Embora existam algumas semelhanças formais com a discussão que acontece em
outros tipos de reuniões, as discussões que ocorrem nos grupos com função educativa possuem características peculiares que as diferenciam significativamente. Em primeiro lugar, seus objetivos são outros. Nas reuniões comuns normalmente, os objetivos estão ligados à tomada de decisão. Busca-se, então, o consenso, isto é, os pontos comuns que possam determinar conclusões e ações comuns. Na busca deste consenso, muitas vezes o coordenador tenta evitar o conflito, minimizando as divergências e salientando as concordâncias. Ainda que, para isto, questões mais sérias deixem de ser aprofundadas. O que se busca são conclusões e normalmente as reuniões são trabalhadas para se chegar a elas. A dinâmica destas reuniões é coerente com estes objetivos. Como o que se quer é evitar conflitos (para que os consensos sejam mais facilmente atingidos) a palavra, por exemplo, é normalmente concedida pelo coordenador pela ordem de inscrição. Isto, além de fortalecer a figura do coordenador (que é quem tem o poder de conceder a palavra) diminui a possibilidade de discussão (que em geral é considerada um fator perturbador). Estas intervenções ordenadas facilitam o coordenador a ir identificando os pontos com os quais todos concordam ou as resistências a um pensamento comum. As conclusões são tão importantes nestas reuniões que é raro o coordenador que vá para uma delas se ter, pelo menos, um esboço das conclusões desejáveis a que o grupo deverá chegar. Uma reunião que não tenha chegado a conclusões é considerada uma perda de tempo pelos seus participantes e depõe contra o coordenador que não soube “amarrar” a reunião. Todos saem muito frustrados e insatisfeitos... Ao tratar aqui das discussões que ocorrem nas reuniões de tomada de decisão não queremos invalidá-las mas apenas salientar que elas são de natureza diferente das discussões que ocorrem em grupos ou reuniões com objetivos educativos. Nestes grupos educativos, os consensos, os consensos e as conclusões podem até aparecer, mas são apenas consequências do trabalho realizado, nunca objetivos a serem necessariamente atingidos. O objetivo dessas discussões é estimular o esforço pessoal de cada participante na identificação, análise e construção de síntese sobre situações propostas. Em outras palavras, visam o conhecimento e não as conclusões. Ainda que as conclusões não sejam indesejáveis. Ao contrário do que ocorre em outros tipos de reuniões, o consenso pode constituir- se em um enorme adversário a ser enfrentado pelo coordenador (professor, dirigente, educador, animador...). Isso ocorre, por exemplo, quando o consenso é produto do senso comum, isto é, algo em que todos acreditam sem saber porquê ou para quê, simplesmente porque acreditam... Nestes casos, o consenso impede a reflexão. Ideias como “quem mora em favela é vagabundo” ou “bandido tem que ser morto” podem ser exemplos de consensos que impedem a construção do conhecimento. São ideias que podem ser comuns a todos os participantes de um grupo. Todos concordam. A menos que o coordenador se contraponha a essas ideias, questionando-as com sólidos argumentos, ninguém irá analisá-las. Afinal, ninguém gosta de perder tempo discutindo aquilo que já sabe, ou pensa que sabe... Dissemos acima, que objetivo da discussão em um grupo educativo é estimular o esforço pessoal de reflexão dos seus integrantes. Então, se o esforço é pessoal, por que fazê-lo em grupo? Ao nosso ver, por duas razões principais. A primeira é que a multiplicidade de experiências e informações que um grupo pode reunir,enriquece qualquer processo de reflexão. A segunda razão é que o grupo oferece oportunidades para a manifestação de visões diferentes, e muitas vezes conflitantes, sobre uma mesma questão. Estas visões diferentes, postas em confronto, estimulam os participantes do grupo a realizarem esforços significativos para justificá-las, refutá-las ou mesmo compará-las. É na medida em que eu vejo de forma diferente do meu interlocutor, que aparece a oportunidade do diálogo e da troca. Geram-se análises que permitem o estabelecimento de sínteses mais adequadas. Tais esforços dificilmente seriam feitos sem estes estímulos que os grupos são capazes de produzir. Por isso, o educador presente em um grupo educativo procura explorar as diferenças, estimulando que elas apareçam e sejam discutidas. As diferenças são indispensáveis para a concretização do diálogo. Só trocamos diferenças. Unanimidades não são trocadas. Acreditamos que o principal papel do educador frente a um grupo é o de manter o confronto do grupo consigo próprio, com o educador e com o objeto do conhecimento. Lógico que este confronto não deve ser exacerbado até o ponto em que as posições se radicalizem e deixem de permitir o diálogo, isto é, a troca. Quando este perigo se torna presente, o educador passa a agir como moderador para esfriar os ânimos. Uma das técnicas mais efetivas é a de passar a palavra para outros participantes solicitando suas opiniões sobre a questão discutida. Uma vez que a coordenação de um grupo educativo é um artesanato a ser exercido de acordo com as circunstâncias, não é possível propor receitas. Todavia, introduzir algumas sugestões que possam ajudar no aprimoramento deste artesanato pode ser útil e passaremos a fazê-lo daqui por diante.
1. A FRAGILIDADE DA PERGUNTA COMO ELEMENTO ESTIMULADOR DA
DISCUSSÃO Muitos educadores acreditam que formular verbalmente uma questão ao grupo é suficiente para fazer nascer a discussão. Nossa experiência tem mostrado que as perguntas são, geralmente, muito pobres para gerar discussões. E a pergunta tem o grave defeito de orientar a discussão, apenas, para aspectos considerados importantes pela pessoa que perguntou. E estes aspectos podem não ser os mais importantes para os participantes do grupo. Um exemplo ilustrativo do que queremos dizer pode ser dado pela pergunta: “Como é o atendimento médico aqui no bairro?” A questão pressupõe que o atendimento médico é o aspecto central a ser discutido. Mas o grupo pode estar mais interessado em analisar outros aspectos da questão saúde (alimentação, custo de remédios, higiene, funcionamento do corpo humano, medicina preventiva, etc.). Ao formular a pergunta acima, o educador pode estar, sem desejar, fechando a discussão em relação a vários aspectos e privilegiando apenas o atendimento. Portanto, a pergunta pode não ser a melhor forma de propor um tema para discussão. Quando, por qualquer razão, é impossível evitar a pergunta, é conveniente que ela seja a mais ampla possível. Por exemplo: “Pra que servem os políticos?” ao invés “Em quem vocês votaram nas últimas eleições?” Um outro fator limitativo costumeiramente ligado à pergunta é a de sugerir a existência de uma resposta “certa”. E isto merece algumas considerações. Não sei, se já observaram, mas a educação tradicional fez com que todos nós nos habituássemos ao fato de que a cada pergunta corresponda uma (é só uma) resposta certa. Quando o professor formula uma pergunta, o aluno a quem foi perguntado deve responder com a resposta certa. Como, normalmente entende-se como resposta certa aquela que o professor tem na cabeça, o exercício de responder deixa de ser um estímulo à reflexão para transformar-se num estímulo à rememorização (para lembrar o que foi dito anteriormente pelo professor ou qualquer outra autoridade no assunto, ou mesmo de adivinhação do que o professor está esperando como resposta. Em outra palavras, feita uma pergunta, as pessoas poderão estar menos interessadas em refletir e analisar na busca de encontrar a resposta ao que foi perguntado do que em agradar o professor dando a ele a resposta, que ele deseja ouvir.
2. A UTILIDADE DO USO DE CÓDIGOS PARA ESTIMULAR A DISCUSSÃO
Pelas razões já comentadas, é conveniente trazer os assuntos a serem discutidos sob outra forma que não seja a simples pergunta. Códigos que representem a questão que se quer discutir podem ser apresentadas de diversas formas: a) Um desenho em que a situação a ser discutida esteja presente; b) Um cartaz ou painel montado a partir da realidade ou das opiniões que os participantes tenham sobre o assunto; c) Um “slide” apontando uma situação típica da questão a ser analisada; d) Uma dramatização da questão a ser analisada; e) Um pequeno texto; f, g, h…) a cargo da sua criatividade. Como não poderia deixar de ser, as sínteses obtidas pela decodificação serão extremamente mais complexas e amplas do que o código, já que resultarão das experiências pessoais de cada um dos participantes, fertilizadas pelas experiências e conhecimentos de todos os outros participantes.
3. CUIDADOS NA MONTAGEM DOS CÓDIGOS
Na escolha e montagem do código, devemos ter sempre presente que ele é um mero introdutor do assunto a ser discutido. Por isso, o código deverá ser simples e de fácil entendimento. O objetivo da discussão não é decifrá-lo. Ele serve como ponto de partida de um processo que visa discutir e analisar a situação codificada. A rigor, o que se pretende é a reflexão sobre o codificado e não sobre o código. Por isso, é preciso resistir à tentação de incluir “mensagens” nos códigos para apontar os caminhos que a discussão deve seguir. Quanto mais simples, melhor será o código.
4. O PROCESSO DE DECODIFICAÇÃO
4.1. O MOMENTO INICIAL: ADMIRAÇÃO
Uma vez representado o código aos educandos, o educador deverá dar tempo ao grupo para admirá-lo. Os primeiros momentos são dedicados à compreensão do que está sendo mostrado, a menos, é claro, que o próprio grupo haja participado da elaboração do código. Cada um dos participantes vai identificando o que está sendo mostrado e tendo as primeiras idéias a respeito.
4.2. A DESCRIÇÃO DO CÓDIGO
Após estes momentos de satisfação da curiosidade dos participantes do grupo, o educador poderá ajudar no primeiro momento da decodificação que é a descrição do código. Neste momento, os participantes são convidados a dizer o que está aparente no código. Como pode ser percebido facilmente, ao descrever as pessoas não precisam preocupar-se com o certo ou errado, apenas dirão o que vêm. Normalmente, o educador faz uma pergunta do tipo: “O que estamos vendo aí?” ou “o que é isso aí?” Falta a pergunta, é preciso dar o tempo necessário para que as pessoas possam responder. Isto vale não só para esse momento, mas para todos os outros em que o educador fizer uma pergunta ao grupo. Nós educadores, quase nunca nos damos conta de que existe um longo caminho a ser percorrido pelo educando até que ele tenha condições de dar uma resposta consciente. Primeiro, ele terá que entender a pergunta. Depois, terá que imaginar as possíveis respostas. Em seguida, selecionar a resposta que corresponde melhor ao que foi perguntado. Posteriormente, terá que criar coragem para tomar a palavra e responder. Finalmente responder. E este processo leva alguns segundos. Ansioso com o silêncio que segue a sua pergunta , o educador normalmente, imagina que os educandos não entenderam a pergunta e resolvem formulá-la de outra maneira. Ao fazer isto, ele interrompe a reflexão que os educandos faziam, para introduzir a compreensão da nova pergunta feita. Os educandos gastam algum tempo até perceberem que a pergunta é a mesma, apenas formulada de outro jeito, e aí retomam o raciocínio antigo. O novo silêncio preocupa o educador e ele novamente acredita que não foi entendido e reformula novamente a questão. O processo se repete. E então, via de regra, o educador não agüenta mais e ele próprio responde à sua pergunta. Esta situação relativamente caricaturada aqui acontece com mais frequência do que se imagina e é responsável pela maior parte das queixas dos educadores que gostam de dizer coisas como: “o pessoal do meu grupo não fala, tem muita dificuldade em discutir, não responde, etc.”. A falta de paciência do educador costuma ser a principal causa da inibição dos educandos. Se você faz uma questão e o pessoal está demorando a responder, espere. O silêncio que está criando uma tensão em você está também gerando tensão neles. Seguramente, alguém irá quebrar, ainda que timidamente, este silêncio. Aprenda a trabalhar com o silêncio. Quebrado o silêncio inicial, o educador deve estimular o grupo a continuar esta fase inicial da decodififcação. Isto se faz com perguntas do tipo: “Além do que foi dito, o que mais aparece aqui?” , “Tem mais alguma coisa?”, “E o que mais?” , etc. Os educandos continuarão com a atenção voltada para o código e com as cabeças trabalhando na compreensão do mesmo.
4.3. A DESCOBERTA DAS RELAÇÕES NÃO EXPLÍCITAS NO CÓDIGO
Completada a fase inicial de descrição do que é aparente no código, o educador procurará um começo de aprofundamento. Trata-se da descoberta das relações existentes na situação codificada que não aparecem explicitamente nele. Digamos, por exemplo, que o código apresente uma sala de aula ou o interior de uma estação de metrô. Perguntas do tipo ”Por que?”, “Onde?”, “Quando?”, etc. estimularão os educandos a identificar relações existentes e não explicitadas. Provavelmente, aparecerão respostas como: “Os alunos estarão esperando o professor que o diretor prometeu para esta semana”. “O pessoal está preocupado porque já está atrasado para o trabalho”. “É uma escola do governo”. “É a última aula porque a sala está vazia”, “É hora de voltar para casa. Todo mundo só pensa em chegar” etc. etc. etc. Como estas relações não estão explícitas, são construções baseadas na experiência e no conhecimento de vida do grupo e de cada um dos educandos. Em outras palavras, os participantes do grupo vão “projetando” para o código as suas vivências pessoais. É claro que o grupo não tem consciência disso, mas vai atribuindo ao código as situações e opiniões a que está habituado. O senso comum aflora integralmente e se expõe a uma avaliação mais crítica. Todavia, para que esta crítica seja mais produtiva, torna-se necessário que ela seja feita, não sobre o código, (que é uma abstração, que não compromete ninguém) mas sobre a própria realidade em que todos estão envolvidos. Inicia-se então a fase seguinte.
4.4 A PASSAGEM DA DISCUSSÃO DO CÓDIGO PARA A DISCUSSÃO DA
REALIDADE Como já vimos, a função do código é representar algum aspecto da realidade que queremos aprofundar (conhecer melhor) para trazê-la para a reflexão dos educandos de um grupo educativo. Na maior parte das vezes, esta passagem é natural e decorre da própria fase anterior. Isto acontece naturalmente quando algum participante justifica sua fala com dados da própria realidade. Por exemplo: “Aqui no bairro, a estação do metrô só fica cheia assim na hora de ir para o trabalho”. Esta afirmação pode ser confirmada ou contestada por outro participante ou o educador pode perguntar por que isso ocorre e assim começa-se a discutir a realidade codificada e não mais o código. Estamos, então, no próprio processo de análise(ou discussão) do objeto do conhecimento que foi escolhido. Pode, portanto ocorrer, que esta passagem não se faça de forma tão natural. Algumas vezes, existem resistências do grupo em refletir mais profundamente certos aspectos da sua realidade. Muitas vezes, o grupo prefere de forma consciente ou não, ignorar certas situações que lhe são constrangedoras. Encontramos esta situação em grupos de favelados que preferem não enfrentar a situação de forma crítica, mas esconder-se por trás de explicações mágicas ou ingênuas do tipo “Estou na favela por pouco tempo”, ou “Aqui não é favela porque todo mundo trabalha”. Preferem ficar na análise do código, sem trazer a conversa para a sua própria realidade. Algumas vezes, portanto, essa passagem poderá ser ajudada pelo educador com questões do tipo: “Isto acontece aqui?”, “Já aconteceu com alguém que você conhece?”, “Isto é verdade?” etc.
5. A AÇÃO DO EDUCADOR NO PROCESSO DE DECODIFICAÇÃO DA
REALIDADE Feita a passagem do código para a realidade, inicia-se a fase central do processo. É exatamente a que irá permitir aos educandos a ampliação e o aprofundamento dos seus conhecimentos sobre a realidade em que vivem. No decorrer desta análise, o educador deverá estar atento para que as afirmações feitas pelos educandos sejam justificadas, sempre que possível. É preciso ter em conta que raramente as pessoas deixam de ter explicações para as próprias afirmações. Mas, estas explicações podem ser irracionais (mágicas) ou pouco explicativas (ingênuas). Ao provocar para que estas explicações apareçam, com perguntas do tipo: ”Como”, “Por que?”, “Quando?”, etc., o educador está criando a oportunidade para discuti-las e aprofundá-las. Quando as pessoas formulam as suas explicações, estão tentando verbalizar suas descobertas sobre as relações não aparentes que existem na realidade. Na maior parte das vezes, as pessoas estão satisfeitas com as explicações que possuem. Não se questionam mais sobre elas.
5.1. O EDUCADOR COMO AGENTE MEDIADOR NAS DIVERGÊNCIAS
Quando um dos participantes formular suas explicações (em geral provocado pelo educador) pode ocorrer uma das situações: a) todos os participantes concordam com a explicação (consenso). Esta é a situação mais trabalhosa para o educador. Veremos depois, porque. b) existem os que não concordam com a explicação (dissenso) e que expressam claramente esta discordância. Neste caso, o confronto das opiniões divergentes servirá para questionar a explicação, obrigando as pessoas a refletirem melhor sobre a questão. Já vimos que a situação de dissenso é a mais propícia aos grupos educativos, na medida em que incentivam a discussão e a troca. A dificuldade maior estará na possibilidade de radicalização de posição entre dois participantes que poderão monopolizar a discussão. Vimos que isto pode ser contornado pelo educador, com uma frase do tipo: “Bem, já vimos que o Sr. Fulano e Dona Fulana acham. Vamos ver o que os outros têm a dizer”. Normalmente, isto é suficiente para arrefecer os ânimos e permitir que os outros falem. Por ser a situação de divergência a ideal para a discussão, convém ao educador procurá-la. Infelizmente, a sociedade autoritária em que vivemos, não estimula as pessoas a externarem com facilidade as suas discordâncias. Assim, quando alguém formular uma explicação qualquer, convém observar se esta é uma opinião geral e estimular um pouco o aparecimento de discordância. Normalmente, isto é feito pelo educador perguntado ao grupo: “O que vocês acham disto?” ou “Vocês todos concordam com isto?”. Esta tendência natural de não externar as discordâncias vai sendo diminuída, na medida em que o grupo vai se constituindo e vai descobrindo o caráter conflitivo presente na construção do conhecimento.
5.2. O EDUCADOR COMO QUESTIONADOR DO GRUPO
Como vimos acima, ao ser apresentada uma explicação, ela pode ser um consenso, isto é, todos concordam com ela. Neste caso, a ação do educador torna-se mais trabalhosa. Competirá a ele confrontar a unanimidade. Exercer a função de crítico e desafiar o grupo. É nesse momento que se identificará a qualidade do educador. Para conseguir confrontar o grupo com sucesso, o educador terá que identificar as incoerências, os pontos fracos ou as contradições da explicação e atacá-los. Mas, para isto, é fundamental que a relação entre o educador e os educandos seja uma relação não autoritária. Caso contrário, a discussão morreria aí. Todos fingiriam concordar com a posição do educador ou procurariam memorizar a sua explicação e o processo de reflexão estaria interrompido. Como o objetivo do educador é “forçar” a reflexão do grupo, o ataque às explicações mágicas ou ingênuas terá que ser feito estimulando o pensar dos educandos. É óbvio que o educador atua de várias maneiras na busca da realização de sua função. Todavia, apenas para tentar, pedagogicamente, concretizar melhor o que pretendemos dizer, citaremos a seguir, algumas formas possíveis de ajudar o educador. Digamos que, ao discutir a realidade favela, surja um consenso que se possa exprimir por meio de uma frase do tipo: “As pessoas que moram na favela, moram lá porque querem”. Como atacar esse consenso? a) Por perguntas – Exemplo: “Qual a vantagem de morar em favela?” ou “Por que vocês não moram em favela?” ou ainda, “O que seria preciso fazer para sair da favela, se estas pessoas quisessem isto?” b) Por generalizações – Exemplo: “Todos os que moram na favela escolheram ir para lá?” (normalmente a generalização põe a nu a própria generalização que o grupo faz sem perceber. É bem provável que mesmo aquele que afirmou que o favelado é voluntário, conhece algum caso de alguém que, na sua opinião gostaria de sair da favela e não consegue fazê-lo). Generalizando, o educador, muitas vezes, consegue que o grupo perceba o absurdo da própria generalização. c) Por particularização – Exemplo: “Eu li no jornal que houve uma ocupação de terras aqui perto por favelados que queriam ter um terreno e construir a sua casa”. (A particularização pode fazer com que os educandos lembrem de casos concretos que desmintam a sua afirmação anterior).
Percebe-se que o objetivo que se tem não é o de que os participantes aprendam as
respostas “certas” ( que são aquelas que o educador tem na cabeça) mas que reflitam sobre a própria realidade, procurando compreendê-la.
5.3. O EDUCADOR COMO PARTE DE UM PROCESSO
Todo educador precisa saber que este processo de reflexão e mudança dos educandos não é um processo mágico e imediato. Portanto, não precisa angustiar- se se, apesar de todos os seus esforços, o grupo permanecer durante o debate com o mesmo consenso ingênuo. Afinal, a educação é um processo. As sementes lançadas frutificarão amanhã. O educando irá aprendendo coisas que certamente influirão na sua visão futura das questões vistas hoje. Provavelmente aqueles que hoje acreditam na voluntariedade do favelado irão mudar sua opinião, na medida em que compreenderem melhor outros aspectos da realidade. Mais do que permitir o conhecimento imediato da própria realidade, o processo de decodificação é um instrumento de mudança qualitativa dos educandos. O que se pretende é que as pessoas tornem-se críticas, isto é, desenvolvam sua capacidade de refletir e buscar o que se esconde por detrás do aparente. Capacidade que o autoritarismo da nossa sociedade tende a atrofiar. Mais do que conhecimentos novos, (embora eles possam também acontecer) a decodificação pretende produzir homens e mulheres novos para que se tornem cada vez mais capazes de pensar e agir na realidade.
5.4. O EDUCADOR NÃO FAZ APENAS PERGUNTAS, MAS TRAZ TAMBÉM
INFORMAÇÕES O educador é alguém diferenciado do grupo. Esta diferenciação não o torna “superior” mas “diferente”. Diferente, ao menos, no fato de ter tido conhecimento anterior do aspecto da realidade codificada e que iria ser analisado. Portanto, com a possibilidade de refletir com antecedência sobre o assunto, pesquisar aspectos importantes. Mas, não é apenas nisso que o educador é diferente. Ele é também diferente porque tem informações mais complexas e completas das do seu grupo. Aliás, são estas diferenças que justificam o seu papel de educador. Esta diferença somente será prejudicial se servir como instrumento de dominação do grupo. Risco nunca totalmente afastado quando se sabe que uma das características da sociedade autoritária é firme convicção de que quem ensina o educador são seus educandos. São eles que emitem sinais que permitem ao educador avaliar os resultados da sua prática. Mas, de nada adiantarão se estes sinais se o educador não for capaz de lê-los, interpretá-los e construir respostas alternativas. Este texto tem a pretensão de ajudar, ao menos parcialmente, o educador neste processo de pesquisa e aprendizado. Se conseguimos, só você, leitor educador, poderá dizer.