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Ética e Deontologia da Comunicação

Manuel Monteiro | 2ºSemestre 2019/2020

Ética e Deontologia da Comunicação


MÓDULO 1 – Ética

1. O que é a Ética?

A ética é a reflexão acerca da moral; é um estudo filosófico e como tal tem de obedecer às
normas e regras do filosofar. A reflexão ética exige objetividade e universalidade. Ser objetivo é
ser imparcial, no âmbito da reflexão ser capaz de pôr de lado as crenças, os valores, os gostos.

A ética estuda os códigos morais e há diferentes códigos morais (diferem consoante as


comunidades). Os princípios que a ética aponta para justificar as ações não se baseiam em
códigos morais particulares, mas sim numa base universal (independente das culturas e
comunidades).

Características gerais da ética:


• Conjunto de conhecimentos extraídos da investigação do comportamento humano;
• Explica as regras morais de forma racional, fundamentada, científica e teórica;
• Pode ser denominada como filosofia moral;
• Constitui-se como a ciência do agir humano;
• É universal: procura determinar os princípios morais válidos para todos os seres
humanos;
• É normativa: procura encontrar os princípios morais imprescindíveis que orientam a
conduta humana e que permitem distinguir as ações boas e as más;
• É racional: não visa criar normas para o agir humano, mas sim reflexões das
mesmas;
• É a forma correta de fazer as coisas;
• A ética é de humanos e refere-se somente a humanos.

Podemos distinguir três tipos de ética:


1. Meta ética: clarifica os conceitos específicos da moral (ex: a moral, a justiça, a
liberdade, a ação).
§ Neste processo também se têm em conta pretensões universais: a justiça como
uma noção universal – reflexão válida para todas as comunidades.

2. Ética Normativa: estuda as normas e os códigos morais das diferentes sociedades.


§ Procura apontar quais os princípios que permitem considerar uma ação
puramente válida ou inválida – procura-se apontar os princípios da moralidade.
§ Exercício teórico, com pretensões de universalidade.

Ex: Stuart Mill e Kant – partindo de princípios morais diferentes, a mesma ação pode
ser justificada por uns e não justificada por outros.

3. Ética Aplicada: ética numa determinada área específica (comunicação, medicina,


direito). Regula os princípios que têm pretensões de universalidade e que devem ser
aplicados aos profissionais de cada área.
§ Após esta reflexão surgem os códigos deontológicos – deveres que todos
deverão cumprir, mas diferem de país para país, porque resultam de uma
interpretação que cada um faz dos princípios éticos.

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2. O que é a Moral?

A moral é o conjunto de normas que regula os comportamentos e as ações dos membros de


uma dada comunidade, de forma a preservar os valores dessa mesma comunidade.

Características gerais da moral:


• Contêm um princípio de dever;
• São universais: valem por si mesmas e aplicam-se a todos os indivíduos;
• São incondicionais/ categóricas: não estão sujeitas a inclinações de indivíduos e
devem ser praticadas sem o recurso à praticabilidade do dever;
• Fazem parte da memória coletiva de um determinado grupo social;
• Não constitui a lei jurídica, mas pode influenciá-la;
• É um saber que oferece orientações para ações em casos concretos;
• Pode significar a boa disposição de espírito ou pode ser o código de conduta de
alguém.

A moral tem um carácter:


Ø Prático imediato: A moral é um conjunto de regras e normas que regulam a vida do
indivíduo em sociedade, prescrevendo o que devemos ou não fazer, refletindo-se na
ação do indivíduo.
Ø Obrigatório: diz-nos o que devemos fazer e como devemos fazer.
Ø Restrito: A moral pertence a indivíduos, comunidades e/ou sociedades, variando de
pessoa para pessoa, de comunidade para comunidade, de sociedades para sociedades.
Ø Histórico: A moral evolui ao longo do tempo e difere no espaço, assim como as próprias
sociedades e os costumes.
Ø Relativo: Algo só é considerado moral ou imoral segundo um determinado código,
sendo este diferente de indivíduo para indivíduo – é uma característica que distingue a
moral da lei.

3. O Valor

Na origem de qualquer norma está sempre o valor ou os valores, são eles que a justificam.
Dizemos que o valor é uma maneira de ser ou agir que uma pessoa ou coletividade
reconhecem como ideal e que faz com que os seres ou as condutas aos quais é atribuído sejam
desejáveis ou estimáveis.

Conceito de valor:
ü Significado teórico: o valor de uma mercadoria ou o valor de uma incógnita (como
no caso de uma equação matemática).
ü Significado afetivo: o valor das coisas que nos merecem estima (que valor
atribuímos à amizade?)
ü Significado moral: o valor que atribuímos a um comportamento – a coragem, a
solidariedade, altruísmo, egoísmo.

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Juízos de Facto e Juízo de Valor:


• Juízos de facto (ou de realidade): descrevem a realidade de modo neutro e imparcial,
de forma objetiva e verificável, sendo suscetíveis de serem considerados verdadeiros ou
falsos.
• Juízos de valor (ou de apreciação): indicam uma valoração. São interpretações
parciais e subjetivas, relativas e discutíveis e tendem a ser expressão de emoções.

Objetividade e Subjetividade:
• Objetivismo: Os juízos morais têm valor de verdade, são verdadeiros ou falsos
independentemente da perspetiva do sujeito. Resulta da convicção que em todas as
épocas históricas ou culturas há valores, como o Bem, o Belo ou o justo, que existem
idealmente como entidades imutáveis e incondicionadas.

• Subjetivismo: Os juízos morais têm valor de verdade, mas o seu valor de verdade
depende da perspetiva do sujeito que faz o juízo. Os factos morais são subjetivos, pois
dizem respeito aos sentimentos de aprovação ou reprovação das pessoas. Esta
conceção assenta na constatação empírica que ao longo dos tempos os valores estão
sempre a mudar.

Homem como ser social:


Perante o que existe podemos ter diferentes abordagens, mas nas relações que temos
uns com os outros podemos avaliar todas as ações moralmente.
No âmbito do meu pensamento não estou no âmbito da moral, só entro neste campo
quando interajo com os outros. Aqui, o que é avaliado são as minhas ações.

§ Nem todas as relações que temos podem avaliadas moralmente ou podem?


Tudo o que é expressão e comportamento pode ser avaliado moralmente. Nós não nos
relacionamos apenas do ponto de vista moral, relacionamo-nos também, por exemplo, do ponto
de vista estético.
Nas relações que estabelecemos com os outros preside sempre uma apreciação e
consequentemente uma avaliação e como tal as relações que se estabelecem com os outros
têm como base os valores. Assim, criam-se normas e regras que indicam quais os
comportamentos a ter. Se estas normas são transpostas, os indivíduos que desrespeitam as
normas são punidos.
A norma pune, mas o valor punitivo da norma, em certas circunstâncias, é fraco e, por isso,
criam-se as leis para combater a insuficiência da norma.

As leis conferem um carácter mais impositivo e punitivo à norma:


• As leis só existem por causa dos valores. As leis combatem a auto - suficiência impositiva
e punitiva da norma.
• As leis alteram-se porque a norma já não é suficiente e porque os valores se alteram.
Antes de uma reflexão sobre as leis, existe uma reflexão sobre os valores.

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As leis ditam de forma objetiva quais as práticas sociais aceites. A lei serve para preservar os
valores e permite efetivar esses valores. Em função desse controlo verificam-se várias práticas
que vão contra as leis e como tal as pessoas são colocadas à margem da sociedade (excluídas),
no limite: prisão. As punições estão de acordo com a hierarquização dos valores.

→ O controlo social serve para garantir a coesão social – coexistir uns com os outros
pacificamente. A coexistência pacífica faz-se pela harmonia dos interesses, dos bens. Aos
membros que desejam integração social são lhes transmitidos valores.

4. As 4 Éticas a Estudar…

4.1. A Ética Eudaimonista


Na definição aristotélica da moral, virtude é o conceito central.

Virtude:
Ø Areté: significa adaptação perfeita, excelência, virtude. Noção de cumprimento do
propósito ou da função a que o indivíduo se destina que implica a educação de
valores: justiça, coragem, temperança.
• São valores, mas também são virtudes – A coragem é o valor, ser corajoso é
uma virtude.

Aristóteles defende que a palavra provém do termo éthos e que existe um ciência da
ética que visa o estudo dos objetos que conduzem o Homem a um fim: a felicidade.

A ética de Aristóteles é uma ética Eudaimonista porque sustenta que a natureza


humana está orientada para um fim e esse fim é a felicidade e, por isso, é também uma ética
teleológica.

Para Aristóteles, o que é moralmente válido é aquilo que promove a felicidade, é aquilo
que permite que nós e os outros atinjamos o nosso propósito – a felicidade.

Segundo Aristóteles, tudo o que existe tem uma finalidade, está orientado para um fim,
tem um propósito a ser cumprido e isto diz respeito a todos os seres, racionais e irracionais –
conceção da natureza teleológica.

A virtude coincide com a realização da própria essência. Aquilo que no plano objetivo é a
realização da própria essência, no plano subjetivo coincide coma a própria felicidade.
A virtude recairá sempre no bom uso da razão, ou seja, só será alcançada se a razão for
bem utilizada.

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§ A felicidade “(...) é uma atividade da alma de acordo com a virtude.” EN I 9.


Ø A felicidade é a soma dos bens particulares, ou seja, corresponde ao bem comum.
Ø Ordenando a vida a um bem maior (bem comum), as minhas ações serão sempre
moralmente válidas. Se assim não for as ações vão contra a minha própria natureza –
ser humano é um ser social, sem os outros não me posso realizar.

Deste modo, a nossa natureza faz com que escolhamos para nós próprios sempre o bem. O
facto de procurarmos sempre o bem indica que estamos à procura da felicidade. Segundo
Aristóteles, só seremos felizes quando alcançarmos o propósito da natureza humana, que é ser
feliz.
Para tal, temos de tornar os valores disposições do nosso caráter (ou seja, desenvolvido por
nós próprios). Não basta ter conhecimento desses valores, é necessário tornar o nosso caráter
virtuoso.

A comunidade é anterior ao indivíduo:


Todos nós nascemos no seio de uma comunidade (família), no entanto, apesar de
existirmos em comunidade, nunca deixamos de ser indivíduos.

Segundo Aristóteles, nalgumas comunidades, não existem os laços de amor e amizade


que estão presentes numa família e, como tal, o ser humano tem de criar um laço, que é a
justiça.

O bem comum é um bem muito maior do que o bem individual – este é o princípio
fundamental para viver em sociedade.
Ø Tornamo-nos virtuosos através da razão por que esta nos permitirá agir de forma correta
e adequada, uma vez que nos dará o justo meio para agir. Assim, qualquer decisão será
sempre justa porque respeitará sempre o bem particular e o bem comum. A partir da
razão preservarei o bem.
Ø É a razão que me permite ponderar, através do justo meio, todas as minhas ações e
deste modo, tenho um critério no momento da minha decisão.
Ø Como ser racional serei sempre capaz de identificar em todas as situações qual o justo
meio.

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Harmonia dos Bens:


Faz parte da natureza humana agir sempre em função de um bem para nós próprios:
Ø Se eu procurar o bem dos outros isso será sempre um bem para mim e moralmente
válido.
Ø Se fizer um bem para mim, trazendo mal aos outros, esse bem tornar-se-á um mal para
mim próprio e por isso será moralmente inválido.
Ø Se fizer um bem para mim e a minha ação for indiferente para os outros e não provocar
mal a ninguém, justifica-se moralmente, ou seja, é moralmente válida.

Assim, tudo o que concorrer para a felicidade será moralmente válido, se concorrer para a
infelicidade será moralmente inválido.

4.2. A Ética Deontológica


Segundo Kant, a moral é a procura do cumprimento do dever.

• O que é o dever em Kant?


Dever é a necessidade de uma ação por respeito á lei, ou seja, qualquer lei determina que
se faça alguma coisa e que não se faça outra coisa, determina uma ação e só essa ação é
legítima, a lei impõe que se aja de determinada maneira.

Segundo Kant devemos respeitar o dever que a lei impõe. Qualquer lei é imperativa e por
ser imperativa contêm em si mesma uma obrigação.

Temos o dever de respeitar a lei, e sempre que respeitamos o dever que a lei impõe
estamos a agir corretamente.

Considerando a natureza humana, Kant diz que somos animais sociais e racionais e esta
natureza faz-nos agir conforme as nossas disposições, inclinações ou impulsos.

Não há nenhuma ação, nenhum agir que não esteja sujeito a leis. Todas as ações são
reguladas pelas normas morais da comunidade e pelas leis jurídicas.

• Tipos de ação para Kant:


Ø Ação contrária ao dever;
Ø Ação conforme ao dever;
Ø Ação por dever

• Quem cria as leis jurídicas e as normas morais?


1. Por um lado, temos a Heteronímia;
2. Por outro, temos a Autonomia.

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1. Heteronímia
Neste plano as leis são-nos impostas pelo exterior, pela sociedade e, por isso, são
consideradas leis heterónomas.
Assim, consideramos que estamos no plano da legalidade e não da moralidade, uma vez
que as nossas ações se regem por castigos e recompensas.

Há 3 tipos de leis heterónomas:


1. As leis da natureza (comer, beber, etc.)
2. As normas morais, normas que a nossa comunidade nos transmite.
3. As leis jurídicas, que concedem força punitiva e impositiva às normas morais

Segundo Kant, as normas morais e as leis jurídicas constituem o plano da legalidade e, por
isso, não estamos no plano da moralidade e, como tal, as nossas ações não podem ser
avaliadas moralmente.
Assim, só entramos no plano da moralidade, quando saímos do plano da heteronomia e
entramos no plano da autonomia.

2. Autonomia
É a capacidade de darmos a lei a nós próprios, em conformidade com a razão.
Deste modo, as leis autónomas são as leis que criamos para nós próprios, que têm de ser
universalizáveis, e que regem as nossas ações.

No plano da autonomia afirmamos a nossa dignidade, somos julgados enquanto pessoas,


porque temos a capacidade de dar a lei a nós próprios e revelamos por isso as nossas
verdadeiras intenções.
O que move a ação não são os castigos ou as recompensas, ou seja, as consequências, mas
sim a intenção, que corresponde à lei que definimos para nós próprios.
Será então neste plano que o ser humano afirma a sua racionalidade, liberdade e dignidade,
uma vez que age em conformidade com a sua razão e não com a dos outros.

Assim, a moralidade relaciona-se com a relação que estabelecemos uns com os outros, e por
isso, quando dou a lei a mim próprio, tenho de ter em consideração um critério que determina se
a minha ação é válida ou não.

Deste modo, para que uma lei seja válida é necessário que esta seja universalizável, ou
seja, na mesma circunstância todos poderiam escolher essa lei. Se assim for, a lei é válida e a
ação sempre válida para Kant.
Por exemplo, a lei não matar é universalizável, porque permite que qualquer outra pessoa,
em qualquer circunstância, possa escolher não matar.
No entanto, muitas vezes a lei moral entra em conflito com a lei jurídica. Nessas situações,
independentemente das consequências, a lei que dou a mim mesmo prevalece sempre sobre a
lei jurídica, porque só a lei autónoma pode ser avaliada moralmente. E se, de facto, a lei dada
por nós próprios for universalizável só esta lei terá qualquer valor moral.

Segundo Kant, todas as leis são imperativas e porque existem leis, o ser humano tem o dever
de respeitar esse imperativo. No entanto, porque há diferentes tipos de leis, distinguem-se dois
tipos de imperativos.

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Imperativo Hipotético:
No plano da legalidade/ leis heterónomas, o imperativo é hipotético, porque se respeitam
as leis em função das condições que elas impõem, ou seja, colocam uma hipótese.

«Quando a vontade que nos comanda a agir está ajustada a normas externas ao sujeito,
definindo os castigos e as recompensas para a ação.»
Exemplos:
• Se queres viver, alimenta-te;
• Se queres ter uma vida regrada e aprazível, não bebas em excesso.

Imperativo Categórico:
É uma obrigação incondicional. Faz-nos aceitar o respeito de lei por respeito à lei –
respeitamos puramente qualquer lei. Porque a criamos queremos respeitá-la incondicionalmente.

«Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei
universal».
«Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer
outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio».
Exemplos:
• Cumpre as tuas promessas
• Diz a verdade
• Socorre quem está em perigo

São necessárias 3 formulações que devem ser respeitadas ao criar a lei moral:
1. Animalidade - É necessário desejar que essa lei tenha uma força impositiva tão forte
como as leis da Natureza.
2. Humanidade - É necessário que a lei a considere sempre o próprio e qualquer outra
pessoa sempre e ao mesmo tempo como um fim e nunca como um meio.
3. Personalidade - O indivíduo tem de se assumir como um legislador universal, ou seja,
tem de criar uma lei que se imponha a todos, que todos possam escolher.

Tenho de educar a minha vontade – modificar o querer, as intenções – para cumprir estas 3
formulações (3 dimensões para agir).
Relativamente ao procedimento, Kant afirma que podemos fazê-lo ou não, porque apesar de
toda a teoria do dever, há sempre o poder. Educando a minha vontade, a única coisa que vou
querer (poder) fazer é cumprir o dever.

4.3. A Ética Utilitarista


A teoria de Stuart Mill é contrária à de Kant. É uma conceção britânica, que reflete princípios
filosóficos britânicos (conceção muito pragmática).

≠ A ética kantiana é deontológica e para Stuart Mill:


→ é demasiado procedimentalista e formal (dá-nos o procedimento);
→ é uma ética que não compreende verdadeiramente a natureza humana, porque se
esquece que nós somos determinados a agir não só pela razão, mas muitas vezes pelo
quadro emocional em que nos encontramos.

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Segundo Mill, nós não agimos por cálculos racionais: a maior parte das vezes agimos em
função dos nossos interesses e não dos outros – não é a intenção com que se age que pode
determinar a moralidade de uma ação – critério inválido para Mill.

Os outros nunca saberão se uma ação foi movida por uma boa intenção ou não.
O critério segundo Mill é o da utilidade da ação e, por isso, esta conceção denomina se de
utilitarismo – o que é moralmente correto é toda ação que seja útil.

“Utilitarismo”:
Um ato permissível é aquele que está de acordo com as regras morais ideias. Essas
regras são aquelas que, se fossem aceites pela grande maioria dos membros da sociedade,
maximizariam o bem-estar. Assim, os atos particulares são moralmente avaliados em termos da
promoção do bem-estar.

Avaliar a utilidade da ação, através dos resultados que produz:


• Posso ter uma boa intenção e produzir maus resultados;
• Para Mill, mesmo que a intenção seja má e os resultados da ação sejam bons, essa
ação torna-se útil e logicamente moralmente válida.

O que torna a ação boa não é a intenção com que é praticada, mas sim o seu contributo
para a felicidade - as suas consequências.

Princípio da Utilidade ou Princípio de Maior Felicidade:


O credo que aceita a utilidade ou princípio da maior felicidade como fundamental da moral
sustenta que:
Ø As ações são justas na proporção em que tendem a promover a felicidade e injustas
enquanto tendem a produzir o contrário da felicidade.
Ø Entende-se por felicidade o prazer e a ausência de dor; por infelicidade a dor e a
ausência de prazer.
Ø O prazer e a ausência de dor são as únicas coisas desejáveis como fins, e todas as
coisas desejáveis são-no pelo prazer inerente a elas mesmas ou como meios para a
promoção do prazer e a prevenção da dor.

«De acordo com o Princípio da Maior Felicidade [...], o fim último, em relação ao qual e
pelo qual todas as outras coisas são desejáveis [...], é uma existência isenta, tanto quanto
possível, de dor, e tão rica quanto possível de prazeres, em termos de quantidade e de
qualidade [...].»

Classificação dos Prazeres:


Ø Prazeres superiores: prazeres espirituais, ligados a necessidades intelectuais, sociais,
morais, estéticas…
ü Menor intensidade
ü Longa duração
ü Incapazes de provocar dor
ü São os prazeres superiores que permitem regular os prazeres inferiores, evitando
a dor

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Ø Prazeres inferiores: prazeres sensoriais, ligados a necessidades físicas (comer, beber,


sexo)
ü Grande intensidade
ü Pouca duração
ü Viver estes prazeres com tal intensidade pode provocar dor

O Utilitarismo é um ideal:
Ø Moral: promoção da felicidade global e não individual, sustentado nos seguintes
mandamentos cristãos: não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a
ti, ama o teu próximo como a ti mesmo.
Ø Pedagógico: formação de indivíduos solidários e responsavelmente empenhados
em promover o bem comum e a felicidade global.
Ø Jurídico-político: as leis e a política devem encarnar o princípio da maior felicidade
para o maior número de indivíduos.

O Utilitarismo pode levar a:


Ø Considerar como morais ações que violam valores universais como o valor da vida
ou o valor da justiça;
Ø Fazer depender a moralidade de uma avaliação subjetiva, levando ao individualismo
e ao relativismo ético;
Ø Transformar a opção moral numa estratégia racional de cálculo de riscos (em que
podem prevalecer o egoísmo e os jogos de interesses em vez do respeito pelos
outros).

Crítica ao Utilitarismo – Hedonismo:


Perspetiva segundo a qual só o prazer é intrinsecamente bom e só a dor é intrinsecamente
má. Tudo o que resto tem valor apenas na medida em que contribui para aumentar o prazer ou
para reduzir a dor.

4.4. A Ética do Discurso


Na obra do Agir Comunicativo, Jürgen Habermas desenvolve um teoria explicativa da
sociedade contemporânea.

Assim, Habermas concebe a razão comunicativa, ou seja, a comunicação livre, racional e


crítica como alternativa à razão instrumental.
Habermas preocupou-se com o restabelecimento dos vínculos entre socialismo e
democracia.

Deste modo, Habermas explica que esta teoria vai além do processo de interpretação, em
que o conhecimento cultural fica exposto ao teste do mundo. Na verdade, a ação comunicativa
prossupõe processos de interação social e socialização. É através desta interação social e da
socialização que as pessoas envolvidas confirmam e renovam as suas identidades.

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A Teoria da Modernidade é parte integrante da Teoria do Agir Comunicativo, nela Habermas


fala de duas esferas que coexistem na sociedade: o sistema e o mundo da vida.
• O sistema refere-se à 'reprodução material', regida pela lógica instrumental incorporada
nas relações hierárquicas. O filósofo busca explicar a génese da sociedade ocidental
moderna, diagnosticando as suas patologias e buscando soluções para a sua correção.
• O mundo da vida é a esfera da linguagem, das redes de significados que compõem
determinada visão do mundo.

Para Habermas o mundo da vida é um domínio social que contrasta com os sistemas
funcionalizados. Esse mundo é marcado por processos comunicativos, cujo mediador é a
linguagem e cujo recurso é a solidariedade.

Nesse domínio social, prevalecem as ações comunicativas e o emprego da linguagem com


vista ao entendimento entre os falantes. Habermas acredita que a história das sociedades
modernas é a história de um processo de racionalização do mundo da vida das sociedades
tradicionais.

A ação comunicativa contrapõe-se à ação estratégica, no sentido em que a ação


comunicativa corresponde ao saber prático-moral e à transmissão de conhecimento ético-jurídico
enquanto a ação estratégica visa alcançar o sucesso dos bem individuais (sinónimo de
conhecimento empírico).

A teoria ética de Habermas é destinada às sociedades democráticas e assenta em 7 tipos


distintos de ética:
• ética deontológica – fixa-se na ideia de dever e não nos fins prosseguidos pela ação;
• ética formalista – não formula normas de um procedimento;
• ética universalista – é aceitável para toda a humanidade;
• ética cognitivista – constata que todos os atos da fala são transmissores de
conhecimento;
• ética racional – foca-se na razão;
• ética procedimental – não se centra na matéria da ação moral, mas nos procedimentos
para a obtenção de normas;
• ética argumentativa – utiliza o diálogo racional como instrumento capaz de gerar
conhecimento.

Em 1992, Habermas interliga a teoria da ação comunicativa à esfera pública. A existência


da ação comunicativa voltada para o entendimento pressupõe que os sujeitos orientem o seu
comportamento pela vontade de entender os outros. Por outro lado, esfera pública é o espaço
social criado pela ação comunicativa.
A esfera pública tem como grande função explicar os processos pelos quais são formadas
a opinião e a vontade coletivas. Para Habermas, somente as leis que surgem de um processo
discursivo, debatido por todos os cidadãos interessados, na igualdade de oportunidades e
direitos, são democraticamente legitimas. As leis e o direito mantêm, assim, uma conexão direta
com a ordem da soberania popular e o respeito aos direitos fundamentais.
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5. A Ética Aplicada
A ética aplicada é uma análise filosófica sobre a moralidade inerente aos atos em casos
particulares da esfera pública ou privada da vida.
Supõe uma razão comunicativa e solidária e serve-se de princípios para avaliar as
consequências das ideias que orientam a intervenção na realidade.

Princípios da Ética aplicada:


• Não faças a outrem (pessoa ou grupo) aquilo que ele não faria a si mesmo, e faz-lhe
aquilo que te prometeste a fazer-lhe de acordo com ele.
• Na ignorância das reais consequências da nossa acção devemos ser cautelosos, de modo
a que se não cause a terceiros malefícios que possam ser evitados.
• Faz aos outros o que é bom para eles.
• Os iguais devem ser tratados de igual forma e os diferentes de forma diferente.

Exigências da Ética aplicada:


• Que a opinião pública manifeste sua posição.
• Que os interesses particulares de cada grupo social se subordinem aos interesses
colectivos.
• Que os objetivos económicos, sociais, culturais e políticos sejam articulados entre si e
com o princípio de um progresso orientado pelo respeito da solidariedade.

5.1. A Ética da Informação


Ética da informação diz respeito aos dilemas morais e aos conflitos éticos que surgem nas
interacções entre os seres humanos e a informação (criação, organização, disseminação, e uso),
as tecnologias da informação e comunicação e os sistemas de informação.

Caso Prático:
• O jornalista deve publicar aquilo que lhe é comunicado off the record ?
• Faz sentido um jornalista obter informações se as não puder publicar?
• É esse compromisso eticamente correcto?

Sendo o primeiro dever do jornalista informar o público, como pode ele manter em segredo
informações de interesse público, por vezes de claro interesse público?
O jornalista informa-se para informar. Mas o dever de se informar é diferente do dever de
informar.
Vale mais um jornalista comprometidamente informado do que descomprometidamente
ignorante.
É em função do on the record, isto é, da informação pública praticada pelo jornalista, que se
justifica eticamente o off the record.
O off the record justifica-se pelo dever de o jornalista se informar o mais cabalmente
possível, mas esse dever está subordinado ao dever de informar o público.

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5.2. A Ética da Comunicação


Na Ética da comunicação, a pessoa é o sujeito agente (produtor), o objeto (conteúdo) e o
destinatário da informação.

«É da natureza da informação dizer a verdade e, contudo, nem toda a verdade é boa para
ser dita. Assim, existe no trabalho jornalístico, e particularmente na zona da informação, uma
zona de incerteza que obriga o jornalista a envolver o seu próprio julgamento, a pôr ele próprio
nos pratos da balança o interesse do público, único que legitima a sua função, e a proteção a
que as pessoas têm direito.»
Cornu, p. 404

O respeito de si inscreve-se no respeito do outro. A máxima kantiana tem uma riqueza


inesgotável em termos de informação. Nunca considerar o outro como meio é ter em conta a
humanidade de cada homem, de cada grupo que os tumultos da história transformam em
“objetos” de informação. É tratá-los como seres humanos e não como material informativo
destinado a alimentar o sistema mediático orientado para a satisfação do público, para o sucesso
de audiência, de tiragem, de venda.

O jornalista que seja tentado em tais circunstâncias a esquecer o respeito que deve ao outro,
vítima, testemunha, parente, espezinha o respeito que deve a si mesmo: não é mais do que
instrumento – meio! – da informação. Está reduzido à função que o sistema mediático lhe
atribui. É prisioneiro de um determinismo reificante, de que o seu próprio cinismo não é capaz de
o libertar.

Responsável por dizer a verdade, o jornalista é-o ao mesmo tempo perante o público, de
acordo com a sua missão de informar, e diante de cada pessoa promovida, voluntariamente ou
não, a sujeito da atualidade. O público tem direito ao conhecimento da verdade. A pessoa
tem direito à proteção de uma parte irredutível de verdade que só a ela pertence.

O jornalista não pode dizer tudo, nem mostrar tudo. No seu trabalho, pela sua atitude, o
jornalista tem de dar provas de contenção, de pudor perante os que se encontram envolvidos em
acontecimentos geradores de sofrimentos físicos ou morais. Este respeito pela pessoa humana
não é unicamente satisfeito pelo comportamento privado. Exprime-se também no relato, que é a
sua expressão pública.
Em situações limite, a distância tem de ser abolida. Nesses casos é legítimo que o
jornalista transforme o seu papel de observador em papel de ator; a sua compaixão deve tomar
formas concretas, a sua missão de dizer a verdade deve ser sacrificada.

Esta responsabilidade é do jornalista, mas também é simultaneamente da sua redação e dos


media.
É a velocidade da informação moderna, que mata a verdade e pode ferir a pessoa. Muito
simplesmente porque lhe terá faltado o tempo de uma avaliação.

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Ética e Deontologia da Comunicação
Manuel Monteiro | 2ºSemestre 2019/2020

MÓDULO 2 – Deontologia

1. O que é a Deontologia?

A Deontologia é um conjunto de regras para a aplicação de uma ética profissional


particular. A deontologia é mais maleável e aberta às situações (mentalidades, condições
socioeconómicas de produção).
Particularidades da deontologia da comunicação:
→ Ligada à identidade profissional do campo
→ Relação fundamental com o público (bem comum, interesse geral)
→ Responsabilidades dos media (difusão) e do público (receção)
→ Liberdade de imprensa como delegação da liberdade de opinião
→ Novas tecnologias, novas responsabilidades sociais dos media
→ Se a prática jornalística é coletiva, a ética também é
Definir os conceitos:
ü Etimologia – modos ou maneiras de viver e agir (do ponto de vista da moral e da ética);
saber, estudo (do ponto de vista da deontologia).

ü Ética (finalidade, intenção) – “ciência que tem por objetivo o julgamento de apreciação
que se aplica à distinção do bem e do mal”.

ü Moral (obrigação, normatividade) – “conjunto de prescrições admitidas numa época e


numa sociedade determinadas; esforço para se conformar às prescrições, exortação a
seguir estas”.
§ A moral cumpre a função de reguladora das normas, enquanto a ética cumpre a
função de legitimação a partir da interrogação das normas.
§ Se o direito é a expressão legal do estado da moral coletiva de uma sociedade, a
questão ética aparece quando a moral é ultrapassada por novas condições de
existência (económicas, tecnológicas, políticas)
§ A moral é prescritiva, enquanto a ética é reflexiva, interrogativa, crítica. A ética
funciona então como um instrumento privilegiado de questionamento da
sociedade e da sua ordem jurídica. Ela critica-os e transforma-os.

A deontologia não é um código da estrada cuja transgressão colocaria em questão a


legitimidade da profissão. Há um ajustamento evolutivo dos valores fundamentais às novas
situações. A deontologia torna-se assim uma discussão sobre a identidade, aberta e dinâmica,
da profissão.
Não são as normas que determinam as práticas. As práticas evoluem, geram novos
modos de “saber-fazer” que devem ser regulados pela deontologia. A definição do “fazer-bem” é
uma tarefa em constante reformulação. As normas são o resultado de uma relação dialética
entre as práticas, sujeitas a mudanças, e os valores que garantem a coesão, mais duradoura,
das orientações éticas.
A ação jornalística que é guiada por valores (bem comum, vida boa para todos)
traduzidos em normas (verdade, interesse público) possui uma grande capacidade de ação para
mudar o mundo (responsabilidade).

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2. Introdução à Deontologia

2.1. Normas e Regras deontológicas


Existe uma infinidade de códigos e normas deontológicas:
• Os direitos e deveres dos jornalistas articulam-se em torno de grandes eixos ou valores
(direito à informação, a busca da verdade, defesa da liberdade de expressão, respeito
pelo ser humano) que se encontram reformulados em todos os códigos nacionais e
internacionais. A partir destes valores, as normas deontológicas centram-se numa
descrição das práticas.

• A proliferação recente dos códigos deontológicos explica-se pelo questionamento


permanente da credibilidade dos jornalistas. Esta multiplicação é o reflexo da grande
diversidade de situações culturais, legais, comerciais e políticas às quais as práticas
comunicacionais internacionais devem adaptar-se. A coexistência de normas de alcance
limitado à empresa de comunicação, à nação ou a uma região, alimenta uma
indeterminação jurídica.

• A motivação para a elaboração do texto deontológico está ligada à questão da identidade


profissional dos jornalistas e da sua fragilidade. Seguindo a tradição francesa, em
Portugal, o código deontológico é como uma etapa da luta sindical, visando proteger o
jornalista frente aos seus empregadores.

• Os códigos deontológicos formulam as regras da profissão (bom jornalismo) e protegem


a reputação dos jornalistas. Os deveres do jornalista respondem ao direito do público à
informação verdadeira (democracia), que dependem do direito dos jornalistas à liberdade
de expressão. Os códigos deontológicos definem assim os princípios essenciais à
credibilidade e identidade da profissão.

O fundamento das normas:


1. Uma responsabilidade particular ligada ao setor de atividade:
Para justificar a necessidade de autorregulação, os textos designam as condições de
produção da informação (multiplicação e volume crescente das fontes de informação), a
hierarquia da produção jornalística (médias dominantes), a missão de comunicação (médias
de serviço público).

2. Valores democráticos – liberdade de expressão e direito à informação:


A maioria dos textos faz referência, diretamente ou indiretamente, aos grandes princípios
democráticos e sublinham o valor essencial da imprensa como uma condição indispensável
ao exercício da democracia. A liberdade e a qualidade da imprensa são apresentadas como
condições de uma democracia pluralista.

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Reflexão crítica:
→ Os valores democráticos parecem desencarnados. A afirmação do conceito de
democracia e a sua articulação à figura do público configuram uma retórica jornalística
que reduz a liberdade coletiva de expressão a uma conceção comparativa.
→ O direito à informação não é sinónimo de “direito de saber tudo”, como argumenta
retoricamente a imprensa sensacionalista. O direito à informação significa que o Estado
tem por obrigação assegurar o exercício da profissão em termos logísticos.

Campo de aplicação: sobre quem as normas se aplicam?


1- Definição restritiva
“O jornalista tem o dever de...” (Código britânico)
“Um jornalista digno deste nome” (Código francês)

2- Definição extensiva limitada


Designação genérica de uma associação profissional, de categorias profissionais ou do
conjunto de profissionais (jornalistas, redatores chefes, editores.)

3- Definição aberta
Designação geral que se apoia sobre o princípio de liberdade de expressão coletiva e deduz
que ninguém escapa à norma deontológica.

O aumento do campo de aplicação da norma responde às transformações das práticas


informacionais sob influência das novas tecnologias.

Modalidades de aplicação – como é que o exercício da norma é controlado, por que


instâncias e em virtude de que princípios?
• Modelo dominante – os textos pressupõem implicitamente a aplicação voluntária das
normas (princípio de autorregulação)
• Modelo específico – os textos mencionam instâncias encarregadas de aplicar as normas
no seio dos media ou das associações profissionais, eles designam os “colegas” como
responsáveis pelo controlo.

Princípio de subsidiariedade:
→ Responsabilidade da regulação recai sobre o nível de poder mais próximo do
cidadão (redações, associações ou sindicatos de jornalistas) antes de recorrer ao
nível mais elevado (Justiça).
→ Lógica de eficiência e de proximidade
→ A deontologia pode ter valor jurídico quando o código deontológico faz parte do
contrato de trabalho do jornalista.

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A autorregulação deve articular-se à hétero-regulação:


→ Aparelho de regulação e autorregulação:
Ø Autorregulação – os códigos deontológicos são elaborados pelos próprios
jornalistas (sindicatos, associações, conselhos de imprensa).
Ø Hétero-regulação – os códigos deontológicos são elaborados por órgãos
externos nacionais ou internacionais. A hétero-regulação garante uma justiça
distributiva para além do arbítrio jornalístico.

2.2. História dos códigos deontológicos


Origem: Mudanças sociais (demográficas, concentração urbana, industrialização) e na
imprensa escrita no virar dos século XIX-XX (técnicas industriais de impressão, difusão massiva
da informação). Os jornalistas, elite da sociedade, formam as primeiras associações profissionais
e o jornalismo torna-se uma profissão.

Razões: A fragilidade e ambiguidade do estatuto do jornalista (profissional liberal submetido


a lógicas empresariais) torna-os vulneráveis. As reflexões sobre “as condições para um exercício
correto da prática e da profissão” contribuem para definir uma identidade jornalística.

Neste contexto, emergem os primeiros códigos deontológicos e órgãos de regulação.


Com o passar do tempo, os códigos deontológicos são revistados para se adaptarem aos novos
média (radiofónicos, televisivos, digitais) e o modelo da autorregulação consolida-se.

O Modelo Americano
No virar do século, surgem os códigos deontológicos que buscam responder às críticas
contra a imprensa: subordinação ao poder financeiro, influência dos anunciantes sobre as
políticas editoriais, reportagens sensacionalistas, ofensa à moral pública e à vida privada.

As empresas de comunicação dotam-se de Códigos de Honra adaptados às suas


necessidades. O objetivo da deontologia americana é de conciliar as regras deontológicas
com uma prática “realista” a fim de maximizar os benefícios da atividade de comunicação.

A única tentativa de criação de um órgão nacional de regulação externa ocorreu em 1972,


quando a Twentieth Century Fund (fundação sem fins lucrativos) cria o Conselho Nacional da
Imprensa. A iniciava provocou uma reação hostil da parte dos jornais, estações de rádio e
televisão que lançaram uma campanha contra a limitação da sua liberdade de expressão.

A multiplicação de códigos cria incerteza. Os sindicatos e associações de jornalistas


devem submeter-se a diferentes códigos deontológicos.

- Proliferação de códigos traduz uma visão puramente utilitarista da deontologia: entre o


“interesse público” (que justifica e legitima a informação mediática) e o “interesse do público”
(curiosidade), temos uma zona mal definida.
- Quanto mais a deontologia se particulariza, em função dos interesses específicos do público-
alvo e das orientações dos estudos de mercado, maior é o risco de que concessões éticas
sejam feitas aos imperativos económicos.

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Em 1967, a imprensa americana cria o “ombudsman” que serve de intermediário entre o


público e a redação, conciliando os pontos de vista e defendendo os interesses do leitor. O New
York Times foi o primeiro jornal a criar uma coluna regular para tratar dos problemas
deontológicos. Em 2007, mais da metade dos jornais americanos fazem-no.

O Modelo Europeu
Os primeiros códigos e Conselhos da imprensa aparecem no início do século XX. Os
países escandinavos foram pioneiros: Noruega em 1912 (Conselho de imprensa), Finlândia
em 1919 (lei sobre a liberdade da imprensa e Tribunal de honra). Em seguida, a França cria em
1918 um “Código do jornalista”.

Em Portugal, o primeiro “Código deontológico do jornalista” é aprovado em 1973.

Em Inglaterra, o primeiro “Código de conduta” é elaborado nos anos 30, pelo Sindicato
nacional de jornalistas para reivindicar melhores condições de trabalho. Depois da II Guerra
Mundial, a história da imprensa popular britânica (tabloides) é marcada pelas inúmeras
intervenções do Estado e das Comissões reais de investigação sobre a imprensa (ofensas à vida
privada e à moralidade pública). A partir dos anos 60, as regras de conduta profissionais estão
no centro das revindicações sindicais.

Na Alemanha, país federalista, a tendência da busca de acordos no seio das empresas


jornalísticas primou sobre a regulação nacional (O Presserat) inspirado do modelo britânico.

Aparelhos de regulação Supranacionais

• Europa
Em 1954, a Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), com sede em Bruxelas, promulga a
“Declaração dos deveres dos jornalistas” (“Declaração de Bordeaux”).
A partir dos anos 60, a Organização Internacional dos Jornalistas (OIJ), com sede em Praga,
reúne os representantes sindicais de diversos países europeus e elabora, em 1971, a
“Declaração do deveres e direitos dos jornalistas”.
O Sindicato do Jornalista Português associa-se à FIJ em 1979 e à OIJ, em 1980.
A partir de 1989, a FIJ une-se à OIJ e defende a “Declaração europeia de Munique”.

• EUA
Associação interamericana de imprensa (IAPA) adota em 1950 o “Código de ética jornalística”.

• América Latina
Federação latino-americana dos jornalistas (FELAP) adota em 1976 a “Declaração de princípios
do jornalista”.

• ONU
Entre 1950-1952, doze especialistas designados pela ONU elaboram o “Código de honra
internacional dos trabalhadores da imprensa e da informação”.
O código é submetido a centenas de organizações profissionais que, na sua maioria, aprovam o
código e determinam que cabe aos próprios jornalistas controlar a aplicação das regras.

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• A UNESCO e o “NOMIC”
A UNESCO funcionou como o principal órgão de criação de uma deontologia jornalística a nível
mundial, não sem resistências.
Em 1980, uma comissão presidida por Sean MacBride publica o relatório “Nova Ordem da
Informação no Mundo” (NOMIC) cujo objetivo é oferecer um horizonte ético à produção da
informação mundial.
A NOMIC representa até hoje a maior e mais ambiciosa formulação de uma deontologia da
comunicação internacional. O relatório oferece um fundamento internacional comum e uma
fonte de inspiração para os códigos deontológicos nacionais e regionais.

Resultados do NOMIC
• Diferença de meios financeiros, técnicos e humanos entre os países industriais e em
desenvolvimento. EUA, a França e a Grã-Bretanha possuem redes de comunicação
(agências de imprensa) que coletam e transmitem por satélites e detêm uma posição
dominante mundial (capacidades técnicas e profissionais). Tais redes respondem à opinião
pública dos seus países e controlam o mercado da informação a nível planetário.

• A orientação do relatório é traduzida como uma “Declaração de princípios fundamentais


concernindo a contribuição dos órgãos de informação ao reforço da paz e da compreensão
internacional, à promoção dos direitos do homem e à luta contra o racismo, o apartheid e a
incitação à guerra”. O relatório substitui a conceção processual da informação (liberdade
de expressão, busca da verdade) uma conceção deontológica politicamente orientada
(distribuição da produção da informação).

• Num contexto de Guerra Fria, a receção do relatório NOMIC é extremamente crítica. O


relatório é visto como uma tentativa de canalizar a livre circulação de informações,
incompatíveis com os princípios liberais da comunicação.

• No contexto pós-Guerra Fria, a UNESCO adota um novo texto “Nova estratégia da


comunicação”. A Declaração da Unesco mantém necessidade de reforçar a capacidade de
comunicação nos países em desenvolvimento, mas retorna ao princípio liberal da circulação
da informação: “a questão da deontologia da comunicação deve ser controlada por seus
profissionais e não pelos poderes públicos, sejam eles nacionais ou internacionais”.

Europa
Em 1993, inspirados pela “Declaração da Unesco”, a Assembleia Parlamentar do Conselho
da Europa adota uma resolução relativa à ética do jornalismo.
• O texto preconiza um mecanismo de autocontrolo da informação sob a autoridade de um
ombudsman europeu dos média e propõe uma declaração de princípios sobre a ética do
jornalismo que busca reforçar os direitos do público frente aos interesses empresariais no
comércio da informação.
• O texto é rejeitado pelos sindicatos e associações de jornalistas, que sublinham o risco de os
poderes públicos limitarem a liberdade dos média.
• O Conselho aprova, no entanto, medidas encorajando o uso crítico dos média pelo público,
a educação aos média nos programas escolares e a formação de associações de usuários
independentes.

Historicamente, no Ocidente, todas as tentativas de regulação deontológica por parte


das organizações supranacionais fracassaram. A responsabilidade foi sempre devolvida
às organizações profissionais. O debate continua aberto.

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3. Deontologia no Jornalismo

Articulações entre direitos e deveres, jornalista e público:


-Para assumir suas responsabilidades frente ao publico (Deveres), o jornalista deve beneficiar de
certas condições (Direitos);
-Direitos dos jornalistas x Direitos que os jornalistas reconhecem ao público (Deveres).

Os Direitos dos Médias


• Quantitativamente, os textos definem poucos direitos. Alguns são definidos dos
fundamentos da norma, outros dos deveres.
• Os direitos sãos mais abstratos e, portanto, menos codificáveis.
• Abordagem sindical da deontologia: os direitos antes dos deveres (relação condicional).
• Os direitos dos jornalistas oscilam entre a profissão de fé (“Nós, jornalistas,
reivindicamos”) e os deveres impostos a terceiros (proprietários dos média, poderes
públicos).

1. Direito de livre acesso às fontes – Código do SJ portugueses; Código de Munique (Limites


legais do papel de “cão de guarda da democracia”: direitos individuais (respeito à
privacidade) e públicos (segredos de Estado)).

§ Nos EUA, a cultura de acesso às fontes é mais transparente do que na Europa. O Freedom of
Information Act, é conhecido por obrigar as agências federais a transmitir documentos oficiais a
todo o cidadão americano ou estrangeiro, salvo algumas exceções: razões de segurança
nacional, de segredo de defesa, de política estrangeira, de segredo de fabricação, respeito de
segredo médico e da vida privada.
§ Na Europa, a tendência é de reconhecer a transparência de toda a informação importante à
democracia. No entanto, o financiamento dos partidos e das convenções entre poderes
públicos e privados dos partidos e das convenções entre poderes públicos e privados são
questões delicadas e de difícil acesso público.

2. Direito de recusa à subordinação contrária à linha editorial da redação


§ Código de Munique:
“Esta linha deve obrigatoriamente ser comunicada por escrito antes do seu engajamento definitivo,
ela não é modificável nem revocável unilateralmente sob pena de rutura de contrato. (...) O
jornalista aceita, em matéria profissional, apenas a jurisdição dos seus pares, excluindo toda
ingerência governamental ou outra”

Distinção entre pressões externas e internas (teoria vs. prática): concentração,


verticalização, internacionalização da produção mediática. Convergência de interesses/poderes
políticos, industriais e mediáticos.)

3. Direito à consciência
§ Código de Munique:
“O jornalista não pode ser obrigado a cumprir um ato profissional ou a expressar uma opinião
contrária à sua convicção ou à sua consciência. (…) Ele não pode ser prejudicado por se
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recusar a tal. (…) No caso excecional do recurso a métodos desleais de busca de informação,
o jornalista tem o direito de fazer objeção. (…) O jornalista pode recorrer à cláusula da
consciência em caso de mudança notória no caráter ou orientação do jornal, suscetível de
causar danos à sua honra, à sua reputação ou aos seus interesses morais”.

Esta cláusula de consciência permite ao jornalista ‘de licenciar do seu trabalho’ sem aviso
prévio, conservando todas as indemnizações.

4. Direito a ser informado sobre toda a decisão que afeta o exercício da profissão no seio
da empresa
Código do Conselho da Europa (1993-2008) (Direito baseado na noção de “capital moral e
intelectual”: seguindo a abordagem sindical, os jornalistas são “representantes do público” e
detêm este capital simbólico, enquanto os proprietários detêm o capital económico.)

§ As sociedades de redatores: participação financeira e poder de decisão.


-Modalidades de ação: avisos, moções, greves, direito de veto, limites à lógica publicitária e
comercial. Publicação crítica, parte da missão política do jornalista, gera efeitos.
§ “Ajudas à imprensa” – intervenção do poder público como solução?
-Subsídios em troca de condições
-Modéstia dos subsídios comparada à realidade financeira das empresas

5. Condições de emprego que garantem a independência e a segurança do jornalista:

§ Princípio de base: para produzir uma informação socialmente e politicamente responsável, o


jornalista deve poder consagrar-se plenamente ao seu trabalho para não recorrer a outras
fontes de renda e ser pago suficientemente para não se submeter à corrupção.
§ Concelho da Europa acrescenta “meios e instrumentos de trabalho apropriados”.

Realidade paradoxa: direito ligado ao reconhecimento do papel social particular X setor com
alta precariedade e exploração do trabalho (freelancer, tarefeiro, independente, jovem
profissional).
Responsabilidade, poder do coletivo e solidariedade profissional.

Os Deveres dos Médias


• Os deveres articulam-se em torno de três grandes valores: busca e publicação da
verdade, lealdade com o público e respeito pelas pessoas.
• Abordagem da ética aplicada: princípios deontológicos concebidos como articulação
entre grandes valores e “regras de moral prática”. Recusa da conceção puramente
metodológica dos deveres do jornalista.

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1. Dever de reconhecimento da primazia dos direitos do público:

Direito oriundo do contrato social;


Este dever encontra-se articulado ao direito de defesa da independência e da dignidade
da profissão, sendo constantemente instrumentalizado com fins económicos, comerciais
ou políticos.

2. Dever da busca da verdade:


Declaração de Munique:
“Respeitar e buscar a verdade, em razão do direito que o público tem de conhecê-la, quaisquer
que sejam as consequências para este.”

Código de conduta britânico e a noção de accuracy:


“A publicação de qualquer informação ou imagem, enganadora ou distorcida deve ser
reconhecida e corrigida, sem demora e com a publicação de desculpas”

→ A dúvida como método


→ Validar uma informação
→ O segredo das fontes
→ Embargo (informação libertada antecipadamente por uma fonte sob a condição de que ela
não seja publicada antes de uma determinada data/hora)
→ Segredo de defesa ou de Estado
→ As regras da conversação (as regras off the record, backgroud, revisão, devem ser
estabelecidas antes da entrevista e respeitá-las é um sinal de lealdade jornalística)
→ Métodos desleais de busca da verdade

3. Dever de Publicar a Verdade:


Este dever rege-se pela imparcialidade e pela alteração de informação. A imparcialidade
relaciona-se com o facto de o jornalista ter de distinguir os textos de informação e as análises de
opinião e entre a publicidade e a informação. Além disso, o jornalista deve alimentar o debate
público e expor opiniões. Já a alteração de informação rege-se pela manipulação de imagens ou
sons deve ser indicada na legenda da foto e as montagens e reconstituições devem ser
assinaladas.

4. Dever de Respeitar o Direito das Pessoas:


Os jornalistas devem respeitar os direitos das pessoas implicadas nas reportagens, devem
se conformar-se às normas comuns de decência e devem ser responsáveis pela honestidade e
exatidão dos fatos relatados. Deve-se evitar todo estereótipo de classe, raça, sexo, género,
idade, religião, etnia, deficiência, aparência física ou classe social.

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5. Dever de Contar com Desinteresse e Modéstia:


→ Dois ângulos de análise:
-Regras deontológicas – contrato de leitura supõe que o jornalista que observa e
interpreta os factos segundo uma posição integra e desinteressada.
-Postura ética da narração – debate sobre a neutralidade, imparcialidade e
objetividade. Espera-se do jornalista que ele ofereça ao leitor um espaço crítico de interpretação
e análise da informação.

→ Problemas de integridade profissional:


Ø Conflitos de interesse: nomeações e acumulo de funções.
Ø Publicidade e “publiredacional”: tensões entre publicitários e redatores.
Ø Jornalismo financeiro (interesses externos) e turismo (presentes, viagens)
Ø Corrupção, ingerência do governo/administração pública
Ø Falta de confraternidade, plágio e exposição narcísica de si (prémios).

Os valores éticos da deontologia - Uma articulação entre direitos e deveres

1. Um valor de contrato social: delegação da liberdade de expressão, responsabilidade


social, defesa da democracia. Implica que os jornalistas possam exercer a
autorregulação (regras, instâncias, comunicação com o público, equilíbrio com os
poderes instituídos).

2. Um princípio fundador de busca da verdade: honestidade e transparência. Implica


condições de produção independente da informação de tipo organizacional (lógicas
comerciais, estatuto da redação, cláusula de consciência, distinção entre informação e
publicidade) ou de tipo filosófico (objetividade distante de abordagens funcionalistas ou
estratégicas; recusa da teoria liberal da liberdade de imprensa).

3. O respeito das pessoas como limite fundamental: respeito à sensibilidade do público,


à vida privada, à presunção de inocência, interdição de discriminações. Implica a
possibilidade de usar métodos leais de busca da informação.

(Ver exemplo aula 7 – caso IURD – TVI)

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4. Deontologia na Publicidade

A publicidade rege-se pelos princípios da licitude, identificabilidade, veracidade e respeito


pelos direitos do consumidor.

Princípios Deontológicos da Publicidade:

Artigo 7.º Princípio da licitude


• É proibida a publicidade que, pela sua forma, objeto ou fim, ofenda os valores, princípios e
instituições fundamentais constitucionalmente consagrados.
• É proibida, nomeadamente, a publicidade que:
→ Se socorra, instituições, símbolos nacionais ou religiosos ou personagens históricas;
→ Estimule ou faça apelo à violência, bem como a qualquer atividade ilegal ou criminosa;
→ o Atente contra a dignidade da pessoa humana;
→ o Contenha qualquer discriminação em relação à raça, língua, território de origem, religião
ou sexo;
→ o Utilize, sem autorização da própria, a imagem ou as palavras de alguma pessoa;
→ o Utilize linguagem obscena;
→ o Encoraje comportamentos prejudiciais à proteção do ambiente;

Artigo 8.º Princípio da identificabilidade


• A publicidade tem de ser inequivocamente identificada como tal, qualquer que seja o meio de
difusão utilizado.
• A publicidade efetuada na rádio e na televisão deve ser claramente separada da restante
programação, por sinais acústicos.

Artigo 9.º Publicidade oculta ou dissimulada


• É vedado o uso de imagens subliminares ou outros meios dissimuladores que explorem a
possibilidade de transmitir publicidade sem que os destinatários se apercebam da natureza
publicitária da mensagem.
• Na transmissão televisiva ou fotográfica de quaisquer acontecimentos ou situações, reais ou
simulados, é proibida a focagem direta e exclusiva da publicidade aí existente.
• Considera-se publicidade subliminar, para os efeitos do presente diploma, a publicidade que,
mediante o recurso a qualquer técnica, possa provocar no destinatário perceções sensoriais de
que ele não chegue a tomar consciência.

Artigo 10.º Princípio da veracidade


• A publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos.
• As afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades e condições de
aquisição dos bens ou serviços publicitados devem ser exatas e passíveis de prova, a todo o
momento, perante as instâncias competentes.

Artigo 11.º Publicidade enganosa


• É proibida toda a publicidade que, por qualquer forma, incluindo a sua apresentação, e devido
ao seu caráter enganador, induza ou seja suscetível de induzir em erro os seus destinatários ou
possa prejudicar um concorrente.

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Artigo 12.º Princípio do respeito pelos direitos do consumidor


• A publicidade não deve atentar contra os direitos do consumidor.

Artigo 13.º Saúde e segurança do consumidor


• É proibida a publicidade que encoraje comportamentos prejudiciais à saúde e segurança do
consumidor, nomeadamente por deficiente informação acerca da perigosidade do produto ou da
especial suscetibilidade da verificação de acidentes em resultado da utilização que lhe é própria.
• A publicidade não deve comportar qualquer apresentação visual ou descrição de situações
onde a segurança não seja respeitada, salvo justificação de ordem pedagógica.
• O disposto nos números anteriores deve ser particularmente acautelado no caso da publicidade
especialmente dirigida a crianças, adolescentes, idosos ou deficientes.

Ética e Regulação na Publicidade: o ponto de vista dos publicitários

Como os publicitários percecionam e incorporam a ética e a regulação da


publicidade?
Perceções da regulação:
• Acusação permanente. Atividade muito regulada.
• Regulação informal existe e não é necessariamente menos eficaz.
• A regulação deve ser uma responsabilidade partilhada entre publicitários, anunciantes e
consumidores.
• A regulação não é uma preocupação prioritária que condiciona a prática, sendo apenas
convocada na fase de avaliação.
• O conhecimento da regulação advém da aprendizagem prática, não da formação de
base. Boas práticas tornam-se uma referência de conduta (pragmática e normativa).

Conflitos éticos:
• Pergunta tabu/sensível, mas de grande importante.
• O sistema mediático como justificativa: publicitário e agência são os porta-vozes da
marca, não havendo espaço para expressão individual.
• Reconhecimento de uma ética profissional, sobretudo no que concerne os valores
defendidos no âmbito ideológico, dos desportos ou de causas sociais (direito à
consciência).

Será a ética suficientemente valorizada para se sobrepor aos interesses político-


económicos, à pressão dos pares e à precariedade laboral? Apenas um entrevistado consentiu.

Evolução do Discurso Publicitário

Três grandes géneros de discurso:


1. Mensagem centrada sobre o produto, valores de uso e necessidades do consumidor.
2. Mensagens incarnam desejos e comportamentos.
3. Primazia do discurso de marca (cunho ideológico).

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1. Universo do produto
→ O produto é o pivô da interação, funciona como a interface entre as necessidades do
consumidor e as proposições de anunciante (benefícios do progresso, do viver-bem e do
conforto).
→ Contrato de comunicação explícito: descrição dos atributos do produto, narrador
impessoal, consumidor sem identidade/universo/destino pessoal.

2. Os avatares do consumidor
→ A partir dos anos 80 (desenvolvimento da sociedade de consumo, a multiplicação dos
suportes mediáticos), a figura “trabalhador-consumidor” torna-se “espectador-interprete”
→ Contrato de comunicação implícito: anunciante torna-se narrador de vidas gerando
identificação/projeção no público.
→ Consumidor moderno da performance publicitária: escolhas de vida, livre arbítrio, direito
de palavra (narcisismo)
→ Rigidez das relações sociais, qualificação de papéis e assinação de posições pré-
estabelecidas. Discursos humorísticos jogando com os estereótipos. Fenómeno do
double blind que relativiza, mas reafirmam a norma.

3. O ethos da marca
→ A partir dos anos 90, emerge o discurso de marca.
→ As narrativas de vida diversas são substituídas por um discurso unívoco (marca-
anunciante) que reivindica o direito de palavra.
→ Discurso publicitário propõe adesão a valores/atitudes éticas que a marca-empresa
supostamente incarna.
→ Convoca opiniões gerais (diversidade sociocultural, tolerância, ecologia...) para legitimar
os valores marca.
→ Espera-se que o ethos da marca convença o público. Ética situada no centro do contrato
de comunicação.

5. Deontologia em Ambiente Digital

A história do jornalismo sempre esteve ligada aos avanços tecnológicos. Hoje a internet
superou, em termos de recorrência, os jornais, a rádio e a televisão.

Evolução de uma comunicação de massa par um modelo de comunicação de rede


Evolução de um modelo de “um para muitos” para um conceito de “muitos para muitos”
(Zamith, 2008)

Assim com o aparecimento da Web3.0 algumas plataformas passam a ser as


principais concorrentes de canais muito conhecidos o que coloca novos desafios aos
jornalistas e aos Órgãos de Comunicação Social (OCS)

Comunicação de redeà Um para muitos


Web 3.0 à Muitos para muitos
Jornalismo participativoà web 2.0
Jornalismo cidadão

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Ética e Deontologia da Comunicação
Manuel Monteiro | 2ºSemestre 2019/2020

Brand name= agenda de contactos (antigamente)


Hoje pelos seus trabalhos

Em 1995 ó 16 milhões de internautas


Hoje, o facebook tem 1,23 de usuários

Novas práticas e consumos informativos:


• Comunicação bidirecional: ferramentas para publicação, discussão, partilha, transmissão
em direto, universos virtuais, jogos sociais ex: fortnite
• Jornalismo online: imediatismo, interatividade, colaboração, personalização,
armazenamento ilimitado, informação constantemente atualizada e de alcance global
(glocalidade).
• Mediamorfose: novas linguagens(hiperligação), fusão da comunicação pessoal e em
massa, emissores, editores e audiência interagem sob uma matriz em rede

Novos papéis na comunicação:


• Público “produsage” à Ativo na Web e noutras plataformas como blogues, redes sociais,
comunidades virtuais, entre outras, permitindo a mobilização de públicos e, por isso, de
pontos de vista e debates distintos. Consequência desta crescente atividade do público,
começa a surgir o questionamento do jornalismo tradicional;
• Jornalista perdeu monopólio da produção da informação, graças à facilidade para recolher
e distribuir informação, à aproximação do público em relação às fontes.

O jornalismo do cidadão-repórter
-Jornalismo participativo/colaborativo (os media incentivam o publico a participar)
-Jornalismo cidadão (publico utiliza ferramentas para se informarem em rede)

Com as transformações tecnológicas e sociais o cidadão comum assume o papel de


paparazzi e pública/vende fotos para as redações e agências da comunicação.

Jornalismo online do cidadão-repórter:


Princípios do jornalismo (credibilidade, veracidade, verificação, investigação) +
responsabilidade social+ consciência cívica.
-Vantagens: correção de erros divulgados, maior alcance da informação através da partilha
-Desvantagens: subjetivismo, fontes anónimas, pouca fiabilidade, nenhuma regulação
deontológica

Desta forma o jornalismo cidadão por vezes torna-se uma ameaça para o jornalismo,
pois não produzes noticias fiáveis, nem garantem compromisso ético.
Por outro lado, excesso de informação gera confusão cognitiva

A sua principal vantagem competitiva é de produzir informação diferenciada,


validada e com valor acrescentado.

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Ética e Deontologia da Comunicação
Manuel Monteiro | 2ºSemestre 2019/2020

Novo papel do jornalista


-verificação e credibilização das fontes
-rigor na busca da verdade e divulgar a verdade
-4 função ancora do jornalista: “selecionar, certificar, ordenar, hierarquizar a informação
(Balsemão, 2013)

A atualidade em tempo real:


-O jornalista-refém "A busca de audiência explica a cobertura espetacular.
-Os medias tradicionais competem com as redes sociais, onde os eventos circulam em tempo
real. "Os desafios são os mesmos para canais de notícias e redes sociais: velocidade do fluxo
(Twitter) e exposição à privacidade (Facebook).
-Os jornalistas usam os retratos das vítimas no Facebook. "Cobertura espetacular com imagens
violentas (tiroteios, perseguições, sangue) e exibição de emoções (lágrimas de entes queridos,
angústia de transeuntes, luto) impedem a análise: o comentário e a emoção primam sobre a
informação e a reflexão.

A Deontologia da Foto/ vídeo-jornalismo

→ As guerras e catástrofes são momentos decisivos do fotojornalismo. Tais eventos


testam os valores mais fundamentais da profissão e colocam questões éticas.
→ As fotos determinam a maneira pela qual as guerras e catástrofes são vistas,
imaginadas e julgadas. Elas bloqueiam ou sustentam as propagandas oficiais.
→ Para os jornalistas, são também momentos de prova, que o confrontam com a emoção,
o risco, a morte, a moral. Os repórteres percorrem um caminho minado por desafios
tecnológicos, políticos, económicos e éticos.

Problemática do estudo de caso:


Tsunami 2004 e Abou Ghraib marcam uma mudança paradigmática, com fotos/vídeos de
anónimos circulando na esfera mediática clássica.
→ Numa sociedade habituada às manipulações mediáticas (regimes fascistas, guerras
americanas), a estética suja e o anonimato das fotos de amador constroem seu grau de
autenticidade. Hoje a estética amadora é copiada pelos média tradicionais. (F. Lambert
2005)
→ Espera-se das fotos de amadores que elas escapem à censura política, aos imperativos
económicos e à agenda comercial. Espera-se que elas emanem do terreno e ao invés
de construí-lo, inflá-lo. Espera-se que amador não produza comentários, ofereça
diferentes pontos de vista, enquanto que na média clássica impera a foto-ícone-símbolo
do evento.
→ Novo contrato de leitura: multiplicidade e anonimato de imagens; valorização o efeito de
real que substitui ideologia da objetividade.

Os jornalistas nas redes sociais:


O facebook e o twitter tornaram-se duas das plataformas mais utilizadas para partilhar
informação, criar contactos fazer partilhas, entre outros. O potencial é imenso para o jornalista,

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Ética e Deontologia da Comunicação
Manuel Monteiro | 2ºSemestre 2019/2020

mas o facto de a esfera privada ter passado a ser algo que é mostrado publicamente – tornando
visíveis e partilháveis experiências pessoais, crenças políticas e religiosas, estados de espírito,
emoções e preferências – expõe os jornalistas mais do que os protege no exercício da sua
função, tendo em conta o seu compromisso com valores como a isenção e imparcialidade.

Os posts que publicam, partilhas e likes que realizam, pedidos de amizade/seguidores que
aceitam ou realizam e até dos comentários que fazem – poderão constituir ameaças à ética e ao
Código Deontológico que rege a profissão.

Nas redes sociais os jornalistas não são meros utilizadores comuns. Um dos principais
fatores diferenciadores entre o jornalista profissional e o cidadão – repórter é o compromisso que
o primeiro tem com valores como a veracidade, rigor, isenção e imparcialidade. Na essência, o
código ético e deontológico que enquadra a sua atividade.

• Conclusões:
→ Atuação online dos jornalistas portugueses constitui um risco para o cumprimento
da ética e deontologia da profissão: emissão de opiniões/comentários e
dúbia separação entre as esferas profissionais e pessoais.
→ Principal preocupação do OCS: impacto que a atividade online dos jornalistas
pode gerar na sua reputação e credibilidade.
→ Face à emergência do cidadão – repórter ativo nas redes sociais, jornalistas e
OCS fazem da bandeira da deontologia o grande trunfo na distinção entre a
informação amadora e o trabalho profissional das redações. Uma distinção
na qual poderá estar sustentado o futuro do jornalismo profissional.

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