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SINOPSE DO CASE: pesca predatória e modo de vida tradicional - limites e possibilidades

da proteção do estoque pesqueiro pelo estado1

Micaelle Oliveira Serra2


Thaís Viegas3

1 DESCRIÇÃO DO CASE
O Projeto de Lei nº 1363 de 2023 proibiu a pesca com fins comerciais no Estado
do Mato Grosso, desse modo, o cerne do debate incide sobre a possibilidade de ser conciliado
a proteção socioambiental e o modo de vida dos pescadores artesanais da região, além do
estudo acerca da legitimidade dos legisladores do Mato Grosso para propor o projeto de lei.

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASE


2.1 Descrição das decisões possíveis
2.1.1 O projeto de lei compatibiliza a proteção dos rios e a preservação de estoques pesqueiros
e o modo de vida tradicional e cultural de pescadores artesanais, além disso, os legisladores
do Mato Grosso possuem competência legislativa ambiental para dispor sobre a matéria.
2.1.2 O projeto de lei não compatibiliza a proteção dos rios e a preservação de estoques
pesqueiros e o modo de vida tradicional e cultural de pescadores artesanais, além disso, os
legisladores do Mato Grosso não possuem competência legislativa ambiental para dispor
sobre a matéria.

2.2 Argumentos capazes de fundamentar cada decisão


2.2.1 O projeto de lei compatibiliza a proteção dos rios e a preservação de estoques pesqueiros
e o modo de vida tradicional e cultural de pescadores artesanais, além disso, os legisladores
do Mato Grosso possuem competência legislativa ambiental para dispor sobre a matéria.
A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, online) estabelece diferentes tipos de
competências para os entes federativos, de modo que dispõe no Art. 24, VI: “ florestas, caça,
pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do
meio ambiente e controle da poluição” como sendo matérias de competência concorrente.
Significa dizer, conforme o entendimento acerca dessa modalidade de competências, que à

1
Case apresentado à disciplina de Direito Ambiental do Centro Universitário Dom Bosco - UNDB.
2
Aluna do 6° período da disciplina de Direito Ambiental.
3
Professora, orientadora.
União caberá estabelecer normas gerais e, aos estados e municípios, a suplementação
(REYMAO; AGRASSAR; KOURY, 2020). Exposto isso e diante da previsão constitucional
para que estados possam legislar sobre a matéria pesca, é defendido que o PL n°1363/2023
observa a repartição de competências ambientais.
Diante dessa interpretação, Farias (2006) afirma que após o contexto da Segunda
Guerra Mundial o meio ambiente se tornou uma preocupação, porque surgiu a necessidade de
encontrar meios que tornassem compatíveis o desenvolvimento e a proteção ambiental. Além
disso, é também afirmado por Farias no que tange ao Princípio da Prevenção que
A recuperação de uma lesão ambiental é quando possível muito demorada e onerosa,
de forma que na maior parte das vezes somente a atuação preventiva pode ter
efetividade. São inúmeros os casos em que as catástrofes ambientais não têm
reparação e seus efeitos acabam sendo sentidos apenas pelas gerações futuras, o que
ressalta o dever de prevenção. De fato, é melhor para o meio ambiente que o dano
ambiental nunca ocorra do que ele ocorrer e ser recuperado depois.(2006, p. 135)

Disso, ao analisar o Projeto de Lei 1363/2023 e a proibição da pesca para fins


comerciais, se depreende que essa ação pode ser uma forma de estabelecer a proteção
ambiental, conforme se discutia em um cenário pós guerra e permitir que danos futuros sejam
causados, sendo aplicado dessa forma o Princípio da Prevenção para que, inclusive as
gerações futuras dos povos tradicionais consigam ter acesso a esse direito fundamental, sendo
o PL e modo de vida tradicional e cultural de pescadores artesanais compatibilizados.
Além disso, Santos Júnior (2015) assevera que o período de defeso é
compreendido como aquele no qual os pescadores paralisam suas atividades para que as
espécies possam se reproduzir de forma segura. De maneira análoga ao defeso, o PL
nº1363/23 possui efeitos semelhantes, todavia o lapso temporal de proteção é de 5 anos.
Dessa forma, o Projeto de Lei e o defeso são mecanismos de proteção ambiental que visam o
reequilíbrio, a segurança do pescado e suas reproduções, possibilitando que todos possam ter
acesso ao meio ambiente ecologicamente sadio, incluindo os pescadores da região, visto que o
projeto não proíbe a pesca com fins de subsistência, mas sim comercial.
É estabelecido pela Lei nº 6938 (BRASIL, 1981), em conformidade com os
entendimentos já apresentados, que a Política Nacional do Meio Ambiente objetivará a
preservação do meio ambiente de forma que seja possível o seu uso racional e permanente,
afinal esse é um direito fundamental que projeta no presente e para o futuro. Desse modo, o
Projeto de Lei apresentado pelos legisladores está em convergência com as competências
legislativas ambientais e Lei 6938/81, pois acredita-se que esta foi proposta com finalidade de
promover o equilíbrio ambiental da região. Além disso, é defendido que ela compatibiliza o
modo de vida das comunidades tradicionais pois, além de permitir a pesca para fins de
subsistência, garante também, pelo período de três anos, o pagamento de um salário-mínimo
para os pescadores artesanais.
Diante disso, se torna notório que o Projeto de Lei está em conformidade com as
competências legislativas ambientais, uma vez que a União ao estabelecer a Política de
Nacional de Proteção ao Meio Ambiente, sendo uma norma geral, seria objeto de legislação
as normas suplementares dos estados e municípios as matérias não discutidas. Por isso, diante
do explanado, defende que o PL 1363/2023 além de compatibilizar o modo de vida dos
pescadores artesanais, está de acordo com a previsão de competências legislativas ambientais.

2.1.2 O projeto de lei não compatibiliza a proteção dos rios e a preservação de estoques
pesqueiros e o modo de vida tradicional e cultural de pescadores artesanais, além disso, os
legisladores do Mato Grosso não possuem competência legislativa ambiental para dispor
sobre a matéria.
Em que pese a competência para legislar sobre matéria ambiental seja
concorrente, ou seja, à União cabe estabelecer normas gerais e aos demais entes federativos a
suplementação, é defendido que o PL n° 1363/2023 não é constitucional, pois está em
desconformidade com a repartição de competências. Essa afirmação tem por base a Lei n° 11.
959 (BRASIL, 2009, online), que estabelece não somente a proteção ambiental com relação à
pesca e à agricultura, como também o objetivo de promover no Art. 1°, IV, “o
desenvolvimento socioeconômico, cultural e profissional dos que exercem a atividade
pesqueira, bem como de suas comunidades”.
Desse modo, através desse dispositivo legal, diante da contradição entre a norma
suplementar e a norma da União, é verificado o desrespeito à limitação estabelecida pela
competência concorrente, além de se constatar que a edição do projeto de lei não
compatibiliza o modo de vida dos pescadores artesanais, como busca promover na Lei n° 11.
959.
Além disso, ainda no que se refere à competência para legislar sobre pesca,
novamente se ressalta que não está no âmbito de abrangência da Assembleia Legislativa do
Mato Grosso, pois se trata de competência da União. Nesse sentido, a Lei 14.600 (BRASIL,
2023) traz que se trata de competência do Ministério da Pesca e da Agricultura, com relação à
pesca comercial, artesanal e industrial, o ato de conceder licenças, permissões e autorizações.
Dessa forma, é compreendido que o PL 1363/2023 não está conforme a Lei da União e, por
consequência, não sendo possível falar em competência concorrente.
Desse modo, a Lei n° 6938 (BRASIL, 1981) dispõe no Art. 4°, VII, a noção do
Princípio do Poluidor-Pagador, como sendo a ideia daquele que causar algum dano ambiental,
será responsabilizado por suas ações. Diante desse raciocínio, se o objetivo do PL 1363/2023
é estabelecer a prevenção de danos ambientais, esse ônus não pode recair sobre os pescadores
artesanais e as comunidades tradicionais da região, se não sobre os grandes empreendimentos
que são, em sua maioria, responsáveis por causar impactos significativos no meio ambiente.
É, assim, reiterado que o projeto de lei não concilia a proteção ambiental com os moradores
da região que dependem da pesca.
Nesse mesmo raciocínio, Farias (2006, p. 37) afirma: “o objetivo do princípio
do poluidor-pagador é forçar a iniciativa privada a internalizar os custos ambientais
gerados pela produção e pelo consumo na forma de degradação e de
escasseamento dos recursos ambientais”.
Nesse sentido, em que pese seja feita a previsão pelo projeto de lei do pagamento
de um salário-mínimo durante três anos, cabe ressaltar que a atividade pesqueira para as
comunidades da região não se trata somente da busca por um retorno financeiro, mas também
de um exercício de cultura pelas comunidades que ali habitam. Dessa forma, independente do
tipo de atividade pesqueira exercida, o conjunto de saberes compartilhados entre gerações é
um elemento que, além de ser responsável pela garantia de sobrevivência, é também cultural
(WAGNER; SILVA, 2021).
Sendo assim, diante do exposto, o PL não compatibiliza o modo de vida e
promoção da cultura local ao proibir a pesca comercial, por impedir o exercício da atividade
pesqueira e, por consequência, da cultura, afrontando, inclusive, o Art. 215 da Constituição
Federal (BRASIL, 1988, online) que coloca como dever do Estado garantir: “[...] a todos o
pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Diante disso, nota-se que
além de não ter competência para legislar sobre matéria de pesca, o estado do Mato Grosso
não compatibiliza o modo de vida e cultura dos pescadores artesanais e demais moradores da
região.

3 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES


Foram utilizados como critérios e valores para afirmar cada decisão possível, além
de legislações ambientais e a Constituição Federal, artigos científicos que fossem capazes de
embasar o questionamento principal e secundário.
REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.


Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso
em: 16 set. 2023.

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em:
16 set. 2023.

BRASIL. Lei n°11.959, de 29 de junho de 2009. Dispõe sobre a Política Nacional de


Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, regula as atividades
pesqueiras, revoga a Lei no 7.679, de 23 de novembro de 1988, e dispositivos do
Decreto-Lei no 221, de 28 de fevereiro de 1967, e dá outras providências. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11959.htm. Acesso em: 16
set. 2023.

BRASIL. Lei n° 14.600, de 19 de junho de 2023. Estabelece a organização básica dos


órgãos da Presidência da República e dos Ministérios; altera as Leis nºs 9.984, de 17 de
julho de 2000, 9.433, de 8 de janeiro de 1997, 8.001, de 13 de março de 1990, 14.204, de
16 de setembro de 2021, 11.445, de 5 de janeiro de 2007, 13.334, de 13 de setembro de
2016, 12.897, de 18 de dezembro de 2013, 8.745, de 9 de dezembro de 1993, 9.069, de 29
de junho de 1995, e 10.668, de 14 de maio de 2003; e revoga dispositivos das Leis nºs
13.844, de 18 de junho de 2019, 13.901, de 11 de novembro de 2019, 14.261, de 16 de
dezembro de 2021, e as Leis nºs 8.028, de 12 de abril de 1990, e 14.074, de 14 de outubro
de 2020. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14600.htm#art78. Acesso
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REYMAO, Ana Elizabeth Neirao; AGRASSAR, Hugo José de Oliveira; KOURY, Suzy
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ADI 6341. Revista Meritum, [S.L.], v. 152, p. 292-307, ago. 2020. Meritum - Revista de
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