Você está na página 1de 29

SISTEMA FINANCEIRO

INTERNACIONAL
ZONAS MONETÁRIAS E
PROPOSTAS PARA O
FUTURO DO FUNDO
MONETÁRIO
INTERNACIONAL
Autor: Dr. Mateus Ramalho Ribeiro da Fonseca
Revisor: Claudia Katherine

INICIAR

introdução
Introdução
O euro foi uma moeda criada como forma de integrar regionalmente os países centrais e
periféricos da Europa, com o objetivo específico de eles terem uma moeda que poderia
fazer frente ao dólar como moeda de conversão internacional. Porém, com a crise
financeira de 2008, houve a exacerbação de dois fatos que até então eram intocáveis: a
fragilidade do euro e da arquitetura da União Europeia e a necessidade de uma ampla
reforma da arquitetura do sistema monetário internacional, em especial o Fundo
Monetário Internacional (FMI). Por meio de uma ampla reforma do sistema financeiro e
monetário internacional, os efeitos sentidos pela crise de 2008 poderiam ser debelados de
maneira mais eficiente.
Áreas de Moeda Ideal e
o Euro

A União Europeia nasce do esforço coletivo de alguns países europeus que terminaram a
Segunda Guerra Mundial completamente arrasados. Eles observam que, para trazer
estabilidade ao continente europeu, será necessária uma cooperação mútua nunca antes
vista na história da humanidade. A União Europeia surgiu em 1957 pela união desses
países na Fundação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, representada por
Alemanha, Itália, França, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo. Com esses seis países
nasce o embrião para a formação da União Europeia e também da moeda única chamada
“euro”.

O Euro e a Política Econômica


A princípio, a União Europeia não tinha o objetivo de criar dentro do seu Bloco uma
moeda única que representasse uma cooperação supranacional em torno dessa moeda.
Até a extinção do sistema de Bretton Woods em 1973, os países-membros do embrião da
União Europeia mantinham suas moedas flutuantes perante o dólar, mas trabalhavam de
uma maneira progressiva para redução dessas flutuações.

Esse esforço nasceu no fim da Segunda Guerra Mundial, como forma de evitar que uma
nova guerra bélica na Europa tivesse início a partir de uma guerra cambial. Assim, os
países europeus, por meio da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Ceca) e da
Comunidade Econômica Europeia formada em 1957 por seis países, tinham o objetivo
principal de manter as taxas de câmbio estabilizadas entre as moedas europeias, a fim de
não gerar instabilidades econômicas e políticas, além de tentar buscar uma forma de
combater a supremacia do dólar como moeda de conversão internacional. A única saída
para tal pretensão seria a estabilização artificial (feita pelos países europeus membros) de
suas taxas de câmbio. Esse esforço é o que coincide com o surgimento da moeda euro em
1999.

A busca por uma coordenação das políticas monetárias que arquitetem a moeda euro
nasce de dois motivos principais:

1. Retomar a Europa como protagonista no sistema monetário internacional :


com o colapso do sistema de Bretton Woods, o dólar se tornou a moeda de
conversão internacional; os países da União Europeia, com a intenção de
defender seus interesses econômicos, objetivaram a criação de uma moeda com
as mesmas características que o dólar tem nos dias de hoje.
2. Unificar o mercado europeu em um único grande mercado econômico e
financeiro . Esse objetivo de tornar a União Europeia um grande mercado
precisaria de um esforço dos países na redução de suas barreiras alfandegárias e
institucionais, além de integrar cada vez mais seu cidadão e suas forças político-
econômicas para o progresso do bloco econômico.

Para que essa integração atingisse seu objetivo, o grande entrave residia no fato de que
todas as relações comerciais entre os países do bloco se dariam em suas moedas
nacionais, o que poderia acarretar interesses nacionais em detrimento de interesses do
bloco. Isso quer dizer que, se não houvesse uma unificação monetária entre os países da
Europa, haveria sempre o risco de utilizar a taxa de câmbio como uma forma de proteção
de economia doméstica, com impactos prejudiciais aos países vizinhos "amigos". O
primeiro grande passo para uma unificação monetária no continente europeu foi o
sistema monetário europeu (SME), caracterizado por uma cooperação informal, na qual se
mantinha determinada paridade das taxas de câmbio dos seguintes países: França,
Alemanha, Itália, Bélgica, Dinamarca, Irlanda, Luxemburgo e Países Baixos.

Para que tudo desse certo, entre os anos de 1979 e 1987 ocorreram diversos
realinhamentos monetários entre as taxas de câmbio dos países-membros. Também
houve um forte controle de capitais nesse período. No entanto, a partir de 1987 houve
uma progressiva redução dos controles de capitais dos países-membros, fazendo com que
eles se tornassem mais expostos a ataques especulativos oriundos do mercado financeiro;
o efeito foi uma redução da vontade dos governos desses países de alterar as taxas de
câmbio. Esse movimento foi considerado um elemento-chave no plano de implantação de
um mercado unificado no continente europeu.
Em 1992, os países-membros da Comunidade Econômica Europeia assinaram o Tratado
de Maastricht, no qual se criava a União Europeia, e trataram de normatizar alguns
aspectos econômicos e sociais. O Tratado de Maastricht entrou em vigor em 1993 e se
baseou em três pilares: i) cooperação entre os países-membros nas áreas de agricultura,
saúde, educação, meio ambiente, desenvolvimento econômico e energia; ii) aspectos
ligados à segurança nacional dos países e à política externa do bloco, e não cada país
individualmente; e iii) aspectos institucionais ligados à cooperação policial e em relação a
determinada padronização das leis, em especial as de caráter penal.

Entre os aspectos econômicos a destacar estão a criação da moeda única — no caso, o


euro — e a possibilidade de livre mobilidade de fatores, como mão de obra e capitais
entre os países-membros. Por fim, o aspecto mais importante do tratado, atrás apenas da
criação da moeda euro, foi a constituição da cidadania europeia, que permitiu aos
cidadãos dos países-membros terem sua cidadania reconhecida.

A Teoria das Zonas de Moeda Ideal


Ao analisar a Teoria das Zonas Monetárias Ideais, tem-se como principal exemplo a União
Europeia. Ao comparar os benefícios econômicos entre países que detêm taxa de câmbio
flutuante e países que adotaram uma moeda única, percebe-se uma grande diferença.
Enquanto no primeiro caso há um complexo sistema de cálculos econômicos devido à
flutuação das taxas de câmbio para troca de bens, serviços e fatores entre os países, no
segundo há uma simplificação dos campos econômicos, uma vez que não há taxas de
câmbio flutuantes, e sim uma única moeda que padroniza todo o sistema de contagem
dos países pertencentes a esse bloco. Isso se deve ao fato de que, quanto mais integrado
economicamente um país é com relação aos seus vizinhos, inclusive no que se refere à
adoção de uma moeda, maiores serão os ganhos de eficiência monetária dos países.

Contudo, ao integrar economicamente um bloco, adotando a moeda desse bloco, o país


abandona sua capacidade de usar as políticas cambial e monetária, fazendo com que haja
uma perda de estabilidade econômica. Isso mostra que os países, ao adotarem uma
moeda única, enfrentam um trade-off entre ter ganhos econômicos na adoção de uma
moeda única e perder autonomia de suas principais políticas macroeconômicas
(monetária e cambial).

Haveria assim um mix entre integração monetária e perda de autonomia de política


macroeconômica, o que seria representado por uma área de moeda ideal. Essas áreas de
moeda ideal são "grupos de regiões com economias intimamente ligadas pelo comércio de
bens e serviços e pela mobilidade dos fatores de produção" (KRUGMAN et al., 2015, p.
508).
As áreas de moeda ideal também devem levar em consideração alguns aspectos, como,
por exemplo, a similaridade da estrutura econômica entre os países do bloco, ou que
querem fazer parte do bloco, e o federalismo fiscal, que faz com que os países tenham um
arcabouço institucional próprio quanto à adoção de suas políticas fiscais independentes,
mas atrelado aos objetivos do bloco econômico. Por último, a união bancária (na
condução do euro, por exemplo) permitiu uma maior integração do sistema financeiro e
bancário entre os países-membros, tornando as transações financeiras mais fáceis e livres
de qualquer regulação.

No caso europeu, a moeda única se deu por meio da criação do Banco Central Europeu
(BCE) em 1998, pelo Tratado de Lisboa, no qual ficou constituído o euro como moeda
oficialmente adotada por 11 países-membros a partir de 1999. Basicamente, o BCE é o
responsável pelo euro e tem a função de coordenar a política monetária entre os bancos
centrais de cada país, formando o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC). Entre as
principais funções do BCE estão emitir o euro e determinar a política monetária por meio
do SEBC, garantindo um sistema de pagamentos seguros, reservas compulsórias que
condizem com a condição de cada país e colaboração com as autoridades no que tange à
administração bancária.

O BCE é formado por uma comissão executiva, composta por presidente, vice-presidente e
mais quatro membros escolhidos pelo parlamento europeu para determinar as políticas
monetárias. Além da comissão executiva, o BCE é composto por um conselho formado
pelos membros da comissão executiva e pelos representantes dos bancos centrais de
cada país, tendo por objetivo fazer com que as políticas adotadas pela comissão executiva
cheguem ao SEBC, fazendo o sistema monetário do bloco funcionar de maneira
harmoniosa. Por fim, temos o conselho geral do BCE, que congrega tanta a comissão
executiva quanto os representantes de cada um dos BCs, além de outros membros do
bloco que não adotaram o euro. O objetivo é deliberar as políticas do conselho executivo
aplicando recomendações, sugestões e diretivas que melhorem o funcionamento do euro
para todos os países-membros e também para os países que o utilizam como moeda de
conversão.

praticar
Vamos Praticar
Leia o trecho a seguir.

“O euro foi adotado em janeiro de 1999, fixando todas as moedas participantes a partir daquele
ponto, com a intenção de que fosse usado como a única moeda dos países-membros a partir do
início de 2002. Foram estabelecidos critérios sob o Tratado de Maastricht, que deveriam ser
obedecidos pelos países que quisessem se unir ao euro”.

ARESTIS, P. et al . O euro e a UME: lições para o Mercosul. Economia e Sociedade , v. 12, n. 1, p. 3,


2002.

Sobre a Zona do Euro e as zonas monetárias ideais, assinale a alternativa correta.

a) A União Europeia buscou uma coordenação das políticas monetárias visando dois
objetivos básicos. O primeiro era o de retomar o protagonismo da Europa no mundo e, o
segundo, o de unificar o mercado europeu em um único grande mercado econômico e
financeiro.
b) A União Europeia nasce da necessidade de unificação dos países periféricos, em
especial Grécia, Itália, Espanha e Portugal, que tinham o objetivo de expandir as fronteiras
marítimas para o comércio com a Ásia e a África.
c) A União Europeia sofreu um grande golpe com a crise financeira global de 2008, o que a
forçou a abandonar o euro em favor dos países centrais, o que obrigou todos os
membros do bloco a emitirem suas moedas nacionais como forma de coordenação de
política monetária.
d) A União Europeia é um bloco econômico que ainda não implantou uma moeda única
de ampla circulação e conversão, uma vez que o euro é apenas uma moeda institucional,
utilizada pelos países para pagar suas obrigações financeiras com outros países do bloco.
e) O euro foi adotado em 1999 e implementado em 2002, mas apenas em 2008 foi
completamente adotado pelos países-membros do bloco econômico, circulando no dia a
dia dos cidadãos; até esse ano, as moedas nacionais circularam no cotidiano das pessoas.
O Euro no Pós-crise

Até o ano de 2008, ano da crise financeira internacional, pensava-se que o futuro do euro
estaria garantido. Contudo, após a crise financeira internacional, questiona-se se o euro
tem realmente todos os benefícios alegados na sua adoção e se pode ser considerado
uma moeda de conversão internacional com capacidade inclusive de ultrapassar o dólar
americano.

Nesta seção, veremos as deficiências estruturais da moda europeia, expondo seus limites
como moeda internacional.

Ao adotar o euro, a União Europeia tinha como objetivo ultrapassar o dólar e se consolidar
como uma moeda internacional. No entanto, o conceito de “internacionalização da
moeda” é ambíguo, pois envolve três dimensões: domínio, trajetória e escopo. O domínio
refere-se à extensão geográfica do uso dessa moeda: o euro poderia ser usado no mundo
inteiro, apenas em um número restrito de países ou somente na região do euro? Quanto à
trajetória, o foco residiria no caminho trilhado pelos países da União Europeia que
adotaram o euro e no aumento da utilização da moeda em escala global: o euro cresceria
e ultrapassaria o dólar como moeda internacional ou existiria algum limite para esse
crescimento? Por fim, o escopo refere-se às categorias de uso que o euro teria: o euro
poderia aumentar sua utilização e exercer todas as suas funções como moeda
internacional ou apenas algumas delas, mostrando fragilidades?

A primeira observação apontada por Cintra e Martins (2013) refere-se ao fato de que o
euro excedeu muito a sua capacidade no tocante ao seu alcance. No que tange ao
domínio, vê-se resultados distintos. Haveria um consenso de que a internacionalização do
euro está restrita aos países com características geográficas e institucionais com a Zona do
Euro — no caso, os países vizinhos à União Europeia e os membros mais novos do bloco,
como, por exemplo, Noruega e Suíça.

Haveria também uma zona de influência no litoral do Mediterrâneo e boa parte da África
Subsaariana evidenciando um estreito laço financeiro e comercial com essas áreas, mas
restringindo-se a elas, evidenciando o euro como moeda de caráter regional, e não
internacional. Já no quesito trajetória, o Banco Central Europeu observou que, apesar de
sua expansão após a adoção da moeda, houve uma desaceleração notável e uma
estabilização nos anos seguintes, o que mostra certo limite da adoção do euro como
moeda internacional.

No tocante ao escopo, percebe-se que o uso do euro tem se comportado de maneira


desigual em suas categorias funcionais. O euro se mostra crescente no que se refere à
emissão de títulos de dívida, especialmente no mercado financeiro da União Europeia,
além de apresentar crescimento também na participação da UE em transações comerciais
e nas reservas monetárias de bancos centrais. Entretanto, o euro não se mostra expansivo
no mercado de câmbio comercial bancário, evidenciando uma fraqueza perante o dólar.

Deficiências Estruturais
Em termos de deficiências estruturais, a moeda europeia apresenta algumas
características e deficiências críticas, principalmente quando se compara com seu rival, o
dólar, como moeda de conversão internacional. O primeiro ponto a ser tratado refere-se
aos custos de transação. Os custos de transação estão associados ao custo de fazer
transações econômicas utilizando euro. Esses custos de transação afetam diretamente as
operações de investimentos internacionais e de câmbio, o qual era demasiadamente
elevado em relação ao dólar quando da sua implantação, evidenciando a hegemonia do
dólar em relação ao euro.

Uma das formas de aprimorar sua competitividade perante o dólar seria uma melhora na
eficiência estrutural dos mercados financeiros europeus, o que ocorre ao unir os
mercados nacionais que eram segmentados antes da adoção da moeda única. Entretanto,
mesmo com todos os esforços para reduzir os custos de transação, a vantagem do dólar
sobre o euro persiste, o que tem gerado um forte desestímulo na utilização do euro como
moeda de conversão internacional. Esse custo de transação se torna evidente ao
comparar títulos da dívida pública norte-americana com diversos títulos públicos emitidos
pelos países europeus. Enquanto nos primeiros há um sólido arcabouço institucional,
conferindo competitividade e liquidez aos títulos, nos segundos há uma fragmentação do
mercado de dívida pública, que não favorece o euro perante o dólar.
O segundo problema observado no euro é o viés de crescimento que tem integrado a
estrutura institucional do bloco europeu. Mesmo que tenham sido eliminados os riscos
cambiais dentro da União Europeia, houve grande mudança em termos de alocação de
recursos globais, principalmente nos nativos europeus. Entretanto, quando se observa os
objetivos macroeconômicos do Banco Central Europeu, percebe-se a ausência de uma
disposição por parte da autoridade monetária para fazer com que o bloco cresça
economicamente, dada a ausência das políticas monetária e cambial e tendo apenas a
política fiscal como política-chave. Isso quer dizer que o Banco Central Europeu não tem
nenhuma prioridade no aumento da produção do bloco, fazendo com que haja uma
aceleração do crescimento econômico. Em vez disso, a preocupação principal do Banco
Central Europeu é manter a inflação extremamente baixa e estável, adotando uma política
fiscal muito restritiva, que limita os déficits públicos a determinada porcentagem do
produto interno bruto.

O terceiro item está relacionado à estrutura de governança da União Europeia. O principal


obstáculo observado é saber quem de fato está no comando do bloco. Devido ao fato de o
euro ser uma moeda de vários países, não há a expressão de um poder soberano que
deixe claro quem de fato está com o poder econômico do bloco. Isso quer dizer que o
euro nada mais é que um acordo político entre os países europeus visando adotar uma
moeda comum. Essa questão fica especialmente latente no que diz respeito a quem
deveria ser o responsável, isto é, qual seria a autoridade máxima quando se trata da
prevenção e da gestão de crises econômico-financeiras. Essas questões de regulação e
gestão sempre ficarão a cargo das autoridades nacionais, não havendo um consenso ou a
formação de uma unidade formal central supranacional. Com relação à questão fiscal,
seria o mesmo problema: enquanto a política monetária foi consolidada em uma única
instituição, o Banco Central Europeu, a política fiscal não foi unificada, ficando a cargo de
cada estado-membro a gestão e o gerenciamento de seu endividamento público.

Crise e Reação
A crise financeira internacional de 2008 revelou-se um verdadeiro teste para o euro. A
autoridade monetária europeia, na figura do Banco Central Europeu, teve que adotar
diversas medidas visando mitigar os efeitos da crise. Dado o engessamento
macroeconômico, isto é, a inexistência das políticas monetária e cambial, restou ao Banco
Central Europeu injetar liquidez nos mercados da melhor maneira possível, e aguardar os
desdobramentos.

A grande questão em relação à crise financeira de 2008 na região do euro não foi um
ataque diretamente à moeda, mas em relação aos títulos públicos de cada país. Países
centrais mais confiáveis desfrutavam de posições de liquidez internacional mais
vantajosas do que países periféricos. Isso fez com que houvesse uma discrepância entre
os títulos públicos emitidos pelos países centrais e os títulos públicos emitidos pelos
países periféricos.

Podemos citar o exemplo do aumento do prêmio de risco para aceitar títulos da dívida
pública de países periféricos como Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha. Vivenciou-se,
portanto, um sério problema do ponto de vista do endividamento público dos países
europeus que adotam o euro como moeda única, principalmente os periféricos. A
percepção é de que, se houvesse uma unificação dos títulos públicos feita por uma
autoridade supranacional, criando-se um título público europeu, os impactos teriam sido
bem menores. O resultado foi uma elevação absurda da dívida pública dos países
periféricos, como aconteceu com a Grécia, que precisou de sucessivas ajudas financeiras
por parte da autoridade monetária europeia para se manter dentro da Zona do Euro.

Já em termos de reação, o bloco europeu, em vez de mostrar unidade e reformular seu


arcabouço institucional no tocante à política fiscal, resolveu permanecer, cada membro,
com uma postura de conservação de seus privilégios soberanos, evidenciando uma
ambiguidade na sua estrutura de governança. Houve tentativas de avanços, como a
criação de um fundo europeu para estabilização financeira, que seria utilizado no socorro
dos países periféricos em dificuldade financeira, mas, na verdade, esse fundo seria um
sistema de empréstimos que não garantiria a saúde fiscal do país em crise, e sim
aprofundaria o problema.

Por esses motivos, há muita incerteza quanto à capacidade do euro de se tornar uma
moeda hegemônica algum dia, haja vista a heterogeneidade dos países dentro do bloco
europeu. Alguns países mais periféricos, como Portugal, Espanha, Irlanda, Grécia e até
mesmo a Itália, passaram e ainda passam por problemas econômicos severos, como
aumento estrondoso do desemprego, elevação do endividamento público e crescimento
econômico baixo. Já os países centrais passaram pela crise relativamente bem, como é o
caso da França e da Alemanha, que foram afetadas, mas rapidamente se recuperaram e
voltaram a apresentar números econômicos mais positivos.

A crise financeira de 2008 evidenciou a diferença entre os países do bloco em relação às


reações econômicas perante crises e ao fato de como a estrutura produtiva importa para
superá-las. Os países mais centrais e mais industrializados conseguiram rapidamente se
recuperar, ao passo que os países periféricos, mais dependentes de uma estrutura
produtiva voltada à agricultura e a serviços menos essenciais, sofreram mais para se
recuperar e ainda sofrem os efeitos da crise, o que mostra que a Europa unificou-se
apenas nos benefícios e na moeda, e não como um continente desenvolvido
completamente.
praticar
Vamos Praticar
A crise global serviu como um teste que reprovou a estrutura de governança da União Europeia,
para desgosto dos entusiastas do euro. [...] O BCE fez o que podia para injetar liquidez no sistema
– mas, sob o Tratado de Maastricht, isso era tudo o que se podia fazer.

CINTRA, M. A. M.; MARTINS, A. R. A. As transformações no sistema monetário internacional .


Brasília: Ipea, 2013. p. 92. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_as_transformacoes_smi.pdf .
Acesso em: 5 jun. 2020.

Sobre os efeitos da crise financeira global de 2008 na Zona do Euro, assinale a alternativa correta.

a) O BCE atuou de maneira exagerada quando aconteceu a crise financeira global,


apreciando o euro em relação à moeda dos países-membros, ajudando-os a manter o
saldo em transações correntes positivas para quase todos os países-membros.
b) O BCE não atuou na crise financeira global, fazendo com que os seus países-membros
utilizassem políticas fiscais restritivas como forma de assegurar sua saúde orçamentária.
c) Diante da crise financeira de 2008, o BCE atuou de maneira conjunta com os Estados
Unidos da América, que fomentaram uma política de recompra de títulos públicos
americanos numa escala nunca vista, como forma de garantir a liquidez do euro nos
mercados regionais.
d) Dada a arquitetura do Tratado de Maastricht, o BCE atuou de forma tímida, uma vez
que as políticas monetária e cambial não poderiam ser utilizadas, posto que o euro tirava
essa autonomia dos países-membros, restando a política fiscal como saída óbvia para a
crise.
e) O BCE, diante da crise financeira de 2008, não atuou como deveria, obrigando alguns
países periféricos do bloco a abandonarem o euro e a voltarem a emitir suas próprias
moedas, como foi o caso da Grécia e da Itália.
Países em
Desenvolvimento

A primeira informação importante a notar ao analisar os países em desenvolvimento é a


pobreza, considerada um grande desafio econômico e político. Quando se tem
instabilidade política, falhas institucionais graves e políticas macroeconômicas
malconduzidas, observa-se o desencorajamento de investimentos e fluxos de capitais.
Segundo Krugman et al. (2015), haveria quatro categorias de países, considerando sua
renda per capita anual:

1. Países de renda baixa.


2. Países de renda média.
3. Países de renda média superior.
4. Países de renda alta.

A América Latina, em especial o Brasil, encontra-se classificada entre os países de renda


média. As disparidades de renda evidenciadas nessa classificação também mostram uma
diferença em indicadores de bem-estar. Por exemplo, países com alta renda per capita
apresentam expectativas de vida muito superiores (na casa dos 80 anos) quando
comparadas com países de renda baixa, que têm expectativas de vida na casa dos 50
anos. É importante observar se essa disparidade tem diminuído ao longo do tempo.

Quando se trata de analisar as interações macroeconômicas entre as economias de


mercado, aparece uma grande diferença entre os países industrializados e os países em
desenvolvimento: enquanto nos primeiros há elevado nível de renda, especialização da
mão de obra e alto volume de capital, nos segundos percebe-se problemas crônicos, como
falta de produtividade, ausência de capital e mão de obra pouco qualificada.
Dito isso, o objetivo desta seção é analisar os problemas macroeconômicos envolvendo os
países em desenvolvimento e suas repercussões no mundo industrializado.

Embora a integração financeira e a globalização tenham aumentado os fluxos de capitais


para investimentos entre os países industrializados e os países em desenvolvimento, não
se percebe o desenvolvimento desses últimos na mesma velocidade dos países
industrializados. Isso se deve em grande medida às disparidades na produtividade média
do trabalhador dos países em desenvolvimento, que cresceu muito menos que a dos
trabalhadores nos países industrializados, e também a uma elevada desigualdade dos
países em desenvolvimento: internamente, percebe-se uma grande disparidade de renda
entre os mais ricos e os mais pobres. A grande exceção de análise se evidencia nos países
do Leste Asiático, que cresceram a taxas vigorosas, mostrando alguma capacidade de
distribuir renda e de aumentar a produtividade de sua mão de obra, diminuindo o
distanciamento entre esses países e os países industrializados.

Características Estruturais
Os países em desenvolvimento apresentam características que, quando comparadas aos
países desenvolvidos, ainda se mostram muito distantes do desenvolvimento econômico
pleno. Entre essas características podemos elencar:

I. Excesso de controle governamental direto durante muito tempo, impedindo que se


desenvolva o mercado interno de grandes empresas, patentes, entre outros, o que mostra
grande disparidade do papel do governo desses países em relação aos países
desenvolvidos.

II. Histórico de inflação elevada e persistente. Países com histórico de inflação elevada têm
problemas de planejamento econômico e de expansão de sua economia.

III. Economias em desenvolvimento, embora tenham liberalizados os mercados financeiros


domésticos, apresentam instituições de créditos fracas, o que não permite o
financiamento de projetos de investimento e expansão.

IV. Tendência dos países em desenvolvimento a não deixar a taxa de câmbio flutuante de
maneira plena, o que permite que haja problemas alocativos relacionados à taxa de
câmbio e também problemas na relação entre taxa de câmbio e objetivos de política
monetária, principalmente no controle da inflação. Os países em desenvolvimento
apresentam abundância em recursos naturais ou produzem commodities agrícolas,
impedindo-os de se desenvolver industrialmente.
V. A corrupção torna-se mais latente e presente nos países em desenvolvimento,
principalmente no tocante a controles governamentais, regulamentações e taxas, o que
impede seu desenvolvimento.

Outro problema apresentado nos países em desenvolvimento refere-se a empréstimo e


dívida. Nas décadas após a Segunda Guerra Mundial, os países desenvolvidos começaram
a injetar capital nas economias em desenvolvimento como forma de diversificação de
investimentos e redução de riscos, principalmente a partir dos anos de 1980. Com a
liberalização dos mercados financeiros e os efeitos da globalização e da informatização
dos mercados, esse fluxo se intensificou de tal maneira, que os países em
desenvolvimento começaram a receber grandes fluxos financeiros. Isso fez com que eles
se tornassem mais vulneráveis a ataques especulativos, crises econômico-financeiras e
problemas no balanço de pagamentos.

Todos esses problemas estão relacionados à inadimplência dos países em


desenvolvimento com relação à utilização dos capitais internacionais como forma de
financiamento. Isso não é um fato novo na história da economia mundial; esse problema
existe desde o século 19, e só se aprofundou cada vez mais até os dias de hoje. A
inadimplência ocorre principalmente quando os países em desenvolvimento recebem
capitais internacionais como forma de se financiar, o que é conhecido pelos economistas
como “pecado original”: ao contrair empréstimos em moeda estrangeira, os países em
desenvolvimento não têm a opção de reduzir suas dívidas junto aos credores
internacionais utilizando a depreciação cambial, o que os força a recorrer à moratória de
sua dívida externa. Segundo Krugman et al. (2015), o termo “pecado original” descreve:

[...] a incapacidade dos países em desenvolvimento para contrair empréstimos


em suas próprias moedas. Na opinião desses economistas, a incapacidade dos
países pobres é um problema estrutural causado principalmente por
características de mercado de capitais global — como o potencial de
diversificação adicional limitado que a moeda de um país pequeno fornece
aos credores dos países ricos, que já possuem todas as principais moedas em
suas carteiras (KRUGMAN et al ., 2015, p. 533).

Entretanto, não há consenso entre os economistas, pois, nos países em desenvolvimento,


o pecado não seria original, visto ser oriundo de imprudências político-econômicas.

Esse problema se tornou latente principalmente na década de 1980, como resultado de


uma política deliberada dos países em desenvolvimento de aceitar capital estrangeiro na
realização de investimentos, principalmente oriundos dos países exportadores de
petróleo; com as crises dos anos de 1970 (os dois choques do petróleo e a Guerra do
Vietnã), os países em desenvolvimento ficaram altamente endividados.
Aliado a isso, a política monetária norte-americana de endurecimento da inflação no final
dos anos de 1970 e início dos anos de 1980 fez com que a economia mundial entrasse em
recessão, aprofundando a crise de dívida dos países em desenvolvimento. Grande parte
dos países precisou recorrer a instituições supranacionais (como o FMI) para obter
empréstimos. Essa crise foi sentida sobretudo nos principais países da América Latina,
como México, Argentina, Brasil e Chile. Esses países obtiveram ajudas em momentos
distintos desde os anos de 1980, mas sempre relacionadas à crise no balanço de
pagamentos e à taxa de câmbio fixa. Assim, grande parte do receituário em torno da
concessão dos empréstimos foi de liberalização das contas capitais e financeiras para
maior fluxo de capitais desses países com o resto do mundo, adoção de uma política fiscal
mais restritiva e da taxa de câmbio flutuante.

Entretanto, essa liberalização financeira irrestrita foi e ainda é fonte de um debate


controverso. O Consenso de Washington, elaborado no final do anos de 1980 e adotado
em grande parte do mundo a partir dos anos de 1990, advogava uma liberalização
irrestrita com base em uma série de reformas estruturais, principalmente no tocante à
livre mobilidade de capitais como fonte de um desenvolvimento econômico nunca antes
visto nos países periféricos.

Essas reformas foram adotadas mormente nos países asiáticos e, posteriormente, nos
países da América Latina, com a promessa de um desenvolvimento econômico vigoroso e
a recepção de um grande volume de capitais oriundo dos investidores internacionais.
Nesse sentido, como mostra Cunha (2004), essa série de reformas estruturais e
institucionais foi a fonte de todas as crises financeiras ocorridas no final dos anos de 1990
na Ásia e de algumas crises ocorridas na América Latina, como a brasileira. O autor
questiona essas reformas liberalizantes e mostra que elas tornaram as economias mais
frágeis e suscetíveis a ataques especulativos financeiros. Assim, não há um consenso
acerca dos benefícios que a liberalização financeira poderia trazer para as economias que
a adotassem; os países que não a adotaram saíram-se muito melhor em termos
econômicos e sociais, sobretudo em desenvolvimento econômico (CUNHA, 2004).
saiba
mais
Saiba mais
O Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma
organização supranacional criada em 1945, após a
Segunda Guerra Mundial. É composto por 189 países
que visam promover a cooperação monetária global,
garantindo a estabilidade financeira do sistema
financeiro global, facilitando o comércio internacional
entre os países, promovendo a geração de empregos,
com crescimento econômico sustentável, focado na
redução da pobreza em todo o mundo. O FMI tem
como principal objetivo garantir o bom
funcionamento e a estabilidade do sistema
monetário e financeiro internacional, permitindo que
os países-membros consigam negociar entre si de
maneira mais equitativa.

Fonte: Cintra e Gomes (2012).

ACESSAR

Diferentemente dos países da América Latina, os países do Leste Asiático obtiveram êxito
nos anos de 1980 até meados dos anos de 1990, com elevadas taxas de crescimento e
rápida distribuição de renda. Contudo, a partir de meados dos anos de 1990 houve uma
série de crises envolvendo os países asiáticos, como as observadas na Coreia do Sul, no
Japão e em Taiwan, evidenciando problemas estruturais tanto do ponto de vista produtivo
quanto do ponto de vista financeiro.

praticar
Vamos Praticar
Os países em desenvolvimento formam um grupo heterogêneo, especialmente porque muitos
embarcaram em uma vasta reforma econômica nos últimos anos. Muitos têm pelo menos
algumas das seguintes características: pesado envolvimento do governo na economia; histórico
de inflação alta; instituições de crédito fracas e mercados de capitais subdesenvolvidos; taxas de
câmbio controladas; entre outras.

KRUGMAN, P. et al . Economia Internacional . São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2015.

Diante do apresentado, assinale a alternativa correta.

a) Quando se analisa o histórico dos países em desenvolvimento, percebe-se que grande


parte deles utilizou a senhoriagem, por apresentarem uma inflação baixa e estável, assim
como nos países industrializados.
b) A presença do Estado nos países em desenvolvimento sempre foi ínfima, o que mostra
seu comprometimento com o desenvolvimento, segundo as recomendações de órgãos
supranacionais, como FMI e Banco Mundial.
c) Os países em desenvolvimento apresentam indicadores com alta desigualdade: sua
renda per capita é baixa e a expectativa também é baixa em relação aos países
industrializados.
d) A taxa de câmbio nos países em desenvolvimento sempre foi flutuante; as crises
financeiras e de balança de pagamentos ocorriam quando os Estados intervinham na taxa
de câmbio como forma de promover uma melhora no saldo da balança comercial.
e) Os países em desenvolvimento são grandes exportadores de commodities e de
produtos industrializados, o que permite que sempre tenham superávits na balança de
pagamentos, quando comparados aos países industrializados.
Propostas de Reforma
do Sistema Monetário
Internacional

Muito se fala sobre o sistema monetário internacional precisar de reformas. De fato, é


necessário modificar o atual sistema de reserva global. A grande questão a ser discutida
não se relaciona com qual moeda continuará sendo o padrão internacional de trocas, que,
hoje, é o dólar. O que realmente importa é a função da moeda de ser reserva de valor
internacional, característica presente no dólar e que é cada vez mais contestada no
mercado internacional.

O objetivo desta seção é analisar como se daria o funcionamento de um arranjo


multimonetário caracterizado como solução inercial e proposta de reforma com base no
banco de reserva global, a la Keynes.

Sistema Multimonetário
No que se refere ao mercado monetário internacional, percebe-se que a instabilidade do
sistema não se mostrava expressiva enquanto a economia dos Estados Unidos
sobrepujava em grande medida a economia mundial e a demanda de reservas monetárias
em dólar era modesta em outros países. Isso de fato muda a partir dos anos 2000 com o
impacto da crise financeira global em 2007. Comparativamente falando, o dólar não
deixou de ser a moeda preferida para as conversões internacionais, uma vez que ainda é o
grande protagonista, tendo quase dois terços das reservas monetárias dos países e quase
50% dos títulos da dívida internacional negociados contra apenas um terço dos títulos em
euro. Isso quer dizer que o mercado de títulos do Tesouro norte-americano é vasto e
apresenta liquidez imediata. Seus competidores diretos, como o euro, o iene e a libra
esterlina, apresentam características muito aquém no mercado financeiro.

Isso equivale a dizer que um sistema multimonetário já existe, visto que o dólar não é a
única moeda transacionada no mercado internacional, muito menos constitui a única
moeda a ser considerada reserva de valor. As moedas de aço precipitadas competem com
dólar, mas o dólar ainda domina grande parte do mercado financeiro internacional. O
grande problema é que o sistema financeiro global permite diversificação das reservas
cambiais, mas representa um sistema injusto, pois os países em desenvolvimento
continuam a acumular reservas em ativos monetários de ampla conversão de baixíssimo
retorno das economias avançadas, devido às baixas taxas de juros por eles praticadas.
Entretanto, os países em desenvolvimento, justamente por não apresentarem moeda
conversível internacionalmente, precisam manter elevados estoques de moeda
plenamente conversível, o que aumenta seus custos e também sua necessidade de
acúmulo de reserva via saldo da balança de pagamentos.

Quando se analisa a crise de 2008, percebe-se que o problema não reside na moeda
“dólar”, e sim no sistema financeiro norte-americano que impactou os mercados globais e
gerou uma fuga para o dólar, mostrando sua hegemonia perante outras moedas. Isso
demonstra também que os Estados Unidos seguem sendo a nação hegemônica, e não
haverá, pelo menos em médio prazo, nenhum acordo multilateral para coordenação das
políticas monetárias entre os países que emitem moeda internacionalmente conversível.

Não haveria uma mudança em médio prazo, pois há dois aspectos agravantes, conforme
analisam Cintra e Martins (2013). Segundo os autores, o dólar dificilmente deixaria de ser a
moeda dominante: o sistema monetário, além de se mostrar fragmentado, não trazia
qualquer indício de outra moeda emergir como meio de pagamento internacional, como o
dólar, no caso de esta moeda apresentar um problema no seu valor intrínseco, fazendo
com que deixe de ser uma moeda de conversão internacional. Os autores argumentam
que, dada a Teoria da Convergência, isto é, "uma bobagem dinâmica que confronta o peso
econômico e político dos países em uma perspectiva de longo prazo" (CINTRA; MARTINS,
2013, p. 150), os Estados Unidos continuariam ocupando lugar de destaque diante dos
outros países emergentes e desenvolvidos, como China, Índia, Coreia do Sul, Brasil,
México, Indonésia, Rússia, Alemanha, Japão e Reino Unido.

Dessa forma, a moeda não se apresenta simplesmente como uma forma de transacionar
bens e serviços ou como algo com características intrínsecas, mas surge como uma
manifestação de poder geopolítico de um país ou bloco perante os outros países. Isso
significa que uma abordagem num futuro próximo se tornará mais complexa, devido ao
multilateralismo e à necessidade de analisar grandes países emergentes e blocos
econômicos importantes que tenderão a dividir os poderes econômicos e políticos e,
quem sabe, formalizar uma moeda mundial.

Banco de Reserva Global


No polo teórico oposto, grande parte dos economistas discute um retorno à ideia original
de Keynes, na fundação do Tratado de Bretton Woods: o estabelecimento de uma moeda
de reserva global tutelada por uma entidade central ou por um banco central mundial.
Nesse caso, seria necessário implantar as devidas transformações no atual órgão
multilateral, o FMI, ou substituí-lo por uma instituição completamente nova, o que
resolveria de vez a questão da atuação do FMI como agente emprestador de última
instância.

Basicamente, a proposta era criar a Clearing Union, conforme Keynes, dadas as


características dos países deficitários e superavitários. Além de criar uma moeda global
com características exclusivas de utilização na troca de bens, serviços e capitais, haveria
necessidade de estabelecer alguns parâmetros dessa nova instituição, ou a reforma do
FMI.
reflita
Reflita
“No início da década de 1940, ao elaborar sua
International Clearing Union (ICU), ou seja,
uma proposição de reestruturação do
sistema monetário internacional em que
fossem asseguradas as condições de pleno
emprego da economia mundial no período
após a Segunda Guerra Mundial, Keynes
recomendou que os países que viessem a
participar do referido sistema deveriam
adotar um regime cambial de taxas fixas,
porém ajustáveis, em relação ao padrão
monetário internacional, bancor [...]. Para ele,
as flutuações nas taxas de câmbio teriam que
ser discretas – intervalo de no máximo 5,0%
tanto para os países deficitários quanto para
os países superavitários –, visando, assim,
solucionar os desequilíbrios de balanço de
pagamentos temporários”.

Fonte: Ferrari Filho (2008, p. 6).

A primeira característica de uma reforma monetária internacional é o FMI como


emprestador de última instância supranacional, com capacidade de coordenação global,
para que não haja crises do sistema financeiro e econômico internacional. Essa
característica de emprestador de última instância se justifica, uma vez que o ambiente
financeiro internacional apresenta características voláteis, como o livre fluxo de capitais
pelos países, uma observância de psicologia de manada e uma enorme variabilidade de
múltiplas taxas de câmbio. Dessa forma, seria necessário um emprestador de última
instância que garantisse a liquidez dos mercados internacionais, o que ainda está muito
aquém da atual arquitetura do FMI.

Uma segunda característica importante é o envolvimento do setor privado na solução e


prevenção de crises. Como o setor privado é o grande responsável pelos fluxos de capitais,
a tentativa de controlá-los em épocas de crise seria uma das principais características de
segurança dos mercados: a determinação da saída dos fluxos de capitais (se haverá
alguma penalidade ou taxação) se dá na sua entrada, e não na sua saída. Isto é, o
investidor tem consciência e garantia dos seus investimentos no momento de chegada ao
país, e não quando ele resolve tirar seu capital devido a algum problema. Isso evita que os
investidores sejam pegos de surpresa e demonstra uma segurança institucional com
relação aos investimentos internacionais. Houve a tentativa de promover os DES (Direitos
Especiais de Saque) como forma de conferir liquidez aos mercados, mas, dada a sua
natureza (limitada a servir como pagamento a outros governos e ao FMI), sua utilização se
torna restrita. Caso os DES pudessem ser utilizados pelas instituições privadas como
forma de negociação, isso conferiria a esse recurso não apenas a característica de reserva,
mas também de moeda plena de conversão internacional. Contudo, para tal
transformação, seria necessária uma completa reformulação do FMI, conforme já
discutido.

Por fim, seria necessário um imposto unificado sobre os fluxos de capitais internacionais.
A ideia já estava presente nos escritos de Keynes e foi resgatada por Tobin em 1972, como
uma forma de arrecadar recursos, reduzir a volatilidade dos mercados e financiar as crises
internacionais, penalizando as transações de curto prazo e beneficiando as de longo
prazo. Entretanto, a ideia não evoluiu junto ao FMI devido a diversos obstáculos referentes
à identificação de qual seria a origem do capital (especulativa ou normal) e a não conferir
liquidez em caso de crises, tornando a proposta inviável ao mercado financeiro.
saiba
mais
Saiba mais
Para a criação de um sistema de reserva global,
seriam necessárias diversas medidas que
transformassem a arquitetura do sistema financeiro
internacional, conferindo segurança jurídica aos
agentes públicos e privados, maior liquidez em
épocas de crise e uma socialização das perdas menor
que a habitual: o setor financeiro privado pagaria
parte das crises que gera.

Fonte: Ocampo (2011).

ACESSAR

De forma geral, a criação de uma instituição supranacional representando um banco de


reserva global que consiga emitir uma moeda mundial de ampla aceitação e conversão e
que envolva todos os países nunca evoluiu. Para que haja uma verdadeira evolução em
relação a um sistema de reserva global, serão necessárias diversas medidas, e elas ainda
parecem muito distantes da nossa realidade.

praticar
Vamos Praticar
Leia o trecho a seguir.

“Muito se fala em reforma do sistema monetário internacional, mas o cerne das preocupações
atuais está em uma reforma do sistema de reserva global. [...] O que realmente importa é que o
dólar tem sido cada vez mais contestado em sua função de reserva de valor”.
CINTRA, M. A. M.; MARTINS, A. R. A. As transformações no sistema monetário internacional.
Brasília: Ipea, 2013. p. 149. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_as_transformacoes_smi.pdf .
Acesso em: 5 jun. 2020.

Diante do apresentado, assinale a alternativa correta.

a) Com a crise financeira de 2008, percebeu-se uma dependência exacerbada dos países
em torno do dólar, principalmente quando se trata de manter reservas monetárias
plenamente conversíveis no mercado internacional de maneira rápida.
b) Como o dólar passou a ser contestado como moeda de reserva de valor, vários países
começaram a trocar suas reservas cambiais inteiras por iene e euro como forma de se
proteger dos efeitos das crises globais.
c) Com a crise financeira de 2008, grande parte dos países, ao perceber que o dólar perdia
sua capacidade como reserva de valor, começou a demandar quantidades maciças de
ouro, como forma de lastrear suas moedas.
d) Com a crise financeira global, percebeu-se que um sistema multimonetário é possível,
sendo necessária apenas a ascensão chinesa com o renminbi, para que o dólar, o euro e o
renminbi sejam as moedas-chave desse sistema.
e) Com a crise financeira de 2008, o dólar deixou de ser uma moeda plenamente
conversível no mercado internacional, ao passo que o euro tomou esse protagonismo e
agora é a moeda com a qual todas as transações internacionais são realizadas.
indicações
Material
Complementar

FILME

Brexit
Ano : 2019
Comentário : O filme conta a história do icônico episódio da
saída do Reino Unido da União Europeia, evidenciando, a partir
da crise financeira internacional de 2008, as fragilidades do único
bloco econômico a ter uma zona monetária unificada que
funcionava. É interessante perceber que, devido à crise
financeira de 2008, as relações econômicas entre o Reino Unido
e a Zona do Euro ficaram balançadas. O Reino Unido tem os
benefícios da livre mobilidade de pessoas e de capitais, sem
perder a independência monetária, já que não adotou o euro
como moeda oficial. Há legenda automática disponível em
português.

TRAILER
LIVRO

A União Europeia: os desafios, a crise e o futuro da


integração
Editora : GEN Atlas
Autora : Cristina Soreanu Pecequilo
ISBN : 8535275053
Comentário : O livro conta um pouco da história da formação da
União Europeia, seu desenvolvimento e a adoção do euro em
1999. Contudo, com a crise financeira global de 2008, ficaram
evidentes as fragilidades do único bloco econômico a adotar
uma moeda única. Essas fragilidades tornaram o bloco mais
propenso à ascensão do nacionalismo e à perda de sua
identidade regional.
conclusão
Conclusão
Percebe-se que o euro, após a crise financeira internacional em 2008, mostrou suas
fragilidades estruturais e técnicas para se tornar uma moeda que rivalizaria com o dólar.
Ademais, a crise evidenciou que o sistema financeiro internacional deve ser reformulado,
principalmente o Fundo Monetário Internacional (FMI), que deveria ter um papel mais
ativo, de forma a evitar crises econômicas e financeiras. No meio disso tudo, os países em
desenvolvimento se mostram frágeis diante de todo esse jogo de poder, o que faz com
que as desigualdades se aprofundem nos períodos de crise. Por fim, uma nova arquitetura
do sistema monetário internacional é possível, desde que haja cooperação entre os países
que emitem moeda com alguma conversibilidade, em especial os EUA, que mantêm o
dólar hegemônico nas transações internacionais.

referências
Referências
Bibliográficas
CINTRA, M. A. M.; GOMES, K. da. As transformações no sistema financeiro
internacional . Brasília: Ipea, 2012. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=15449 .
Acesso em: 5 jun. 2020.

CINTRA, M. A. M.; MARTINS, A. R. A. As transformações no sistema monetário


internacional . Brasília: Ipea, 2013. Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_as_transformacoes_smi.pd
. Acesso em: 5 jun. 2020.
CUNHA, A. M. Liberalização econômica, crise financeira e reformas estruturais: a
experiência asiática sob a perspectiva latino-americana. Ensaios FEE , v. 25, n. 2, 2004.

FERRARI FILHO, F. Regime cambial para países emergentes: uma proposta a partir de
Keynes. Economia e Sociedade , Campinas, v. 17, n. 2, p. 1-16, abr. 2008. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
06182008000200001&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 5 jun. 2020.

KRUGMAN, P. et al . Economia Internacional . São Paulo: Pearson Education do Brasil,


2015.

OCAMPO, J. A. A reforma do sistema monetário internacional. Revista Tempo do Mundo ,


v. 3, n. 3, p. 57-98, 2011. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/6210 .
Acesso em: 5 jun. 2020.

Você também pode gostar