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A bagagem de sensações que recolhemos ao longo da nossa vida tem ou não valor filosófico? Uma questão
clássica da Filosofia, e que sempre se mantém atual, é a da sua relação com a vida.
Desde que Sócrates disse que “filosofar” é preparar para morrer, parece que, para a Filosofia, as
experiências humanas no mundo ficaram desvalorizadas.
Quem já se deu conta de que a beleza do céu estrelado pode encher de entusiasmo, ou que parece
que faz bem chorar bastante em um filme triste, descobriu que impressões e emoções são pontos de partida para
reflexões bastante próprias do ser humano. A Estética é a disciplina filosófica que se dedica ao estudo racional do
belo. Apesar de ter sido “fundada” oficialmente apenas no século XVIII, não estamos autorizados a dizer que, antes
disso, não tenha existido preocupação filosófica com a beleza ou com nossas sensações (sem esquecer que a
palavra estética vem do grego Aisthesis, que significa sensação – quem já não foi alguma vez anestesiado e ficou
sem sentir nada?). Para os gregos, por exemplo, toda a vida e o agir humano estavam imbuídos de uma forma
estética de pensar o mundo. Sócrates morre lecionando: uma atitude corajosa diante da morte, o ser humano dá a
resposta na forma de um ato belo e nobre.
Explicar a beleza?
Até hoje falamos de comportamentos que podem ser “belos”, recordamos com prazer de “belos”
momentos vividos e assim por diante. A metáfora da beleza fala ao ser humano em uma linguagem difícil de
precisar. Isso os gregos também achavam: “O belo é difícil”, lamentou-se certa vez Sócrates, sem ter conseguido
encontrar a definição que buscava. Mas a dificuldade de reduzi-lo a uma formula constitui justamente um dos
maiores atrativos do vivenciar estético – o arrepio que sentimos ao ouvir um giz que arranha o quadro-negro, ao
olhar uma tempestade em alto mar ou quando uma peça de seda desliza sobre nosso braço: estamos falando da
mesma coisa? Se assim fosse, todos gostariam igualmente das mesmas canções dos Beatles, na mesma ordem de
preferência! E todas as pessoas detestariam ou amariam com a mesma intensidade o barulho do vento assobiando
na janela. Um mundo assim seria mais interessante ou mais chato?
Acontece que a beleza, que até pode ser um dos atributos mais conhecidos da arte, não é o único, e
nem o mais importante. O feio também participa da experiência artística, já que ela vai muito além da mera
perfeição técnica. O “cansaço” para com a beleza enquanto única condição para julgar, desde um vaso de barro até
uma sinfonia, não é coisa nova. No século XVI, o italiano Castiglione até recomendou aos poetas que cometessem
de propósito imperfeições, para seus versos ter mais encanto, e faz uma comparação com “o rosto não maquiado de
uma mulher”, que desta forma, diz ele, se tornaria mais atraente.
Sai de sena o belo perfeito e entra o conteúdo de verdade: o mundo e as pessoas, contém
imperfeições, e a arte precisa dialogar com esta imperfeição.
Aprender a fazer isso é parte da educação estética do ser humano, e não se resume a reconhecer
estilos e épocas; requer coragem para suspender por um instante a lógica do mundo e “surfar” numa onda de
associação de ideias, impressões e sentimentos. “Tudo é forma, até a vida”, escreveu Balzac, reconhecendo um
paralelo entre a obra de arte e a vida humana.
Transformar o mundo
Podemos ser escultores de nossa própria vida e torná-la uma obra de arte? Provavelmente, Sócrates
apoiaria isto! Seria mesmo possível pensar em enxugar toda a arte do mundo, de forma que nossa vida seria a única
obra a ser realizada? Um filósofo alemão chegou a afirmar que, depois de sabermos o que aconteceu em
Auschwitz, nunca mais seria possível escrever uma poesia. Felizmente, isto não aconteceu, pois um dos maiores
poderes da arte continua sendo a transformação simbólica do mundo que ela opera: como em um ritual mágico que
foi um dia sua missão original, transmuta dor, alegria, esperança. Tudo para o ser humano poder se mirar no
espelho que ele mesmo constrói que é a obra de arte. Jogo? Brincadeira? Filosofia? Ou tudo junto?