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Filosofia

Primeiro Trimestre
Atividade de Sala 1: Leitura e Resumo
“O código de conduta intelectual: Princípios Éticos”

Capítulo 1 - Um código de conduta intelectual*


Razões para usar bons argumentos
Há uma série de razões práticas pelas quais é importante formular bons
argumentos e esperar que os outros façam o mesmo. Primeiramente, e mais
importante, bons argumentos nos ajudam a tomar decisões pessoais melhores. De fato,
há motivos para crer que aqueles que usam critérios racionais em todos os aspectos de
suas vidas têm uma maior chance de alcançar os seus objetivos com sucesso ou
completar os seus projetos. Bons argumentos desempenham um papel particularmente
importante, ajudando-nos a tomar decisões morais difíceis. Eles não apenas ajudam a
decidir qual ação positiva tomar, mas ajudam também a evitar ações que tenham
consequências nocivas. Falsas crenças, que são frequentemente o resultado de maus
raciocínios, embaçam nossa visão moral e frequentemente levam a ações que causam
danos consideráveis a outras pessoas. Como todos nós somos responsáveis pelas
consequências de nossas ações, cabe a nós basearmos nossas crenças e decisões em
conclusões resultantes de bons argumentos.
Em segundo lugar, bons argumentos promovem nosso interesse geral, na
medida em que nos fazem admitir apenas os pontos de vista que julgamos, a partir de
razões, verdadeiros ou defensáveis. Se nós exigimos bons argumentos de nós mesmos,
essa exigência deveria nos levar a ideias novas e melhores, reforçando o poder de muitas
das crenças que já temos, ou expondo a fraqueza que deveria levar à qualificação ou ao
abandono dessas crenças.
Em terceiro lugar, o uso de bons argumentos eleva o nível do pensamento e das
discussões em contextos sociais, pessoais ou de negócios. Quando tentamos convencer
alguém de um ponto de vista, normalmente bons argumentos são mais eficientes do
que métodos como a intimidação ou chantagem emocional. Pelo menos eles têm um
efeito mais permanente.
Finalmente, focar na qualidade de um argumento é a maneira mais eficiente de
resolver disputas pessoais ou de resolver conflitos. Se respeitamos o mérito dos
argumentos alheios, nós descobriremos pontos fortes que tornarão nossa posição mais
defensável ou pontos fracos que a tornará mais frágil.
Se argumentos bons ou livres de falácias são tão importantes, por que se deveria
perder tempo estudando argumentos ruins ou falaciosos? Porque a habilidade de
discriminar padrões de raciocínio falaciosos de não-falaciosos é uma condição
necessária para raciocinar bem. Uma pessoa não conseguirá construir bons argumentos
se ele ou ela não souber a diferença entre bons e maus argumentos.
(...)

Um código de conduta intelectual

*Damer, Edward. Attacking Faulty Reasoning: A Practical Guide to Fallacy-Free Arguments, Sixth
Edition. Belmont: Wadsworth Cengage Learning, 2009. Traduzido por Giovane Rodrigues para as
aulas de Filosofia no Colégio Miguel de Cervantes.
O foco principal deste livro é a construção de bons argumentos, ou seja,
argumentos não-falaciosos. Mas é importante compreendê-los dentro de um contexto
de regras básicas para o comportamento intelectual esperado de uma pessoa madura
quando esta entra em uma discussão racional a respeito de questões controversas. Os
princípios que constituem esse “código de conduta” incorporam tanto os critérios de
um bom argumento quanto outros elementos que orientam uma discussão e
argumentação eficiente, os quais serão trabalhados em mais detalhe ao longo do livro.
Visto como um todo, o código representa dois padrões de comportamento muito
importantes: um padrão acerca do modo de proceder e um padrão ético.

I. Um padrão eficiente acerca do modo de proceder


O primeiro padrão de comportamento representado pelo código de conduta diz
respeito ao modo de proceder. Ele descreve as regras básicas que, quando seguidas, no
mais das vezes levarão a uma resolução bem-sucedida a respeito dos problemas que
nos dividem. O código, portanto, é simplesmente a formalização de maneiras eficientes
de lidar racionalmente como problemas controversos. O tipo de comportamento
intelectual mais produtivo na hora de resolver disputas, confirmar juízos e rever crenças
é normalmente conduzido de acordo com tais princípios. De fato, pesquisadores da
comunicação oral descobriram empiricamente que discussões que seguem regras
básicas semelhantes a essas acerca do modo de proceder são mais bem-sucedidas do
que discussões que não seguem tais regras. Minhas experiências como argumentador e
meus experimentos com esses princípios em minhas classes renderam os mesmos
resultados gratificantes.
Em meu próprio curso de lógica, eu normalmente começo com a discussão do
“Código de Conduta Intelectual”, e eu o utilizo ao longo do curso. Perto do final do curso,
eu peço aos membros da classe que escolham um problema ético contemporâneo,
acerca do qual eles se dividem de modo apaixonado em grupos mais ou menos iguais.
Dividimos, então, esses dois grupos; os grupos se voltam um de frente para o outro na
sala de aula e eles discutem o tema por três aulas consecutivas, seguindo o código
apresentado neste capítulo. Eu atuo como moderador e evito dizer qualquer coisa
relacionada ao conteúdo do problema; eu simplesmente indico quando cada um dos
lados violou o código. Os estudantes são encorajados a pesquisar acerca dos temas nos
dias entre as discussões, e eles frequentemente trazem suas descobertas, evidências ou
ambas para a conversa com os outros membros da classe. Eu tenho conduzido esse
experimento por mais de vinte anos, e quase invariavelmente os membros da classe
chegam (depois de três horas de discussão) a um consenso completo acerca do
problema ético em questão. Ao longo dos anos, eles discutiram uma ampla gama de
problemas éticos, desde gays no serviço militar até vegetarianismo, e eles quase sempre
ficam surpresos e entusiasmados com o resultado. A posição de consenso a que se chega
é raramente uma das duas posições originais; ela é normalmente uma “terceira” via,
uma via melhor.

II. Um importante padrão ético


O segundo padrão de comportamento representado pelo código de conduta é
ético. Embora possa parecer um pouco estranho tratar como uma falha moral a
incapacidade de conduzir uma discussão de acordo com os princípios apresentados aqui,
certamente não é estranho sugerir que se deve argumentar honestamente. Na medida
em que uma disposição honesta exige, de todos os participantes de uma discussão
racional, um comprometimento com os mesmos padrões mínimos de comportamento
intelectual, essas regras assumem claramente uma dimensão ética. Considere quão
frequentemente nós nos encontramos em situações em que nosso oponente verbal se
recusa a discutir segundo o que consideramos ser “as regras do jogo”. Isso não apenas
trava a discussão, mas — e isso é mais importante — impede que o problema em
questão seja resolvido ou pelo menos explorado mais profundamente. Em tais situações
nós frequentemente ficamos indignados com nosso oponente, e nossa demanda pelo
comprometimento com certas regras básicas vem acompanhada por uma irritação não
pequena; essa irritação tem certamente traços morais. Nós claramente esperamos um
jogo limpo da parte dos outros debatedores, e nós obviamente devemos esperar o
mesmo de nós próprios.

III. Um código de conduta intelectual para discussões eficientes


Uma “discussão” pode envolver dois ou mais participantes, ou pode ser
simplesmente uma discussão interna consigo mesmo. Em qualquer um desses casos, a
pessoa que deseja construir os argumentos mais fortes possíveis para defender os seus
pontos de vista — e que deseja, além disso, fazer a sua parte na resolução de conflitos
acerca do problema em disputa — deve assumir cada um dos seguintes princípios como
uma parte de seu estilo intelectual.

1. O princípio de falibilidade
Cada participante de uma discussão a respeito de um problema controverso deve estar
disposto a aceitar o fato de que ele é falível1; isso quer dizer que cada um deve admitir
que a sua visão inicial pode acabar não sendo a posição mais defensável no que diz
respeito a essa questão.

2. O princípio de busca pela verdade


Cada participante deve estar comprometido com a tarefa de buscar sinceramente a
verdade, ou pelo menos buscar a posição mais defensável acerca do tema em questão.
Portanto, deve-se estar disposto a examinar seriamente posições alternativas2, procurar
novas perspectivas na posição dos outros, e permitir que outros participantes

1
G.R.: Ou seja: todo mundo pode falhar. Segundo o princípio da falibilidade, você só se deve entrar
em uma discussão caso você admita a possibilidade de estar errado em relação às suas opiniões, aos
seus argumentos e às suas conclusões. Moral da história: se você se achar infalível, bom demais para
estar errado, então nem entre na conversa.
2 G.R.: Sempre que o autor fala em “posições alternativas”, ele se refere a posições diferentes

daquelas que você defende. No caso em questão, o princípio exige que você examine as ideias e
opiniões da pessoa com que você está discutindo. Depois de examiná-las, você deve usá-las para
tentar melhorar a sua própria posição (caso você não queira simplesmente abandonar a sua posição
inicial). O mais importante a ser dito a respeito do princípio de busca pela verdade, no entanto, é o
seguinte: não entre numa discussão para vencer, mas sim para conhecer mais e aprender algo. O
objetivo é a verdade.
apresentem argumentos contra ou levantem objeções a qualquer posição assumida em
relação ao tema em disputa.

3. O princípio de clareza
A formulação de todas as posições, defesas e ataques deve estar livre de qualquer tipo
de confusão linguística, e deve estar claramente separada de outras posições e
questões3.

4. O princípio do ônus da prova4


O ônus da prova acerca de qualquer posição normalmente cabe ao participante que
apresenta a posição. Caso um oponente peça, aquele que propôs a posição deve prover
um argumento para essa posição.

5. O princípio de caridade
Se o argumento de um participante é reformulado por um oponente, ele deve ser
expresso cuidadosamente na sua versão mais forte possível, de modo a ser consistente
com o que se acredita ser a intenção original da pessoa que apresentou o argumento
pela primeira vez5. Se há qualquer dúvida acerca da intenção ou sobre qualquer parte
implícita do argumento, deve ser dado à pessoa que o apresentou primeiro o benefício
da dúvida na reformulação e/ou, se possível, deve ser dado a ele a oportunidade de
melhorar o argumento.

3
G.R.: Esse é provavelmente o princípio mais fácil de entender e mais difícil de executar. A ideia é:
você tem que se esforçar ao máximo para que a pessoa com quem você discute te entenda. Para isso
você tem que ser claro: falar direitinho, com as palavras certas, com as ideias organizadas, etc.
4 G.R.: a palavra “ônus” significa o mesmo que “responsabilidade” ou “dever”. Quer dizer: se no meio

de um debate você apresentou uma ideia, você tem a responsabilidade por ela. Ou seja: é a pessoa
que apresenta o argumento que deve se dar ao trabalho de defendê-lo. Muitas vezes dizemos nossa
opinião e achamos que ela é óbvia. Mas nem sempre é assim. Algumas coisas que dizemos precisam
ser provadas, precisam de defesa por meio de argumentos. O que o princípio do ônus da prova diz é
que, caso a pessoa que debate com você diga: “prove essa sua afirmação!”, então você tem a
obrigação de oferecer essa prova. Portanto, em uma discussão não afirme algo que você não
consegue defender, para o qual você não argumentos.
5 G.R.: O princípio de caridade exige que você seja legal com o seu adversário. Isso quer dizer o

seguinte. Caso ele não tenha sido muito claro (ou seja, caso ele não tenha cumprido o princípio 3) e
você precise dizer o argumento dele com as suas próprias palavras, você deve formular o argumento
dele como se o argumento fosse seu. “Ser legal”, nesse caso, é tentar transformar o argumento
obscuro do seu adversário em um argumento forte. Não se espante: você não está fazendo papel de
bobo; seu principal objetivo não é ganhar a discussão, mas sim alcançar a verdade a respeito da
conversa (segundo o princípio 2).

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