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Sensação, atenção,

memória, integração
sensório-motora
Prof.ª Érica de Lana Meirelles

Descrição

Conceitos de sensação, atenção e memória. Apresentação da neurociência do processo


sensoperceptivo e da integração sensório-motora, bem como do processo sensório-motor, das
teorias e funções do processo atencional, da neurociência da atenção e do processo mnemônico.

Propósito

Compreender os processos cognitivos sensação, atenção, memória e a integração sensório-


motora desde suas definições, teorias subjacentes e funções aos substratos neurais relacionados
a elas.
Preparação

Para um melhor aproveitamento deste tema, você pode utilizar um modelo físico ou 3D do
cérebro. Ainda, pode se valer de sites ou aplicativos para recorrer a modelos 3D virtuais.
Recomenda-se que você esteja familiarizado com noções básicas de Neurociências; em especial,
Neurociência Cognitiva.

Objetivos

Módulo 1

Processo sensoperceptivo e atencional


Identificar os substratos neurais subjacentes ao processo sensoperceptivo e atencional.

Módulo 2

Processo mnemônico e sensório-motor


Identificar os substratos neurais subjacentes ao processo mnemônico e sensório-motor.

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Introdução
Neste tema, exploraremos três funções cognitivas (sensopercepção, atenção e memória) e
abordaremos a integração sensório-motora, função executada pelo sistema nervoso (SN).
Conheceremos essas diferentes funções e as relacionaremos com áreas específicas do SN.
Vamos, agora, identificar os conceitos fundamentais para a compreensão dessas funções. Mas,
para isso, cabe ressaltar dois importantes pontos:

O primeiro ponto refere-se às funções cognitivas somente são separadas com fins didáticos, uma
vez que, no mundo concreto, atuam de forma integrada. Sob coordenação das funções
executivas, o indivíduo, ativado por uma emoção, motiva-se na direção de focar a atenção em
determinado estímulo, que será processado pela sensopercepção, gerando o traço necessário
para a memória e o consequente aprendizado.

O segundo ponto é sobre o desenvolvimento das estruturas do SN subjacentes a cada uma das
funções cognitivas tem correlação direta com o desempenho do sujeito naquela função
específica, uma vez que cada avanço no substrato neurobiológico subjacente (aumento do
número de neurônios, ou de sinapses, ou mesmo o fortalecimento das redes) representa também
um ganho funcional. Assim, é esperado que indivíduos de diferentes idades e perfis de
estimulação tenham desempenhos funcionais também diferentes.
1 - Processo sensoperceptivo e atencional
Ao final deste módulo, você será capaz de identificar os substratos neurais
subjacentes ao processo sensoperceptivo e atencional.

Sensação

Definição
Preste atenção ao seu ambiente neste momento. Volte-se para o seu ambiente externo e interno.
Você consegue perceber diferentes cores, brilhos, movimentos, sons, o toque do seu corpo na
cadeira, nas roupas, no seu sapato, a temperatura das superfícies que toca, do ar, eventuais
cheiros, perfumes, sabores.
Só podemos ter a sensação de nosso ambiente porque uma linha de processamento neural está
funcionando de forma integrada e coordenada. Em especial porque o nosso cérebro – principal
órgão do sistema nervoso central (SNC) e responsável pela compreensão do que sentimos em
uma percepção – está íntegro!

Para definirmos o que é sensação, vamos recordar uma questão filosófica que está proposta na
atividade de reflexão a seguir:

Se uma mulher fala em uma sala e não há homem algum para ouvi-la, ainda assim ela está certa?

Resposta
Essa ironia nasceu de uma velha charada: Se uma árvore cai na floresta e não há ninguém para
ouvir, ainda sim ela produz som? E é assim que Sternberg (2008) começa sua apresentação
acerca da sensação. E mostra que, diferentemente do que se tem no senso comum, na área das
neurociências cognitivas, o termo sensação se reduz à mera resposta relacionada aos nossos
sentidos: visão, audição, tato, olfato e paladar. Ou seja: é a capacidade que nosso corpo tem de
receber os estímulos do meio externo e permitir (através de células receptoras) que sejam
compreendidos pelos neurônios. Portanto, voltando à charada, antes que aconteça a sensação,
há o mundo externo (a árvore que cai e produz o som, por exemplo) que será captado pelos
sentidos.

Neurociência do processo sensoperceptivo


Nosso aparato sensorial é formado pelos órgãos sensoriais (olhos, ouvidos, pele, língua, nariz), os
nervos (que levam as informações dos órgãos dos sentidos até o SNC) e o córtex cerebral (onde
o estímulo será processado em diferentes áreas a depender da modalidade sensorial: visual, tátil
etc.). No cérebro, as informações sensoriais se conjugam numa percepção.

Segundo Lent (2008), diferentemente de sua definição no senso comum, as percepções para as
neurociências cognitivas são aqueles produtos da sensação (ou seja, proveniente dos sentidos).
Por esse motivo, está cada vez mais frequente na literatura da área a grafia sensopercepção, já
que se trata de um processo intrinsecamente integrado.

Quando vemos um objeto (uma bola vermelha, por exemplo), neurônios sensoriais em nossa
retina realizam a transdução das ondas luminosas em impulsos nervosos, que seguem pelo nervo
óptico até núcleos específicos do tálamo, uma estrutura dupla (ou seja, presente nos dois
hemisférios cerebrais), conforme indica a imagem a seguir:

Tálamo (partes em amarelo).

O tálamo, então, encaminha os impulsos visuais até as áreas sensoriais primárias (no exemplo,
área visual primária, no córtex occipital). Na área visual primária, haverá apenas o processamento
da cor e do formato; e separadamente. Em seguida, o estímulo será encaminhado para
processamento nas áreas secundárias (no exemplo, área visual secundária, ainda no córtex
occipital) e nas áreas de associação multimodais (junção têmporo-parieto-occipital), onde será
formada a percepção do objeto visto como um todo, a fim de ser reconhecido como uma “bola
vermelha”.

Vale ressaltar que os estímulos sensoriais seguem este padrão:

Órgão sensorial

Tálamo

Córtex

A exceção corresponde aos estímulos sensoriais olfativos, que não passam pelo tálamo e são
enviados do bulbo olfatório diretamente para o córtex cerebral.

Processamento contralateral
Um ponto curioso e relevante sobre a sensopercepção é que ela é processada no córtex
contralateral ao estímulo. Isso significa que os estímulos percebidos no lado esquerdo do corpo
são processados nas estruturas cerebrais do lado direito e vice-versa. Isso se dá porque as fibras
neurais se cruzam no nível da ponte (estrutura componente do tronco cerebral): os
prolongamentos do córtex cerebral direito cruzam na ponte e passam a enervar o lado esquerdo
do corpo e vice-versa. É importante citar que essas vias são:

Aferentes
Carregam informações sensoriais da periferia até o SNC. Isso é de especial relevância para a
sensopercepção.

Eferentes
Levam comandos do SNC até a periferia. Isso é relevante para o comportamento motor (como
veremos mais à frente neste tema).

Segundo Thompson (2005), é provável que essa característica tenha sido adaptativa em algum
momento da evolução das espécies. Assim, espera-se que lesões cerebrais em um dos
hemisférios produzam efeitos (sensoriais e motores) no lado contralateral do corpo.

Áreas funcionais – córtices primário e secundário e córtex


associativo
Para ser percebido, um estímulo é processado em diferentes áreas do SNC. Essas áreas, de
acordo com Fuentes et al. (2008), são organizadas hierarquicamente e ficaram conhecidas como
unidades funcionais, proposta de Alexander Luria, um dos pesquisadores mais proeminentes da
Neuropsicologia. Luria formulou uma compreensão de que o córtex está organizado nas
seguintes unidades funcionais:

lexander Luria
Alexander Romanovich Luria (1902-1977) foi um psicólogo soviético, considerado o pai da
Neuropsicologia moderna, sendo inclusive o criador desse termo. Embora a ideia original de sistema
funcional seja de outro conterrâneo seu, Pyotr Kuzmicj Anokhin (1898-1974), Luria conseguiu ampliá-
la, aplicando-a ao sistema nervoso central humano.

Fonte: Kruszielski (s.d.)

Áreas básicas e unomodais


Como as áreas visuais primárias do córtex occipital e as áreas motoras primárias do giro pré-
central do córtex frontal, por exemplo, que lidam apenas com uma modalidade sensorial. Nesse
caso, a visual e a auditiva, respectivamente.

Áreas secundárias

Como as áreas associativas visuais, que nos permitem a compreensão perceptual, com mais
sentido, dos estímulos visuais.

Áreas terciárias

Como as áreas de associação multimodais, que integram e processam diversas modalidades


sensoriais para criar uma percepção completa do estímulo que ao mesmo tempo seja visual,
espacial, auditivo e mnemônico (referente à memória).

São exemplos a junção têmporo-parieto-occipital e o córtex pré-frontal (CPF).

Na imagem a seguir, vemos algumas das mais relevantes áreas do córtex cerebral.

Divisão do encéfalo de acordo com seus córtices funcionais.

De acordo com Matlin (2004), no processo de percepção, o estímulo trafega das áreas funcionais
primárias (córtex sensorial unimodal) para as secundárias e finalmente para as de associação
(terciárias). Esse caminho é conhecido como processamento bottom-up (de baixo para cima).
Somatotopia
Os estímulos sensoriais táteis são processados no córtex sensorial primário, localizado no giro
pós-central, no lobo parietal, como mostra a imagem a seguir:

Córtex sensorial primário.

Perceba que essa região apresenta uma organização topográfica, em que cada parte do corpo é
processada por uma sub-região de neurônios nesse giro em torno do cérebro. Assim, com
estudos de neuroanatomia funcional, foi possível conhecer esse mapa, que relaciona áreas do
corpo a áreas cerebrais responsáveis por seu processamento.

Curiosidade
A extensão cortical da área não guarda correspondência com a extensão anatômica da parte do
corpo, e sim com sua importância. Por exemplo: as áreas sensoriais corticais dos lábios e dedos
das mãos são maiores do que as das costas ou pernas, mesmo que estas últimas sejam bem
maiores no corpo que as primeiras.

Lesões cerebrais e deficiências no processamento


sensoperceptivo
Reconhecendo que a topografia cerebral é relevante para a construção dos estímulos sensoriais,
é possível compreender que lesões em diferentes regiões componentes do caminho da
informação acarretam sintomatologias diversas.
A tabela a seguir apresenta os quadros patológicos mais frequentes quando se trata de lesões
adquiridas em diferentes áreas do SN responsáveis pela sensopercepção. Note que os lobos mais
importantes para essa função cognitiva são o occipital, o temporal e o parietal.

intomatologias
Na linguagem das Ciências Biológicas e na forma como utilizada aqui, significa conjuntos de
sintomas de doenças.

Lobo de
localização da Área funcional Efeitos Nome da disfunçã
lesão

Incapacidade de
Córtex visual receber informação
Cegueira cortical
primário visual e perda de
visão

Incapacidade de
reconhecer e de
Occipital identificar Agnosia visual
visualmente
Córtex visual objetos
secundário
Incapacidade de
compreender os Cegueira verbal o
sinais gráficos da alexia
escrita

Temporal Incapacidade de
Córtex auditivo receber informação
Surdez cortical
primário sonora e perda de
audição

Córtex auditivo Incapacidade de Agnosia auditiva


secundário reconhecer e de
Lobo de
localização da Área funcional Efeitos Nome da disfunçã
lesão

identificar sons
vulgares

Incapacidade de
interpretar o
Surdez verbal
significado do
discurso oral

Incapacidade de
receber informação
Córtex
sensorial e perda
somatossensorial Anestesia cortica
da sensorial tátil,
primário
térmica e álgica
(ligada à dor)
Parietal
Incapacidade de
reconhecer um
Córtex Agnosia
objeto pelo tato e
somatossensorial somatossensoria
de localizar
secundário ou assomatognos
sensações táteis e
térmicas do corpo

Tabela: Disfunções da sensopercepção mais frequentes por lesões adquiridas.


Brandão (2004); Fuentes et al. (2008); Lent (2008); Sohlberg e Mateer (2011).

Os processos não são isolados. Veja o que disse Sternberg.

(...) deveríamos ver esses processos como parte de um contínuo. A


informação flui pelo sistema. A percepção acontece à medida que
objetos do ambiente comunicam estrutura do meio informacional
[externo] que, ao final, chegam a nossos receptores sensoriais, levando
à identificação interna de objetos.

(STERNBERG, 2008)

Juntamente com a compreensão do contínuo perceptivo, outro conceito complementar é o de


adaptação sensorial. De acordo com Sternberg (2008), as células receptoras estão em constante
adaptação à estimulação recebida pelos sentidos. Isso nos permite parar de detectar a presença
de um estímulo e detectar outro, alterando assim nossa sensopercepção.

A participação do indivíduo no processo perceptivo


Uma série de estudos em Psicologia Cognitiva defende a participação colaborativa do
conhecimento prévio do indivíduo na formação de um percepto. Desde os estudos da Psicologia
da Gestalt, o enfoque dado à percepção da forma baseava-se na noção de que o todo difere da
soma de suas partes. Essa abordagem mostrou-se útil particularmente para entender como são
percebidos os grupos de objetos ou mesmo as partes de objetos para formar todos integrais:
tendemos a perceber uma configuração visual apenas como uma organização dos elementos
distintos em uma forma coerente e estável.

ercepto
De acordo com Sternberg (2008), é a representação mental de um estímulo percebido. Para uma
revisão aprofundada sobre a participação do indivíduo no processo perceptivo, consulte essa obra.
Lá também encontrará mais dados sobre a Psicologia da Gestalt.
O observador atribui certa parte sobre as sensações que esteja experimentando, contribuindo
ativamente para o processo de perceber e, assim, de compreender e aprender sobre o mundo ao
seu redor. Segundo Sohlberg e Mateer (2011), esse tópico é de especial interesse para
educadores e profissionais das áreas de Psicologia e outras modalidades de habilitação e
reabilitação neuropsicológica cognitiva.

A atenção

Definição
A atenção é um dos temas mais intrigantes e populares da Neuropsicologia na atualidade. Diante
da enorme quantidade de estímulos que recebemos em nossas mais diversas atividades, manter
a atenção por longos períodos e em mais de uma atividade tem sido cada vez mais requerido.

As funções cognitivas não são estanques; acontece o mesmo com a


sensopercepção e a atenção: ambos os processos funcionam
coordenadamente; só podemos perceber ao que estamos atentos, mas, do
mesmo modo, um estímulo sensorial de relevância pode capturar nossa
atenção.

Vamos fazer um exercício. Está pronto?

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Atividade discursiva
Experimente focar a sua atenção nos estímulos visuais no seu entorno; ao mesmo tempo, preste
atenção às sensações táteis que vêm do contato do seu corpo com as roupas e a cadeira; agora,
ao mesmo tempo, procure perceber se há algum odor adocicado ao seu redor. E ainda junte a isso
tudo prestar sua atenção aos estímulos sonoros. Tudo ao mesmo tempo! Descreva como foi essa
experiência.

Digite sua resposta aqui

Exibir soluçãoexpand_more

Foi possível prestar atenção em todos? Ou você sentiu a sua atenção “pular” de um estímulo
a outro? Esse exercício nos dá muitas pistas de como opera essa função cognitiva.

A atenção inclui a concentração de atividade mental que permite selecionar alguns


aspectos do mundo sensorial de maneira eficiente, enquanto outros aspectos (fora da
atenção) não são processados em detalhes. A atenção, portanto, é um processo que exige
de nós uma percepção direcionada, durante certo tempo. Como você identificou, é nossa
capacidade de concentrar os processos mentais em somente uma tarefa, reduzindo o foco
nas demais.

O processo atencional – teorias e funções

De acordo com Matlin (2004), podemos considerar dois aspectos principais da atenção:
Alerta
É um estado geral de sensibilização do indivíduo, relacionado à vigília e consciência.

Focalização
Ocorre quando a atenção está sobre certos estímulos do ambiente interno (neurobiológicos) ou
externo do indivíduo.

Veremos mais adiante que os diferentes aspectos da atenção têm processamento em áreas
diferentes do SNC.

O exercício anterior também nos auxilia a compreender a teoria do filtro atencional, ou do


gargalo. Ela indica que, num conjunto de variados estímulos a perceber, nossa atenção apenas
tem espaço para processar alguns deles de cada vez, como um gargalo ou funil. Podemos pensar
também na ideia de um foco de luz, dinâmico, sobre um grande palco, só podendo iluminar parte
do cenário. Ali, no foco central da iluminação, estaríamos conscientemente respondendo a uns
estímulos e negligenciando outros.
Processamento consciente de informações na atenção.

O esquema da imagem ao lado apresenta um modelo de como a atenção e o processamento


consciente se organizam.

No centro do modelo (em vermelho) estão os conteúdos que, estando atento, o sujeito pode
processar conscientemente e até descrever.

Ao redor (em laranja), os conteúdos que estão sendo manipulados pela atenção, que incluem o
círculo interno, porém com parte do processamento não completamente consciente.

E, em cinza (círculo maior, que inclui os outros dois), está o universo de estímulos a que o
indivíduo está exposto.

Funções da atenção
A atenção possui diferentes níveis de funcionamento, também conhecidos como funções da
atenção. A tabela a seguir inclui os principais tipos e suas definições. Aqui, abordaremos a
atenção focada, mantida ou sustentada, seletiva, alternada e dividida.

Função Definição

Atenção focada Resposta básica ao estímulo.


Função Definição

Exemplos: girar a cabeça na direção de um


estímulo auditivo; quando dirigindo,
desviar-se de um obstáculo na estrada.

Manutenção da atenção ao longo do


tempo durante atividade contínua; memória
de trabalho: sustentação e manipulação
ativa da informação; capacidade de estar
em prontidão, por um período prolongado,
para responder a determinadas alterações
na situação de estímulos, ou ao
aparecimento de um estímulo-alvo
Atenção mantida ou sustentada
específico. Inclui as funções sondagem
(busca ativa por um estímulo) e vigilância
(prontidão para responder a um estímulo-
alvo).

Exemplo: quando dirigindo, permanecer


atento por longos períodos, na expectativa
de novos obstáculos na estrada.

Atenção seletiva Livre da distratibilidade; escolha dos


estímulos relevantes; procura ativa de um
estímulo-alvo; busca por estímulos
específicos; foco da atenção aos
relevantes e inibição dos irrelevantes;
capacidade de focar e selecionar um
estímulo e ignorar vários outros que
estejam viáveis no momento. Fundamental
para compreensão verbal e resolução de
problemas. Exemplos: inibir o barulho do
ar-condicionado da sala durante uma
conferência; quando dirigindo, não ser
Função Definição

distraído por eventos que tirem a atenção


da estrada.

Capacidade de flexibilidade mental;


alternar entre estímulos diferentes.

Atenção alternada Exemplo: quando dirigindo, observar


possibilidade de ultrapassagem, olhando
retrovisores, observando buzinas e faróis
de outros veículos.

Habilidade para responder


simultaneamente a duas tarefas;
distribuição dos recursos atencionais.
Nessas situações, há um deslocamento
coerente e distribuído dos recursos
atencionais. Todos os estímulos são
relevantes, porém o organismo deve
responder concomitantemente aos
Atenção dividida
diferentes estímulos que são
apresentados, que podem variar tanto em
características espaciais quanto
temporais.

Exemplo: quando dirigindo, ser capaz de


conversar, ouvir rádio, usar mãos ao
volante e câmbio, pés aos pedais.

Tabela: Funções da atenção e suas definições.


Fuentes et al. (2008); Lent (2008); Sohlberg e Mateer (2011).

istratibilidade
É a incapacidade de selecionar estímulos externos que não tenham importância para determinada
interação com o ambiente externo. Assim, na atenção seletiva, o indivíduo é capaz de tal seleção (daí
o nome dessa função).

Processos automáticos e controlados


Na teoria cognitiva sobre atenção, registra-se a ideia de que os indivíduos possuem uma
quantidade de recursos atencionais limitada.

De acordo com essa ideia, algumas ações requerem mais recursos atencionais do que outras:
ações novas, referentes a novos aprendizados, requerem muita atenção em seu aprendizado e em
seu desempenho, mas, com o passar do tempo, demandam cada vez menos recursos
atencionais, passando a ser desempenhadas automaticamente. Tal funcionamento faz parte da
função adaptativa cerebral que, ao automatizar tarefas, melhora a economia cognitiva, deixando
disponíveis recursos atencionais para que o indivíduo possa se engajar em tarefas
concomitantemente. Mas deve estar claro que, em nossa mente, a maioria dos processos
cognitivos se dá de forma automática.

Saiba mais
Para saber mais sobre os processos cognitivos de forma automática, vale conhecer a obra O novo
inconsciente, de Marco Callegaro (2011).

Normalmente, o aprendizado de tarefas novas envolve a utilização de quase todos os recursos


atencionais, e o indivíduo não consegue desempenhar mais de uma tarefa ao mesmo tempo.
Esses processos são do tipo:

Controlado
O indivíduo está conscientemente engajado na ação, e isso requer um controle cognitivo maior,
usando as funções executivas.

Automático

Com a repetição, os processos controlados passam a ser desempenhados são do tipo


automático (que se refere a tarefas superaprendidas, que já não requerem quase nenhum
recurso atencional).

O comparativo a seguir resume as características dos processos controlados e automáticos:

Processo controlado

Esforço intencional;
Conhecimento consciente;
Realizados serialmente;
Consomem mais tempo;
Tarefas novas ou com variabilidade
Níveis elevados de processamento cognitivo
close

Processo automático
Pouco ou nenhum esforço intencional
Sem consciência
Realizados em paralelo
São rápidos
Tarefas conhecidas, com prática
Níveis baixos de processamento cognitivo

Conforme você observou até aqui, o processo automático é a evolução do processo controlado.

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Atenção e aprendizagem
Assista ao vídeo e aprofunde seus conhecimentos sobre a temática “Processo da mente:
atenção”.

Processos bottom-up e top-down


O cérebro é limitado em sua capacidade de processar todos os estímulos sensoriais presentes no
mundo físico a qualquer momento e confia no processo cognitivo de atenção para concentrar os
recursos neurais de acordo com as contingências do momento. Nesse sentido, a atenção pode
ser categorizada, segundo Katsuki e Constantinidis (2013), em duas funções distintas:
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Atenção bottom-up (de baixo para cima)
Refere-se a orientação puramente por fatores externos direcionados a estímulos destacados por
causa de suas propriedades inerentes ao fundo – por exemplo, um barulho muito alto, uma luz
que se acende num ambiente de penumbra.

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Atenção top-down (de cima para baixo)
Refere-se a orientações internas de atenção baseadas em conhecimento prévio, planos ou metas
atuais – como prestar atenção a uma aula.

O conceito de atenção top-down, de acordo com Cosenza e Guerra (2001), funde-se com o tipo de
processamento controlado da atenção e é de especial interesse para o aprendizado escolar, por
exemplo.

Neurociência da atenção
Como já vimos, dois aspectos principais (alerta e focalização) formam a atenção. Mecanismos
envolvidos na atenção, segundo Brandão (2004) e Fuentes et al. (2008), dependem de uma rede
nervosa que inclui porções anteriores e posteriores do sistema nervoso, e lesões nessa rede
alteram a capacidade da pessoa em direcionar a atenção para determinados setores do
ambiente.

Em relação ao estado de alerta, a área mais atuante é o sistema atencional reticular ascendente
(SARA), localizado no tronco encefálico. Já em relação ao que se pretende estudar em
Neurociência Cognitiva (com ênfase na função cognitiva que ora estudamos), merece destaque a
focalização.

Atenção!
É o sistema atencional posterior (SAP) que tem por função orientar a atenção; ou seja, é
responsável pela atenção focada e seletiva, como vimos na tabela 2. Já o Sistema Atencional
Anterior (SAA) é responsável também pela atenção seletiva; e pela atenção sustentada e dividida.
Assim, realiza o recrutamento atencional para detectar estímulos e controlar áreas cerebrais para
o desempenho de tarefas cognitivas complexas.

As áreas cerebrais envolvidas no SAA são o córtex frontal, o giro cingulado anterior e os gânglios
da base. A figura abaixo resume as áreas do SNC que participam dos diferentes sistemas
atencionais citados.

Áreas cerebrais envolvidas com a atenção.


Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

De acordo com as unidades funcionais definidas por Luria, podemos afirmar que das
seguintes áreas, relevantes para o processo sensoperceptivo, configuram áreas primárias,
exceto:

A Giro pós-central.

B Córtex visual primário.

C Giro temporal superior.

D Junção têmporo-parieto-occipital.

E Cortex pré-frontal.
Parabéns! A alternativa D está correta.

Embora seja uma área importante para o processo sensopercetivo (dando significado ao
percepto formado pelas sensações), a junção têmporo-parieto-occipital é uma área de
associação. O giro pós-central, o córtex visual primário e o giro temporal superior são áreas
primárias, processando, respectivamente, estímulos de natureza tátil, auditiva e visual.

Questão 2

O córtex pré-frontal é uma área do lobo frontal importante para o engajamento do indivíduo
em funções cognitivas complexas. Em relação à atenção, ele está atrelado ao desempenho
das seguintes funções atencionais, exceto:

A Vigilância.

B Sondagem.

C Atenção seletiva.

D Alerta.

E Contemplação.

Parabéns! A alternativa D está correta.


A função alerta se refere à consciência ou vigília do indivíduo e é desempenhada pelo SARA
(sistema reticular ativador ascendente), localizado no tronco encefálico.

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2 - Processo mnemônico e sensório-motor


Ao final deste módulo, você será capaz de identificar os substratos neurais
subjacentes ao processo mnemônico e sensório-motor.

Memória
Definição

Retomando a função principal do cérebro – que é a adaptação –, temos na memória uma de suas
principais aliadas. Ao aprender sobre o ambiente, o indivíduo pode fazer projeções e modular o
seu comportamento com base em experiências anteriores.

De acordo com Baddeley et al. (2011), a memória pode ser definida como a capacidade de
adquirir (registrar), armazenar e recordar informações. Tem como função situar e adaptar o
indivíduo ao meio, modificar comportamentos em função das novas aprendizagens e
experiências anteriores.

O processo mnemônico - teorias e funções

Fases da memória

Vimos que a memória é um processo composto por outros três: o de adquirir (aquisição),
armazenar (consolidação) e recuperar (evocação) informações disponíveis. Em termos das
Neurociências Cognitivas, o processo de memorização pode ser dividido em três fases principais:

Fase 1

Aquisição

É a formação do traço de memória.

Fase 2

Retenção ou armazenamento
O d t té i d t f t l t ô i
Ocorre quando as estratégias de armazenamento fortalecem o traço mnemônico,
organizando a informação adquirida.

Fase 3

Recuperação

É a ativação do traço adquirido, ou o lembrar propriamente dito.

Não pode haver recuperação de uma informação que não tenha sido armazenada (consolidada),
assim como não pode haver retenção de uma informação que não tenha sido adquirida.

Na imagem a seguir, usamos a referência da seta como a passagem do tempo. Dessa maneira, os
processos são sucessórios e relativamente independentes.

Fases da memória

As informações, para serem lembradas, precisam ter sido adquiridas (com especial participação
da atenção, tratada no módulo anterior) e, posteriormente, retidas (armazenamento), ou seja, elas
precisam ser consolidadas organizadamente na rede de informações pertinentes prévias.

Segundo Cosenza e Guerra (2001) e Sohlberg e Mateer (2011), alguns aspectos facilitam o
processo de retenção:
Repetição da informação;

Relevância emocional para o indivíduo;

Boa qualidade do sono após a aquisição;

Estratégias adequadas de dar sentido à nova informação em relação às que coexistem na


mesma rede (fazer relações entre a informação nova e as anteriormente aprendidas).

De acordo com Sara (2000) e Nader e Einarsson (2010), dois processos podem ser descritos no
período de armazenagem da informação:

Consolidação
Envolve a transformação dos traços mnésicos transitórios em mais duráveis e estáveis.

Reconsolidação
Representa uma atualização do novo traço após novo aprendizado, a partir de sua integração com
traços antigos, fortalecendo-o.

Teoria da degeneração

Como citamos nos processos de sensopercepção e atenção, o conjunto de estímulos a que um


sujeito está exposto é sempre maior que a capacidade de seu sistema cognitivo de processá-lo. E,
ainda assim, nem todos os estímulos que nossa sensopercepção e atenção possam processar
serão consolidados na memória. Segundo Gazzaniga (1995), não havendo uma boa estratégia de
retenção, muitos estímulos podem sofrer esquecimento, ou degeneração.

A teoria da degeneração da memória afirma que esquecemos porque não


utilizamos as informações e, assim, elas desaparecem com o tempo, como
um processo natural do cérebro, obedecendo a uma espécie de lei do uso e
desuso.

A imagem a seguir representa a curva de esquecimento de um aprendizado verbal ao longo do


tempo.
Curva de esquecimento.

Observa-se que a retenção da informação (o que fora efetivamente recordado do que foi
adquirido) decai muito rapidamente, apenas restando, ao longo de um mês, uma pequena parcela
do que foi aprendido. Aqui, mais uma vez se ressalta o papel do indivíduo no processo cognitivo,
pois tende a ser mantido o conjunto de informações que faça sentido para aquele indivíduo de
forma particular.

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Memória e aprendizagem
Assista ao vídeo e aprofunde seus conhecimentos sobre esta temática.

Classificação da memória quanto ao tempo

Uma classificação temporal da memória se refere à quantidade de tempo em que a informação é


mantida no cérebro. Assim, temos três classificações:

Memória sensorial
Com duração de poucos segundos, referindo-se aos conteúdos advindos do sistema
sensoperceptivo.

Memória de curto prazo

De duração limitada (20-30 segundos) e com capacidade também limitada (de 5 a 7 itens,
decaindo com o tempo). Um dos modelos que melhor explica a memória de curto prazo é a
memória operacional (ou memória de trabalho), como veremos neste módulo.

Memória de longo prazo (MLP)

De duração ilimitada (de segundos a anos, podendo chegar a ser permanente) e capacidade
ilimitada (não se conhece o tamanho da MLP humana). E persiste indefinidamente.

Memória operacional (ou memória de trabalho)

O modelo mais bem aceito para explicar a memória de curto prazo é o proposto por Baddeley
(2011), que nos apresenta o conceito de memória operacional (ou memória de trabalho), baseado
em três componentes principais: alça fonológica, esboço visuoespacial e retentor episódico,
organizados por um quarto componente, o executivo central, que se ocupa da manipulação
online de informações atuais, integrando funções atencionais e conteúdo da memória de longo
prazo (MLP).

Veja, a seguir, detalhes sobre cada um desses componentes que formam a memória operacional.

anipulação online
“A MT [Memória de Trabalho], portanto, é basicamente realizada online, ou seja, exerce a função de
gerenciar o nosso contato com a realidade, decide o que ficará guardado ou não na memória
declarativa ou procedural ou o que deverá ser evocado dessas memórias.” (FARIA & MOURÃO Jr.,
2013)

Alça fonológica

De acordo com Zanella e Valentini (2016), este componente é responsável por


fornecer armazenamento temporário de material linguístico: aquisição de
vocabulário, compreensão da leitura, escrita, habilidades aritméticas e resolução de
problemas matemáticos. O principal objetivo da alça fonológica é armazenar
padrões sonoros desconhecidos enquanto a memória permanente de registros
está sendo construída.

Componente visuoespacial

Zanella e Valentini (2016) também afirmam que este componente possui funções
semelhantes às da alça fonológica; envolve informações visuais e espaciais,
armazenando-as temporariamente de forma restrita. Esse componente possui
papel fundamental na formação da imagem mental.

Retentor episódico

Também conhecido como buffer episódico, garante a capacidade de


armazenamento temporário e limitado das informações contidas em um código
multimodal, proporcionando, assim, não só um mecanismo para modelar o
ambiente, mas também a criação de novas representações cognitivas, que poderão
facilitar a resolução de problemas.

Executivo central
S d G i (1995) t t dá t à f õ iti
Segundo Gazzaniga (1995), este componente dá suporte às funções cognitivas
superiores de gerenciamento das múltiplas tarefas cognitivas e comportamentais
voltadas a um objetivo.

A memória de trabalho é responsável pelo armazenamento de informações pelo período de


utilização (resolução de problemas), por isso depende da atenção. Sendo um modelo da memória
de curto prazo, configura o estágio responsável por tornar conscientes as informações
transferidas da memória sensorial (imediata) e de longo prazo para que o indivíduo possa
manipular ativamente as informações. Embora seja dinâmica, possui pouca capacidade (cerca de
sete itens apenas podem ser processados ao mesmo tempo) e tem uma duração limitada
(dependente de enquanto durar a atenção naquele estímulo, mas, geralmente, poucos segundos).

Comentário

De acordo com Zanella e Valentini (2016), a memória de trabalho é um sistema de capacidade


limitada que permite o armazenamento e a manipulação temporária de informações verbais ou
visuais necessárias para tarefas complexas, como a compreensão, o aprendizado, o raciocínio e o
planejamento. Quando o indivíduo ouve uma palavra, o som é encaminhado para a memória
sensorial, as experiências com a língua permitem que a pessoa reconheça o padrão de sons. Em
seguida, a palavra é encaminhada para a memória de trabalho onde a informação será
processada. Entretanto, o processo de reconhecer o significado da palavra é desenvolvido na
memória de longo prazo: local de armazenamento permanente de informações.

Sistemas múltiplos de memória


As pesquisas em Neurociências Cognitivas, segundo Helene e Xavier (2003) e Squire (2013),
trouxeram o conhecimento de que a memória se constitui por componentes que são mediados
independentemente por diferentes módulos do sistema nervoso, mas de maneira cooperativa.
Sobre a MLP, tem-se, a partir desses estudos, a divisão da memória em dois grandes sistemas,
explícito e implícito, que dependem do conteúdo da seguinte subdivisão:

Memória explícita (ou declarativa)


p
Refere-se a conteúdos mais conscientes e é dividida em episódica (informações que de alguma
forma encontram uma correlação têmporo-espacial) e semântica (que abarca os conceitos ou
esquemas).

Memória implícita (não declarativa)


Está relacionada a condicionamentos, pré-ativação e hábitos motores em geral; são memórias
não conscientes.

Veja a seguir as diferenças e subdivisões dos dois sistemas.

MLP explícita (ou declarativa)

É a capacidade de armazenamento e recordação consciente de experiências prévias (“o quê”).


Acumula informação tanto do tipo espacial quanto temporal.

Subsistemas:

Episódico: permite o resgate de eventos pessoais com rótulo temporal; bastante suscetível à
perda de informação;

Semântico: fatos e conceitos.

MLP implícita (ou não declarativa)

É a capacidade de armazenamento e recordação não consciente de experiências prévias


(“como”). Sua consolidação exige treino, e o deficit nessa memória pode interferir na aquisição de
habilidades rotineiras.

Subsistemas:
Habilidades e hábitos adquiridos: são aqueles treinados progressivamente, tais como os
desenvolvidos em tarefas como andar de bicicleta, fazer pontos de costura, ou jogar bola com
maestria;

Pré-ativação (ou priming): relacionado ao funcionamento do córtex cerebral, por exemplo,


como observado nas listas de recordação com dicas;

Condicionamento clássico: como observado nas respostas emocionais de medo, com ativação
da amígdala;

Aprendizagem não associativa: é a que não envolve a associação entre estímulos, ou entre
estímulo e resposta.

Atenção!
Lembre-se de que estamos nos referindo a certos neurônios, também denominados amígdalas
cerebelosas, a fim de diferenciá-los dos órgãos homônimos (também denominados tonsilas
palatinas), localizados entre a boca e a faringe.

Se, por exemplo, em algum momento deste tema, você se lembrou de ligar para sua avó e
combinar com ela a que horas poderá levá-la amanhã ao hospital, você usou sua memória
declarativa (consciente). E, se você for até lá de bicicleta, usará sua memória implícita (não
consciente) ao pedalar.

Neurociência da memória
Os múltiplos sistemas de memória são independentes porque se baseiam em estruturas (ou
redes) neurais um tanto independentes também. Assim, diferentes tipos de memória – e de
processos da memória – podem ser atribuídos ao funcionamento adequado de diferentes áreas
neurais, conforme aponta a imagem a seguir.
Áreas cerebrais envolvidas na memória. CPF = córtex pré-frontal; MCP = memória de curto prazo; MLP = memória de longo prazo.

Destaca-se o papel fundamental do córtex pré-frontal para a memória de curto prazo (em especial
quando assume-se o modelo de memória operacional). Em relação à neurobiologia da memória
de longo prazo (MLP), está bem estabelecido o papel do hipocampo para a consolidação das
memórias, embora essa estrutura só esteja responsável pelo armazenamento temporário da
informação: as memórias já consolidadas são armazenadas em diferentes regiões do córtex
cerebral, dependendo de o conteúdo da informação ser visual, emocional, verbal, entre outros.

Atenção!
Destacamos que a amígdala e o hipocampo (também na imagem anterior) não são locais de
armazenamento de informação, mas participam do processo de formação (consolidação e
reconsolidação) de memórias. Esse é um ponto de bastante confusão e erro.

A imagem anterior destaca a localização do hipocampo, estrutura responsável pela consolidação


das memórias, especialmente às MLP explícitas. Baddeley et al. (2011) e Callegaro (2011)
afirmam que essa estrutura não está plenamente desenvolvida na criança em torno dos 2 anos de
idade. Isso poderia explicar, ao menos em parte, o fenômeno da amnésia infantil.

Em termos neurobiológicos, o processo de memorização requer mudanças em propriedades


neurais como a excitabilidade da membrana do neurônio e o fortalecimento sináptico, ou seja, da
comunicação entre os neurônios. Alguns princípios, segundo Squire (2013), ajudam-nos a
compreender os mecanismos moleculares e neurais implicados na aprendizagem e na memória:
existem múltiplos sistemas de memória no cérebro; aprendizagem e memória de curto e longo
prazo envolvem mudanças na rede neural existente. Essas mudanças, segundo Nader e Einarsson
(2010), envolvem múltiplos mecanismos celulares em neurônios existentes; e memória de longo
prazo (MLP), que requer a síntese de novas proteínas.
Integração sensório-motora

Processos da mente
O conceito de integração se mostra essencial para o funcionamento da mente e, assim, do
indivíduo em interação com seu meio. No processo de integração sensório-motora, fica evidente
que o sistema nervoso (SN) trabalha de forma coordenada e dinâmica. Vamos abordar a relação
íntima e necessária entre os aspectos cognitivos e motores. Esse é um dos aspectos mais ricos
do funcionamento cognitivo, especialmente quando se pensa em aprendizados motores como a
fala, a escrita, o uso de ferramentas e instrumentos em geral.

Definição
A integração sensório-motora pode ser definida como o processo segundo o qual o cérebro
organiza as informações com a finalidade de dar uma resposta adaptativa adequada, que pode
configurar um comportamento motor. É responsável por estruturar as sensações do próprio corpo
e do ambiente a fim de possibilitar seu uso apropriado no ambiente. Portanto, podemos explicar a
integração sensório-motora como a habilidade inata de organizar, interpretar sensações e
responder apropriadamente ao ambiente, de forma funcional.

Processo sensório-motor
O desenvolvimento da integração sensorial se inicia ainda na vida intrauterina e ocorre devido à
interação do indivíduo com o ambiente por meio de respostas que se mostram adaptativas ou
não ao contexto, o que leva ao aprendizado. Nos períodos iniciais da vida, o indivíduo detém a
capacidade de organizar inputs sensoriais experimentando sensações, porém inicialmente
incapazes de dar significado a elas. Conforme o avanço do desenvolvimento, o indivíduo passa a
reunir condições (em termos de maturidade neurológica, inclusive) para controlar seus
comportamentos e aprender com os respectivos feedbacks do meio externo.

A seguir, recordaremos as unidades funcionais que já vimos e, também, como acontece o


processo de integração sensório-motora:

nputs sensoriais
Inputs sensoriais referem-se às funções receptivas; à capacidade para selecionar, adquirir, classificar
e integrar as informações, isto é, sensação, percepção, atenção e concentração.

Processamento bottom-up e top-down na integração sensório-motora expand_more

É necessário recordar as unidades funcionais apontadas por Luria. A integração sensório-


motora é a fina coordenação entre os dois tipos de processamento. Sigamos com um
simples exemplo para podermos compreender como esse processo se dá:

Ao verificar uma caixa [visão – processo bottom-up (percepção)];

O indivíduo pode decidir apanhá-la (informação decisional que surge de áreas de


associação frontal e segue para as áreas primárias motoras – top-down);

Supondo seu conteúdo e seu peso (presunção também organizada por áreas corticais
superiores – top-down);

Entretanto, ao levantar a caixa, nota que o peso é bem menor do que o imaginado
(Percepção - processo bottom-up);

Informação que rapidamente chega ao córtex e refaz o planejamento motor para aliviar
a força imprimida pelos braços (processo top-down).
O exemplo nos demonstra a atuação dinâmica entre os dois processos, o mesmo que
ocorre quando ouvimos uma pergunta e a respondemos, porém, modulando a altura de
nossa voz devido a qualquer mudança ambiental. Ou quando supomos uma palavra
escrita num texto e a lemos. Ocorre ainda quando somos capazes de andar em nossa
casa no escuro, pois sabemos o mapa espacial do local, embora possamos usar
prontamente o tato caso sintamos qualquer mudança no ambiente físico, como um móvel
fora do lugar.

Estágio do processo de integração sensório-motora expand_more

O processo de integração sensório-motora, segundo Molleri et al. (2010), acontece em 5


estágios:

1. Registro sensorial: é o reconhecimento da sensação;

2. Orientação e atenção: é a atenção seletiva específica ao estímulo;

3. Interpretação: é o significado da sensação. Este componente é cognitivo, pois


interpretamos a sensação à luz da experiência e de aprendizados anteriores, além de
atribuirmos caráter emocional às sensações;

4. Organização da resposta: organizada cognitiva, afetiva e motoramente;

5. Execução da resposta: o último estágio da integração sensorial e o único que pode ser
diretamente observado. Isso traz fundamentos para se pensar nos comportamentos
(muitos deles motores, como a fala e as respostas emocionais, o deslocamento do
indivíduo pelo ambiente) resultantes dos processos de integração sensorial e nas bases
sensoriais da autorregulação.

Neurociência da integração sensório-motora


No processo sensório-motor, o cérebro organiza as informações captadas sensorialmente a fim
de dar uma resposta adaptativa adequada ao ambiente, organizando as sensações do próprio
corpo para utilizá-lo de modo eficiente.

O SN é o responsável pela integração das diversas sensações recebidas e dos comportamentos


efetuados pelo indivíduo como respostas a essas sensações. De acordo com Matlin (2005), o
SNC localiza, classifica e organiza os impulsos sensoriais e transforma as sensações em
percepção para que o indivíduo possa interagir com o meio, organiza as informações visuais,
auditivas, táteis, olfativas e gustativas, bem como informações sobre gravidade e movimento, e
consequentemente as ordena em um plano de ação.

Na imagem a seguir, pode-se observar o caminho percorrido pela informação em uma tarefa que
exemplifica a integração sensório-motora: repetir uma palavra ouvida.

Caminho da informação na tarefa de repetir uma palavra ouvida (áreas de 1 a 5).

Observe o que aconteceu em cada área do caminho apresentado na imagem:

1. O input sensorial auditivo chega ao córtex auditivo primário;

2. É encaminhado para a área de Wernicke;

3. Uma área de associação têmporo-parietal, onde é processada a compreensão do que se foi


pedido; através do fascículo arqueado;

4. Um feixe de axônios que comunica áreas têmporo-parietais com áreas motoras de associação
–, ele chega à área de Broca – no córtex motor secundário, específica para a produção de
palavras;

5. Finalmente é encaminhado para a área motora primária, para que se produzam os


comportamentos motores na boca, na língua e no diafragma, efetivando a produção da fala.

Como se trata de uma integração de áreas, é razoável supor que lesões ou mau funcionamentos
em regiões específicas podem levar a disfunções no desempenho do indivíduo em tarefas
sensório-motoras. A tabela 5 apresenta os mais importantes quadros conhecidos derivados de
lesões em áreas motoras.

Lobo de
localização da Área funcional Efeitos Nome da disfunçã
lesão

Incapacidade de
Córtex motor executar
Paralisia cortical
primário movimentos finos e
precisos

Incapacidade de
organizar e de
planear os
Apraxia
movimentos numa
Frontal
sequência
unificada
Córtex motor
secundário
Incapacidade de se
Agrafia ou apraxia
expressar
da escrita
escrevendo

Incapacidade de se Afasia ou apraxia


expressar falando de linguagem

Tabela: Disfunções motoras mais frequentes por lesões adquiridas.


Brandão (2004); Fuentes et al. (2008); Lent (2008); Sohlberg e Mateer (2011).

Nas áreas de saúde e educação, é fundamental que se avalie a integridade de aspectos sensoriais
e motores quando se realiza a observação de tarefas que envolvam a integração sensório-motora.
Falta pouco para atingir seus objetivos.

Vamos praticar alguns conceitos?

Questão 1

De acordo com Baddeley, a memória tem como função situar e adaptar o indivíduo ao meio,
modificar comportamentos em função das novas aprendizagens e experiências anteriores.
Considere os processos a seguir:

I – Indução
II – Adaptação
III – Aquisição
IV – Recuperação
V – Retenção
VI – Consolidação

Marque a alternativa que indica a sequência temporal de processos na memorização de um


conteúdo novo:

A I, II, IV

B III, VI, IV

C III, IV, VI

D II, VI, IV

E I, III e IV

Parabéns! A alternativa B está correta.

Para a memorização de um conteúdo novo, primeiro realizamos o processo de aquisição de


uma nova informação; em seguida, o conteúdo é retido (ou consolidado) para depois ser
recuperado. Memória é a capacidade para adquirir (registrar), armazenar e recordar
informações.

Questão 2

Considere a tarefa de responder com um sinal de levantar as mãos sempre que, numa tela
projetando imagens, aparecer a figura de um triângulo. Sobre tal tarefa, é incorreto afirmar
que:
A tarefa depende das funções cognitivas atenção e integração sensório-
A
motora.

B A tarefa somente inclui a participação de áreas de associação.

O comportamento motor na tarefa é um exemplo de processamento top-


C
down.

A tarefa exemplifica a integração entre os processamentos bottom-up e top-


D
down.

E A tarefa exemplifica o processamento de bottom-up.

Parabéns! A alternativa B está correta.

A tarefa citada, como exemplifica a integração entre os processamentos bottom-up e top-


down, necessariamente inclui áreas primárias (sensorial, visual e motora) tanto para a
percepção do estímulo (triângulo), quanto para a resposta motora correspondente.

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Considerações finais
Nesse tema, estudamos sobre quatro processos da mente. Identificamos que a sensação, a
atenção, a memória e a integração sensório-motora são consideradas processos da mente
porque se caracterizam como funções cognitivas, desempenhadas pelo indivíduo no processo de
adaptação ao meio em que vive.

Cada processo de adaptação, desde perceber a árvore que cai na floresta a aumentar o tom de
nossa voz ao responder a uma pergunta (porque o ambiente tornou-se mais barulhento), só é
acessível porque nosso sistema nervoso está organizado de forma a percebê-lo. É graças à
integração de áreas do sistema nervoso que podemos, efetivamente, também nos integramos ao
meio que nos cerca, valorizando uma de nossas maiores habilidades, totalmente integrada ao SN:
a capacidade de adaptação.

headset
Podcast
Agora, a especialista Stella Pereira da Silva encerra o tema falando sobre sensação, atenção,
memória e integração sensório-motora.

Referências
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2015, v. 85, n. 24, pp. 2170-2175.

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revolucionaram o modelo do processamento mental. Porto Alegre: ArtMed, 2011.

COSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Neurociência e educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre:
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FARIA, E.; MOURÃO JÚNIOR, C. Os recursos da memória de trabalho e suas influências na


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FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2008.

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KATSUKI, F.; CONSTANTINIDIS, C. Bottom-Up and Top-Down Attention. In: The Neuroscientist,
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KRUSZIELSKI, L. Teoria do Sistema Funcional. Consultado em meio eletrônico em: 8 ago. 2020.

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MATLIN, M. W. Psicologia Cognitiva. Capítulo 2 – Processos perceptivos. pp. 35-45. Rio de


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ZANELLA, L.; VALENTINI, N. Como funciona a memória de trabalho. In: Revista da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, USP, 2016, v. 49 n. 2, pp. 160-174.

Explore +
Para aprofundar mais seus estudos sobre o tema:

Leia os livros:

O homem que confundiu sua mulher com um chapéu, de Oliver Sacks.

Neurociência da mente e do comportamento, de Roberto Lent.

O novo inconsciente, de Marco Callegaro.

Assista aos vídeos da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia. Caso você tenha domínio do
inglês, assista aos da Society for Neuroscience (a maior associação de Neurociência do mundo).

Aplicativos:

Interaja com alguns aplicativos de estimulação de funções cognitivas, como o BrainHQ, Cognif
e Lumosity.

Pesquise sobre o Museu Itinerante de Neurociências – uma iniciativa focada na promoção da


alfabetização e difusão científica.

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