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DOI: 10.1590/1413-812320212610.

22882020 4715

Federalismo Cooperativo, Regionalização e o Perfil de

temas livres free themes


Governança Institucional das Comissões Intergestores Regionais
no Brasil

Cooperative Federalism, Regionalization and the Institutional


Governance Profile of Regional Intergovernmental Commissions
in Brazil

Assis Mafort Ouverney (https://orcid.org/0000-0002-8581-3777) 1


André Luis Bonifácio de Carvalho (https://orcid.org/0000-0003-0328-6588) 2
José Mendes Ribeiro (http://orcid.org/0000-0003-0182-395X) 1
Marcelo Rasga Moreira (http://orcid.org/0000-0003-3356-7153) 1

Abstract The scope of this article is to present Resumo Este artigo tem por objetivo apresentar
and analyze the institutional governance profile e analisar o perfil de governança institucional das
of the 434 regional interagency committees ope- 434 comissões intergestores regionais em funcio-
rating in 25 states of the Brazilian Federation. namento em 25 estados da federação brasileira.
The data were taken from the National Survey Os dados são da Pesquisa Nacional das Comissões
of Regional Interagency Committees (CIR), a Intergestores Regionais (CIR), um estudo censi-
census conducted in the years 2017 and 2018, tário realizado nos anos de 2017 e 2018, e foram
and were collected through a questionnaire coletados por meio de um questionário aplicado
applied to the coordinators/directors/presidents aos coordenadores/diretores/presidentes das CIR.
of the CIR. The composition of the CIR profile A composição do perfil das CIR foi realizada em-
was carried out using an analysis matrix speci- pregando uma matriz de análise especificamente
fically developed for this study, which combines desenvolvida para este estudo, que combina 23
23 variables organized in five dimensions of ins- variáveis organizadas em cinco atributos da go-
titutional governance: institutional legitimacy, vernança interna dessas instâncias: legitimidade
compliance and consistency of operation, quality institucional, adesão e regularidade de funciona-
of structure and operating conditions, federati- mento, qualidade da estrutura e condições de fun-
ve equilibrium and quality of decision-making. cionamento, equilíbrio federativo e qualidade do
The results show, on the one hand, an interagen- processo decisório. Os resultados mostram, por um
cy institutional governance system consolidated lado, um sistema de governança institucional in-
throughout the national territory, with signifi- tergestores consolidado em todo o território nacio-
1
Departamento de Ciências cant acceptance by the state and municipal sphe- nal, com significativa adesão das esferas estadual
Sociais, Escola Nacional
de Saúde Pública Sergio res and clearly defined and publicized operating e municipal e regras de funcionamento definidas e
Arouca, Centro de Estudos rules. On the other hand, it reveals a complex of publicizadas. Por outro, um complexo de instân-
Estratégicos, Fundação levels characterized by marked limitations in fi- cias caracterizadas por expressivas limitações de
Oswaldo Cruz. R. Leopoldo
Bulhões 1480, Manguinhos. nancial and human resources and management recursos financeiros, humanos e de infraestrutu-
21041-210 Rio de Janeiro infrastructure, in addition to action concentra- ra de gestão e atuação concentrada em problemas
RJ Brasil. ted on emergency problems in the management emergenciais da gestão da rede de ações e serviços
assismafort@gmail.com
2
Departamento de of the network of health care and services. de saúde.
Promoção da Saúde, Key words Federalism, Regionalization, Gover- Palavras-chave Federalismo, Regionalização, Go-
Universidade Federal da nance, Interagency Commissions vernança, Comissões Intergestores
Paraíba. João Pessoa PB
Brasil.
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Ouverney AM et al.

Introdução visão federativa das atribuições, na organização e


gestão da rede de serviços, na elaboração, imple-
O desenho federativo definido na Constituição de mentação e avaliação de políticas e programas,
1988 e nas Leis Orgânicas da Saúde alterou pro- no financiamento e na tomada de decisões.
fundamente a natureza das relações intergoverna- Em todas essas dimensões, observou-se a
mentais no setor saúde, favorecendo a emergência transferência de competências da União para os
de uma governança de natureza mais cooperati- estados e municípios, que assumiram, em seus
va1. A consolidação desse formato específico de respectivos territórios, a gestão operacional do
federalismo no SUS envolveu a construção de um SUS, enquanto as instâncias centrais se especia-
arcabouço político-institucional em que as co- lizaram na formulação, apoio à implementação, e
missões intergestores assumiram um papel cen- avaliação de políticas e programas considerados
tral como fóruns de apresentação de propostas, de expressiva relevância8,9.
discussão de alternativas e estabelecimento de A estratégia adotada ao longo da descentra-
pactos confiáveis entre as três esferas de gover- lização do SUS visou constituir um modelo de
no. A atuação regular e adequada da Comissão pactos de trabalho conjunto e articulação entre
Intergestores Tripartite (CIT) e das Comissões as esferas da federação em torno de objetivos co-
Intergestores Bipartite (CIB) contribuiu de forma muns, o que pode ampliar a funcionalidade das
expressiva para gerenciar os dilemas do processo ações e fortalecer a interdependência como estra-
de descentralização e implantação do SUS2. tégias de coordenação federativa10.
A implantação das CIR, desde 2011,em con- Esse processo foi marcado pela constante
tinuidade aos Colegiados de Gestão Regional necessidade de construir soluções federativas
(CGR), tem sido apontada como a reafirmação conjuntas para questões essenciais como definir
de uma das inovações essenciais para se avançar quais responsabilidades os estados e municípios
no processo de articulação regional das ações e iriam assumir, como adaptar as estratégias de
serviços nas 438 regiões de saúde do país3. A re- descentralização aos diversos contextos regionais
gionalização, entretanto, impõe novos desafios do país, quais os patamares de contribuição das
ao federalismo setorial, exigindo o desenvolvi- esferas no financiamento, como resolver os con-
mento de soluções clínicas, gerenciais, financei- flitos gerados pelas barreiras de acesso nos terri-
ras e, principalmente, políticas, o que provoca tórios, quais critérios adotar na alocação regional
uma reflexão do quanto esse sistema mais recente dos recursos de transferências federais, de forma
de governança está preparado para fornecer res- abordar crises de funcionamento da rede de ser-
postas adequadas para o futuro do SUS4. viços, entre outras11.
As pesquisas nacionais existentes sobre as As comissões intergestores tiveram um papel
CIR, ou mesmo sobre seus predecessores – os essencial nesse processo. Implementadas, efeti-
CGR, institucionalizados pelo PACTO PELA vamente, nos primeiros anos da década de 1990,
SAÚDE de 2006 –, são escassas5, sendo a maioria como parte da estratégia na NOB 93, desde então
dos estudos voltados para a realidade de regiões têm sido as principais instâncias de coordenação
de saúde ou estados específicos6,7. política do pacto federativo setorial. O sistema de
Esse artigo busca contribuir para superar essa comissões intergestores se consolidou como cen-
restrição, ao apresentar e comparar as caracterís- tro da dinâmica das relações intergovernamen-
ticas de organização e de funcionamento das 434 tais da política de saúde nos períodos seguintes
CIR ativassem 25 estados da federação brasilei- e atualmente está bem estabelecido tanto em âm-
ra, analisando o perfil de sua governança insti- bito nacional quanto estadual12.
tucional. Os dados são provenientes da Pesquisa A CIT, prestes a completar 30 anos de atua-
Nacional das Comissões Intergestores Regionais ção, hoje é reconhecida como o principal fórum
(CIR), um estudo censitário realizado nos anos setorial de tomada de decisões em âmbito nacio-
de 2017 e 2018, e foram coletados por meio de nal. Suas disposições orientam os gestores das
um questionário aplicado aos coordenadores/di- três esferas e fornecem validade às novas diretri-
retores/presidentes das CIR. zes consideradas essenciais ao aperfeiçoamento
do SUS. A legitimidade de suas decisões resulta
Descentralização, federalismo cooperativo da presença dos representantes legalmente cons-
e o papel das Comissões Intergestores tituídos das três esferas: o Ministério da Saúde,
o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais
Nas últimas três décadas, a descentralização de Saúde (CONASS) e o Conselho Nacional das
do SUS promoveu mudanças simultâneas na di- Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS).
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Nos estados, as comissões intergestores bi- Metodologia da pesquisa
partite (CIB) são responsáveis por aprofundar e
adaptar as decisões nacionais aos contextos esta- Definindo o perfil de Governança das CIR
duais, fornecer visibilidade às questões e proble-
mas regionais e buscar a pactuação de soluções Parcerias e concepção do estudo
adequadas entre os gestores estaduais e munici- A análise das características institucionais das
pais. A representação oficial das esferas envolvi- CIR foi realizada no âmbito da “Pesquisa Nacio-
das também é garantida em todas as decisões que nal das Comissões Intergestores Regional (CIR)”,
consagraram a regra de consenso como o forma- realizada pela Escola Nacional de Saúde Pública
to universal para a obtenção dos acordos inter- Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) em parceria com
gestores, seguindo o modelo nacional13,14. o CONASS e CONASEMS, com o objetivo de
As Comissões Intergestores Regionais (CIR) analisar a capacidade de coordenação regional e
representam a extensão desse sistema de gover- o papel desempenhado pelas CIR na gestão do
nança integrada e consensuada, construído ao SUS nas regiões de saúde dos estados brasileiros.
longo do processo de implementação do SUS, Compuseram a parceria também, ao longo do
para o território das regiões de saúde. Instituídas trabalho de campo, os COSEMS e as secretarias
pelo Decreto 7.508/201115, as CIR buscam aper- estaduais de saúde, que apoiaram a realização dos
feiçoar o modelo dos colegiados de gestão regio- estudos desde a etapa de concepção do estudo até
nal estabelecido no Pacto pela Saúde de 200616. a coleta dos dados.
Segundo a Resolução CIT 01/201117, que de- O estudo foi financiado pelo Ministério da
fine suas atribuições, compete às CIR, no âmbito Saúde, no âmbito do Termo de Execução Descen-
das respectivas regiões de saúde, pactuar sobre tralizada (TED) Nº 30/2015, e foi realizado em
questões relacionadas a RENASES e RENAME, duas etapas, sendo a primeira direcionada para
critérios de acessibilidade e escala, planejamen- avaliar a qualidade da governança institucional e
to regional, diretrizes para redes de atenção, res- a segunda voltada para analisar a capacidade das
ponsabilidades dos entes federados nas regiões de CIR para apoiar o planejamento e a gestão de po-
saúde, monitoramento e execução do COAP, en- líticas. Os resultados apresentados nesse artigo se
tre outras atribuições de extrema relevância para referem à primeira parte da pesquisa.
o avanço da regionalização. A elaboração da primeira fase da pesquisa co-
As CIR, por um lado, permitem que se amplie meçou em fevereiro de 2017, com a formação e o
a capacidade de coordenação federativa da polí- alinhamento da equipe de pesquisadores, que ha-
tica de saúde sobre a dinâmica de gestão das re- viam sido selecionados por meio de edital públi-
lações intermunicipais. Por outro lado, também co de ampla concorrência em dezembro de 2016.
significam a disponibilização de um canal po- Esse processo envolveu a realização de oficinas de
lítico exclusivo para que os municípios possam debate teórico, conceitual e metodológico a par-
discutir com o gestor estadual as singularidades tir da revisão dos estudos existentes sobre as CIR
de cada região de saúde com maior profundida- nos estados brasileiros3,6,7.
de e detalhamento do que poderiam fazê-lo nas A partir da revisão da literatura, tendo em
reuniões da CIB. vista a diversidade de conceitos de governança
Assim, tais comissões regionais possuem po- e diferentes áreas22,23, foi elaborado um conceito
tencial para apoiar a construção de estratégias específico de governança para o estudo das CIR,
estaduais e nacionais voltadas para superar os com o objetivo eliminar as imprecisões e gene-
principais obstáculos à regionalização do SUS, ralidades e estabelecer uma relação teórica mais
tais como a limitação de recursos financeiros e direta com o papel dessas instâncias no processo
a judicialização18. Segundo estudo recente, com de regionalização do SUS.
3.899 secretários municipais de saúde, o forta- Para os efeitos dessa pesquisa, definiu-se a
lecimento das CIR foi apontado como uma das governança das CIR como a articulação entre a
principais estratégias para que se garanta o apri- qualidade de organização institucional e a capa-
moramento do processo de planejamento e de cidade de apoiar o planejamento e a gestão de
regionalização da política de saúde no Brasil19. políticas de saúde em âmbito regional. Esse con-
É imprescindível, entretanto, que as CIR ceito abrange tanto a dimensão interna quanto a
apresentem níveis mínimos de qualidade insti- externa da CIR, adotando uma perspectiva ampla
tucional que garantam o cumprimento de seu de governança, porém precisa, conceitualmente.
papel de fortalecer o caráter cooperativo da go- A organização institucional, dimensão in-
vernança regional do SUS20,21. terna, abrange 5 (cinco) atributos para análise:
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(1) legitimidade institucional, (2) adesão e re- Estratégia de coleta de dados e realização
gularidade de funcionamento, (3) qualidade de dos estudos-pilotos estaduais
estrutura e condições de funcionamento, (4) Uma vez concluída a etapa de elaboração, os
equilíbrio federativo e (5) qualidade do processo representantes de cada estado (SES e COSEMS)
decisório. forneceram planilhas que continham os nomes,
Por sua vez, a capacidade de atuação das CIR funções e os e-mails dos coordenadores/direto-
na política regional de saúde, dimensão externa, res/presidentes das respectivas regiões de saúde.
foi definida a partir de 7 (sete) propriedades: (1) Em seguida, foram organizados grupos de mo-
qualificação das instâncias técnicas, (2) aprofun- nitoramento por estado, compostos por, pelo
damento de análise dos temas relevantes, (3) per- menos, dois pesquisadores do grupo de coorde-
meabilidade do colegiado ao debate técnico (4) nação da pesquisa e os representantes de SES e
articulação de recursos estratégicos, (5) mobili- COSEMS. As listas de e-mails foram inseridas na
zação de atores relevantes, (6) protagonismo nos plataforma do Survey Monkey e organizadas por
processos de planejamento regional em saúde e estado e região de saúde.
(7) centralidade na definição de estratégias de Os links contendo o questionário da pesquisa
qualificação da gestão regional do SUS. foram enviados para cada um dos coordenado-
Esse artigo apresenta especificamente os re- res/diretores/presidentes, seguindo uma sequên­
sultados relativos à organização institucional das cia previamente definida em conjunto com os
CIR, dimensão interna, cujas variáveis compo- representantes de cada estado. Logo após o enca-
nentes dos 5 atributos acima apresentados serão minhamento dos links, os pesquisadores envia-
definidas na seção de sistematização e análise dos vam também um e-mail explicando a natureza
dados. da pesquisa e a forma de preenchimento do ques-
Considerando a necessidade de elaborar um tionário, além de disponibilizarem seus contatos
estudo nacional e extenso das características ins- pessoais para o esclarecimento dúvidas.
titucionais das CIR, garantir a comparabilidade A estratégia de coleta de dados foi concebida
dos resultados e obter dados para todo o país, de forma a ser iniciada nas cinco grandes regiões
do país (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste
optou-se, logo nas primeiras reuniões, pela rea-
e Sul), de forma simultânea, porém escalonada.
lização de um censo a partir da aplicação de um
Assim, foram escolhidos cinco estados, um em
questionário.
cada região, para testar a estratégia de imple-
mentação da pesquisa, sendo estes: Pará, Paraíba,
Elaboração do questionário e realização
Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Paraná.
do pré-teste
A formulação das questões que compuseram
Monitoramento dos respondentes
o texto da base do questionário foi realizada ao
Ao longo de todo o processo de coleta dos
longo dos meses de março e abril. Logo em se-
dados, os pesquisadores mantiveram contato
guida, procedeu-se a inserção das questões no
constante com os respondentes e com os repre-
software Survey Monkey24, considerando os ga- sentantes das SES e COSEMS, criando uma sis-
nhos de funcionalidade de gestão, praticidade de temática de acompanhamento conjunto diário,
coleta, segurança, velocidade da tabulação e ob- que envolveu, inclusive, a formação de grupos de
tenção de resultados. Nessa fase, também foram Whatsapp de uso contínuo. Para cada estado, foi
conduzidos diversos testes pela equipe de pesqui- gerado um painel de monitoramento do retorno
sa, visando avaliar a qualidade das funcionalida- dos questionários, contendo informações sobre
des programadas e mensurar o tempo médio de o estágio de preenchimento por CIR, tempo de
resposta do questionário. preenchimento, percentual de questionário par-
Finalmente, em maio, foram realizadas ofi- ciais e completos por UF, entre outros.
cinas com gestores e técnicos indicados pelas Mensalmente, eram realizadas reuniões de
secretarias estaduais de saúde e COSEMS de coordenação da pesquisa para avaliar o anda-
cada estado, visando realizar o pré-teste do ins- mento da coleta dos dados, com análises por UF
trumento e construir a estratégia de aplicação sobre o estágio de andamento da pesquisa e as es-
do mesmo junto aos coordenadores/diretores/ tratégias adotadas para acelerar o preenchimento
presidentes da CIR nas regiões de saúde. Após os dos questionários. Periodicamente, eram envia-
ajustes e correções realizadas a partir do pré-tes- dos a CONASS e CONASEMS boletins de infor-
te, o questionário era composto por 80 questões mação sobre o estágio de realização da pesquisa.
distribuídas nos cinco atributos de organização O processo completo de coleta de dados da
institucional abordadas acima. primeira fase da pesquisa foi realizado em nove
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meses, indo de julho de 2017 a março de 2018. em relação à publicação do Decreto 7.508/2011,
Foram obtidos questionários completos para as amplitude inicial de adesão dos municípios na
CIR de 434 regiões de saúde, o que representa a região de saúde e a existência de interrupções de
realização de um censo nacional dessas instân- atividade.
cias. No total, o Brasil possui oficialmente 438 re- Em relação à qualidade da estrutura e con-
giões de saúde. Não responderam o questionário dições de funcionamento, foram empregados a
apenas as duas regiões de Roraima e uma região presença de um espaço específico para atividades
de Rondônia em virtude de suas CIR não estarem administrativas, número de salas e de compu-
funcionando nos últimos anos. Além dessas 3 re- tadores, o regime de funcionamento e número
giões de saúde, o Distrito Federal também não foi de funcionário da secretaria executiva, além do
incluído por não ser organizado territorialmente volume de recursos financeiros para o funciona-
em municípios e, portanto, não possuir uma ins- mento às CIR.
tância intergestores. O equilíbrio federativo foi analisado tanto
pela composição do colegiado quanto pelas prer-
Sistematização e análise dos dados rogativas de condução de momentos relevantes
no processo decisório, em especial a definição de
Definindo as dimensões e variáveis da pauta das reuniões do colegiado e a natureza dos
Governança Institucional das CIR convidados.
Concluída a fase de coleta, as informações Finalmente, a qualidade do processo decisó-
armazenadas no Survey Monkey foram extraídas rio foi avaliada buscando conhecer tanto a forma
para um banco de dados em Excel para possibi- de organizar as decisões quanto o conteúdo dos
litar a realização das análises de qualidade das debates, a partir de quatro variáveis: presença de
respostas, quando foram eliminadas as possíveis reuniões técnicas prévias, quórum mínimo para
duplicações, conferidas as denominações das re- abertura das reuniões, forma de participação dos
giões, verificada a lista dos nomes dos responden- convidados e principais temas discutidos.
tes, etc. Em seguida, foram tabuladas as respostas
fornecidas para a categoria “outros” presentes em
diversas questões, assim como as respostas para Resultados
questões abertas.
Esse artigo apresenta os resultados obtidos Qual o perfil de Organização Institucional
especificamente para a dimensão interna da go- (Governança Interna) das CIR?
vernança das CIR, relacionada à qualidade de sua
organização institucional. Como pode ser visu- Legitimidade Institucional
alizado no Quadro 1, essa foi definida a partir A maioria das CIR está vinculada às Direto-
de partir de 24 variáveis, distribuídas em cinco rias Regionais de Saúde das SES (38%) ou às CIB
dimensões de análise: (1) legitimidade institucio- (34,6%), como visto no Quadro 2, foi instituída
nal, (2) adesão e regularidade de funcionamento, por meio de deliberação da CIB (74,4%) e pos-
(3) qualidade da estrutura e condições de funcio- sui regimento padronizado, publicado pelas SES
namento e (4) equilíbrio federativo, (5) qualida- (54,4%). Em geral, os regimentos foram elabora-
de do processo decisório. dos por meio de arranjos colaborativos envolven-
Assim, para analisar o nível de legitimidade do os gestores estaduais e os municipais (80,9%)
institucional das CIR, foram selecionadas variá- e o processo de implementação foi conduzido a
veis relacionadas a sua posição na estrutura or- partir de negociações realizadas na CIB (50,9%).
ganizacional da SES, o tipo de ato de criação, a A vinculação institucional às CIB segue o es-
presença e modo de elaboração e a forma de con- tabelecido pelas instruções normativas da CIT,
duzir a implementação da CIR. Uma CIR bem que definem a CIR como extensão regional do
posicionada, com regras definidas e implemen- sistema estadual de pactuação intergestores, for-
tada de forma conjunta apresenta-se como um necendo-lhe maior legitimidade. O trabalho arti-
espaço legítimo e com capacidade de influenciar culado das CIR com as DRS pode, por um lado,
a condução da política de saúde. compor um arranjo com maior capacidade ope-
A adesão e regularidade de funcionamento racional para a gestão do sistema regional de saú-
foram dimensionadas não só pelos critérios clás- de, mas, por outro, pode produzir desequilíbrios
sicos de frequência de realização de reuniões e de na relação federativa, ao ampliar as prerrogativas
comparecimento dos membros, mas também por da SES. Arranjos mais centralizados na SES po-
informações sobre o tempo de implementação dem ainda exacerbar esse desequilíbrio.
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Quadro 1. Atributos e Variáveis da Organização grande maioria dos coordenadores/presidentes


Institucional das CIR. de CIR também não relatou ter conhecimento da
I - Legitimidade Institucional ocorrência de interrupções significativas desde o
1. Inserção institucional da CIR início e sua atuação (78,1%).
2. Tipo de legislação de criação Quase todas as CIR realizam suas reuniões
3. Existência e natureza do Regimento Interno mensalmente (94,5%) e a estimativa de frequên-
4. Forma de elaboração do Regimento Interno cia média de comparecimento dos membros, na
5. Condução do processo de implantação maioria das CIR (63,8%), para 2016, foi acima
II - Adesão e Regularidade de Funcionamento de 70%.
6. Forma de adesão dos municípios A elevada adesão dos municípios às CIR pode
7. Início efetivo de atuação da CIR
ser explicada pela ampla difusão prévia dos co-
8. Interrupções no funcionamento da CIR
legiados de gestão regional nas regiões de saúde
9. Frequência de ocorrência de reuniões ordinárias
10. Frequência de comparecimento dos membros dos estados, ocorrendo, portanto, em grande par-
III - Qualidade de Estrutura e Condições de
te, a substituição de um modelo institucional por
Funcionamento outro.
11. Espaço administrativo e operacional O percentual das CIR que tiveram seu funcio-
12. Número de Salas namento iniciado em 2011/2012 também deve-
13. Funcionamento da Secretaria Executiva ria seguir esse mesmo padrão, porém, uma parte
14. Número de funcionários da Secretaria Executiva expressiva dos coordenadores/presidentes esta-
15. Volume global estimado de recursos financeiros beleceu, como data inicial, a relativa a modelos
IV - Equilíbrio Federativo anteriores à CIR (22%).
16. Composição do colegiado da CIR Quase todas as CIR realizam suas reuniões
17. Fatores de definição da pauta das reuniões mensalmente (94,5%) e a estimativa de frequên-
18. Atores que definem a pauta das reuniões cia média de comparecimento dos membros, na
19. Natureza dos convidados maioria das CIR (63,8%), para 2016, foi acima
V - Qualidade do Processo Decisório de 70%.
20. Presença de reuniões técnicas prévias
21. Quórum mínimo para abertura das reuniões (1ª Qualidade da estrutura e condições de
chamada)
funcionamento das CIR
22. Formas de participação dos convidados
Conforme mostrado no Quadro 2, mais de
23. Principais temas discutidos
Fonte: Elaborado pelos autores. Pesquisa Nacional das CIR
três quartos das CIR funcionam em espaços de
(Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz). propriedade da SES (58,5%) ou alugado por
elas (16,8%) e possuem apenas uma sala para
desenvolverem suas atividades (85,5%). Há ain-
da diversos outros tipos de arranjos que foram
mencionados pelos coordenadores/presidentes
de CIR (13,2%), tais como instalações do maior
A padronização dos regimentos internos das município da região, do COSEMS, do consórcio
CIR de cada estado pode garantir a presença de intermunicipal, de universidades, de instituições
um conjunto mínimo de regras comuns em to- filantrópicas, entre outras. Os resultados mos-
das as regiões de saúde, criando um sistema mais tram precariedade de infraestrutura de funcio-
homogêneo, porém, pode também limitar a au- namento e dependência das instalações das SES.
tonomia das regiões de saúde para definir suas Quase três quartos (73,7%) das CIR possuem
próprias regras. Os resultados mostram que esse uma secretaria executiva implementada, e mais
parece não ser o caso, uma vez que a maioria dos da metade delas opera em regime de funciona-
regimentos foi elaborada em grupos conjuntos mento diário (59,4%). Mais de dois terços dessas
de trabalho, na própria CIB ou com mediação do secretarias executivas têm, a sua disposição, ape-
COSEM. nas 1 (47,2%) ou 2 (21,9%) funcionários, além
do próprio secretário executivo, para realização
Adesão e regularidade de funcionamento de todas as tarefas cotidianas.
Em mais de três quartos das CIR (78,6%), a Essa reduzida disposição de recursos também
adesão dos municípios foi imediata e completa, se reflete na área orçamentária, pois mais de dois
sendo que o início efetivo de atuação das mesmas terços das CIR também contavam, para o ano de
ocorreu nos anos de 2011 e 2012 (53,9%), por- 2016, somente com, no máximo, R$ 20 mil para
tanto, logo após a edição do Decreto 7.508/11. A o financiamento anual de seus gastos de custeio e
Quadro 2. Legitimidade Institucional, Adesão e Regularidade de Funcionamento e Qualidade da Estrutura e Condições de Funcionamento das CIR. Brasil, 2018 (%) (N=434).
Legitimidade Institucional Adesão e Regularidade de Funcionamento Qualidade da Estrutura e Condições de Funcionamento
1. Inserção DRS/SES ou equivalente (38%) 6. Forma de adesão dos Imediata e completa (78,6%) 11. Espaço Espaço próprio/SES (58,5%)
institucional da CIB/SES (34,6%) municípios Imediata, mas parcial (10,4%) administrativo e Espaço alugado/SES (16,8%)
CIR Núcleo Central/SES (8,5%) Paulatina, mas completa (6%) operacional Outros SES (6,9%)
GAB/SES (5,8%) Paulatina e parcial (5,1%) Não possui sede (4,6%)
Presidência COSEMS (3%) Outros (13,2%)
Outros (10,1%)

2. Tipo de Deliberação CIB (74,4%) 7. Início efetivo de 2010 ou antes (22%) 12. Número de salas Uma (85,5%)
legislação de Portaria GAB/SES (9,7%) atuação da CIR 2011-2012 (53,9%) Duas (10,6%)
criação Portaria GAB/GOV (6,9%) 2013-2016 (20%) Três ou mais (3,9%)
Outros (9%) Não sabe/não respondeu (4,1%)
3. Existência Sim, padronizado SES (54,4%) 8. Interrupções no Nenhuma (78,1%) 13. Funcionamento da Diário (59,4%)
e natureza do Sim, específico da região (42,6%) funcionamento até 1 a 3 vezes (15%) Secretaria Executiva 1-3 vezes/semana (4,1%)
Regimento Não, em elaboração (1,8%) 2017 4 ou mais vezes (6,9%) Quinzenal (3,2%)
Interno Não, não é necessário (1,2%) Mensal/dias reunião CIR (12,9%)
Não há SE (15%)
Outros (5,4%)
4. Forma de Grupo de trabalho SES/SMS (30,4%) 9. Frequência de Mensal (94,5%) 14. Número Nenhum (15,9%%)
elaboração do CIB (27,2%) ocorrência de reuniões Bimestral (4,1%) Funcionários da Um (47,2%)
Regimento Mediação do COSEMS (23,3%) ordinárias Trimestral (1,2%) Secretaria Executiva Dois (21,9%)
Interno Centralizado GAB/SES ou DRS/SES (6,1%) Outro (0,2%) (além do SE) Três ou mais (15%)
Outros (12,9%)
5. Condução CIB (50,9%) 10. Frequência de >90%-100%: (17,7%) 15. Total estimado de Até R$ 20 mil (78,1%)
do processo de Regional SES (13,8%) comparecimento dos >80%-90%: (23,5%) recursos financeiros >R$ 20 mil a R$ 50 mil (10,6%)
implantação GAB/SES (13,8%) membros >70%-80%: (22,6%) (2016) >R$ 50 mil a R$ 10 mil (6,7%)
Grupo SES/municípios (11,5%) >60%-70%: (17,1%) >R$ 100 mil (4,6%)
Outros (10%) >50%-60%: (11,1)
0%-50%: (6,2%)
Fonte: Elaborado pelos autores. Pesquisa Nacional das CIR (Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz).
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Quadro 3. Equilíbrio Federativo e Qualidade do Processo Decisório das CIR. Brasil, 2018 (%) (N=434).
Equilíbrio Federativo Qualidade do Processo Decisório
16. Todos os SMS da região (99,5%) 20. Presença Regularmente (36,2%)
Composição Diretores regionais da SES (78,1%) de reuniões Convocação SE/Câmara Técnica (34,1%)
do Representantes Diretoria COSEMS (64,3%) técnicas Convocação Coord./Presid. (16,1%)
Colegiado Nível Central SES (27,4%) prévias Não há necessidade (13,6%)
da CIR Representantes MS (12,4%)
(mais Diretores Hospitais Regionais (11,5%)
citados)
17.Atores Presidente/coordenador (74%) 21. Quórum >30% a 50% membros (8,8%)
que definem Membros do colegiado (52,5%) mínimo para >50% a 60% membros (82,8%)
a pauta das Secretário Executivo (a) (52,1%) abertura das Acima de 60% membros (6%)
reuniões Gestores/técnicos das SMS (31,1%) reuniões (1ª Outros (3,2%)
Coordenador da câmara técnica (21%) chamada)
Gestores/técnicos da SES (18,2%)
18. Fatores Solicitações das SMS (88%) 22. Forma de Apresentações/informes e debates (70,7%)
de definição Decisões da CIB (77%) participação Apresentações/informes (21,9%)
da pauta Solicitações da SES (67,3%) dos Apenas assistir (7,4%)
das reuniões Demandas Câmara Técnica/CIR (59,7%) convidados
(mais Legislação da CIT/MS (38,9%)
citados) Agenda do COSEMS (35%)
19. Natureza Gestores/técnicos da SES (84,1%) 23. Principais Pactuação Fluxos intermunicipais (68,9%)
dos Gestores/técnicos das SMS (81,1%) temas Credenciamento políticas federais (62,7%)
convidados Técnicos/apoiadores do COSEMS (73,7%) discutidos Problemas de saúde pública (57,6%)
(mais Representantes hospitais privados/ (mais Repasses financeiros da SES (52,1%)
citados) filantrópicos. (38,7%) citados) Expansão e Qualificação da AB (44,9%)
Representantes Consórcios (22,6%) Regulação rede privada/filantrópica (32,5%)
Fonte: Elaborado pelos autores. Pesquisa Nacional das CIR (Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz).

de investimentos, o que correspondente, em mé- temas. Da mesma forma, gestores e técnicos esta-
dia, a R$ 1.667,00 mensais. duais e municipais que participam das reuniões
Durante as oficinas realizadas com represen- realizando apresentações ou informes também
tantes das SES e dos COSEMS, foram registrados influenciam esse processo, embora em proporção
diversos relatos de que muitas CIR ainda eram menor das CIR do que os demais atores.
financiadas por recursos provenientes da Política A natureza federativa das CIR é corroborada
Nacional de Gestão Estratégica e Participativa no pela presença dos secretários municipais de saú-
SUS (ParticipaSUS). de e de representantes da SES em praticamente
todas as regiões de saúde. A participação muni-
Equilíbrio federativo cipal envolve todos os secretários municipais de
Conforme apresentado no Quadro 3, a com- saúde em cada região, o que mostra não só a re-
posição do colegiado abrange essencialmente os levância atribuída às CIR pelos governos locais,
secretários municipais de saúde, os diretores das mas também a capilaridade desse arranjo institu-
regionais de saúde da SES, representantes dos cional. O mesmo de ser afirmado em relação aos
COSEMS e representantes do nível central da governos estaduais.
SES. Em algumas CIR, foi relatada a participação Assim, a presença extensa de representan-
de representantes do Ministério da Saúde e dire- tes de ambas as esferas permite compor pactos
tores de hospitais regionais. e consensos que levam a decisões marcadas por
A definição das pautas das reuniões não é níveis mínimos de equilíbrio federativo, apesar
prerrogativa exclusiva do presidente/coordena- de possíveis diferenças de poder e domínio de re-
dor ou do secretário executivo da CIR, uma vez cursos em cada região de saúde.
que todos os membros que compõem o colegiado Esse equilíbrio também pode ser encontrado
(secretários municiais e representantes da SES) no processo de definição das pautas das reuniões
também são atores relevantes na proposição de das CIR, momento em que se decide quem in-
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fluencia o que será discutido e debatido nas re- Discussão e conclusão
giões de colegiado. Os principais fatores citados
como sendo os de maior influência na definição Um complexo de Governança Regional
das pautas são solicitações das secretarias muni- Institucionalizado, porém subfinanciado e
cipais de saúde (88%), decisões da CIB (77%) focado em questões emergenciais
e solicitações das secretarias estaduais de saúde
(67,3%). Novamente, os resultados mostram que As CIR como espaços institucionalizados
as esferas estadual e municipal possuem acesso de Governança Federativa Regional do SUS
equilibrado ao processo decisório das CIR. Os resultados mostram que as CIR são um
Finalmente, quando consideramos os debates componente fundamental do sistema nacional de
no âmbito das reuniões do colegiados, observa- governança federativa do SUS, na medida em que
se que os principais convidados para realizar consistem na extensão do modelo de federalismo
apresentações são gestores e técnicos das secre- cooperativo que fundamentou a construção da
tarias estaduais (84,1%) e municipais de saúde CIT e das CIB para as regiões de saúde nos esta-
(81,1%), corroborando o argumento de que as dos brasileiros25.
CIR consistem em um dispositivo político-insti- Esse complexo de instâncias colegiadasre-
tucional que reflete um pacto federativo entre as gionais, como mostram os dados acima, está
esferas estadual e municipal. Cabe destacar ainda legalmente instituído em todos os estados por
a crescente participação dos apoiadores do CO- deliberação das respectivas CIB, possui regras de
SEMS na dinâmica de trabalho desses colegiados. funcionamento definidas e publicadas na forma
de regimentos internos, foi implementado em
Qualidade do processo decisório praticamente todas as regiões do país, com ra-
Como pode ser visto no Quadro 3, a realiza- ras exceções, apresentou poucas interrupções de
ção de reuniões técnicas prévias aos encontros de funcionamento, realiza reuniões mensais com
consensos do colegiado não é uma atividade re- significativa frequência de comparecimento de
gular, ocorrendo em pouco mais de um terço das seus membros.
CIR. Na maioria dos casos, tais reuniões ocorrem Portanto, da perspectiva da legitimidade ins-
apenas quando há convocação da coordenação/ titucional e da adesão dos estados e municípios,
presidência, da secretaria executiva ou de algu- não restam dúvidas de que esse sistema de gover-
ma câmara técnica. O cuidado com a segurança nança está plenamente estabelecido como espaço
jurídica das decisões tem adquirido mais aten- de consolidação do pacto federativo setorial, na
ção, uma vez que a grande maioria das CIR ado- medida em que é reconhecido como lócus de to-
ta quórum mínimo expressivo de presença dos mada de decisão e resolução de conflito em âm-
membros para composição de consensos. bito regional.
A presença de gestores e técnicos convidados O mesmo pode ser dito quando analisamos
atuando tanto na realização de informes quanto os dados relativos ao equilíbrio federativo, pois
no desenvolvimento dos debates é característica os dados mostram que, em todos os estados, a
corrente em mais de 2/3 das CIR, o que permite implementação das CIR ocorreu de forma con-
ampliar o volume de informações e a diversidade junta, a composição do colegiado é ampla e en-
de olhares sobre os principais problemas aborda- volve representante das esferas municipal e es-
dos nas reuniões. tadual, a definição das pautas é influenciada por
Entretanto, quando analisamos os principais solicitações das SMS e das SES, e os convidados
temas discutidos, percebemos a predominância para realizar informes e participar nos debate
de problemas imediatos da gestão do SUS, com provém de ambos os lados. Obviamente que o
pouco prioridade para o planejamento da regio- equilíbrio não será uniforme em todos os estados
nalização, que deveria ser sua atribuição essen- e municípios, considerando tanto as assimetrias
cial. Assim, podemos ver que a maioria das CIR de recursos financeiros, assistenciais, gerenciais
concentra seus esforços no debate sobre a pac- e técnicos quanto o protagonismo que cada ente
tuação fluxos intermunicipais, o credenciamento exerceu nas trajetórias particulares de implemen-
de políticas federais, os problemas de saúde pú- tação de cada CIR em cada região.
blica e os repasses financeiros da SES. Três fatores relacionados ao processo de
construção federativa do SUS podem ser aponta-
dos como fundamentais para se obter a expressi-
va institucionalização desse sistema de comissões
regionais. O primeiro consiste no processo pio-
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neiro e inovador, conduzido por alguns estados, ordenação gerencial das atividades cotidianas
na década 1990, de criação das CIBs regionais de articulação regional. Em boa parte dos casos,
como dispositivo para conformar um sistema de ambos são funcionários estaduais ou municipais
governança territorial mais capilarizado do que que deslocam parte de sua carga horária semanal
as CIB, além da manutenção das estruturas re- para as atividades da CIR e, portanto, não pos-
gionais de gestão, como as diretorias regionais de suem remuneração específica para o exercício
saúde, que definem a presença das SES nas regi- dessas funções.
ões do estado. Da mesma forma, não há, na quase totalidade
O segundo é o papel exercido pelo Ministério dos casos, alocação orçamentária exclusiva para o
da Saúde na indução de arranjos institucionais custeio das atividades das CIR, sendo os recursos
prévios às CIR, em especial, os CGR, que esti- utilizados na compra de passagens, serviços de
mularam a nacionalização dessas inovações. Fi- terceiros e material de consumo, principais gas-
nalmente, cabe apontar o papel dos COSEMS na tos, provém do orçamento geral das SES e SMS, o
implementação das presidências regionais e dos que não garante fonte regular de financiamento
projetos de apoio institucional nos territórios, dessas instâncias. Tal situação gera insegurança
em vários estados, quevalorizou as lideranças sobre a estabilidade de funcionamento das CIR,
regionais dos gestores e conferiu destaque aos desmotivando gestores e técnicos e reduzindo
desafios da consolidação do SUS nas regiões de as expectativas de ambos sobre essas no plane-
saúde26. jamento e na gestão regional do SUS. Além disso,
Em síntese, o sistema de governança interna os aportes de recursos federais para apoiar o fi-
das CIR é o resultado de um processo de difusão nanciamento dessas instâncias foram interrom-
de inovações impulsionado pela ação contínua e pidos na última metade de década, sinalizando
cooperativa das três esferas da federação brasi- perda de legitimidade e relevância de seu papel
leira, em movimentos complementares ao longo nas estratégias nacionais de coordenação federa-
das três últimas décadas. tiva do SUS.
Além do subfinanciamento, a concentração
As CIR como instâncias subfinanciadas exclusiva dos debates e decisões em temas e ques-
e concentradas nas questões emergenciais tões emergenciais da gestão dos sistemas locais e
da gestão local do SUS regionais de saúde consiste em outra limitação
Entretanto, o mesmo padrão de governança relevante identificada na pesquisa, pois indica
não se observa nos demais atributos de organiza- um deslocamento dessas instâncias de sua fun-
ção institucional das CIR. As situações mais crí- ção essencial que consiste em debater e deliberar
ticas foram observadas na qualidade da estrutura sobre o planejamento regional de médio e longo
e condições de funcionamento dessas instâncias, prazo, definindo estratégias para reconfigurar, de
em virtude do baixo aporte de recursos financei- maneira maia racional, o financiamento e a orga-
ros, gerenciais e técnicos a elas disponibilizados. nização da rede de serviços na região.
Apesar de grande parte das CIR possuir espa- Outra questão relevante identificada no con-
ço próprio disponibilizado pelas SES, na maioria teúdo das reuniões e consensos foi o uso dessas
dos casos esses não são exclusivos, ou seja, nem instâncias como espaço para elaboração e apro-
sempre estão inteiramente à disposição das ativi- vação de planos operativos de programas e po-
dades das CIR. Esse padrão de precariedade se re- líticas federais para implementação de linhas de
flete principalmente na infraestrutura, em geral, cuidado específicas, denominadas redes temáti-
reduzida ao mínimo necessário, tendo sido fre- cas, como a Rede Cegonha. Isso mostra o poten-
quentes os casos de gestores que mencionaram, cial das CIR como dispositivo de coordenação
nas oficinas regionais, que aportavam computa- federativa na implementação de políticas nacio-
dores, telefones celulares, carros e recursos finan- nais, mas também pode esvaziar a coordenação
ceiros próprios para sustentar o desenvolvimento estadual dessas estratégias de natureza macror-
de atividades cotidianas prévias e posteriores às regional, acentuando tendências de coordenação
reuniões do colegiado. direta entre o Ministério da Saúde e os municí-
Assim, embora a grande maioria das CIR pios.
tenha reportado a presença de uma secretaria Portanto, o principal desafio para a susten-
executiva com funcionamento regular, a mesma tação e o aperfeiçoamento desse sistema de go-
possui, em geral, apenas um funcionário, além vernançainterna das regiões de saúde consiste na
do próprio secretário executivo, o que impõem continuidade da ação conjunta das três esferas,
expressivas limitações sobre a capacidade de co- em especial, no aporte de iniciativas nacionais e
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estaduais que possam reduzir a precariedade ob- para abranger tambémtemas relacionados ao
servada na infraestrutura de funcionamento e no planejamento regional em saúde, para além da
volume de recursos financeiros disponível para concentração atual em questões típicas da gestão
a operacionalização das atividades essenciais cotidiana da pactuação intermunicipal de fluxos
das CIR. Da mesma forma, é importante que o de consultas e exames e do subfinanciamento do
foco de atuação dessas instâncias seja ampliado SUS27,28.

Colaboradores Referências

Os autores trabalharam em conjunto na concep- 1. Fleury S. Democracia e Inovação na Gestão Local da


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