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EDUCAÇÃO DIGITAL E ECOSSISTEMAS DE

APRENDIZAGEM
Maria Aparecida Crissi Knuppel - Unicentro

Na era digital, como é sabido, a tecnologia desempenha um papel cada


vez mais central em nossas vidas e dela surge uma nova maneira de existir
e interagir com o ambiente que nos cerca, o que se pode denominar de ha-
bitar em rede. Esse fenômeno foi evidenciado por Luciano Floridi, conhecido
por sua teoria da ontologia da informação, que destaca uma nova forma de
compreender a realidade em um contexto digital. Segundo Floridi (2015), a in-
formação é o elemento fundamental que molda a nossa existência, tanto no
mundo físico quanto no digital. Ele argumenta que a realidade não é compos-
ta apenas de uma geografia física, mas também de aspectos informacionais.

Destarte, habitar em rede significa estar inserido nessa teia informacional,


onde a conexão, a interação e a comunicação desempenham um papel central.

As redes digitais permitem que informações fluam de maneira instantânea


e contínua, conectando indivíduos, objetos e sistemas em um rizoma complexo
de interações. Nesse contexto, o nosso espaço da geografia física se expande, se
estendendo para além dos limites geográficos, para ambientes virtuais.

Floridi (2015) argumenta que a era digital nos permite criar e participar
de comunidades virtuais, onde compartilhamos interesses, ideias e valores
com pessoas em diferentes partes do mundo, mas também nos alerta para
os desafios e responsabilidades presentes nessa nova forma de existência.
Habitar em rede implica em uma maior exposição e vulnerabilidade, já que
nossas informações pessoais e privacidade podem ser facilmente acessadas
e utilizadas por outras pessoas e até de forma criminosa. Além disso, as inte-
rações digitais podem ser fluidas e efêmeras, prejudicando a qualidade das
relações humanas.

Em sentido correlato, traz-se o conceito de hiperconectividade que re-


definiu a maneira como nos comunicamos, nos relacionamos e nos percebe-
mos como seres humanos.

Soma-se a isso conceitos como Data Science, Internet das Coisas (IoT),
Inteligência Artificial (IA), que com e suas interações têm desempenhado um
papel cada vez mais significativo na vida das pessoas. Essa interconexão de
ciência de dados, IoT e IA tem impactado diretamente a vida das pessoas em
diversas áreas.

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No entanto, é importante lembrar que o avanço dessas tecnologias


também traz desafios e questões éticas. A privacidade e segurança dos
dados tornam-se preocupações constantes, assim como a necessidade de
garantir transparência e responsabilidade nos algoritmos. Além disso, a au-
tomação e substituição de empregos por IA podem ter impactos sociais e
econômicos significativos.

E com estas premissas iniciais voltamos à questão apontada no nosso


desafio inicial: o que é ser humano na era hiperconectada?

Uma das possibilidades nos remete a estar constantemente envolvido


em uma rede virtual de interações e informações. Nós nos tornamos parti-
cipantes ativos em um mundo digital, onde as barreiras físicas e geográficas
são superadas. Podemos aprender novas coisas, acessar informações instan-
tâneas, participar de eventos internacionais sem sair de casa, passear em
museus e cidades de forma virtual, colaborar em projetos com pessoas que
nunca conheceremos de outra forma.

No entanto, essa era também apresenta desafios e dilemas. O exces-


so de informações, a sobrecarga de estímulos e a constante necessidade de
estar conectado podem levar a distúrbios emocionais, ansiedades, entre ou-
tros fatores. Portanto, ser humano na era hiperconectada requer discerni-
mento, razoabilidade nas ações, capacidades de filtrar informações que nos
coloquem em situações desconfortáveis e de vulnerabilidade. Capacidade de
reflexão em temas e conteúdos duvidosos, que afastem as pessoas da razão
e da sensibilidade. É importante encontrar um equilíbrio saudável entre o
mundo virtual e o mundo real, garantindo que nossas conexões digitais não
nos afastem das experiências tangíveis e das relações pessoais significativas,
além de termos um compromisso ético e moral com o que falamos, escreve-
mos e compartilhamos em redes digitais.

Atrelado ao exposto, nos questionamos:

Qual o papel da educação digital na era hiperconectada?

Como os avanços tecnológicos impactaram e impactam


os processos de ensino e de aprendizagem?

Como se percebe os ecossistemas educacionais nos


processos educacionais?

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O digital faz parte das nossas vidas e neste espaço as pessoas traba-
lham, estudam, divertem-se, etc. – com o apoio de tecnologias digitais. A re-
lação com o digital inaugurou uma nova forma de comunicação entre as pes-
soas através da integração entre tecnologia, comunicação e o contexto social.
Serres (2013) denomina esse movimento de sociedade pedagógica, na qual
há a prevalência do imaterial e de espaços, que ele classifica como do não
direito, nos quais as Tecnologias Digitais auxiliam nas transformações sociais,
para que se ultrapassem espaços de concentração do conhecimento para a
distribuição do próprio conhecimento.

As novas maneiras de relacionamento com as informações e com a


tecnologia podem transformar a relação pedagógica, pois, por meio da edu-
cação digital, alunos conseguem interagir com muitas informações ao mes-
mo tempo, impingindo a necessidade de práticas pedagógicas que tragam
uma maior relação com diferentes ambientes de aprendizagem (presencial
ou on-line), com diversos tempos e com a perspectiva de colaboração entre
os atores sociais. Neste sentido, os aspectos tecnológicos precisam estar as-
sociados ao ato educativo e também sobrelevar interfaces sociais e políticas.

Entende-se, neste texto, educação digital a partir do que postula Mo-


reira e Schlemmer (2020) ao discutirem a educação digital on-life, como forma
de se pensar processos educativos a partir de atos conectivos (com diferen-
tes tecnologias digitais), que engendram a rede de comunicação entre atores
humanos e não humanos.

No sentido apontado acima, Moreira (2022) destaca que pensar o digi-


tal deve ultrapassar a perspectiva instrumental, para compreendê-lo como
habitat, no qual as pessoas se conectam, comunicam, estabelecem relações e
criam comunidades de prática.

Neste contexto, a maneira como os processos de comunicação são


percebidos traz uma nova arquitetura comunicativa e informativa, conforme
destacado por Schlemmer, Di Felice e Serra (2020, p. 7), que engloba o “con-
junto de mundos de dados que somos: orgânico, inorgânico, animal, vegetal,
racional, robótico e algorítmico”. Essa arquitetura expande a compreensão
tradicional de emissor, receptor, mensagem, código, canal e referente para
redes complexas e conectivas, criando novos modos de produção de infor-
mações por meio de formas instigantes e amplas de interação.

Com as possibilidades da educação digital em rede, é necessário adotar


modelos pedagógicos mais colaborativos, flexíveis e criativos para o ambien-
te de ensino e aprendizagem, levando em consideração os diversos estilos
de aprendizagem e as necessidades individuais, identificando diferenças e
relacionando potencialidades e competências educacionais. Schlemmer, Di

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Felice e Serra (2020) destacam a educação On-Life, em que a fronteira entre o


mundo on-line e off-line ainda é tênue em um contexto em que se está cons-
tantemente conectado, constituindo-se em uma rede. Estamos vivenciando
uma mudança na ecologia da aprendizagem, em que o acesso, a co-produção
e o compartilhamento interativo de conteúdos são elementos essenciais.

No entanto, existe uma lacuna na relação entre a era digital, as tecno-


logias como forças ambientais e a formação das pessoas. Acredita-se que o
poder da educação está nas ações que ajudam os indivíduos a se conectarem
com o mundo, com os outros, com a ciência, com o conhecimento e com a
inovação.

Portanto, trazer os professores mais próximos da educação digital e


do uso das novas tecnologias digitais vai além do simples uso de ferramen-
tas digitais ou de plataformas desconectadas da realidade escolar e social. É
importante considerar os fundamentos pedagógicos que permitam o desen-
volvimento de estratégias que ajudem os alunos a desenvolver competências
para transformar positivamente a humanidade e o planeta. As instituições de
educação enfrentam muitos desafios nesse sentido, o que os leva a buscar
novas perspectivas para qualificar seus processos de formação e gestão, com
foco na democratização da educação pública, na emancipação humana e na
inclusão social.

Isso porque as tecnologias por si só não refletem processos de ensi-


no e aprendizagem, mas relacionam-se às práticas, processos pedagógicos
flexíveis e criativos, como oportunidades para se repensar os currículos, os
conteúdos, a forma de organização de cursos e disciplinas. Os aspectos tec-
nológicos precisam estar associados ao ato educativo e também sobrelevar
interfaces sociais e políticas.

O uso indiscriminado das tecnologias e, neste contexto do meio digital,


sem a reflexão necessária, leva às abordagens tecnicistas e conduzem a edu-
cação a processos de alienação frente à realidade, exatamente o contrário do
que se visa que é levar os sujeitos à autonomia.

Assim, considera-se essas novas perspectivas sobre a educação digital


e nos ecossistemas de aprendizagem para problematizar modelos pedagó-
gicos e curriculares. Destaca-se a importância do papel do professor na in-
tegração das tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem,
para o qual é necessário um nível adequado de competências digitais e sua
relação com a educação. Assim, as percepções dos professores sobre as tec-
nologias como forças ambientais passam pela cultura de planejamento e or-
ganização do trabalho pedagógico moldando a forma como essas tecnologias
são implementadas em cada contexto de ensino.

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Sendo assim, ressalta-se novamente a importância dos ecossistemas


educacionais ou de aprendizagem e, dos ecossistemas digitais em rede, que
embora sejam utilizados muitas vezes como sinônimos, pois contém mais
aproximações do que distanciamentos, possuem, no entendimento dessa
autora, certas diferenciações, mas que se constituem como importantes con-
ceitos que remetem a como uma rede integrada, na qual as interações e co-
nexões entre pessoas, tecnologia, conhecimento, objetos, dados, realidade
física e outras características são fundamentais para o processo de aprendi-
zagem das novas gerações. É crucial que a tecnologia e o processo pedagógi-
co caminhem juntos, em harmonia com as pessoas e o espaço em que elas se
encontram, a fim de garantir um desenvolvimento educacional de qualidade
em todas as partes do mundo, sobretudo para as novas gerações.

Assim, os ecossistemas educacionais ou de aprendizagem funcionam


em múltiplas hélices:

a) as instituições de ensino desempenham um papel central. Elas


oferecem programas educacionais, estabelecem currículos, forne-
cem suporte aos alunos e criam oportunidades de aprendizado;

b) Os professores têm um papel fundamental na facilitação da


aprendizagem, oferecendo instrução, orientação e avaliação aos
alunos;

c) Além disso, os alunos são considerados partes ativas do ecos-


sistema educacional, pois eles interagem com os professores, co-
legas e recursos de aprendizagem. Os recursos de aprendizagem
incluem materiais didáticos, tecnologias educacionais, bibliotecas
e outros recursos disponíveis para apoiar a aprendizagem;

d) O uso da tecnologia é um aspecto essencial dos ecossistemas


educacionais. Ela pode facilitar a entrega do conteúdo, promover
a interação e a colaboração entre os participantes, fornecer fer-
ramentas de avaliação e acompanhamento do progresso dos alu-
nos, entre outros benefícios e podem ser analógicas e digitais;

e) os pais e a família;

f) Além disso, um ecossistema educacional pode incluir a partici-


pação e envolvimento da comunidade, como empresas, organiza-
ções sem fins lucrativos, que contribuem com recursos, parcerias
e oportunidades de aprendizagem fora do ambiente escolar, ou
seja os ambientes promotores de aprendizagem.

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Um ecossistema de aprendizagem bem desenvolvido é caracterizado


por uma abordagem colaborativa entre alunos, professores e outros agentes
humanos valorizando a diversidade de estilos de aprendizagem, incentiva a
criatividade, a colaboração e a resolução de problemas. Ele busca integrar di-
ferentes recursos, tecnologias e abordagens pedagógicas para oferecer expe-
riências de aprendizagem mais significativas e personalizadas.

Esses ecossistemas podem se manifestar em diferentes contextos,


como na educação formal (escolas, universidades) e na educação não formal
(cursos online, programas de treinamento). O objetivo é criar um ambiente
que promova a aprendizagem ao longo da vida, capacitando os indivíduos
a se adaptarem às rápidas mudanças sociais, econômicas e tecnológicas. O
conceito de ecossistema educacional enfatiza a importância de criar um am-
biente favorável e colaborativo para a aprendizagem, onde todos os elemen-
tos trabalham em conjunto para promover o desenvolvimento educacional e
o sucesso dos alunos.

Os ecossistemas digitais em rede ganham relação com os ecossistemas


educacionais e representam sistemas de aprendizagem em rede, caracteriza-
dos pela cooperação, compartilhamento de conhecimento, desenvolvimento
de tecnologias abertas e evolução de ambientes ricos em conhecimento. Es-
ses ecossistemas podem ter diferentes tamanhos, desde que possuam agen-
tes humanos (professores e estudantes), organismos digitais (conteúdos), um
ambiente digital (as tecnologias) e interações entre eles (MOREIRA, CORREIA,
DIAS TRINDADE, 2022, p. 4).

Para os autores destacados, nos ecossistemas digitais em rede, os fato-


res bióticos representam as comunidades virtuais de aprendizagem, os pro-
fessores, os estudantes e os conteúdos, que são a parte viva do sistema (es-
pécies humana e digital). Por outro lado, as tecnologias digitais representam
os fatores abióticos, ou seja, as partes não vivas do ecossistema. Assim como
em um sistema biológico, os elementos da comunidade podem se agrupar
espontaneamente e interagir uns com os outros. Para garantir o sucesso des-
ses ecossistemas, cada indivíduo e grupo deve se adaptar às condições am-
bientais e encontrar seu nicho específico.

Acredita-se que, frente às questões sociais, econômicas e educacionais


da contemporaneidade, as pessoas necessitam e necessitarão de oportuni-
dades de estudos em qualquer tempo e local, por meio de práticas pedagó-
gicas inventivas, diferenciadas, reticulares, conectivas e destaca-se urgência
de se avançar em aprendizagem autêntica, aprendizagem colaborativa, entre
outros aspectos, aliados a currículos inovadores.

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“A nova geração de ambientes de aprendizagem digital


(NGDLE) está criando uma mudança transformadora na for-
ma como as instituições arquitetam seus ecossistemas de
aprendizado para alunos e instrutores. As instituições exigem
cada vez mais o suporte de padrões abertos em aplicativos
de tecnologia educacional, que permitem que as instituições
ofereçam uma experiência de aprendizado mais flexível para
mais alunos, de forma síncrona e assíncrona. A agilidade
fornecida por tal arquitetura pode proporcionar aos alunos e
instrutores a oportunidade de 'pensar fora da caixa' e recon-
ceitualizar suas abordagens para a educação”

(Tradução livre, HORIZON REPORT, 2020, p. 9)


“The next generation digital learning environment (NGDLE) is creating a transformational shift in how
institutions architect their learning ecosystems for learners and instructors. Institutions are increasingly
requiring support of open standards in educational technology applications, which enable institutions
to offer a more flexible learning experience to more students, synchronously and asynchronously. The
agility provided by such an architecture can afford learners and instructors alike the opportunity to ‘think
outside the box’ and reconceptualize their approaches to education” (HORIZON REPORT, 2020, p. 9).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FLORIDI, L. The Onlife manifesto. Being human in a hyperconnected Era. Springer
Cham Heidelberg New York Dordrecht London. Open Acess. Disponível em: ht-
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Processo de inovação sustentada. Revista UFG, v. 20, 2020

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SCHLEMMER, E.; MOREIRA, J. A. Por um novo conceito e paradigma de educação di-


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Disponível em: https://revistas.ufg.br/revistaufg/article/view/63438. Acesso em:
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