminhamentos com os estudantes; e concluiu que ela mesma precisava saber
(Continua)

94 Educação em tempo integral na prática


mais sobre o conteúdo a ser estudado e apreendido pelos sujeitos da apren-
dizagem. Logo, a docente buscou pesquisar mais sobre o objeto de estudo da
Geografia, que é o espaço geográfico e suas transformações, a fim de com-
preender o mundo em que se vive. Ao procurar aprimorar seu planejamento,
considerando o referido objeto de estudo, sentiu a necessidade de pesquisar mais
sobre como aprofundaria os conceitos com os estudantes, a fim de que estes
compreendessem a organização espacial como resultado de uma construção
histórica.
Também verificou em sua pesquisa que precisava saber mais sobre a alfabetiza-
ção cartográfica, e que poderia organizar propostas didático-pedagógicas, nas
quais se possibilitasse a leitura dos espaços que os estudantes vivenciam, para
que eles pudessem se situar e atuar de maneira crítica e reflexiva no contexto
vivido, percebido e concebido (BRASIL, 2018).

Observe que a professora da turma sempre objetivou conhecer mais


sobre seus estudantes, o que eles sabiam sobre os conteúdos e o que
ainda precisavam avançar. Ainda, como uma profissional que reflete so-
bre sua prática, a docente revisitou seu planejamento, avaliando-o e redi-
mensionando-o, sendo essa ação própria de um professor pesquisador.
O professor que é pesquisador e reflexivo valoriza o seu conhecimento
adquirido na prática profissional sem deixar de lado o aprofundamento
teórico, o que lhe possibilita analisar, problematizar, avaliar e ressignifi-
car sua atuação docente (ALARCÃO, 2003).

Assim, o professor que trabalha em uma escola que oferta educa-


ção em tempo ampliado assume uma postura sensível e, ao mesmo
tempo, de rigorosidade metódica, o que lhe possibilita avançar rumo 1
à superação de concepções e metodologias tradicionais de ensino,
A pesquisa realizada por
apropriando-se de práticas teórico-metodológicas que o levam ao apri- Abdalla e Mota (2009)
buscou compreender
moramento constante, o que reverbera em ações educativas que con-
como os professores
tribuem para a formação integral do sujeito da aprendizagem. colocavam em prática
as oficinas concernen-
1
Segundo uma pesquisa desenvolvida por Abdalla e Mota (2009), tes à educação integral
em tempo ampliado. A
em escolas públicas da Rede Estadual de São Paulo, verificou-se que
pesquisa foi realizada em
quando a ampliação do tempo escolar está inter-relacionada à concep- quatro etapas distintas:
observação do cotidiano
ção de formação integral, também são proporcionadas aos professores
das escolas estudadas;
condições de desenvolvimento humano em suas diferentes dimensões. realização de entrevistas
com professores; aplica-
As pesquisadoras mencionadas concluíram que os docentes ques-
ção de questionários; e
tionavam sua prática, obtendo uma postura crítica e questionadora, análise de documentos.
buscando organizar atividades em que os estudantes aprendessem de
maneira prática, lúdica e experiencial.

Metodologias de trabalho na educação em tempo integral 95


Livro Outra questão verificada por Abdalla e Mota (2009) foi o contínuo
O capítulo “A escola de replanejamento, o que permitia a adequação de estratégias pedagógi-
tempo integral e suas
cas que viessem ao encontro das necessidades de aprendizagem dos
implicações na prática
docente”, do livro Edu- estudantes. Esse replanejamento se tornou possível devido à efetiva-
cação integral em tempo
ção de uma avaliação processual, contínua e diagnóstica, consolidando
integral: estudos e expe-
riências em processo, traz a relação permanente entre planejamento e avaliação.
reflexões com base em
pesquisas sobre como o Nesse sentido, quando o professor compreende que precisa exercer
professor que trabalha seu ofício em prol da formação multidimensional do estudante, tam-
na educação em tempo
integral ressignifica a bém buscará se desenvolver permanentemente, compreendendo-se
concepção de educação como sujeito integral, completo e capaz de aprimorar-se em sua função
integral considerando
sua prática pedagógica docente. Para refletirmos sobre o desenvolvimento do professor que
ao desenvolver oficinas. ensina na escola que oferta educação em tempo integral, observe a
Por meio do planeja-
mento e da efetivação figura a seguir.
das oficinas, o docente
reflete sobre o seu Figura 1
próprio trabalho e o O professor de uma escola de tempo estendido
aprimora.

ABDALLA, M. F. B; MOTA, S. M.
C. In: COELHO, L. M. C. C. Rio de Dimensão
cognitiva
Janeiro: FAPERJ, 2009.

Dimensão Dimensão
emocional sociocultural

Professor

Dimensão Dimensão
lúdica físico-motora

Fonte: Elaborada pela autora com base em Abdalla; Mota, 2009.

Ao organizar e colocar em prática o trabalho com as oficinas ofer-


tadas no tempo estendido, os professores observados e entrevistados,
na pesquisa de Abdalla e Motta (2009), aprenderam como os estudan-
tes construíam conhecimentos de maneira ativa, aprimorando a prá-
tica pedagógica. Ao realizarem planejamentos em que as atividades
desenvolvidas eram desafiadoras, lúdicas e envolventes para os estu-

96 Educação em tempo integral na prática


dantes, também se desenvolviam como sujeitos autônomos, reflexivos
e capazes de redimensionar suas ações, articulando concepções eman-
cipatórias de educação integral ao cotidiano da escola.

O professor da escola que oferta educação em tempo integral tem


as seguintes possibilidades:
• Dimensão cognitiva: utilizar de esquemas de análise, instrumen-
tos e técnicas que o permitam planejar oficinas em que os estu-
dantes aprendam na prática. O replanejamento é constante, por
meio da autoavaliação, da reflexão sobre a prática e da inovação.
• Dimensão sociocultural: dialogar com estudantes, professores,
equipe gestora e demais membros da comunidade educativa.
Esse diálogo permanente contribui para que o tempo ampliado
do estudante seja um tempo de qualidade, em que ele seja o pro-
tagonista do PPP da escola.
• Dimensão emocional: compreender-se como sujeito completo
e, como tal, valoriza o trabalho em grupo, lida com os conflitos de
modo a superar situações problemáticas em prol do bem-estar
dos estudantes e de toda a comunidade educativa.
• Dimensão físico-motora: perceber que, assim como o estudante
não aprende apenas em sala de aula, ele também pode aprender
de maneira ativa. Assim, aqueles que organizam as formações de
professores, com base em concepções de educação integral mul-
tisetorial, podem propor estratégias formativas em que os docen-
tes possam aprender e se desenvolver em todas as dimensões,
incluindo a dimensão físico-motora.
• Dimensão lúdica: ser criativo e possibilitar ao estudante o apren-
der de maneira prazerosa, a ludicidade será fundamento para o
seu trabalho. Isso, pois, o professor da escola que oferta educação
integral em tempo ampliado não deve ser repetitivo, enfadonho,
propondo estratégias concernentes às metodologias tradicionais
de ensino. Portanto, faz-se necessário que o professor também
tenha oportunidades de se desenvolver nesse aspecto, apren-
dendo sobre seu trabalho por meio de oficinas, jogos, desafios
e brincadeiras.

Diante dessas dimensões, aqueles que pensam e organizam forma-


ção inicial e continuada para os profissionais que trabalham em escolas
que ofertam educação em tempo integral têm condições de tecer algu-
mas proposições:

Metodologias de trabalho na educação em tempo integral 97


• Cursos em que se articule a teoria à prática pedagógica, possibi-
litando ao docente aprender mais sobre as diferentes dimensões
humanas e, além de promover o desenvolvimento do estudante,
se desenvolver.
• Instrumentalizar os professores para o desenvolvimento de prá-
ticas educativas em que se contextualize o conhecimento social-
mente elaborado pela humanidade. Ou seja, na formação inicial ou
continuada, o professor aprende como articular os saberes cientí-
ficos, históricos e culturais à vida em sociedade, para que esses
conhecimentos tenham sentido e significado na vida do estudante.
• A reflexão sobre a prática deve se fazer presente em todas as ações,
uma vez que, por meio dela, o professor revê práticas e as redi-
mensiona em função do seu próprio desenvolvimento profissio-
nal, como também em prol da formação integral do estudante.

É importante destacarmos que, para além dessas proposições, a


escola é lócus dos processos de ensino-aprendizagem. Dessa forma,
quando o professor se envolve na elaboração e na efetivação de um
PPP democrático, há nesse movimento participativo possibilidades de
desenvolvimento profissional e de se colocar em prática a inter-relação
entre teoria e prática emancipatórias.

4.2 Ludicidade e criatividade na


Vídeo educação integral
A ludicidade é uma das dimensões a serem trabalhadas e desen-
volvidas na escola que oferta educação em tempo ampliado, pois por
meio dela há possibilidades de impulsionar a criatividade, a imagina-
ção, a fantasia, a curiosidade, a alegria e o desejo de continuar apren-
dendo. Assim, ao se promover propostas lúdicas na escola, permite-se
ao estudante ter tempos planejados para continuar se desenvolvendo,
descobrindo e reconstruindo o conhecimento por meio da afetividade,
da interação, da exploração e da prática.

De acordo com Brennand e Rossi (2009), por meio da ludicidade,


as crianças descobrem sua própria maneira de ser, comunicam-se e
se inserem no contexto histórico e cultural de maneira ativa, uma vez
que o brincar e o jogar são acompanhados de regras. Para além de se

98 Educação em tempo integral na prática


apropriar de regras, as crianças exploram, recriam e as reinterpretam,
e o brincante exerce sua capacidade de tomar decisões.

Segundo Kishimoto (2010), o brincar é a atividade principal do dia da 2


criança, possibilitando-lhe exercer a autonomia e utilizar diferentes lin- Segundo Barbosa (2007),
pesquisas como as de
guagens, o movimento, a fala e os sentidos, explorando, assim, o mun- Sarmento, Corsaro e
2
do dos objetos, relacionando a cultura da infância à cultura escolar . Cohn contribuem para
a construção de uma
Kishimoto (2010) destaca que as crianças não nascem sabendo concepção de infância em
que se vislumbra a criança
brincar, elas aprendem com outras crianças e com adultos. Dessa for- como produtora de cultu-
ma, em uma escola que objetiva formar para a integralidade humana, ra, tirando-a da condição
de reprodutora como
faz-se necessário oportunizar tempos e espaços para ações lúdicas, em ser que apenas assimila
que os jogos e as brincadeiras se façam presentes. A pesquisadora afir- conhecimentos.

ma que ao planejar jogos e brincadeiras, é preciso seguir também as


ações de cuidado, seguindo os indicativos do Inmetro (Instituto Nacio-
nal de Metrologia), evitando, portanto, acidentes, conforme podemos
observar na Figura 2.

O cuidar e o educar são ações indissociáveis, presentes desde a


primeira etapa da educação básica. Logo, quando se organiza tem-
pos, espaços e materiais para que a ludicidade aconteça, também é
imprescindível pensar nessa inter-relação,
Figura 2
garantindo que cada estudante tenha suas Jogos e brincadeiras e selo do Inmetro
oportunidades de aprendizagem e desen-
volvimento ampliadas, mas com segurança. Lavável, feito
com materiais
De acordo com as Diretrizes Curricula- que podem ser Não
limpos inflamáveis
res Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, Cordas e
cordões
Resolução CNE/CEB n. 5/2009), os eixos es-
truturantes dessa etapa da educação bási-
ca são a interação e a brincadeira, as quais
garantem experiências que promovam o Jogos e Tamanho
Durabilidade
conhecimento de si mesmo e do mundo, brinquedos
favorecendo a imersão da criança em dife-
rentes linguagens e formas de expressão
(BRASIL, 2009).
Bordas Divertidos
Na Base Nacional Comum Curricular cortantes ou
pontas
(BNCC), o brincar é apresentado como um Não tóxicos

direito da criança. Por isso, a escola, em


especial a de educação infantil, deve asse-
Fonte: Elaborada pela autora com base em Kishimoto, 2010.

Metodologias de trabalho na educação em tempo integral 99


gurar que os jogos e as brincadeiras ocorram cotidianamente e de dife-
rentes maneiras, para que ela amplie e diversifique suas experiências
(BRASIL, 2018).

Em uma escola que oferta educação em tempo integral e objetiva


a formação humana nas suas diferentes dimensões, a ludicidade será
o fio condutor de todas as práticas educativas. Para isso, os profissio-
nais da instituição irão planejá-las de maneira integrada, conforme de-
monstrado na figura a seguir.

Figura 3
Planejamento de jogos e brincadeiras

Tempos Materiais
Espaços
• Qual horário as • Quais materiais serão
crianças poderão • Em quais lugares da
disponibilizados
escola, ou do seu
brincar livremente? para os jogos e as
entorno, os jogos e as
• Em quais momentos brincadeiras de livre
brincadeiras poderão
o jogo e a brincadeira escolha?
ser desenvolvidos?
estarão atrelados • Quais os materiais
• O espaço planejado
serão organizados,
ao trabalho com permite que tipo de
pensando no trabalho
os conhecimentos jogo e brincadeira?
intencional com
científicos, históricos e • O espaço oferece
os conhecimentos
culturais presentes no segurança às crianças
presentes no currículo
currículo? e aos profissionais?
escolar?
• É possível levar
• Qual é o interesse das • Os materiais são
materiais nesse
crianças no jogo e na seguros e adequados
espaço?
brincadeira proposta? à faixa etária?

Fonte: Elaborada pela autora.

Como podemos observar, a intencionalidade estará presente nas


propostas de jogos e brincadeiras com os estudantes, independente-
mente da faixa etária em que estejam. Dessa forma, faz-se necessá-
rio valorizar no planejamento do professor a observação atenta para
o interesse do estudante na proposta lúdica desenvolvida, para que o
docente possa saber quando replanejar os tempos, os espaços e os
materiais disponíveis e possibilitar, assim, outras estratégias e possibili-
dades para que os sujeitos continuem a aprender brincando e jogando.
Vamos a um exemplo:

100 Educação em tempo integral na prática


Na Escola de Tempo Integral Esperança, a professora de Arte do
2º ano percebeu que os estudantes não estavam demonstrando
interesse nas propostas que ela fazia. Geralmente, ela fazia um mo-
mento teórico sobre o assunto abordado e, posteriormente, levava os alunos para
a sala de arte para realizar um momento mais prático. A professora percebeu que
eles só tinham interesse em realizar jogos com figurinhas. Em conversa com a
coordenadora pedagógica da escola, resolveram reorganizar as aulas consideran-
do os interesses das crianças, os tempos das aulas e a organização dos espaços.
A professora, então, realizou a seguinte avaliação:
Interesse dos estudantes: fez rodas de conversa com os estudantes para me-
lhor compreender como era o jogo que eles realizavam, conhecendo suas regras
e seus desafios.
Tempo das aulas: deixou de fazer uma aula teórica sobre o artista que ela objetivava
apresentar aos estudantes, para depois trabalhar uma aula prática. Considerou que
os estudantes permaneciam nove horas na escola, e não era interessante para as
crianças de 7 ou 8 anos, ficar ouvindo a professora falar de um artista.
Espaços: percebeu que a concepção de espaço que ela tinha era tradicional, as crian-
ças permaneciam sentadas em sua aula, sem poder dialogar com os colegas.
Desse modo, em conversa com a coordenadora pedagógica, a professora resol-
veu trabalhar com oficina de artes visuais, propondo leitura de imagens, experi-
mentação de diferentes materiais, com a utilização de riscantes variados, em que
o estudante pudesse realizar escolhas. Assim, não haveria separação entre aula
teórica e aula prática. A professora passou a utilizar mais a sala de arte, pois esta
tinha os materiais e os mobiliários adequados para a realização das propostas.
Também propôs aos estudantes organizar um jogo de figurinhas com base nos
artistas estudados.

Um professor que trabalha em uma escola que oferta educação in-


tegral em tempo ampliado precisa avaliar constantemente seu traba-
lho, para que possa redimensionar sua prática em função do interesse
e do desenvolvimento integral dos estudantes. Quando a professora
do exemplo anterior trouxe como estratégia metodológica o jogo de
figurinhas que antes a incomodava nas aulas, além de se utilizar da
ludicidade em sua prática pedagógica, abriu espaço para a criação de
maiores vínculos com os estudantes.
Com relação à utilização da sala de arte, a professora a priorizou
porque nela havia materiais e espaço próprio para o desenvolvimento
de uma oficina. Nessa sala em específico, o aluno poderia ampliar o
seu repertório imagético e apreciar imagens de diferentes artistas, su-
perando a divisão entre aula prática e aula teórica. Isso não quer dizer
que a professora não poderia realizar propostas no pátio da escola, na

Metodologias de trabalho na educação em tempo integral 101


biblioteca, no entorno da escola ou em outros espaços onde os estu-
dantes pudessem aprender de maneira prática, experiencial e lúdica, o
que promove o desenvolvimento da criatividade.
A ludicidade presente nas estratégias da professora apoia os pro-
cessos de aprendizagem dos estudantes, deixando para trás as estra-
tégias tradicionais de ensino, que geram enfado, desinteresse e falta
de vínculo com a construção do conhecimento. Ao trazer o jogo como
parte de sua aula, a professora não desistiu do seu trabalho com as
artes visuais, ao contrário, compreendeu que a ludicidade na prática
pedagógica é a possibilidade de trazer para o cotidiano escolar a ale-
gria e o prazer em aprender.

Artigo

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2176-66812014000200002&script=sci_abstract&tlng=pt

O artigo Escolas de tempo integral e ludicidade: os pontos de vista de alunos do 1º ano do


ensino fundamental, de Azevedo e Betti, publicado na Revista Brasileira de Estudos Peda-
gógicos, traz reflexões com base no estudo realizado em uma escola que oferta educa-
ção em tempo integral. As autoras descrevem como as crianças de 1º ano percebem a
divisão do tempo na escola, em que em um período realizam atividades mais lúdicas; e,
em outro, práticas tradicionais. As pesquisadoras defendem a ampliação do tempo do
jogo e da brincadeira na escola e a superação de uma escola de dupla jornada: escola
séria versus escola do aprender brincando. Para elas, a escola de tempo ampliado deve
ser de tempo inteiro e ser a escola do aprender por meio da prática, da experienciação
e da ludicidade.

Acesso em: 7 jul. 2021.

4.3 Oficinas pedagógicas como


Vídeo proposta de trabalho
Além da necessidade de ampliar o tempo escolar dos estudantes
brasileiros da educação básica, é preciso preocupar-se com a qualida-
de do tempo ofertado. Essa qualidade está relacionada à consolidação
do direito à aprendizagem e ao desenvolvimento das diferentes dimen-
sões humanas. Para que isso ocorra, é preciso investir na organização
do tempo escolar de modo que este seja vivenciado pelos estudantes
com práticas educativas lúdicas, experienciais e desafiadoras, que lhes
possibilitem avançar na construção do conhecimento.

A oficina pedagógica é uma metodologia de trabalho que possibilita


a superação de práticas tradicionais de ensino. Isso, pois, na oficina,

102 Educação em tempo integral na prática


os estudantes aprendem de maneira exploratória, por meio da intera-
ção, da ludicidade e da pesquisa, buscando superar a hiperescolariza-
ção, em que os sujeitos da aprendizagem têm acesso a atividades sem
sentido, voltadas ao preenchimento do tempo. Ou seja, por meio das
oficinas pedagógicas, tem-se possibilidades de organizar os tempos, os
espaços, as atividades e os materiais, com o intuito de o estudante ter
acesso a tempos escolares em que seja possível aprender na prática.

As oficinas pedagógicas, fundamentadas em Dewey (1979) – no que


se refere a aprender por meio da experimentação em que o estudante
age e reflete sobre sua ação – vão ao encontro dos objetivos da educa-
ção integral, que visam à formação humana em suas múltiplas dimen-
sões. Observe a figura a seguir.
Figura 4
Aprender na prática
Syda Productions/shutterstock

Rawpixel.com/shutterstock

Jacob Lund/shutterstock
As imagens da Figura 4 nos remetem ao que Dewey (1979) denomi-
nava de protagonismo do estudante, em que o sujeito da aprendizagem
é ativo no seu processo de desenvolvimento. Para o autor, quando o
estudante é o protagonista, a educação não é um processo de alguém
falar e o outro ouvir, mas um processo de ação e construção.

Outro estudioso que baliza o planejamento de oficinas da educa-


ção em tempo integral é Anísio Teixeira (2007), que fundamentou sua
pesquisa e sua atuação nos estudos de Dewey. Para Teixeira (2007), o
interesse dos estudantes seria fundamental na geração do aprendiza-
do. Logo, era necessário superar os métodos de memorização. Assim
como Dewey (1979), defendia que a escola não deveria apenas desen-
volver o aspecto intelectual, mas o sujeito na sua integralidade.

Outro educador que inspira o trabalho com oficinas pedagógicas é


Freinet (1998), que considerava necessária a cooperação entre os estu-
dantes. O autor defendia a ideia de que o papel do professor era criar

Metodologias de trabalho na educação em tempo integral 103


nas crianças a necessidade de agir, de colocar em prática os conheci-
mentos, de descobrir e de pesquisar.

Desse modo, balizados pela concepção de formação humana in-


tegral, para se organizar uma oficina em uma escola que oferta edu-
cação em tempo ampliado, há necessidade de se considerar alguns
elementos:
• Horizontalidade: há interação entre os estudantes e o pro-
fessor. O professor dialoga, intervém e problematiza (VIEIRA;
VOLQUIND, 2002). O professor será aquele que ouve o que os
estudantes têm a dizer e acredita no trabalho coletivo.

No PPP da Escola de Tempo Ampliado Esperança, consta que o


objetivo é formar o estudante na sua integralidade, portanto, con-
sidera a interação humana como essencial ao desenvolvimento do
sujeito. A escola também tem registrado em seu documento, que os estudan-
tes têm direito de serem ouvidos e de expressarem suas opiniões. Assim, para
planejar uma oficina, os estudantes são consultados e considerados em todas
as etapas do trabalho. O diálogo é permanente entre estudantes e estudantes e
entre estudantes e professores. A professora intervém, questiona e medeia para
adequar a organização da oficina de acordo com os objetivos de aprendizagem e
os interesses dos estudantes.

• Problematização: o professor não será aquele que “dará aulas”,


mas sim aquele que organiza vivências, experienciações, pesqui-
sas e questionamentos para que os estudantes avancem em suas
aprendizagens (VIEIRA, VOLQUIND, 2002).

Na Escola de Tempo Ampliado Esperança, o trabalho é organizado


por oficinas pedagógicas. A professora do 2º ano, que trabalha
com uma oficina de ciências, está desenvolvendo uma proposta
relacionada ao reconhecimento dos seres vivos e não vivos. Ela organizou uma
aula de campo para observar o jardim da escola e, objetivando que os estudantes
tivessem um olhar direcionado para a temática, realizou os seguintes questiona-
mentos: quais os seres vivos estão presentes neste jardim? Existe diferença entre
os seres vivos que estão aqui e os que estão na sua casa?
Após essa vivência, a professora conduziu os estudantes à sala ambiente da
oficina. Lá, a professora questionou como poderiam registrar o que descobriram.
Alguns estudantes decidiram fazer uma maquete do jardim; outros, optaram por
fazer um painel. Então, a professora orientou que antes de fazerem a maquete ou
o painel, eles poderiam desenhar ou escrever o que pretendiam fazer. Em seguida,
a professora questionou se já era possível colocar a mão na massa, ou se ainda
(Continua)

104 Educação em tempo integral na prática


havia coisas que precisavam descobrir sobre os seres vivos e não vivos. Com isso,
os estudantes perceberam que havia outras dúvidas e precisavam consultar livros,
revistas e sites, para que depois pudessem trazer mais elementos para o registro fi-
nal. A professora os incentivou a começar a maquete e o painel, pois, à medida que
fossem descobrindo mais coisas, poderiam acrescentar elementos ao trabalho.

• Ação e reflexão sobre a prática: as oficinas serão voltadas ao


aprender na prática, porém isso não quer dizer que será o fazer
pelo fazer, pois isso esvaziaria a função social da escola. Na ofi-
cina pedagógica, o aluno aprende a aprender e reflete sobre a
sua aprendizagem. O professor desafia, questiona e instiga, rea-
lizando mediações que possibilitem ao estudante continuamente
avançar em seus conhecimentos.

Os estudantes do 2º ano da Escola de Tempo Ampliado Esperança,


na oficina para reconhecimento de seres vivos e não vivos, não
se limitaram a realizar uma atividade de registro no painel, houve
vivência, exploração, prática e pesquisa. Assim, o método tradicional de ensino foi
superado e as crianças avançaram em seu processo de aprendizagem. Na elabo-
ração do painel, à medida que as crianças o construíam, a professora questionou,
mediou e as incentivou a saber mais.

• Planejamento e avaliação: para propor uma oficina pedagó-


gica, é necessário planejamento do professor em consonância
com o PPP da escola. A oficina será proposta de acordo com os
interesses dos estudantes, do projeto de trabalho delineado e
da avaliação diagnóstica realizada pelo professor. Com relação à
avaliação processual, é importante que o professor se utilize da
prática de elaboração de portfólios. Estes são instrumentos de
autoavaliação do estudante e do docente.

A professora da oficina de teatro da Escola de Tempo Ampliado


Esperança organizou um planejamento cujo objetivo a ser atingido
com a proposta era o desenvolvimento da criatividade e da imagi-
nação por meio da confecção e movimentação de dedoches e fantoches. Para
avaliar os estudantes a como reorganizar estratégias da oficina, a professora pro-
pôs a construção de portfólios individuais, pois, por meio destes, os estudantes
puderam pensar o seu processo de aprendizagem; e a docente podê refletir sobre
o processo de ensino, reorganizando-o tendo em vista o desenvolvimento integral
dos sujeitos da aprendizagem.

Metodologias de trabalho na educação em tempo integral 105


• Organização dos espaços, das estratégias e dos materiais:
estudantes e professores pensam os possíveis lugares para a or-
ganização da oficina. Os professores registram em seus planeja-
mentos quais as atividades serão desenvolvidas, as estratégias
didático-pedagógicas e os materiais que serão disponibilizados
aos sujeitos da aprendizagem, bem como o tempo aproximado
de desenvolvimento.

A organização do tempo da oficina é aproximada, pois dependerá


também do interesse da turma na temática desenvolvida.

A professora está desenvolvendo com os estudantes uma oficina


de artes circenses. A princípio havia um planejamento para que
ocorresse no prazo de dois meses, duas vezes na semana. Contudo,
no decorrer da proposta, surgiram muitos questionamentos, que decorreram em
mais pesquisas, mais práticas e, consequentemente, mais tempo para ampliar e
aprofundar os conhecimentos. Logo, é preciso efetivar uma avaliação contínua,
para, sempre que necessário, readequar o planejamento da oficina.

Como podemos perceber, para trabalhar com oficinas na educação


integral em tempo ampliado é necessário planejamento, organização,
registro e avaliação permanente da proposta, sempre em consonância
com o PPP da escola e uma escuta sensível às necessidades, aos inte-
resses e saberes dos estudantes. Observe a figura a seguir.

Figura 5
Planejamento de uma oficina

Organização de
• PPP elaborado tempos, espaços e • O estudante participa em
coletivamente. atividades todas as etapas.
• Avaliação diagnóstica • O aluno é o protagonista
• O professor é mediador, do trabalho educativo.
da comunidade
planeja, organiza e
educativa.
medeia as oficinas.
Objetivo: formar • O docente ouve os Ação-reflexão-ação
integralmente estudantes, instiga-os a
pesquisar e a colocar a
mão na massa.

Fonte: Elaborada pela autora.

106 Educação em tempo integral na prática


Quando há participação efetiva de todos os envolvidos no processo
educativo na elaboração do PPP, que é o plano global da escola, fa-
mílias, estudantes, professores, equipe gestora e demais funcionários Livro
reconhecem os saberes, as vivências, a cultura e as necessidades de No livro Oficinas de ensino:
aprendizagem daquela comunidade na qual a escola está inserida, bem O quê? Por quê? Como?,
as autoras elucidam a
como dos estudantes. Desse modo, uma oficina de percussão organi- concepção de oficinas
zada para os estudantes de uma escola pode não ser interessante para de ensino, ou oficinas
pedagógicas, bem
os estudantes de outra escola próxima. como trazem ao leitor
elementos práticos para
Para planejar uma oficina, também é preciso mapear os espaços
sua estruturação. Para as
da escola, verificar o lugar onde ela será organizada e se há professor pesquisadoras, para que
a proposta de oficinas
habilitado para ministrar essa oficina.
se concretize, necessita
envolver os estudantes
por meio do pensar, do
A Escola de Tempo Ampliado Esperança adquiriu instrumentos de sentir, da problematiza-
percussão, pois ouviu os estudantes e percebeu que eles tinham in- ção, da ludicidade, da
teresse em participar de uma oficina. Uma professora poderia estar descoberta, do diálogo e
da cooperação. Leitura
à frente da proposta. No entanto, quando os materiais chegaram, verificou-se que
recomendada para todos
não havia um espaço adequado para a organização da oficina. aqueles que desejam
saber mais sobre como
organizar uma oficina que
considere os saberes dos
Desse exemplo, podemos concluir que não basta ter boa vontade, estudantes, como tam-
bém suas curiosidades e
faz-se necessário trabalhar com o coletivo da escola na elaboração de interesses!
propostas. Para que os estudantes tenham acesso a uma escola de VIEIRA, E; VOLQUIND, L. Porto
qualidade, as decisões não podem ser tomadas de maneira isolada. Alegre: ediPUCRS, 2002.

A equipe gestora da escola (direção e equipe pedagógica), funda-


mentando-se nos propósitos e encaminhamentos dispostos no PPP da
unidade educativa, mobilizará os diferentes segmentos da comunida-
de educativa para que o planejamento escolar seja construído coleti-
vamente, e isso requer diálogo permanente com todos os segmentos
dessa comunidade.

Dessa forma, a oficina é uma metodologia de trabalho que envolve


a dialogicidade na relação de todos os envolvidos no processo educati-
vo, tendo uma dinâmica dialética, em que a ação-reflexão-ação ocorre
continuamente. É espaço de construção coletiva do conhecimento,
para essa metodologia não há lugar para isolamento, aulas transmissi-
vas e memorização sem significado para os estudantes.

Metodologias de trabalho na educação em tempo integral 107


4.4 Salas ambiente
Vídeo Na educação integral em tempo ampliado, a aprendizagem não
ocorre apenas no espaço da escola, mas também nele. Os tempos da
escola precisam estar conectados aos tempos de vida dos estudantes,
portanto os espaços da escola precisam ser redimensionados.

Se o objetivo é formar integralmente, há a necessidade de se cons-


truir ambientes de aprendizagem que permitam aos estudantes de-
senvolverem-se nas suas diferentes dimensões. Desse modo, as salas
ambiente, além de serem um lugar acolhedor, propiciam aos estudan-
tes múltiplas oportunidades de construírem conhecimentos de manei-
ra ativa, experimentando, pesquisando, questionando, interagindo e
solucionando problemas (ROVAI, 2005). Uma sala ambiente será pla-
nejada e organizada com os estudantes e de acordo com a oficina que
será desenvolvida.

Segundo Rovai (2005), para organizar uma sala ambiente, não basta
encher de cartazes, ou de materiais um espaço da escola, pois para
construir um ambiente de aprendizagem é preciso que se possibilite a
criatividade dos estudantes, que seja um espaço de intercâmbio cultu-
ral e de oportunidades para que o estudante seja efetivamente o pro-
tagonista do processo de aprendizagem.

As salas ambiente possibilitam, para a escola que oferta educação


integral em tempo ampliado, a articulação curricular entre os dois tur-
nos vivenciados pelos estudantes, superando a divisão entre turno e
contraturno, uma vez que não haverá um espaço para o núcleo consi-
derado mais sério e outro da ludicidade e da experienciação. Quando
a escola organiza os seus espaços por meio das salas ambiente, todo
o tempo é tempo para aprender de maneira dinâmica e interativa. Ob-
serve a figura a seguir.

108 Educação em tempo integral na prática


Figura 6
Organização da escola em salas ambiente

Cancha de areia Sala dos Pátio externo Horta


professores

Refeitório

Oficina de WC WC Oficina de Sala de


F M Equipe gestora Oficina de Ciências WC WC
Ciências e Saúde F M dança Artes
e Saúde
Visuais

Inglês e Laboratório Biblioteca Sala de


espanhol de Ciências e Quadra coberta Jogos
Tecnologias matemáticos
Oficina
Educação Oficina de de
Judô e leitura e de teatro
patrimonial
karatê produção de
texto
Bloco A Bloco B
Fonte: Elaborada pela autora.

Ao observarmos essa planta baixa de uma escola, que ilustra a


possibilidade de organização de oficinas em uma escola que oferta
educação integral em tempo ampliado por meio das salas ambiente,
podemos deduzir que essas salas não precisam funcionar para deter-
minada oficina durante todo o ano letivo. Ao contrário, de acordo com
o PPP, com o currículo oficial e os interesses dos estudantes, podem ser
readequadas para atender às especificidades da escola, das diferentes
turmas e de suas diferentes faixas etárias, ou seja, os espaços podem
ser polivalentes e flexíveis.

Uma sala ambiente precisa ser organizada com os recursos necessá-


rios para o desenvolvimento da oficina, atentando para a diversidade, qua-
lidade, estética, quantidade, segurança e durabilidade desses materiais.

Quanto à utilização da sala ambiente, os estudantes podem se orga-


nizar para realizar diferentes atividades que envolvam a mesma temá-
tica estudada naquele espaço, pois o objetivo de ensino-aprendizagem
será comum a todos, mas a forma como se chegará a essa aprendiza-
gem poderá seguir por caminhos diferentes para cada estudante, ou
para cada grupo.

Metodologias de trabalho na educação em tempo integral 109


No PPP da Escola de Tempo Ampliado Esperança, está explicitado
que a metodologia de trabalho a ser utilizada são oficinas, sendo
organizadas em salas ambiente. Uma das salas ambiente foi
estruturada para o desenvolvimento de práticas e investigações relacionadas à
ciência e à tecnologia. A turma do 2º ano está desenvolvendo uma proposta de
trabalho para investigar os seres vivos e não vivos. Enquanto alguns estudantes
envolvem-se em uma pesquisa na internet, outros estão concentrados nos mi-
croscópios, registrando o que observam. Os demais estudantes podem consultar
os livros que estão à disposição ou, ainda, podem estar com a professora auxiliar
no jardim da escola, fazendo algumas análises.

No caso exemplificado, podemos notar que, nessa organização, a


salas são vislumbradas como um espaço socialmente construído para
a aprendizagem de maneira interativa, e isso ocorre por meio do aces-
so a uma diversidade de recursos didático-pedagógicos, bem como na
relação entre estudantes e estudantes, e estudantes e professores.

De acordo com Forneiro (1998), quando a organização do espaço


é um elemento curricular vivo, não se vislumbra apenas a dimensão
física, mas também as dimensões temporal, funcional e relacional,
construindo-se um ambiente de aprendizagem, conforme podemos
observar na figura a seguir.

Figura 7
Dimensões do ambiente escolar

Dimensão
temporal

Dimensão Dimensão
física AMBIENTE funcional

Dimensão
relacional

Fonte: Forneiro, 1998, p. 234.

Dessa forma, para organizar as salas ambiente, considerando o es-


paço como elemento do currículo escolar, haverá o planejamento de
todas essas dimensões de maneira correlacionada, pois o próprio am-
biente fará parte do conteúdo de aprendizagem, uma vez que não há
neutralidade na estruturação do espaço educativo (FORNEIRO, 1998).

110 Educação em tempo integral na prática


Na dimensão temporal questiona-se quando e como é utilizado o
espaço, refletindo também sobre o tempo que os estudantes precisam
para realizar as atividades, para comunicar-se com os colegas, o tem-
po de concentração, de diálogo, de ludicidade, entre outros. Segundo
Forneiro (1998), se essa dimensão não for levada em conta, o ambiente
educativo em vez de se tornar atrativo pode ser estressante e não gerar
prazer em aprender.
Outra dimensão explicitada por Forneiro (1998) é a dimensão físi-
ca, que diz respeito ao aspecto material do ambiente. Essa dimensão,
quando vislumbrada na inter-relação entre as demais, confere dinami-
cidade à sala ambiente, pois, se em determinado momento a sala está
organizada para uma oficina de dança, em outro, essa mesma sala,
pode ser estruturada para uma oficina de canto coral, realizando as Site
necessárias adequações, de acordo com os objetivos de ensino-apren-
No site Canal Futura,
dizagem planejados. produzido pela Fundação
Roberto Marinho, há uma
Na dimensão funcional, portanto, vislumbra-se a polivalência dos trilha de vídeos sobre
ambientes educativos, onde um mesmo espaço pode ser organizado a organização de salas
ambiente. Nos vídeos, há
para diferentes funções. Quando pensamos, por exemplo, em uma entrevistas com gestores,
biblioteca escolar, esta pode ser um espaço para que o estudante estudantes e professores
que dão seu depoimento
aprenda a pesquisar, como também pode ser um lugar para leitura sobre o processo de
de fruição, ou para o professor desenvolver uma oficina de contação ensino e de aprendizagem
em escolas que primam
de histórias. pela superação do ensino
tradicional. Com oficinas
Já na dimensão relacional consideram-se os diferentes agrupamen-
organizadas nas salas
tos possíveis na sala ambiente, de acordo com as temáticas de estudo nas ambiente, os estudantes
oficinas, o interesse dos estudantes, os objetivos de ensino-aprendizagem desenvolvem a criativi-
dade, a autonomia e são
elencados no planejamento do professor, entre outros. protagonistas de sua
própria aprendizagem.
Essa dinamicidade que ocorre nas oficinas organizadas nas salas
Disponível em: https://www.
ambiente possibilitam aos estudantes articular os conhecimentos
futura.org.br/trilhas/o-que-e-sala-
científicos, históricos e culturais à vida em sociedade, uma vez que ambiente/. Acesso em: 7 jul. 2021.
as práticas tradicionais de ensino são superadas. Por meio das salas
ambiente, os sujeitos da aprendizagem têm mais oportunidades para
compreender os conteúdos pesquisados, visto que estes não são tra-
balhados de maneira estanque, mas experienciados e inter-relaciona-
dos a outros conhecimentos.

Metodologias de trabalho na educação em tempo integral 111


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, pudemos perceber a importância de uma escola de
tempo ampliado possibilitar aos sujeitos da aprendizagem estratégias e
metodologias que tenham como fundamento a ludicidade, a criativida-
de, o desafio e a problematização, superando as práticas tradicionais de
ensino. O professor que ensina em uma escola de tempo ampliado, deve
buscar o seu desenvolvimento, compreendendo-se como um sujeito inte-
gral, para que, assim, também coloque em prática estratégias didático-pe-
dagógicas que vislumbrem o estudante na sua totalidade.
Nesse viés, a organização de oficinas pedagógicas permite ao
professor vislumbrar possibilidades de desenvolvimento integral do es-
tudante e o seu desenvolvimento profissional. Isso porque, quando há
aprendizagem por meio da prática e da reflexão sobre esta, o docente
tem melhores condições de avaliar e de redimensionar o seu trabalho,
sendo as salas ambiente um espaço propício para que a prática educa-
tiva ocorra com autonomia.

ATIVIDADES
Vídeo 1. Quem é o professor na escola de tempo ampliado?

2. Como organizar propostas didático-pedagógicas em que a ludicidade


esteja presente?

3. Como organizar o planejamento de uma oficina?

4. Como as salas ambiente contribuem para a superação da dicotomia


entre turno e contraturno?

REFERÊNCIAS
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112 Educação em tempo integral na prática


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Básica. Resolução n. 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais
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Metodologias de trabalho na educação em tempo integral 113


5
Articulação e participação
nos processos educativos
Neste capítulo, vamos refletir sobre como uma escola que objetiva for-
mar o estudante nas suas múltiplas dimensões o valoriza como o centro
do fazer educativo, pautando todas as práticas de gestão escolar no pro-
tagonismo do sujeito da aprendizagem.
Nesse viés, abordaremos a importância do grêmio estudantil na qua-
lidade de instância colegiada de participação do estudante, uma vez que
possibilita a ele exercer o seu protagonismo na comunidade escolar. Diante
dessa questão, destacaremos atividades organizadas por meio do grêmio
voltadas à cultura, ao meio ambiente, ao esporte etc., que contribuem para
a formação integral dos estudantes, além do exercício de participação e
articulação dos processos decisórios da escola.
Para refletirmos sobre a necessária articulação entre as instâncias co-
legiadas na gestão escolar, trataremos da importância de se estabelecer
uma cultura escolar em que se consolide a participação, a transparência
e a ética como princípios, superando as relações hierárquicas de poder
e efetivando a horizontalidade como estratégia de dialogicidade entre a
equipe gestora da escola, o Conselho de Escola e o grêmio estudantil.

Objetivos de aprendizagem
Com o estudo deste capítulo, você será capaz de:
• compreender a importância da participação dos estudantes na
organização e consolidação de propostas educativas;
• identificar estratégias de participação dos estudantes;
• perceber a relevância do trabalho articulado entre escola e
famílias;
• identificar possibilidades de articulação entre a escola e a
comunidade.

114 Educação em tempo integral na prática


5.1 Estudantes como foco no processo educativo
Vídeo O cotidiano de uma escola é repleto de desafios, mesmo quando
a equipe gestora da escola é comprometida com o direito à aprendi-
zagem e busca mobilizar os diferentes segmentos da comunidade
educativa na elaboração de um PPP participativo, em que todos são
representados na sua construção e efetivação.

Quando há o envolvimento de professores, pedagogos, diretores,


famílias/responsáveis e estudantes no dia a dia da escola, inclusive nos
processos decisórios, há maiores possibilidades de a escola que oferta
educação integral em tempo ampliado se consolidar como uma insti-
tuição educativa na sociedade que contribui efetivamente para o de-
senvolvimento do estudante nas suas diferentes dimensões.

Nessa perspectiva, vislumbra-se o estudante como aquele que é


capaz de aprender, de se desenvolver e de participar, superando o
1
ideário de que o adulto tem todas as respostas sobre o que a criança
A gestão democrática da
educação pública é princí-
precisa e que esta é vazia, desprovida de cultura e de saberes, como se
pio garantido na CF/1988. fosse uma folha em branco. Uma escola aberta ao diálogo pauta-se no
A LDB/1996 reitera a 1
definição constitucional
princípio da gestão democrática em todas as suas práticas, e tem o
e prevê alguns de seus estudante como foco dos processos educativos, considerando-o como
mecanismos.
aquele que pode opinar sobre os rumos da escola e sobre sua própria
aprendizagem. A esse respeito, observe a figura a seguir.

Figura 1
Estudante como centro do fazer educativo

Direito de
ser ouvido:
• Concepção de educação participação efetiva
integral: multidimensio- • O estudante exerce o
nalidade humana. seu protagonismo na
• O estudante é cida-
• O sujeito é capaz de escola.
dão e participa dos
aprender e de participar. processos educativos.
Transformação da
realidade
Gestão democrática

Fonte: Elaborada pela autora.

Como é possível observarmos no esquema anterior, parte-se sem-


pre da concepção de educação integral humanista, sendo a educação
escolar um poderoso instrumento para que o sujeito se aproprie dos

Articulação e participação nos processos educativos 115


conhecimentos científicos, históricos, tecnológicos e culturais, para que
exerça sua cidadania e contribua efetivamente para a transformação
da realidade. Nesse viés, o estudante não é um futuro cidadão, ele já é
cidadão e tem direito de exercer sua cidadania, inclusive na escola em
que frequenta.

De acordo com Libâneo (2006), uma escola que se fundamenta na


gestão democrática em todas as práticas educativas prevê mecanismos
institucionais de participação da comunidade educativa, inclusive dos
estudantes nos processos decisórios da escola, conforme podemos ob-
servar na figura a seguir.

Figura 2
Mecanismos para consolidação da gestão democrática na escola:

Construção
de uma
comunidade
democrática de
aprendizagem.

Fortalecimento
das formas de
comunicação.

Envolvimento
dos
estudantes no
processo.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Libâneo, 2006.

Dessa forma, para que haja a consolidação da gestão democrática


na escola, é preciso que se construa uma comunidade democrática de
aprendizagem, ou seja, todos os envolvidos no processo educativo são
ouvidos. Para consolidar a gestão democrática, são necessários órgãos
colegiados de representação dos diferentes segmentos da comunida-
de educativa, como os conselhos de escola e os grêmios estudantis.

Libâneo (2006) também destaca a importância de a comunicação


entre a escola e a comunidade ser eficaz, havendo transparência na to-
mada de decisão. Quando há diálogo permanente entre os envolvidos,
as informações são publicizadas e não há impeditivos para que toda

116 Educação em tempo integral na prática


a comunidade esteja ciente do que foi realizado na escola, como tam-
bém dos planos para a melhoria dos processos educativos. Quando há
participação de todos na elaboração dessas propostas, o engajamento
ocorrerá também na sua concretização.

Para Libâneo (2006), é essencial que o estudante participe dos pro-


cessos educativos, envolvendo, assim, esse sujeito na construção do
conhecimento, por meio de estratégias didático-pedagógicas que se-
jam desafiadoras e nos processos decisórios da escola, tendo vez e voz
na gestão escolar.

5.1.1 O grêmio estudantil: espaço


para o protagonismo
Para que o estudante possa exercer o seu protagonismo no espa-
ço escolar, faz-se necessário espaços organizados de participação, nos
quais haja condições de envolver-se, ouvir, ser ouvido, ter iniciativa Leitura
para encontrar soluções para os problemas do dia a dia da escola, com
compromisso, criatividade, cooperação, responsabilidade e altruísmo.
Essas competências são desenvolvidas à medida que o estudante tem
possibilidades de exercer seu direito de participar nos processos edu-
cativos da escola.

Uma escola que é comprometida com o desenvolvimento integral


do estudante, conforme está disposto no Estatuto da Criança e do Ado-
lescente (ECA) garante ao sujeito da aprendizagem o direito de organi- A cartilha Triiim... A hora
zação e participação em entidades estudantis, contribuindo para que do grêmio é essa! foi
lançada em 2005 e tem
órgãos colegiados, como o grêmio estudantil, sejam uma entidade au- como ilustrador Ziraldo.
tônoma e que represente de fato os interesses dos estudantes (BRASIL, Foi elaborada pela União
Brasileira dos Estudantes
1990). Secundaristas (Ubes). A
cartilha traz um passo a
Em uma escola que oferta educação integral em tempo ampliado, passo de como fundar
é relevante que os estudantes tenham a oportunidade de desenvol- um grêmio na escola,
explicitando a legislação
ver propostas para a melhoria dos processos educativos na instituição que respalda esse órgão
educativa em que frequentam, sendo que, por meio do grêmio estu- colegiado e como ocorre
a participação dos estu-
dantil, eles têm a possibilidade de promoverem atividades culturais, es- dantes com vistas ao bem
portivas, sociais e de cidadania. Desse modo, o grêmio estudantil é “[...] comum.

local privilegiado para a ampliação das relações pessoais, para o com- Disponível em: https://ubes.org.
br/gremios/#cartilha. Acesso em:
panheirismo, para ouvir e respeitar o outro em seus posicionamentos 7 jul. 2021.
e opiniões” (MARTINS; DAYRELL, 2013, p. 16).

Articulação e participação nos processos educativos 117


Os grêmios estudantis estimulam o estu-
dante a desenvolver o seu protagonismo no
processo educativo, sendo espaço e tempo
para o exercício da cidadania. O protagonismo
tem como cerne, segundo Moura (2010, p. 10),
“[...] o envolvimento dos educandos no exer-
cício do voluntariado social, com uma prática
Rawpixel.com/Shutterstock
que seria servidora, crítica, construtiva, criativa
e solidária”.
Figura 3
Grêmio estudantil como instância Logo, nesses espaços, há oportunidade para o debate de ideias,
coletiva de participação
reflexão sobre direitos e deveres e organização de ações voltadas à
melhoria do ambiente escolar, como também a contribuição para a co-
munidade em que esse estudante está inserido.
2
A Lei do Grêmio Livre,
Lei n. 7.398/1985, é de
5.1.2 Fundação do grêmio estudantil
2
autoria do deputado Para fundar o grêmio, há respaldo legal e é preciso organização,
federal Aldo Arantes,
que dispõe sobre a
conforme podemos ver na figura a seguir.
organização de entidades
estudantis do ensino
Figura 4
fundamental e ensino
Fundação do grêmio estudantil

tetiana_u/David Arts/Ainul muttaqin/Shutterstock


médio. Essa lei assegura Comunicação
que o grêmio estudantil é
uma entidade repre- • O grupo de estudantes comunica a direção da escola a
sentativa autônoma, ou intenção de fundar um grêmio.
seja, o funcionamento do • Convite aos representantes de turma para formar uma
grêmio será regulamen-
comissão pró-grêmio.
tado pelo seu estatuto,
• O grupo constrói uma proposta de estatuto para ser
aprovado em assembleia
geral de estudantes que
levada à assembleia geral de estudantes.
seja convocada com essa
finalidade. Dessa forma,
o grêmio terá autonomia Assembleia geral de estudantes
e não será tutelado por
professores ou equipe • Na assembleia geral, aprova-se o estatuto, estando nele
diretiva. Os profissionais previsto como ocorrerá a campanha, como se dará o pleito
da escola podem contri-
eleitoral, o número de diretorias, entre outros elementos
buir para a fundação do
de funcionamento do órgão colegiado.
grêmio, mas as reuniões,
• Somente os estudantes podem votar.
as chapas, a eleição e as
diretorias instituídas serão
de responsabilidade dos
discentes (BRASIL, 1985).

118 Educação em tempo integral na prática


Formação de chapas

• Os estudantes se organizam para formar as chapas que


concorrerão à eleição.
• As chapas apresentam suas ideias, fazem campanha
eleitoral, buscando levar aos demais estudantes da escola
as propostas que colocarão em prática quando eleitos.

Organização da eleição

• A comissão eleitoral organiza a eleição, sendo o voto


secreto e direto.
• Os representantes de turma contam os votos, tendo fiscais
de chapa para acompanhar a contagem.
• No fim da apuração, registra-se uma ata com o resultado,
que é encaminhada à direção da escola.

Ao observar esse passo a passo para a fundação dos grêmios


estudantis, podemos verificar que se faz necessário o diálogo dos
estudantes com a equipe diretiva da escola, mas isso não quer dizer
que essa equipe indicará os estudantes que farão parte da diretoria
do grêmio estudantil, pois, nesse caso, este não estaria em função
da gestão democrática na escola e não possibilitaria o exercício efe-
tivo da participação nos rumos da escola. Após a eleição, há uma
cerimônia de titulação da chapa eleita; e a diretoria do grêmio estu-
dantil representará todos os estudantes nas tomadas de decisão e
no diálogo com as outras instâncias colegiadas presentes na escola,
defendendo sempre o bem comum.

Ao atuar no grêmio estudantil, o estudante tem possibilidades de


colocar em prática uma atitude investigativa, participativa, de convi-
vência pacífica, resolução de conflitos, tolerância e ética em função de
práticas sociais que desenvolvam a autonomia, o que é essencial para
que o sujeito possa exercer o seu protagonismo. O grêmio estudantil
é instrumento que gera no indivíduo um sentimento de pertença à co-
munidade escolar e aos processos educativos desenvolvidos na escola
(AMARO; QUADROS, 2016). Vamos a um exemplo:

Articulação e participação nos processos educativos 119


Na Escola de Educação Integral Esperança, a chapa eleita na elei-
ção do grêmio estudantil havia colocado como uma das propostas
fazer um festival de talentos, para compartilhar os fazeres artísticos
da comunidade estudantil. Uma vez que a chapa foi eleita, a diretoria do grêmio
reuniu-se para planejar as ações e trouxe para a reunião os representantes das
turmas da escola. Os representantes sugeriram conversar com as turmas para
pesquisar quem teria interesse em realizar uma apresentação. Já a diretoria ficou
incumbida de dialogar com a direção da escola para verificar a possível data, o es-
paço, a segurança, entre outros elementos necessários à organização do evento.

Observe que no exemplo anterior a diretoria do grêmio estudantil


não deixa de consultar os representantes de turma e de dialogar com a
equipe diretiva da escola, no entanto há espaço para o exercício da au-
tonomia e da criatividade, agindo de acordo com as propostas para que
foi eleita e sem deixar de lado a responsabilidade de dialogar com outros
órgãos colegiados, conforme pode ser observado na figura a seguir.

Figura 5
Diálogo com outras instâncias colegiadas:

Conselho de
Escola

Gestão
democrática

Grêmio Equipe
estudantil gestora da
escola

Fonte: Elaborada pela autora.

Ao ter a gestão democrática como fundamento para todas as ações


desenvolvidas na escola, o grêmio estudantil terá espaço para discu-
tir suas propostas com o Conselho de Escola e com a equipe gestora
da instituição educativa, assim como os demais órgãos colegiados não
tomarão decisão de maneira isolada sem considerar os princípios de-
mocráticos previstos na legislação brasileira que respaldam o funcio-
namento desses órgãos. É importante enfatizar que os representantes

120 Educação em tempo integral na prática


desses órgãos colegiados não tomam decisão, não falam em nome de si
mesmos, mas sim de toda a comunidade educativa e todas as decisões
devem convergir para que o direito à aprendizagem seja consolidado
e haja melhoria nos processos educativos. Vamos a mais um exemplo:

Para organizar o Festival de Talentos proposto pelo grêmio estudan-


til da Escola de Educação Integral Esperança, a diretoria analisou que
seria necessário um espaço para 250 pessoas. Desse modo, após dialogar com a
equipe gestora da escola, observou-se a necessidade de convocar o Conselho de
Escola, uma vez que este é composto de representantes das famílias, professores,
funcionários da escola e equipe gestora e é o órgão máximo da gestão escolar.
A diretora da escola convocou uma reunião extraordinária do Conselho de Escola
e encaminhou a pauta para que todos os membros soubessem previamente do
assunto a ser discutido e, assim, houvesse possibilidade de todos se prepararem
sobre a temática e conversar com seus pares.

Com o exemplo anterior, podemos concluir que as decisões não


são tomadas de maneira isolada, ao contrário, sempre em uma gestão
democrática há diálogo com os diferentes segmentos da comunidade
educativa, respaldando-se na legislação vigente e no PPP da escola. As-
sim, como a diretora enviou a pauta de discussão para a realização
da reunião do Conselho de Escola, as reuniões da diretoria do grêmio
estudantil também precisam ter essa organização, devendo haver re-
uniões planejadas de antemão, denominadas reuniões ordinárias, e
aquelas que surgem fora do cronograma, chamadas de extraordinárias.

5.1.3 Diretoria do grêmio estudantil


No grêmio estudantil, os estudantes aprendem na prática a exercer
seu papel político na sociedade, atuando na escola e na comunidade.
É relevante considerar que o grêmio estudantil não tem caráter políti-
co-partidário, mas contribui para a formação política dos estudantes. A
diretoria desse órgão colegiado pode atuar em várias frentes, sempre
considerando a realidade local, os interesses dos estudantes e da co-
munidade, conforme podemos verificar no Quadro 1.

Articulação e participação nos processos educativos 121


Quadro 1
Diretoria do grêmio estudantil

Diretoria de Saúde Diretoria de Diretoria de


Diretoria Social Diretoria de Cultura
e Meio Ambiente Imprensa Esportes
Promover a realização
Divulgar as ações
Promoção de pales- Coordenar a de conferências, expo-
Organização de do grêmio para
tras, oficinas, cursos área de esporte sições, concursos, reci-
eventos promovi- a escola e para a
e debates sobre a do corpo dis- tais, festivais de música
dos pelo grêmio. comunidade em
temática. cente. e outras atividades de
geral.
natureza cultural.
Buscar parcerias Zelar pelo bom
com entidades que relacionamento da Incentivar os
Responsabilizar-
venham a contribuir diretoria do grêmio estudantes da Manter contato com
-se pelo jornal do
para a manutenção com os demais escola a pratica- entidades culturais.
grêmio: edição.
da saúde dos estu- membros da comu- rem esportes.
dantes. nidade educativa.
Escolher aqueles
Organizar Organizar grupos de
Incentivar hábitos Promover campa- que colabora-
campeonatos dança, teatrais, bandas
saudáveis. nhas sociais. rão com a sua
internos. etc.
diretoria.
Contribuir para o
desenvolvimento
de uma consciên-
Organizar debates.
cia e de práticas
sustentáveis com os
estudantes.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Grêmios, 2021.

Vídeo Como podemos notar, cada diretoria tem responsabilidades especí-

O documentário Eleições re-


ficas, que serão delineadas em um plano de ação do grêmio estudantil.
trata como adolescentes de Os diretores escolhem seus colaboradores, que são estudantes da es-
uma escola pública de São
Paulo se articularam para
cola, para colocar em prática as propostas para as quais foram eleitos.
as eleições do grêmio estu-
O grêmio estudantil é uma instância colegiada, sendo instrumento
dantil. É demonstrado como
quatro grupos candidatos de participação do estudante, pois nele há espaço para o exercício do
desenvolveram estratégias
seu protagonismo, o que contribui para o desenvolvimento integral. Se
para se posicionarem nos
debates, os argumentos e a escola deve cumprir a sua função no que tange à garantia da aprendi-
as táticas para a campanha
zagem dos estudantes, sendo estes o centro do fazer educativo, o grê-
eleitoral. É possível observar
o cotidiano das chapas ao mio estudantil é a possibilidade legal e institucional de que a voz dos
longo de três meses em que
estudantes seja ouvida e valorizada na instituição escolar. Ao lutar por
defendem ideias e visões
de mundo sobre diferentes ideais relacionados à qualidade da escola e ao aprender a fazer política
temáticas.
na prática, exercendo a gestão democrática, os estudantes desenvol-
Disponível em: https://www.
vem a criticidade, sentem-se pertencentes à comunidade educativa e
videocamp.com/pt/movies/eleicoes.
Acesso em: 7 jul. 2021. exercem de fato a sua cidadania.

122 Educação em tempo integral na prática


5.2 Relação entre escola e comunidade
Vídeo A escola é o lócus privilegiado para que a comunidade educativa
(estudantes, famílias/responsáveis, professores, pedagogos e equipe
diretiva) vivencie e exerça a democracia por meio da participação nos
processos decisórios. Dessa forma, quando a escola é sustentada por
mecanismos sólidos de uma gestão democrática, o poder é socializado
Livro com todos os envolvidos no processo educativo, e isso é possível por
meio da construção coletiva do PPP e da representatividade dos dife-
rentes segmentos da comunidade educativa nos órgãos colegiados.

Assim, exercer a gestão democrática na escola implica balizar-se no


princípio da participação, mobilizando a comunidade educativa para
refletir, discutir e tomar decisões quanto aos rumos da instituição es-
colar, tendo em vista o direito à aprendizagem de todos os estudan-
tes. Nesse viés, a equipe gestora tem uma função primordial, pois é a
O livro Autogestão na sala
responsável por criar um ambiente organizacional em que o coletivo
de aula: as assembleias tenha possibilidades de ter voz na definição de propostas e ações que
escolares traz discussões
sobre como a gestão
venham a contribuir para a melhoria dos processos educativos.
democrática pode ser
colocada em prática no
Em uma escola que oferte educação em tempo integral, é primordial
espaço escolar, destacan- que os órgãos colegiados sejam fortalecidos, pois eles são instrumen-
do as assembleias como
ferramentas essenciais
tos da gestão escolar e contribuem para que as relações hierárquicas
na construção de ideais sejam superadas e se estabeleça uma cultura escolar de diálogo, trans-
democráticos, tendo-se
como premissa a cultura
parência, ética e horizontalidade nas relações de poder, conforme po-
da ética e da tolerância. demos notar na figura a seguir.
Apresenta um guia para
implementação desses Figura 6
espaços de diálogo, Fortalecimento dos órgãos colegiados
articulação e participação
coletiva nas escolas.

ARAÚJO, U. F. São Paulo: Sumuus Horizontalidade


Editorial, 2015.
Gestão
democrática Diálogo

Participação Transparência

Fonte: Elaborada pela autora com base em Lück, 2006.

Articulação e participação nos processos educativos 123


Em uma escola que oferta educação em tempo integral que tem o
propósito de formar o sujeito nas suas múltiplas dimensões, é impres-
cindível que o diálogo seja mantido entre todos os segmentos da co-
munidade educativa por meio dos órgãos colegiados que representam
aqueles que o elegeram. Segundo Souza (2009), esses órgãos colegia-
dos necessitam ser ativos, ou seja, precisam ser atuantes e contribuir
para a gestão escolar na administração das questões financeiras, admi-
nistrativas e pedagógicas da escola. Vamos a um exemplo:

Na Escola de Educação Integral Esperança, a metodologia de


trabalho ocorre por meio das oficinas pedagógicas, com vistas
a que os estudantes aprendam por meio da experiência, da pesquisa e da
reflexão as práticas educativas. Na oficina de Língua Portuguesa, uma profes-
sora resolveu trabalhar com o jornal da escola com apenas uma turma, mas o
grêmio estudantil solicita que essa prática educativa seja realizada com todos
os estudantes que tiverem interesse. O presidente do grêmio estudantil e o
diretor de comunicação solicitaram conversar com a direção da escola, para
que verificassem a viabilidade da proposta. A equipe gestora falou que seria
impossível que apenas uma única professora pudesse trabalhar a oficina de
jornal e atender a todos os estudantes interessados. Entretanto, uma solução
seria convocar o Conselho de Escola para ouvir os diferentes segmentos da
comunidade educativa sobre o assunto e, assim, decidir com o órgão máximo
da gestão escolar. O Conselho de Escola foi convocado em uma reunião ex-
traordinária e seus representantes tiveram tempo hábil de dialogar com seus
pares sobre o assunto anteriormente. Entre as famílias, havia alguns pais e
responsáveis que entendiam sobre edição de jornal, outro já tinha trabalhado
no jornal do bairro com fotografia e o próprio diretor do grêmio estava em con-
tato com um dos meios de comunicação do bairro que se propôs a contribuir.
A equipe gestora destacou que poderiam contar também com a professora
que estava trabalhando com a oficina para organizar uma formação para os
professores que desejassem se apropriar das estratégias e dos conteúdos de
uma oficina que trabalhe com o jornal, atingindo, assim, mais de estudantes
em um futuro próximo.

No exemplo anterior, podemos observar que as instâncias colegia-


das estão convergindo para que o direito à aprendizagem seja consoli-
dado, representando de fato o interesse dos estudantes ao acesso aos
conhecimentos históricos e culturais. A abertura ao diálogo e a resolu-
ção de conflitos por meio de uma escuta ativa às necessidades e aos in-
teresses dos estudantes se fez presente. Sobre isso, observe a Figura 7.

124 Educação em tempo integral na prática


Figura 7
Diálogo entre as instâncias colegiadas e resolução de conflitos

• Grêmio estudantil: re- PPP colocado em • Diálogo entre as instâncias:


presenta o interesse dos prática PPP como fundamento de
estudantes. todas as práticas realiza-
• Conselho de Escola: re- • Há reuniões ordinárias
das na escola.
presenta os diferentes e extraordinárias das
• Na convocação das reu-
segmentos da comunida- instâncias colegiadas.
niões, é necessário que
de educativa. • No Conselho de Escola,
haja pautas antecipadas
• Equipe gestora: equipe há representatividade
para que os representan-
diretiva e equipe pedagó- dos estudantes do grê-
tes dialoguem com seus
gica realizam a gestão es- mio estudantil (depen-
pares sobre o assunto em
colar em função do direito dendo do estatuto do
questão, para que no dia
à aprendizagem. Conselho de Escola).
da reunião falem em nome
PPP elaborado daqueles que são repre-
coletivamente sentados por eles.

Fonte: Elaborada pela autora.


Consolidação de um
PPP democrático

Conforme a Figura 7, todos os envolvidos nesses órgãos de gestão


e participação escolar precisam estar articulados, organizados e conhe-
cer os documentos que regem a sua função, destacando-se o PPP da
escola, que, construído no coletivo, traz em seu cerne os fundamentos
e as práticas necessárias à efetivação da gestão democrática, garantida
na legislação vigente. Se no PPP há o registro de que há a necessidade
de participação efetiva do estudante nos processos educativos, todos
os envolvidos precisam colocar isso em prática, articulando e propondo
ações que consolidem essa participação que é garantida na legislação.

No Programa Mais Educação (PME), instituído pela Portaria Inter-


ministerial n. 17/2007 e pelo Decreto n. 7.083/2010, indutor da política
educação em tempo integral no país até 2016, não apenas de aporte
financeiro, mas, sobretudo pedagógico, tinha como um de seus funda-
mentos a participação efetiva da comunidade educativa nos processos
educativos (BRASIL, 2007). A escola que oferta educação integral em
uma escola de tempo ampliado, na perspectiva do programa, rompe
com a ideia de que as decisões são tomadas apenas por uma equipe
diretiva, ou apenas o diretor, e que em sala de aula o professor é aque-
le que detém todo o saber.

Segundo Moll (2012), uma escola que se fundamenta nos princípios


dispostos no PME rompe com a ideia de sacrifício às vezes presente na

Articulação e participação nos processos educativos 125


escola para construir uma escola que dialoga com toda a comunidade
educativa, sobretudo com os sujeitos da aprendizagem, os estudantes,
pois estes são os protagonistas. Para a autora, no programa, os estu-
dantes são vislumbrados como competentes, capazes de aprender, de
participarem da vida comunitária e de dialogarem; e, nesse diálogo,
responderem e sugerirem sobre o ambiente em que estão inseridos.

De acordo com Formosinho e Araújo (2008), essa concepção de que


o estudante é capaz está disposta na Convenção sobre os Direitos da
Criança da Organização das Nações Unidas, de 1989, na qual está pre-
Leitura visto que os Estados devem proporcionar a esses sujeitos a livre ex-
O texto Comunidade ges- pressão sobre assuntos que lhe dizem respeito, considerando a sua
tão da escola, publicado
no site Cidade Escola
opinião, de acordo com a idade, o desenvolvimento e a maturidade.
Aprendiz, discute como a
comunidade escolar pode
Fundamentando-se na concepção de que os estudantes têm amplas
ser partícipe da formação possibilidades de aprender, opinar, questionar e sugerir proposições
humana dos sujeitos da
aprendizagem. Para que
sobre o espaço educativo em que estão, a equipe gestora mobilizará
isso se efetive, defende-se a (re)elaboração coletiva do PPP, bem como dará vez e voz aos órgãos
que a escola crie canais
de escuta para ouvir essa
colegiados que representam os diferentes segmentos da comunidade
comunidade e invista na educativa, mas que objetivam que o direito a uma escola de qualidade
formação continuada de
professores e demais
seja garantido.
profissionais da escola.
Deve-se, portanto, mudar o olhar para os estudantes, enxergando-os
Disponível em: https://
como aprendizes, uma vez que, quando isso ocorre, a comunidade edu-
educacaointegral.org.br/
metodologias/2124/. Acesso em: cativa passa a vê-los não como aqueles que são atentos ou desatentos
7 jun. 2021.
com relação a uma listagem de conteúdos que devem aprender, mas
como “[...] sujeitos em complexos processos de apropriação de sabe-
res, conhecimentos, valores, culturas, dos instrumentos e das técnicas”
(ARROYO, 2007, p. 35).

Assim, a questão central deixa de ser como os estudantes aprendem


ou como se ensina e a organização escolar em todos os seus âmbitos
passa a ter como parâmetro as lógicas do aprender humano e isso, se-
gundo Arroyo (2011), implica quebrar imagens que estão cristalizadas
no imaginário da comunidade escolar sobre a infância e sobre a própria
escola.

Quebrar imagens cristalizadas implica superar o ideário de que o


diretor é quem determina o que a comunidade educativa deve fazer,
que não é preciso ouvir as famílias/responsáveis sobre o que pensam
para os rumos da escola, que um grupo de especialistas deve organi-
zar o PPP para entregar ao sistema de ensino e que o estudante não

126 Educação em tempo integral na prática


tem condições de participar tanto dos órgãos colegiados quanto dos
Conselhos de Escola e grêmios estudantis, ou de ser ouvido por seus
pares, por meio dos representantes de turma e pelos professores, que
são responsáveis pela mediação do processo de ensino-aprendizagem.

Para que a gestão democrática seja de fato uma realidade na esco-


la, sendo vivenciada por todos, inclusive pelos estudantes em sala de
aula, a comunidade educativa deve fundamentar sua atuação na parti-
cipação e no trabalho coletivo, organizado por meio do PPP, buscando,
segundo Dourado (2003, p. 21), superar:
processos centralizados de decisão, pela defesa de uma admi-
nistração colegiada, na qual as decisões nasçam das discussões
articuladas com todos os segmentos envolvidos na escola, pela
clareza do sentido político e pedagógico presente nessas práticas
e da sua importância como fenômeno educativo.

Como afirma Dourado (2003), a organização, a articulação e o diálogo


presentes entre os diferentes segmentos da comunidade educativa têm
um sentido pedagógico para todos os envolvidos, pois é no processo de
participação que se aprende a realizar uma gestão democrática.

Em uma escola que oferta educação integral em tempo ampliado,


cujo objetivo é a formação humana multidimensional, não se pode de-
sistir de superar processos centralizadores de decisão. Logo, para que
isso seja possível, faz-se necessário que os estudantes sejam o centro
do fazer educativo e que sejam valorizados como cidadãos capazes de
atuar no contexto em que estão inseridos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, pudemos refletir sobre como o estudante pode exercer
o seu protagonismo em uma escola comprometida com a formação hu-
mana integral, visto que ela propiciará ao sujeito da aprendizagem todas
as possibilidades de se desenvolver integralmente. Diante dessa questão,
o grêmio estudantil, na qualidade de instância colegiada, proporciona ao
estudante condições de exercer a sua cidadania, aprendendo sobre a ges-
tão democrática de maneira vivencial.
É importante destacar que a diretoria do grêmio estudantil representa
todos os estudantes da escola no diálogo com as demais instâncias cole-
giadas na tomada de decisões da instituição educativa. Portanto, não fala
em nome de si própria, mas em função do direito e da necessidade dos
demais estudantes.

Articulação e participação nos processos educativos 127


As instâncias colegiadas de participação estarão articuladas para ga-
rantir o direito à aprendizagem do estudante, para isso fundamentarão
suas ações no PPP da escola. Quando este é construído com ampla parti-
cipação da comunidade educativa, os envolvidos sentem-se pertencentes
e há maior possibilidade de consolidação dessa proposta educativa.

ATIVIDADES
Vídeo 1. Como o grêmio estudantil contribui para que o estudante exerça o seu
protagonismo no espaço escolar?

2. Como os órgãos colegiados podem se articular tendo em vista o direito


à aprendizagem dos estudantes?

3. De que forma pode haver superação de mecanismos de centralização


e de verticalidade na gestão escolar?

REFERÊNCIAS
ARROYO, M. G. Educandos e educadores: seus direitos e o currículo. In: BEAUCHAMP,
J.; PAGEL, S. D.; NASCIMENTO, A. R. do. Indagações sobre currículo. Brasília: Ministério da
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128 Educação em tempo integral na prática


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7 jul. 2021.

Articulação e participação nos processos educativos 129


RESOLUÇÃO DAS ATIVIDADES
1 Planejamento e avaliação na escola de tempo
integral
1. Qual é a importância do planejamento em uma escola que
oferta educação em tempo integral?
O planejamento é relevante para que os envolvidos no processo
educacional possam prever estratégias, metodologias, recursos, prazos
e responsabilidades de acordo com os objetivos e as metas elencadas
pelo coletivo da escola. Uma escola que oferta educação em tempo
integral, que tem o propósito de contribuir para a formação humana
em suas múltiplas dimensões, não se utilizará de modelos burocráticos
de planejamento, mas buscará articular a concepção humanista de
desenvolvimento integral à organização do trabalho pedagógico.
Planejar em uma escola que oferta educação em tempo integral traz
aos profissionais da escola a incumbência e o compromisso de romper
com modelos autoritários de planejamento, em que alguns pensam e
outros executam, para ir ao encontro de uma organização que tenha a
gestão democrática como princípio basilar.

2. Como organizar um PPP em uma escola que oferta educação


em tempo integral de maneira que ele supere o viés regulatório
e burocrático?
Quando o PPP serve às questões regulatórias ou burocráticas, não
se vislumbra nesse documento o propósito da inovação, pois ele não
objetiva a transformação do status quo. Quando ele é construído de
modo democrático, há a participação efetiva da comunidade educativa,
e todos os envolvidos sentem-se pertencentes ao propósito para o
qual foi elaborado, ou seja, há compromisso com a transformação
do que não contribui com a garantia do direito à aprendizagem. Em
uma escola que oferta educação em tempo integral cujo PPP tem o
propósito emancipatório, sua elaboração e sua consolidação serão
alicerçados no princípio de que todos os estudantes são capazes de
avançar suas aprendizagens.

130 Educação em tempo integral na prática


3. De que forma o planejamento de ensino e o plano de aula se
consolidam na qualidade de instrumentos de gestão de sala de
aula do professor?
Ao organizar o planejamento de ensino, os professores articularão
os fundamentos teóricos e metodológicos dispostos no PPP com
os objetivos de ensino-aprendizagem, as estratégias, os tempos
de aprendizagem dos estudantes, os recursos utilizados, a
heterogeneidade presente em sala de aula, entre outros elementos
organizativos que implicam o trabalho pedagógico. Quando o professor
realiza o planejamento de ensino, ele articula os propósitos dispostos
no projeto com a gestão de sala de aula, trazendo as especificidades
de sua turma quando realiza o plano de aula, pois neste tem maiores
condições de detalhar as diferentes estratégias didático-pedagógicas
que atendam aos diferentes tempos e ritmos de aprendizagem.

4. Como se efetiva a avaliação da aprendizagem em uma escola


que tem compromisso com a formação integral dos estudantes?
Se a escola objetiva contribuir para a formação integral dos estudantes,
a avaliação da aprendizagem será pautada na inclusão, ou seja, servirá
como alicerce para a mediação do professor, que buscará realizar suas
análises sobre o processo de aprendizagem do sujeito, para que possa
mediar e intervir, objetivando que todos avancem na construção do
conhecimento. Nesse viés, todas as avaliações desenvolvidas terão
um propósito diagnóstico, pois vislumbra-se o (re)planejamento do
professor para que o processo de ensino seja readequado e, assim, o
estudante avance e consolide suas aprendizagens.

2 Sistematização do trabalho pedagógico


1. Como a organização do tempo escolar revela a concepção de
formação humana, de educação, de ensino e de aprendizagem?
O tempo escolar é um elemento curricular que revela a concepção
de formação humana, de educação, de ensino e de aprendizagem
para além do que está disposto nos documentos oficiais. Se a escola
organiza o tempo escolar de maneira fragmentada, sem relação com
os tempos de vida dos estudantes, a concepção presente na prática
pedagógica não será de desenvolvimento em sua integralidade, uma
vez que o tempo será sistematizado em função dos adultos presentes
na escola, não dos estudantes. O ensino, em uma concepção
tradicional, será transmissivo; dessa forma, o tempo de aprendizagem
não será reconhecido. O tempo de ensino nessa perspectiva considera

Resolução das atividades 131


o tempo a ser “passado” um conteúdo para ser copiado e memorizado
pelo estudante, não o tempo da aprendizagem.

2. De que forma a compreensão do erro do estudante pode


contribuir para a organização de um trabalho pedagógico
fundamentado em uma concepção humanista de educação
integral?
O erro, muitas vezes, está articulado ao ideário de fracasso; porém,
em uma perspectiva interacionista, ele está vinculado a um diagnóstico
sobre o processo de construção do conhecimento, o qual o professor
se utilizará para replanejar o seu trabalho pedagógico com vistas a
novos desafios, que possibilitem ao estudante continuar avançando.
Em uma escola que oferta educação em tempo integral, o professor
organizará propostas nas quais o estudante seja vislumbrado nesse
tempo de sete horas ou mais que permanece na escola para que o
se sinta desafiado a aprender. Nesse viés, ao realizar o planejamento,
serão contemplados saberes científicos, históricos e culturais que
não dividam o tempo do estudante em turno e contraturno, mas
estabelecido em um tempo continuum, de modo que os erros não
sejam vistos como obstáculos pelo sujeito e sim como um patamar
para novas aprendizagens.

3. Quais são os possíveis caminhos para a superação de currículos


tradicionais?
Quando o sujeito da aprendizagem está no centro do processo
educativo, o currículo não será tradicional, e sim humanizador,
objetivando a formação do sujeito em todas as suas dimensões, de
modo que os direitos de aprendizagem sejam garantidos, e a escola
garantirá que seus espaços e tempos sejam organizados para que os
estudantes avancem em suas aprendizagens. Desse modo, quando
o currículo escolar se fundamenta no princípio da intersetorialidade,
extrapola o trabalho com o conhecimento para além dos muros da
escola, pois organiza propostas didático-pedagógicas para que os
estudantes se apropriem dos saberes científicos, históricos e culturais
em diferentes âmbitos de produção dos conhecimentos e que os
utilizem na vida em sociedade. Também nesse currículo intersetorial
os saberes dos estudantes e da comunidade são valorizados, havendo
um intercâmbio cultural, em que a heterogeneidade é valorizada.

132 Educação em tempo integral na prática


4. Como a perspectiva educativa por projetos de trabalho (PEPT)
pode contribuir para a consolidação de um currículo integrado
em uma escola que oferta educação em tempo integral?
O trabalho na perspectiva educativa por projetos de trabalho (PEPT)
traz à escola que oferta educação em tempo integral a oportunidade
de integrar saberes, investigar outros e construir um currículo
integrado, sem divisão entre turno e contraturno, vislumbrando o
estudante no tempo continuum. A pedagogia da PEPT contempla
a aprendizagem por meio de problematizações construídas pelos
estudantes, com a mediação do professor; logo, esse currículo não
será linear, mas construído no caminho. Ele envolverá não apenas
uma área do conhecimento, mas diferentes saberes advindos dos
diferentes campos da ciência. Desse modo, a divisão entre turno e
contraturno não coaduna a concepção e a prática do trabalho por
projetos, pois essa fragmentação parte do princípio de que, em um
período, os estudantes trabalham com o núcleo considerado mais duro
e obrigatório do currículo escolar (Língua Portuguesa, Matemática,
História, Geografia, Educação Física, Ensino Religioso, Arte e Ciências)
e, em outro, com atividades mais lúdicas.

3 Organização das atividades pedagógicas


1. De que forma os macrocampos propostos pelo PME podem
contribuir para a organização das atividades em uma escola
que oferta educação em tempo integral?
O PME, instituído pela Portaria Interministerial n. 17/2007, consiste
em estratégia do governo federal para fomento da educação integral
no país. O programa não se trata de uma política de estado, mas de
governo, não estando mais em vigor. É importante enfatizar que o
PME não se limitava a um aporte financeiro às escolas que aderiam à
proposta, mas também tinha uma proposta pedagógica. O programa
tinha como proposta o trabalho com os macrocampos, e esses podem
ser base para a organização do trabalho pedagógico nas escolas que
ofertam educação integral em tempo ampliado.

2. Por que as mandalas podem representar um PPP de uma escola


que oferta educação em tempo integral na perspectiva da
educação integral?
As mandalas são representações simbólicas que nos remetem à
completude do ser humano, à sua relação com a natureza e com outros
seres humanos. Assim, o PPP de uma escola que oferta educação em
tempo integral, que objetiva formar para a integralidade, pode se

Resolução das atividades 133


utilizar dessa simbologia para organizar e dialogar com a proposta
de uma formação humana multidimensional. Nesse viés, o estudante
está no centro do fazer educativo, e todas as propostas que ocorrem
com a mediação escolar se integrarão com os diferentes saberes
que o sujeito já traz das suas vivências. Os saberes que o estudante
já possui sobre os diferentes âmbitos da sociedade são valorizados
sem, contudo, perder de vista a função social da escola. A escola que
tem o propósito de formar integralmente articula os saberes de senso
comum aos conhecimentos científicos, históricos e culturais com
propostas envolventes, nas quais os estudantes possam aprender por
meio da ludicidade, da experienciação e da problematização.

3. Qual é a função dos profissionais que trabalham na escola na


organização do tempo livre?
O tempo de livre escolha, em uma escola que oferta educação em
tempo integral, necessita ser planejado e organizado com vistas à
formação multidimensional do sujeito da aprendizagem. Assim, há,
por parte da escola, um olhar sensível para os tempos de vida dos
estudantes, para que haja desenvolvimento da autonomia desses
sujeitos, propiciando a eles possibilidades de escolha entre uma
atividade e outra.

4. Como o cuidar e o educar podem estar presentes na organização


do refeitório?
O cuidar e o educar são indissociáveis: quando se cuida, há ações
educativas, e quando se educa, há ações de cuidado. Em uma escola
que oferta educação em tempo integral, essa inter-relação deve ser
permanente, pois os estudantes aprendem não apenas quando
estão tendo acesso aos componentes curriculares, mas em todo o
tempo que estão na instituição educativa. Dessa forma, no refeitório
os estudantes são ensinados pelos profissionais da escola a ter uma
alimentação adequada, havendo uma ação de educar; mas, intrínseca
a essa ação, temos um ato de cuidado, tendo em vista que, ao se
alimentarem adequadamente, os estudantes adquirem hábitos
saudáveis. Um ambiente tranquilo, onde os sujeitos possam, além de
se alimentar, dialogar, aprender hábitos de higiene, realizar escolhas e
desenvolver a autonomia, é parte do PPP de uma escola comprometida
com a formação integral dos sujeitos da aprendizagem.

134 Educação em tempo integral na prática


4 Metodologias de trabalho na educação em tempo
integral
1. Quem é o professor na escola de tempo ampliado?
O professor que trabalha em uma escola que oferta educação
integral em tempo ampliado tem o compromisso com a formação
humana multidimensional, não sendo considerado o detentor do
conhecimento, e sim aquele que pesquisa, questiona, estuda, reflete,
dialoga, sobretudo com seus estudantes, para que possa, dessa forma,
colocar em prática estratégias didático-pedagógicas que contemplem
as diferentes dimensões do sujeito da aprendizagem.

2. Como organizar propostas didático-pedagógicas em que a


ludicidade esteja presente?
Uma escola que oferta educação integral em tempo ampliado
organizará propostas que vislumbrem as diferentes dimensões
humanas, e a dimensão lúdica será também contemplada. Para isso,
o planejamento do professor será essencial, organizando propostas
didático-pedagógicas em que a ludicidade esteja presente, com
jogos, brinquedos e brincadeiras em que o aprender ocorra de
maneira prazerosa e experiencial. Dessa forma, na sistematização
das propostas, o professor poderá realizar proposições em que
a ludicidade esteja utilizada de modo intencional, objetivando a
aprendizagem de determinado conteúdo, ou planejada para que o
estudante possa brincar livremente, destacando-se que nessa ação
também há aprendizagem e oportunidades de desenvolvimento.

3. Como organizar o planejamento de uma oficina?


Para organizar uma oficina pedagógica, faz-se necessário conhecer
o PPP da escola, verificando se a proposta a ser desenvolvida
contribuirá ou não para o processo de construção e de ampliação dos
conhecimentos científicos, históricos e culturais, que são direitos de
aprendizagem dos estudantes. Esse conhecer implica fundamentar-se
nas concepções e nos princípios dispostos no documento, que
foi acordado pelo coletivo da escola. Outra questão é realizar um
diagnóstico com os estudantes, verificando se a proposta vai ao
encontro dos seus interesses e necessidades de aprendizagem, ou se
eles podem ser envolvidos com base em determinada problematização.
Também é essencial o diálogo permanente com a equipe gestora da
escola e com os professores das demais práticas educativas, para que
o planejamento não se torne estanque e desvinculado das demais
práticas educativas. Outro elemento fundamental na organização

Resolução das atividades 135


de uma oficina é o planejamento dos tempos, espaços e materiais
necessários à sua efetivação.

4. Como as salas ambiente contribuem para a superação da


dicotomia entre turno e contraturno?
Uma escola que oferta educação integral em tempo ampliado objetiva
superar a dicotomia entre turno e contraturno, e isso implica não mais
dividir o tempo do estudante de maneira linear. Essa divisão linear é
ainda recorrente em muitas escolas onde se oferta em um período
atividades mais lúdicas e desafiadoras; e, em outro período, atividades
mais tradicionais. As salas ambiente são uma possibilidade para a
superação dessa prática, pois permitem ao estudante circular pela
escola com maior autonomia e nelas aprender, pesquisar, dialogar e
interagir não apenas em um período, mas durante todo o dia. Nesse
sentido, a organização dessas salas precisa estar atrelada ao PPP da
escola e ao planejamento das oficinas pedagógicas.

5 Articulação e participação nos processos


educativos
1. Como o grêmio estudantil contribui para que o estudante
exerça o seu protagonismo no espaço escolar?
Com o grêmio estudantil, os estudantes têm a oportunidade de
desenvolver o seu protagonismo, exercer liderança e compreender
como a representatividade pode contribuir para que suas vozes sejam
ouvidas e consideradas na escola. Em uma gestão democrática, o
estudante é visto como alguém capaz de opinar sobre os rumos da
escola onde estuda; e o grêmio estudantil atuante possibilita uma
formação na e para a cidadania, uma vez que, por meio dessa instância
colegiada, favorece o convívio com as diferenças, valoriza o diálogo
permanente e organiza propostas diversas tendo em vista o bem
comum.

2. Como os órgãos colegiados podem se articular tendo em vista o


direito à aprendizagem dos estudantes?
Aqueles que fazem parte de uma instância ou órgão colegiado
representam os diferentes segmentos da comunidade educativa, logo
não falam em nome de si próprios, pois todos devem convergir para
que o direito à aprendizagem seja consolidado. Dessa forma, faz-se
necessário o diálogo permanente entre as instâncias, para que todas
as ações desenvolvidas coadunem com o propósito de formar o
sujeito da aprendizagem em todas as dimensões humanas, balizando-

136 Educação em tempo integral na prática


se pelo princípio da gestão democrática. Portanto, a equipe gestora
não tomará decisões que afetem o cotidiano da escola sem antes
consultar o Conselho de Escola e o grêmio estudantil. Assim, este
terá sua autonomia para organizar suas propostas (de acordo com
o estatuto do grêmio), mas manterá o diálogo permanente com as
outras instâncias colegiadas.

3. De que forma pode haver superação de mecanismos de


centralização e de verticalidade na gestão escolar?
A equipe gestora (equipe diretiva e pedagógica) tem uma função
mobilizadora diante da gestão democrática, a fim de que o PPP
seja construído com a participação dos diferentes segmentos da
comunidade educativa. O PPP é um instrumento teórico-metodológico
da gestão escolar e, quando elaborado pelo coletivo, direciona todas
as práticas administrativas e pedagógicas no interior da escola. Desse
modo, quando há esse direcionamento, a equipe diretiva não é a única
que detém a tomada de decisão, pois o PPP é o balizador das ações.
Outro elemento essencial para a superação das relações hierárquicas
no interior da escola é o fortalecimento de uma cultura escolar em que
haja o diálogo permanente entre os envolvidos, mantendo atitudes
éticas, com transparência e objetivando a formação integral de todos
os estudantes, sendo também primordial o fortalecimento dos órgãos
colegiados.

Resolução das atividades 137


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ISBN 978-85-387-6714-5

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