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A AUTENTICIDADE DA CARTA
A opinião comum reconhece a autoria paulina da carta. As motivações são as seguintes:
- A expressão “elementos do mundo” (Cl 2,8.20) se encontra também em Gl 4,3.9.
Nesse texto faz-se referência aos “deuses que na realidade não o são” (4,8), aos quais,
de certa forma, refere-se também a carta aos Colossenses (2,21-22).
- A epístola, que menciona Epafras (1,7; 4,12), Onésimo (4,9), Aristarco e Marcos (4,1),
Lucas e Demas (4,14), tem um parentesco estreito com a carta a Filêmon, cuja
autenticidade não pode ser colocada em dúvida.
- A situação de Paulo prisioneiro é semelhante à da carta a Filêmon, aos Efésios e
também à da carta aos Filipenses.
- Justifica-se a evidente evolução da linguagem paulina que se encontra na carta dizendo
que já em outras ocasiões Paulo se expressa com frases e termos diferentes dos
corriqueiros, como na carta aos Gálatas, em que o Apóstolo deve encarar o problema
dos judaizantes, até aquele momento desconhecido.
Estudos recentes colocam em dúvida a autenticidade da carta, frisando em particular o
estilo e a evolução dos conceitos teológicos.
O estilo
Seu estilo é diferente do das cartas anteriores e mais se assemelha ao da carta aos
Efésios:
- As frases são mais amplas.
- Há repetição de sinônimos numa mesma expressão, como indicam as frases “sabedoria
e discernimento espiritual” (1,9), “segundo a tradição dos homens, segundo os
elementos do mundo” (2,7).
- Usam-se verbos compostos com o prefixo “com”, em grego syn, isto é, cossepultados,
corressuscitados, covivificados (2,12-13), que nunca apareceram nas cartas paulinas.
- Há termos inéditos que têm um destaque particular na teologia da carta; “mistério”,
“plenitude”, “economia”, “autoridades”, “poderes”, “cabeça”, referindo-se a Cristo.
- Além disso, os autores notificam que se encontram na carta 34 neologismos e 86
termos que nunca apareceram nas outras cartas de segura autoria paulina.
- Há também um evidente influxo da literatura sapiencial e uma semelhança de estilo
com os documentos de Qumran.
Composição
Se a consideramos autêntica
Foi provavelmente escrita no cativeiro de Cesaréia (58-60 d.C.), onde Paulo estava
preso, esperando ser enviado para Roma para ser julgado pelo imperador (At 23.23-
26.33).
Exclui-se o cativeiro de Roma (61-64 d.C.), porque a cidade de Colossas, onde se
encontra a comunidade à qual Paulo se dirige, segundo as afirmações de Plínio, o
jovem, já havia sido destruída por um terremoto no ano 61 d.C. Com efeito, Colossas
não aparece na lista das cidades de Ap 2-3, em que se cita, ao contrário, a cidade pouco
distante de Laodicéia (Cl 4,13.15.16)
O cativeiro de Éfeso (55-57 d.C.), durante o qual Paulo provavelmente escreve a carta
aos Filipenses, não parece apto para a data da carta aos Colossenses. Não se deixa um
prazo de tempo suficiente para explicar o desenvolvimento do pensamento de Paulo,
embora a cidade, sendo mais próxima de Colossas, poderia ser mais facilmente
identificada como o lugar para onde Onésimo fugiu (4,9). Essa observação, porém, não
é decisiva, levando cm conta as alusões bastante vagas às doutrinas que perturbam os
colossenses. De longe. Paulo pode ter lido só uma ideia genérica dos acontecimentos.
Se não a consideramos autêntica
Foi provavelmente escrita por um discípulo nos anos 80-85 d.C
A CRISE
É apresentada principalmente em Cl 2,4-23. Os colossenses são enganados por
“argumentos capciosos” (2,4), escravizados “por vãs e enganosas especulações da
filosofia” (2,8). Circulam entre eles doutrinas humanas erradas, qualificadas como
“elementos do mundo” (2,8.20); não se trata de um pensamento específico e bem
organizado, próprio de um movimento religioso particular.
A prática básica difundida por essas doutrinas é o “culto dos anjos” (2,18), a veneração
de entidades cósmicas que controlam o curso dos astros e determinam o destino dos
homens. Elas ameaçam a vida humana, incutem medo, exigindo o respeito de
observâncias particulares. O texto usa vários nomes para indicar essas potências
espirituais: “tronos, soberanias, principados, autoridades” (1,16b; 2,15).
Como consequência dessa situação, os membros da comunidade de Colossas vivem na
alienação, apavorados e tristes, só preocupados em serem fiéis quer às prescrições
alimentícias e aos jejuns cobrados por estes seres celestes (***), quer às celebrações de
festas particulares, dando atenção às fases da lua e ao sábado (2,16), fazendo
mortificações exageradas (2,23), talvez até se abstendo do casamento. Paulo condena
essas práticas, destacando que elas têm só uma aparência de sabedoria: na realidade,
favorecem o orgulho humano e a satisfação carnal, desviando a atenção do próprio
Cristo.
Como se pode perceber, o erro da Igreja de Colossas é, com toda probabilidade, o do
sincretismo religioso. Os cristãos da comunidade procuram experiências religiosas
extravagantes e excêntricas, com variadas práticas ascéticas. A verdade do evangelho
parece coisa marginal. Desejando um conhecimento superior que vai além da própria
sabedoria do evangelho (2,3), buscando uma “plenitude” misteriosa (1,19), sem recorrer
a Cristo, provavelmente questionam também a eficácia salvífica do mistério da cruz
(2,9.13; 3,13). Tendo perdido o sentido profundo da verdade do evangelho, multiplicam
os ritos religiosos, sem conseguir preencher o vazio do coração. A carta está toda
voltada a resolver essa questão do culto aos seres celestiais, sem apresentar nenhum
problema pessoal dos membros da comunidade nem rivalidades internas, como
normalmente acontece nas outras cartas.
A situação que se verifica em Colossas é determinada por várias influências culturais
misturadas entre si. Em primeiro lugar, há o influxo dos cultos pagãos da natureza,
como o de Cibele, o de Iside, o de Dioniso, o de Apoio, o de Esculápio, bastante
difundidos na época cristã. No desvio de Colossas não se pode, porém, excluir uma
influência judaica. Com efeito, na carta frisa-se a importância do sábado (2,16), da
circuncisão (2,13), dos anjos, que no desenvolvimento da angelologia extrabíblica
ocupam um lugar intermédio entre Deus, inacessível, e o homem. Também a pré-gnose,
que atua no Oriente Médio, como indicam os textos da comunidade de Qumran, pode
ter influído na Igreja de Colossas, em que se faz uso frequente da linguagem sapiencial.
frisando a importância da “sabedoria” (1,28: 2,3), do “conhecimento” (1,9.10; 2,2). da
“compreensão” (1,28; 2,2).
CONTEÚDO DA CARTA
O elemento central da carta é a afirmação do primado de Cristo na criação e na história.
Ele é o primogênito da criação e o primogênito dos mortos, a primeira e a última letra
do alfabeto, o alfa e o ômega de todas as coisas. E o único Senhor que reconcilia com
Deus todos os seres da terra e do céu pelo sangue derramado na cruz (1,15-20). E o
triunfador que denota todas as entidades intermediárias que governam o universo e o
mundo religioso antigo, “expondo-as cm espetáculo e levando-as em cortejo triunfal”
(2,15).
Como vencedor, Cristo prega na cruz o “quirógrafo”, imposto ao ser humano por essas
potências angélicas e astrais (2,14). Trata-se do “título de dívida” referente às
pretensões legais e às observâncias que devem ser obrigatoriamente cumpridas pelos
homens. Esse comprovante da dívida, que condena o ser humano inadimplente, pode se
identificar também com os preceitos da lei mosaica. Cristo, no evento pascal, determina
o fim dessa escravidão suprimindo tal documento, despojando assim as forças angelicais
interpostas de seu poder sobre os homens. E por isso que o acontecimento pascal é
apresentado como o triunfo do rei e de seus aliados sobre os inimigos.
A carta torna-se, portanto, uma mensagem de libertação de todos os falsos senhores que
imperam neste mundo, que ocupam (ou parecem ocupar) uma posição intermediária
entre os homens e Deus, comprometendo a qualidade da existência humana, obrigando a
viver na alienação. Derrotando as potências celestiais, Cristo desmascara e vence
também todos os falsos poderes mundanos que criam estruturas opressoras que
instrumentalizam o ser humano.
A carta celebra, assim, o otimismo cristão, alicerçado na convicção do senhorio
universal do Cristo, que tira o homem de toda escravidão, restituindo-lhe dignidade e
paz verdadeira. O cristão, unido ao Cristo pelo batismo (3,9), já participa da vitória da
cruz e assim é arrancado de toda falsa dependência. Com a declaração do papel cósmico
de Cristo, a carta também ajuda o cristão a viver como pessoa responsável, sem se
deixar influenciar por falsas idéias e crenças contrárias à fé, livre de qualquer medo ou
insegurança em relação ao futuro.
DIVISÃO DA CARTA
4 ESQUEMA da carta
• Endereço (1,1-2)
• Agradecimento (1.3-12)
• Introdução ao hino (v. 12-14)
• Parti-: dogmática (1.15-2,23)
— Hino (1.15-20): Cristo, princípio da criação e da redenção.
— A situação da Igreja de Colossas e as provações de Paulo no serviço dos gentios
(1.21-2,3).
— Os erros dos colossenses (2.4-23).
• Parte parenética (3,1-4,6)
— A união do cristão com Cristo ressuscitado (3,1-4).
— Do homem velho para o homem novo (3.5-17).
— A moral doméstica (3.18-4,1).
— Exortações várias (4,2-6).
• Notícias pessoais (4.7-9)
• Saudações e votos finais (4.10-18)
TEMAS
O primado de Cristo na criação e na história
O hino (1,15-20) que celebra o primado universal e definitivo de Cristo divide-se em
duas estrofes (15a-18a; 18b-20). Seu contexto original é litúrgico, sem poder precisar
ser batismal ou eucarístico.
Cristo é qualificado como:
- “imagem do Deus invisível” (manifestação do próprio Deus). No pensamento dos
antigos, a imagem, embora distinta, participa da realidade de seu arquétipo. Cristo tem,
portanto, uma função reveladora, sendo o “rosto histórico” de Deus e participando ao
mesmo tempo da dimensão transcendente do Altíssimo.
- Como “primogênito de toda criatura”, desenvolve uma função mediadora na criação.
O termo “primogênito” indica sua primazia a respeito de todos os seres visíveis e
invisíveis (Sir 1,4; 24,9), sua dignidade, seu influxo e senhorio sobre toda a realidade.
Esta leva em si o vestígio do Cristo, assim como no Antigo Testamento a Sabedoria
deixa seu selo em toda a realidade criada (Pr 8,22-31). Tudo é criado por Cristo e tudo
“subsiste” nele. Cristo tem, pois, um papel também na obra de conservação da criação,
desempenhando a atividade pertencente a Deus (Hb 1,3). O texto frisa sua preeminência
absoluta sobre todas as coisas e sua igualdade com Deus.
- Como “primogênito dos mortos”, Cristo é o primeiro ressuscitado de uma série que
vem depois dele, tornando-se o princípio de toda redenção. Destaca-se, assim, que, com
sua ressurreição, começa a glorificação de toda a realidade, quer da humanidade quer da
natureza criada. Nas duas seções do hino, junto com o termo “primogênito”, que
aparece duas vezes (v. 16.18), se encontram também outros termos que se repetem,
estabelecendo-se entre eles certo paralelismo. Quer no âmbito da criação, quer no da
redenção, tudo se realiza “nele”, “por ele” e “para ele” (1,16.19-20). Isso significa que
Cristo é o alicerce de todas as coisas, o suporte que sustenta toda a realidade (“nele”),
“pois nele aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude” (v. 19). É também a causa e a
fonte da criação e da redenção, o instrumento por meio do qual Deus atua no universo
(“por ele”), assim como é a meta final para a qual aponta toda a realidade (“para ele”).
Cristo é o salvador cósmico, aquele que reconcilia em seu sangue todas as coisas (1,20),
o ponto de início e de chegada de toda a história e de toda a criação. Com uma só
palavra, poder-se-ia dizer que Cristo dá unidade e sentido a todo o universo, sobre o
qual detém um domínio universal, sendo o princípio e o gerador da reconciliação e da
paz universal.
O mesmo se lê em Efésios quando se reza para que os cristãos compreendam “qual é a
largura e o comprimento e a altura e a profundidade e conheçam o amor de Cristo, que
excede todo conhecimento”, para serem “plenificados com toda a plenitude de Deus”
(Ef 3,18-19).
- Jesus é aquele no qual “se acham escondidos todos os tesouros da sabedoria e do
conhecimento” (2,3). Utilizando um tema sapiencial, o texto lembra que Cristo é a
sabedoria infinita e inesgotável de Deus que sempre mais deve ser conhecida e amada
pelos cristãos, representando o próprio “mistério de Deus” entre nós. que vai além de
nosso entendimento e de nossa compreensão.
- Jesus é aquele no qual “habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (2,9).
Essa expressão, já de certo modo antecipada em 1,19, onde se salienta que “nele
aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude”, refere-se ao corpo ressuscitado de Cristo
e significa que este é, por excelência, o sacrário onde habita toda a riqueza da vida
divina, que santifica todos os seres.
Na carta encontram duas novas categorias paulinas que têm clara relação com a
cristologia:
- a de “mistério” (1,26.27; 2,2), isto é, do projeto salvífico universal de Deus, que se
realiza por meio do Cristo c que atinge cada homem que se abre à fé.
- a de “cabeça da Igreja, que é o seu corpo” (1,18; 2,10.19). O termo “cabeça” refere-se
a Cristo; significa não uma parte do corpo em relação a outra, mas o centro motor de
todo o organismo vivente, o cérebro. O Cristo cm relação à Igreja é, pois, aquele que
exercita o seu influxo vital em todos os membros. Sua pessoa, unida à Igreja, forma o
Cristo total, a comunhão dos santos. A relação especial que Cristo tem com sua Igreja
não se limita a ela; abrange o universo todo. ao qual pertencem “tronos, soberanias,
principados e autoridades”, o que significa que também o universo redimido faz parte
do Cristo total.
Eclesiologia
Embora o autor use também a imagem do “corpo” que se encontra cm 1Cor 12,27 para
indicar a realidade da Igreja, ele a entende de maneira diferente (1,18; 2,19). Frisa a
relação do “corpo” com a “cabeça” não mais considerando o “corpo” em si mesmo.
Predomina, assim, a dimensão “alto/baixo”: Cristo, situado “acima” da Igreja, atua
constantemente nela. Quase desaparece a temática do corpo eclesial que amadurece no
tempo até o momento escatológico.
No texto nomeia-se explicitamente o batismo (2,12) como o sacramento que une o fiel a
Cristo, implicando a sepultura, a ressurreição e a vivificação com ele (v. 12-13). No
sacramento realiza-se, portanto, uma solidariedade pessoal do batizado com Jesus
salvador. Assim, as realidades escatológicas se tornam presentes na Igreja desde já e o
cristão já é ressuscitado com Cristo, já está assentado no trono de glória: “Se, pois,
ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita
de Deus” (2,12; 3,1). Isso indica um aprofundamento do pensamento paulino, que, até o
tempo da redação da carta aos Colossenses, considera a ressurreição como um evento
futuro (1Cor 15,52; F1 3,20), realçando só em Fl 1,23, sem utilizar a categoria da
ressurreição, que o “estar com Cristo” começa com a própria morte.
Se na carta predomina a imagem de Igreja universal, está também presente a realidade
das Igrejas particulares. Fala-se em 4,15 da “Igreja que se reúne em casa de Ninfas”, da
“Igreja da Laodicéia”, assim como a expressão “os santos que estão em Colossas”
refere-se à Igreja particular (1,2). Na carta realiza-se. assim, um bom equilíbrio entre a
consideração da Igreja como um todo c suas realizações particulares. A Igreja universal
se realiza e se manifesta, portanto, nas Igrejas particulares.