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AGIR DE FORMA ÉTICA 1

CAPÍTULO XX

AGIR DE FORMA ÉTICA


Eduardo Simões
2 MANUAL DE COMPETÊNCIAS PESSOAIS, INTERPESSOAIS E INSTRUMENTAIS

 Objectivos
Pretende-se que no final da leitura deste capítulo, o leitor ou a leitora seja capaz de:

 Reconhecer as dificuldades de avaliação da dimensão ética de situações quotidianas e


saber como ultrapassá-las

 Conhecer os aspectos essenciais do processo de tomada de decisão em situações


eticamente dúbias
 Saber como actuar para potenciar o carácter ético das decisões
AGIR DE FORMA ÉTICA 3

COMPREENDER A COMPETÊNCIA
Aprende-se, ou ensina-se, a agir eticamente? A pergunta será natural para alguns, bizarra para
outros. Em qualquer dos casos, dar resposta é importante, dado que algumas vozes asseveram a
impossibilidade de prescrever orientações quanto aos comportamentos eticamente recomendáveis
ou sobre como evitar actos indesejáveis, nomeadamente nas organizações1, atribuindo às
convicções éticas um estatuto que não difere do mero gosto ou opinião. Descartando essa
orientação, ainda que cientes dos riscos da tarefa, assumimos uma resposta positiva à questão
inicial: neste capítulo tratamos das competências subjacentes às decisões e aos comportamentos
individuais sensíveis ao escrutínio ético, particularmente quando ocorrem no âmbito organizacional.
Relativizando as polémicas sobre a (im)possibilidade de “objectivar” normas éticas, tomaremos
em consideração, sobretudo, os resultados recentes da pesquisa nos domínios da psicologia e
especialmente da psicologia social. Estes mostram que, em situações consideradas eticamente
dúbias, as decisões estão, muitas vezes, fora do controlo consciente e podem mesmo entrar em
conflito com os padrões morais do indivíduo. Quer dizer, pessoas “boas” podem fazer coisas “más”,
continuando a ver-se como moralmente impolutas2. Como adiante veremos, diversos processos
psicológicos concorrem para que tenhamos tendência a enviesar as nossas decisões nas questões
éticas sem sequer estarmos cientes disso, um fenómeno a que se atribuiu a designação “eticidade
limitada”3.
Alguns dos resultados da investigação sobre os comportamentos éticos permitem ajudar a
detectar e compreender as dificuldades individuais no acto de discernir entre vários cursos de acção
em situações eticamente dúbias e constituem, portanto, uma base aceitável para estabelecer
orientações para as decisões neste domínio. Em suma, trata-se de uma perspectiva que permite
uma abordagem descritiva e não apenas prescritiva, oferecendo ideias sobre as dinâmicas
cognitivas e emocionais bem como acerca das motivações subjacentes aos comportamentos menos
éticos das pessoas.
Avaliar o carácter problemático de uma situação em termos éticos e saber como conduzir o
subsequente processo de tomada de decisão podem, assim, constituir-se como competências
pessoais, susceptíveis de aprendizagem, reflexão e treino como quaisquer outras. Ainda que não
garantam o carácter ético de uma decisão ou de um comportamento, fazem parte dos requisitos
para o conseguir. Não se trata, por isso, de promover competências de ética, mas competências
para a ética. Não receitas, mas ingredientes.
Nesse sentido, mais do que expor e promover normas, como é usual neste domínio, pretende-se
aqui fornecer informação específica sobre as competências que favorecem o processo proactivo de
tomada de decisão ética, incluindo evidências sobre dificuldades que as abordagens tradicionais da
ética geralmente ignoram. São igualmente sugeridas formas de apoiar directamente o
comportamento ético nos outros, bem como indicações para implementar mudanças no ambiente
social que possam promovê-lo. Para esse efeito, considera-se que uma decisão ética é a que se
revela “aceitável tanto legal como moralmente para a comunidade alargada” 4
Apesar de abranger potencialmente todos os contextos sociais, este capítulo dá destaque aos
aspectos éticos do comportamento nas organizações. Afinal, passamos uma parte importante do
nosso tempo interagindo enquanto membros, clientes ou utentes de organizações e adentro delas
lidamos com algumas das questões éticas mais agudas. E, nos tempos que correm, é indiscutível
que os desmandos éticos nas organizações concentram mais a nossa atenção do que outros
domínios da vida social.
4 MANUAL DE COMPETÊNCIAS PESSOAIS, INTERPESSOAIS E INSTRUMENTAIS

A natureza da conduta ética


De onde vêm as normas éticas? Como decidimos, de entre os possíveis cursos de acção, aquele
que nos parece correcto?
Poderemos distinguir três orientações na escolha ética. A primeira sustenta que se a acção apela
a uma regra preexistente e conhecida, o indivíduo estará a conduzir-se deontologicamente, isto é,
cumprindo um dever5. Obviamente, a escolha ética será clara se essa regra for explícita e estiver
formalizada, como é caso dos códigos deontológicos profissionais.
Uma outra formulação, a chamada ética da virtude, toma em consideração o carácter moral da
acção e dá saliência à integridade moral do decisor e a sua adesão a princípios. A intenção de ser
ético e o esforço despendido para ser um agente moral constitui a pedra de toque da avaliação da
acção. Isto é, mais do que a acção, é a natureza do sujeito que está em causa. Note-se que uma
abordagem deontológica pode, na verdade, ser permeada por um enfoque de virtuosidade. De facto,
o suporte de qualquer código de responsabilidade profissional deverá consistir numa explicitação
das qualidades necessárias para que se possa considerar moralmente íntegro um praticante de uma
profissão. Todavia, estes dois conjuntos de princípios podem opor-se e gerar situações dilemáticas
de decisão como acontece, por exemplo, em decisões financeiras, nas quais o interesse dos
clientes e a lealdade à empresa se podem apresentar como contraditórios.
Provavelmente, a abordagem consequencialista constitui a perspectiva mais conhecida.
Considera as consequências da acção como medida da eticidade. A versão utilitarista é a mais
citada e indica que uma acção é ética se proporcionar o maior bem ou provocar o menor dano
possível. Ou, dito de outra maneira, se conduzir à prevalência do bem sobre o mal. Nesta
perspectiva, a acção ética nas organizações refere-se a decisões e comportamentos que beneficiam
e/ou e provocam o menor dano para todos os que são afectados pelas suas actividades: clientes,
empregados, accionistas, comunidade e outros agentes do meio envolvente. Implica, portanto, uma
identificação sistemática das partes interessadas numa determinada situação, bem como das
alternativas de acção e das respectivas consequências para cada uma delas.
Existindo diversas formas de definir e destrinçar critérios de apreciação ética, também ocorrem
oscilações de perspectiva quanto à natureza do seu objecto, i.e., daquilo que deverá ser apreciado.
Por exemplo, uma parte importante das pessoas, talvez a maioria, aceita passivamente a
sobreposição entre lei e ética e acredita que cumprir os imperativos legais salvaguarda o carácter
ético de qualquer acto ou decisão. Todavia, a ética inclui padrões de comportamento sobre os quais
existe concordância tácita apesar de esta não estar formalizada em lei. Especificamente, certos
comportamentos são considerados antiéticos pela maioria da comunidade ainda que não constituam
infracções a normas legais. É o que acontece com o modo de lidar com conflitos de interesses, os
quais abundam nas diferentes esferas da vida social. Pense-se, por exemplo, em governantes que,
ao deixar de sê-lo, transitam de imediato para a gestão de topo de uma empresa que antes
tutelavam. Ou em médicos, que sendo pagos para realizar testes clínicos de um dado fármaco,
escrevem artigos elogiosos sobre o mesmo em revistas médicas. Ou ainda, em qualquer cidadão,
que tendo provas claras de irregularidades na organização em que trabalha, não as denuncia por
preocupação com a sua carreira. Em todos estes casos, quando confrontados com dúvidas sobre o
possível conflito de interesses, existem duas respostas típicas por parte dos indivíduos envolvidos: a
primeira consiste em evocar a legalidade da conduta, a segunda é considerá-la simplesmente
inócua, apoiando-se na ideia de que para obviar ao potencial antiético da situação basta que se
mantenham normas de exigência ética elevada6. Como adiante se verá, a inconsciência acerca de
um conflito de interesses numa dada situação é muitas vezes motivada pelo interesse próprio, o
qual seria ameaçado pelo reconhecimento da existência de problemas éticos nas escolhas da
acção.
A perspectiva consequencialista possui limitações óbvias, já que a incapacidade de obter toda a
informação relevante para cada situação, por um lado, e as limitações cognitivas humanas, por
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outro, tornam virtualmente impossível antever todas as consequências que possam afectar outrem
numa tomada de decisão específica. Adicionalmente, o cálculo do maior benefício versus o menor
dano pode ser enviesado de forma a justificar a minimização da importância deste último. Apesar
destas fragilidades, pode considerar-se que a abordagem consequencialista apresenta um razoável
grau de utilidade imediata quando se pretende prescrever uma orientação ética para uma
organização ou para um grupo.

Contextos do comportamento ético nas organizações


Um gestor de uma grande empresa americana é citado como tendo afirmado que existem três
tipos de organizações: as que tiveram problemas de ética, aquelas que estão a ter problemas de
ética e as que vão ter problemas de ética7. No entanto, até recentemente, na abordagem dos
problemas éticos nas organizações imperou o cinismo. A disseminação de notícias sobre
comportamentos de batota, engano deliberado e corrupção, bem como o mediatismo de repetidos
escândalos no mundo empresarial, pode ter gerado uma percepção generalizada de que “todos
fazem o mesmo”, constituindo-se como determinante de uma visão cínica da ética na vida social. Só
nas últimas duas décadas a preocupação de agir neste domínio parece ter-se definitivamente
estabelecido nos meios académicos e empresariais.
Apesar da aceitação generalizada da moralidade como dimensão importante na gestão e na vida
organizacional, quando se fala de “ética nas organizações” ou de “ética empresarial”, nos dias de
hoje ainda se destacam duas posições extremas. Uma, não raro eivada de cinismo, sustenta que
associar ética e empresas ou ética e negócio é simplesmente declinar uma contradição inerente aos
termos, sendo que, na verdade, ainda recentemente muitos gestores pareciam comungar desta
opinião8, a qual sanciona implicitamente uma concepção de “negócio” que parece arredar qualquer
consideração moral. Especialmente, se lesar a competitividade ou, no limite, confrontar o normal
funcionamento do sistema, sendo este visto essencialmente como movido pelo auto-interesse.
Adentro desta concepção, ainda que a actividade empresarial seja regida pelas leis aplicáveis,
muitos agentes tendem a considerá-las como obstáculos e não como orientações desejáveis. O que
conduz à interpretação de qualquer expressão pública de cuidado ético por parte de uma
organização como uma manobra enganosa e mascarando o auto-interesse.
É comum, por exemplo, ouvirmos perguntar se a proclamação da ética e da responsabilidade
social nas empresas não é apenas uma táctica de marketing. Na verdade, existem indicadores de
que a adopção e a divulgação de procedimentos éticos compensa9 e de que, num sentido inverso, a
conduta antiética e os consequentes danos na reputação podem ter consequências graves, como
perder valor de mercado10 ou ter dificuldades em manter as ligações a fornecedores, clientes e
prescritores11. Mas, afinal, parece justo e adequado que as práticas éticas sejam recompensadas. A
empresa e os seus produtos ganham reputação, atraem e fidelizam clientes.
A referência à “ética enquanto marketing” envolve um enviesamento de partida: aquele que
decorre da crença de que se pode, contínua e consistentemente, fingir ser ético, por mera
conveniência, como seria o caso da adopção de normas de responsabilidade social. Ora, apesar de
isso poder ser objectivo de alguns, agir de forma ética não pode constituir unicamente uma manobra
táctica, cujos resultados possam ser avaliados de forma específica e directa. Como salientam,
aberta e claramente, Treviño e Nelson12, a razão suficiente para agir de forma ética pode
simplesmente ser a de considerar que essa é a forma adequada de actuar, a coisa certa a fazer,
bem em vez de mal, certa em vez de errada.
Nem que seja pela ostracização das questões éticas, esta aparente contradição entre ética e
negócio, apesar de formalmente descartada, aparece subjacente a muitos discursos sobre os
méritos do individualismo na economia. Por exemplo, Adam Smith e o seu famoso tratado sobre a
riqueza das nações13 são profusamente evocados para defender o enfoque no curto prazo e o
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interesse próprio como únicos motores da economia. Todavia, como outros bem notaram14 numa
obra anterior, este putativo padroeiro do individualismo materialista expressa, na verdade, a crença
de que uma vida boa assenta na expressão da “benevolência'' e não da riqueza material. Isto é,
defende que o ser humano, por mais egoísta que possa parecer, possui “alguns princípios na sua
natureza, em que lhe interessa a sorte dos outros e torna a felicidade deles necessária para si
próprio, apesar de nada daí retirar excepto o prazer de a contemplar”15. Ou seja, Smith exprime a
convicção de que os seres humanos são empáticos por natureza e de que frequentemente se
sentem bem com o bem dos outros. Note-se que qualquer concepção da natureza humana nos
negócios que exclua este pressuposto genérico equivale a encarar o sofrimento de outros seres
humanos como resultado colateral e aceitável das actividades empresariais.
Na verdade, mesmo muitos dos que se regem pelo paradigma clássico da racionalidade
económica entendem que “o altruísmo e outros tipos de comportamento virtuoso podem ser
incorporados na função comportamental do agente económico”16. Por exemplo, os resultados de
experiências baseadas no chamado “jogo do ultimato” mostram que, mesmo em situações que
permitem dar primazia ao interesse individual, os seres humanos levam em conta os interesses de
outrem e evidenciam preocupações de partilha justa17. Neste jogo, um dos participantes, escolhido
aleatoriamente, é convidado a dividir uma determinada verba, fazendo uma oferta a um parceiro
anónimo. De acordo com a única regra do jogo, se o parceiro aceitar a proposta, cada um receberá
a quantia respectiva. Porém, se aquela não for aceite, nenhum dos dois receberá nada.
Aproximadamente 70% das ofertas situam-se entre 40% a 50% e apenas 4 em cada 100
participantes fazem propostas inferiores a 20% da quantia em jogo, sendo que do lado dos
participantes que as recebem mais de metade rejeita ofertas inferiores a 20%. Quer dizer, a maioria
das pessoas preocupa-se com a justiça da partilha. E, ao contrário da crença de que as pessoas só
fazem o bem por razões últimas de benefício pessoal, os resultados desta e de outras linhas de
investigação sugerem que as pessoas querem genuinamente ser éticas e que não tentam sê-lo
apenas por temerem um qualquer tipo de punição externa18.
Ainda que as abordagens consequencialista e deontológica sejam dominantes nas questões
organizacionais, alguns negam que a ética seja matéria de cálculo de consequências ou de deveres
aplicados apenas por obediência a princípios. É possível, por isso, defender uma ética da virtude
destinada a apoiar valores associados às aspirações no trabalho. Por exemplo, um estudo19 permitiu
salientar seis dimensões de virtude organizacional (integridade, empatia, calor, coragem,
consciência e zelo), as quais parecem estar associadas não só aos resultados de natureza
financeira, mas também a aspectos qualitativos, como sejam a satisfação dos empregados ou a
fidelização e retenção de clientes.
A “ética empresarial” é um caso à parte? Numa parte importante das abordagens, veicula-se a
ideia de que a ética nos negócios, e nas organizações em geral, corresponde a domínios
específicos, i.e., apenas diz respeito às actividades organizacionais. Nalguns casos, como acontece
com as empresas de investimento, que transaccionam produtos financeiros, a ética é, aliás, central
e inerente ao funcionamento organizacional20 Noutro extremo21, considera-se que não é possível
separar a identidade da pessoa dentro e fora do trabalho: se as pessoas agem de forma ética ou
não é uma questão individual e independente do contexto, inserida na vida organizacional ou não. E,
por isso, neste caso, assume-se que “ética empresarial” é coisa que não existe!
Note-se que esta última posição centra no indivíduo as causas determinantes dos
comportamentos éticos, ao passo que a ideia de especificidade da ética organizacional coloca
implicitamente a ênfase no contexto. Em alternativa, é possível assumir, uma posição que
poderíamos designar interacionista: considerar que o quadro de referência ético dos indivíduos é
multideterminado. Diversos factores do contexto afectam a conduta ética e, assim sendo, qualquer
orientação prescritiva sobre a tomada de decisão ética deverá ter em conta a natureza do ambiente
organizacional, para além de características individuais relevantes para o julgamento sobre os
objectos da decisão. Nessa perspectiva, que é a assumida neste capítulo, importa relevar as
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contribuições e as interacções dos factores contextuais e individuais para os processos que


conduzem às decisões e aos comportamentos éticos.

Cultura organizacional e clima ético


Desde o primeiro momento da inserção de um indivíduo numa organização, as regras de conduta,
os princípios e os valores vigentes são transmitidos formal e informalmente num processo de
socialização que envolve interacções deliberadas ou ocasionais com os colegas e supervisores. As
orientações éticas incluem-se, naturalmente, nesse conjunto normativo, integrando a dimensão ética
da cultura organizacional sob a designação explícita de ”cultura ética”. Tal como qualquer outro
aspecto da cultura, o que se considera moralmente aceitável e/ou desejável insere-se num conjunto
de pressupostos e valores compartilhados, crenças e prescrições, explícitas e implícitas, que se
traduzem no comportamento quotidiano dentro da organização, e em veículos simbólicos como, por
exemplo, os códigos de vestuário ou os rituais. As pessoas tendem a reconhecer mais facilmente as
questões éticas quando estas possuem saliência social e simbólica, o que acontece num grupo ou
numa organização com preocupações éticas. Ao contrário, não admira que os indivíduos tendam a
ignorar o problema ético de certos procedimentos se” todos fazem o mesmo”. Se, por exemplo,
“esticar” as despesas a apresentar na contabilidade da empresa parece ser uma prática tão comum
que nem é assunto de conversa, não é provável que exista sequer reflexão sobre a sua qualidade
ética.

A distinção entre culturas fortes e fracas é especialmente relevante no caso do comportamento


ético. Numa cultura forte, os valores, as normas e orientações são amplamente compartilhadas pela
maioria das pessoas na organização, as quais tendem a comportar-se da forma prescrita
implicitamente pelas orientações culturais.
Em termos gerais, o comportamento ético nas organizações parece ser função do alinhamento
dos elementos que compõem as “infra-estruturas éticas”22, as quais incluem sistemas formais e
informais de comunicação, vigilância e sanção das condutas associadas à aplicação de princípios
éticos. Elementos destes sistemas são, por exemplo, os códigos de ética, as declarações de missão
da organização, mas também os procedimentos que visam a monitorização e detecção de
comportamento antiético, ou ainda a inclusão de conteúdos explícitos de ética nos programas de
formação e treino. A saliência destes elementos é máxima quando a prescrição do comportamento
ético é clara e quando o comportamento antiético é negativamente associado aos resultados do
desempenho, penalizando explicitamente avaliações, promoções e salários.
Apesar de algum pessimismo prevalecente quanto á sua eficácia, de facto, por si mesma, a
implementação de códigos de conduta ética parece ter maioritariamente efeitos positivos23. Na
verdade, os códigos de ética, ou quaisquer outros programas formais destinados a promover o
comportamento ético, podem falhar, por falta de qualidade do conteúdo (clareza, especificidade) das
normas24 ou ainda porque a gestão de topo não se assume como “dona”, isto é, não aparece
explicitamente a dar cara pelos objectivos, porque estão excessivamente formalizados e divorciados
dos interesses directos dos colaboradores25.
O clima organizacional, distinguindo-se da cultura organizacional por dizer respeito à percepção
individual mais do que aos suportes culturais físicos, simbólicos ou discursivos, e entendido como a
percepção partilhada de procedimentos e práticas formais ou informais da organização, no que
respeita ao comportamento ético, constitui-se como o suporte das infra-estruturas éticas. Ou seja, o
clima ético integra o clima organizacional mais amplo e pode definir-se como “a percepção
compartilhada do que é um comportamento correcto e de como as situações éticas deverão ser
tratadas na organização”26, indicando, portanto, quais os comportamentos eticamente desejáveis e
aceitáveis na organização.
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Atendendo à natureza e aos conteúdos dessa percepção, cinco tipos de clima ético ocorrem com
maior frequência27 Assim, em climas benevolentes as pessoas tendem a ver a organização como
entidade que se preocupa com o bem-estar dos outros, ao contrário dos climas instrumentais, que
evidenciam uma visão da ética subordinada ao interesse próprio mesmo em detrimento dos outros.
Quando as pessoas crêem que podem agir apenas baseadas nas suas convicções pessoais no
domínio ético, fala-se de climas de independência, por contraste com os climas de regras em que as
decisões organizacionais são percepcionadas como ancoradas em regras de conduta ética claras e
fortes. Finalmente, os climas de lei e código as escolhas éticas são tidas como reguladas por
códigos externos como a lei geral e as orientações normativas de conduta profissional.
Dado que as pessoas possuem uma necessidade básica de serem aceites pelos grupos a que
pertencem28 o clima afecta o comportamento ético dos indivíduos na organização, influenciando a
maior ou menor propensão dos indivíduos para se envolverem num um largo leque de
comportamentos antiéticos. Por exemplo, um clima ético claro e positivo diminui a probabilidade de
falsificação de relatórios29. Também a prevalência de manobras antiéticas para atingir as quotas de
venda30 e da mentira face a clientes e superiores hierárquicos31 parece ser tanto menor quanto mais
forte for a percepção de clima ético.

Liderança ética
Os numerosos escândalos que abalaram, nalguns casos drasticamente, a credibilidade de
organizações outrora tidas como honestas e impolutas estão associados ao comportamento de
líderes envolvidos em actos imorais e egoístas. Apesar da responsabilidade pela ética na acção ser
partilhada por todos os intervenientes na vida organizacional, na base dos processos mais
importantes estão líderes, cujos valores e interesses afectam, por um lado, a forma como as
decisões são tomadas e, por outro, determinam a importância atribuída pelos colaboradores às
considerações éticas a elas associadas. Daí a importância atribuída às práticas de liderança
enquanto “farol” ético para os comportamentos individuais na organização.
Os primeiros estudos empíricos sobre a questão da dimensão ética da liderança32 indicaram,
sem surpresa, que a reputação moral de um gestor é construída em torno da percepção de que este
é honesto, íntegro e de que manifesta interesse pelo bem-estar dos outros. Ou seja, na perspectiva
dos observadores, a envergadura moral do líder, enquanto indivíduo com traços de personalidade
favoráveis à moralidade na acção e com motivação altruística evidente, define a base da liderança
ética. Mas, para além da reputação, como se caracteriza a liderança ética no que respeita à acção?
Em termos comportamentais, pode ser definida como ''a demonstração da conduta normativamente
adequada através de acções pessoais e relações interpessoais, bem como a promoção de tal
conduta para os seguidores através da comunicação, do reforço, e da tomada de decisão''33 (p.120).
Quer dizer, a liderança ética distingue-se pela orientação proactiva relativamente aos problemas
éticos da organização e pela promoção explícita e continuada dos valores morais junto dos
colaboradores, recompensando explicitamente a conduta apropriada e punindo os atropelos às
normas. O exercício da liderança ética envolve, deste modo, a demonstração explícita e clara de
uma preocupação pela qualidade ética das decisões e dos comportamentos dos colaboradores.
Um gestor (supervisor, coordenador) pode ser uma pessoa moralmente impoluta e a sua acção
não configurar a de uma liderança ética? É possível responder afirmativamente: um líder pode
comportar-se de forma ética porque isso decorre dos seus valores pessoais, isto é, por ser uma
“pessoa moral”, e, no entanto, estar longe de exercer uma liderança ética, dado que age de modo
passivo ou omisso no que toca à influência intencional sobre o comportamento ético dos seus
colaboradores34.
Comunicar frequentemente sobre valores e incentivar orientações éticas nas decisões e nas
acções de outrem constitui um pilar visível da dimensão ética da liderança. Porém, a saliência do
comportamento do líder, projectando o seu papel de modelo, revela-se fundamental na construção
da orientação ética dos que o rodeiam. De facto, fazer o que faz o líder é sempre mais provável do
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que fazer o que ele diz. Os colaboradores antecipam o comportamento esperado e sabem qual é
recompensado ou punido, através do processo de aprendizagem social35, i.e., com base na
observação do comportamento do líder e das suas consequências. Adicionalmente, a aprendizagem
social, envolvendo processos de retenção mnésica e de antecipação de consequências, permite a
inferência de normas a partir dos comportamentos observados na interacção com o líder. De acordo
com as predições da teoria da aprendizagem social, quanto mais elevado for o estatuto do líder,
mais saliente é o seu comportamento e, logo, mais provável é que sirva de base à modelagem do
comportamento dos colaboradores. Este processo pode ser particularmente importante num domínio
pouco estruturado e frequentemente ambíguo como o da decisão ética. O que parece inquestionável
é que gestores e líderes são fundamentais para que se possa estabelecer um ambiente ético na
organização.

Outros factores contextuais do comportamento ético


Se a influência de aspectos macroscópicos, como o caso das infra-estruturas éticas ou da
liderança ética, pode ser complexa e dependente de interacções com características e processos
individuais, outros factores contextuais específicos, que começaram recentemente a ser estudados,
revelam efeitos aparentemente específicos e mais facilmente identificáveis. Por exemplo, a
presença de riqueza abundante e visível em ambientes organizacionais pode aumentar a
probabilidade de os indivíduos se comportarem de forma antiética para benefício pessoal. De facto,
num estudo experimental36os participantes fizeram batota mais frequentemente quando tinham a
percepção de abundância de riqueza, do que quando existia um ambiente de escassez.
Aparentemente, sinais de riqueza ostensiva estimulam sentimentos de inveja, que, por sua vez,
levam a comportamento antiético.
A percepção do contexto social em que se insere a decisão individual afecta igualmente a
eticidade da escolha. Por exemplo, quando a desonestidade das pessoas beneficia outrem, para
além delas próprias, elas tendem a ser moralmente “flexíveis” e a sentir menos culpadas37

Determinantes individuais do comportamento ético


Apesar da notória importância dos factores contextuais no comportamento ético dos indivíduos,
só dificilmente este pode ser entendido sem referir os processos individuais de tomada de decisão
ética. Assim, elucidar de forma mais completa o modo como as questões éticas são abordadas no
quotidiano implica, por um lado, conhecer os processos de que as pessoas se servem, mesmo que
de forma não intencional nem consciente, para lidar com comportamentos antiéticos e, por outro,
compreender como é que as características pessoais afectam a sensibilidade individual para agir
eticamente.

Julgamento ético
A forma como as pessoas decidem nas situações eticamente dúbias está longe de seguir o
modelo do decisor racional, o qual supostamente teria acesso a toda a informação pertinente para o
julgamento ético, que saberia descortinar conscientemente todas as possibilidades de acção moral
e, finalmente, que estaria capacitado para fazer as escolhas devidas. Pelo contrário, a investigação
mostra que as pessoas, apesar de tenderem a avaliar-se como mais éticas do que a média
(Trenbunsel,1998), usam frequentemente manobras cognitivas, das quais não possuem consciência
no momento, destinadas a mitigar a noção individual de obrigação ética quando o exercício desta
contraria as suas motivações e interesses. Podem, por exemplo, adoptar os pontos de referência
que melhor servem os seus interesses ou fazer comparações com acções ou decisões passadas
que resultam na alteração da gravidade ou do significado da escolha sujeita a escrutínio ético. Dito
de outra forma, actuam muitas vezes como “advogados intuitivos”38, que se enganam a si próprios,
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em prol dos interesses e motivações pessoais, processando a informação de forma selectiva e


enquadrando as situações do modo que lhes é mais favorável.
De resto, há mesmo quem argumente que a maioria dos julgamentos éticos ocorre sem
qualquer ponderação consciente, parecendo antes consistir num padrão automático que materializa
uma “intuição moral”. Esta apreensão imediata da qualidade moral de uma decisão ou
comportamento parece ser desencadeada por uma reacção emocional que antecede o julgamento
ético. É o que acontece nitidamente quando as pessoas rejeitam de forma imediata, e sem
conseguirem explicar a razão, que se possa utilizar uma bandeira nacional para fazer panos de
limpeza ou se use o corpo de um cão morto para fins culinários39. Ou seja, apreciar se algo é
eticamente aceitável está bem longe de uma sequência ponderada e consciente, sendo antes
descrita como "a aparição repentina na consciência de um julgamento moral, incluindo uma valência
afectiva (bom - mau, gosto - não gosto), sem qualquer consciência de ter passado por etapas de
busca, de ponderação, ou de inferência de uma conclusão "40.
De maneira geral, o julgamento ético tende a ser orientado para o autofavorecimento, ou seja, as
pessoas tendem a julgar de forma mais permissiva a qualidade ética dos comportamentos sempre
que estes as favorecem, seja directamente, seja indirectamente, quando os resultados servem aos
grupos em se integram e/ou com os quais se identificam (endogrupos). Significa que as pessoas
não têm princípios ou que não procuram reger-se por normas morais? Não, longe disso. O
envolvimento em actos antiéticos envolve muitas vezes um conflito intra-individual, entre o desejo e
a norma. Conhecemos muito bem dilemas como este: o médico recomendou que você, caro leitor
ou leitora, perdesse peso e baixasse o nível de colesterol. Mas, ao jantar, no momento de escolher
entre a pizza e a salada, dá-se conta de uma luta surda entre uma parte de si que quer a pizza e
outra parte que sente que deve comer a salada. Apoiados em provas empíricas, Katherine
Milkmann41 e colegas sugerem que este conflito entre o “ego do querer” e o “ego do dever” ocorre
igualmente no julgamento ético. O dever refere-se às intenções éticas, o querer reflecte o verdadeiro
comportamento motivado pelo interesse próprio. A maneira e a intensidade com que se manifestam
parecem variar com o tempo. Antes de tomarmos a decisão, o que devemos fazer domina os nossos
pensamentos: imaginamos como iremos agir em consonância com os nossos princípios. Pensamos,
por exemplo, em resistir à pressão de atingir objectivos a qualquer custo ou tencionamos cooperar e
sacrificarmo-nos pelo bem comum numa dada situação de grupo. Todavia, à medida se aproxima a
decisão, o que queremos começa a ascender, dissipando o que antes achámos que deveríamos
fazer. Ou seja, as pessoas tendem a predizer o seu comportamento de forma errónea, acreditando,
antecipadamente, que se irão comportar de uma forma mais ética do que, de facto, acontecerá.
Quando, num estudo experimental42, se pediu a cerca de três centenas de estudantes de uma
universidade americana que indicassem como se iriam comportar num evento de solidariedade, em
que a angariação de fundos implicava a compra de flores, 86% indicaram que comprariam pelo
menos uma flor, sendo que, em média, previam comprar 2 flores cada um. Na verdade, apenas 43%
dos estudantes compraram flores, e cada destes comprou 1,2 em média. Do mesmo modo, ao
serem indagadas sobre a forma como, deveriam agir numa entrevista de recrutamento no caso de
enfrentarem um entrevistador que fizesse perguntas grosseiras com insinuações sexuais, quase
70% das participantes de outro estudo43 asseguraram que confrontariam o entrevistador e/ou
recusar-se-iam a responder. De facto, numa entrevista posterior, conduzida exactamente dessa
forma antiética, nenhuma das participantes se recusou a responder, tampouco confrontou o
entrevistador.
De resto, a dificuldade e/ou falta de exactidão dos seres humanos para preverem as
consequências das suas decisões fazem com que informação irrelevante sirva de “muleta” para o
julgamento ético. Por exemplo, existem provas empíricas44 de que as pessoas julgam um
comportamento eticamente dúbio como antiético e susceptível de ser punido quando existem
vítimas conhecidas da acção, mas não quando estas são desconhecidas ou mencionadas em
abstracto. Igualmente, é julgada como menos ética e punível a conduta que leva a um resultado
negativo, mas não aquela cuja consequência é positiva. Ou seja, as pessoas parecem ficar
AGIR DE FORMA ÉTICA 11

sensíveis à qualidade ética de uma decisão apenas depois de conhecerem as suas consequências
e acham-na eticamente aceitável ou não consoante a natureza destas.
Predisposições individuais
Apesar das manobras cognitivas anteriormente descritas ocorrerem de forma inconsciente e
instigadas por factores contextuais, a intensidade e a frequência do uso pode depender de
características distintivas da personalidade.
O maquiavelismo constitui um dos traços mais evocados quando se trata de aquilatar da
influência das diferenças individuais no comportamento ético. Deve a sua designação ao livro
clássico de Maquiavel sobre o poder, e refere-se à disposição individual para evidenciar “um estilo
interpessoal hipócrita que emerge a partir de uma rede mais ampla de crenças cínicas e de
moralidade pragmática”45. Na prática, um elevado grau de maquiavelismo está associado a uma
visão amoral e meramente instrumental da relação com os outros. De um modo geral, a pesquisa
sobre os efeitos deste traço pessoal sobre o comportamento social revela que as pessoas com
valores altos de maquiavelismo são significativamente mais propensas a ter intenções e a exibir
comportamentos claramente antiéticos, como mentir, enganar ou aceitar subornos.
Outra variável frequentemente referida é o locus de controlo, o qual se refere à crença
generalizada do indivíduo a respeito do controlo que julga possuir sobre os eventos da sua vida. Um
indivíduo com um locus de controlo interno acredita que o que lhe acontece é principalmente o
resultado dos seus próprios esforços, ao passo que um indivíduo com um locus de controlo externo
acentuado acredita que os eventos de vida são determinados principalmente pelo destino ou por
outros determinantes fora do seu controlo. Ainda que os resultados da investigação sejam
inconclusivos, é possível sugerir46 que alguém com elevado locus interno de controlo terá mais em
conta as consequências dos seus actos e maior propensão, por exemplo, para resistir à influência
de uma chefia com perfil eticamente dúbio.
A identidade moral refere-se ao modo como o indivíduo se vê a si próprio no que toca à ética, ou
seja “um autoconceito organizado em torno de um conjunto de traços morais”47, mas também a
assunção de um conjunto de valores morais e da propensão para sequências automáticas de
comportamentos características.
Sabe-se que as componentes da identidade afectam o modo como os indivíduos percepcionam
o mundo, e nomeadamente como julgam os acontecimentos. Por outro, lado existem abundantes
provas de que as pessoas têm necessidade de se percepcionarem como congruentes. Logo, quanto
mais saliente for a identidade moral para o indivíduo mais este sentirá ímpeto para a congruência,
i.e., necessidade de se implicar na moralidade na acção. Quanto mais as questões éticas forem
importantes para o modo como o indivíduo se vê, maior a propensão do para agir em conformidade.
Outras predisposições individuais parecem incrementar a probabilidade de comportamentos
menos éticos, sendo que algumas surpreendem por estarem geralmente associadas a condutas e
realizações socialmente desejáveis. Por exemplo, Francesca Gino e Dan Ariely, ao investigarem “o
lado negro da criatividade”48 mostraram que indivíduos com uma forte orientação para a criatividade
são mais propensos a comportamentos antiéticos. Aparentemente, esses indivíduos possuem mais
capacidades para justificar a desonestidade nos seus comportamentos. Num estudo de campo
numa agência de publicidade, os mesmos autores confirmaram a associação entre comportamento
antiético e funções criativas na organização.
Face à perplexidade gerada pela constatação de que os indivíduos se comportam
frequentemente ao arrepio dos seus próprios princípios, é natural a pergunta: como é possível que
certas pessoas actuem de forma claramente antiética sem sentirem qualquer tipo de perturbação?
Uma parte da resposta radica na maior ou menor propensão individual para o desprendimento
moral49, o qual constitui um importante factor antecedente de muitas decisões antiéticas. Refere-se
a um processo que permite que os indivíduos se envolvam em comportamentos antiéticos sem se
12 MANUAL DE COMPETÊNCIAS PESSOAIS, INTERPESSOAIS E INSTRUMENTAIS

sentirem mal por isso, distorcendo inconscientemente o modo como a sua decisão e o consequente
comportamento são interpretados por eles próprios. Três conjuntos de mecanismos o sustentam.
Em primeiro lugar, as pessoas podem reestruturar e reenquadrar cognitivamente o comportamento
eticamente dúbio de forma a torná-lo aceitável, como acontece, por exemplo, quando se justifica o
trabalho infantil, alegando que, decidindo de outro modo, a miséria atingiria as crianças.
O uso de linguagem eufemística é outra manobra cognitiva que mascara a gravidade de actos e
decisões. São exemplos conhecidos: referir “inverdades” que são, de facto, mentiras completas,
mencionar “danos colaterais” em vez de mortes de civis ou falar de “desinformação estratégica” que
corresponde, de facto, a engano deliberado da concorrência, ou ainda, defender “reestruturação” em
vez de despedimentos. As pessoas podem também fazer comparações desequilibradas: aceitar
dinheiro a mais num erro de trocos parece claramente um deslize menor quando comparado com
um roubo deliberado.
Um outro mecanismo de desprendimento moral assenta na minimização do papel do indivíduo
nas acções eticamente questionáveis, deslocando a responsabilidade para outrem (“foi uma ordem
superior”) ou diluindo-a (“foi uma decisão da equipa”). Finalmente, o desprendimento moral pode ser
conseguido minimizando as consequências (“não vem mal ao mundo se forjar algumas despesas a
apresentar na Contabilidade”) ou minimizando a percepção do dano que as acções causam nos
outros. No limite, estes últimos mecanismos podem incluir a negação da existência de vítimas ou a
atribuição da responsabilidade da desumanização
Ao facilitar a tomada de decisão antiética individual, o desprendimento moral desempenha,
provavelmente, um papel importante nos processos que conduzem às falhas de ética nas
organizações, De facto, pode até contribuir para perpetuar e disseminar a corrupção como statu
aceitável, dado que algumas decisões antiéticas, tomadas por indivíduos moralmente desprendidos,
tendem a ser recompensadas quando servem os interesses organizacionais50.

O comportamento ético é multideterminado


Nas organizações, e provavelmente na sociedade, em geral, a visão ainda dominante sobre os
problemas éticos assenta na crença de que eles reflectem apenas a acção de algumas "maçãs
podres", ou seja, de indivíduos que, por razões peculiares e excepcionais, seriam capazes do
inimaginável para a esmagadora maioria das pessoas. Por outro lado, este modo de olhar a questão
apresenta o indivíduo como decisor consciente de todas as possibilidades de escolha moral. Quer
dizer, assume que as pessoas decidem em consciência depois de sopesarem prós e contras dentre
várias alternativas de acção, e das quais estão cientes plenamente conscientes.
Consequentemente, líderes e decisores organizacionais tendem a crer que tais problemas se
resolvem actuando urgentemente com vista a prevenir e punir os infractores. Daí a importância
atribuída aos esforços normativos para exercer o controlo, aperfeiçoando os requisitos que,
supostamente, seriam suficientes para impedir o ressurgimento de tais comportamentos.
Porém, como se ilustra nas secções anteriores, longe de se cingirem a estes aspectos externos,
ou a traços pessoais, os processos que subjazem às falhas éticas nas organizações e, de modo
mais geral, na sociedade, envolvem uma complexa combinação de factores individuais e
contextuais.
Finalmente, a probabilidade de um individuo decidir e agir de forma eticamente adequada numa
dada situação vai depender, ainda, desta última ser mais “forte”, o que acontece quando a maior
parte das pessoas possui o mesmo entendimento acerca da forma de lhe responder, ou mais
“fraca”, i.e., se é ambígua e pouco estruturada. No primeiro caso, o comportamento individual tende
a ser esmagadoramente resultante da situação e minimamente dependente das características
individuais. No segundo, perante uma situação menos clara, a forma como o indivíduo a interpreta
dependerá mais das características pessoais bem como da saliência e clareza das normas socio-
organizacionais que a enquadram. Assumindo que este é o caso mais frequente, uma orientação
AGIR DE FORMA ÉTICA 13

prescritiva parece indispensável, menos como repositório de normas do que como súmula de
orientações para a acção capazes de ajudar a estruturar os elementos necessários para a tomada
de decisão ética no quotidiano.

Tomada de decisão ética: o que é possível fazer


Segundo as prescrições clássicas, o processo que culmina numa decisão individual sobre
questões éticas envolve quatro etapas essenciais. Em primeiro lugar, o indivíduo reconhece a
existência de uma situação que envolve problemas cuja solução apresenta incidências éticas. Estas
são, de seguida, objecto de julgamento acerca das suas natureza e gravidade, entre outros
aspectos, o que origina uma intenção moral, da qual resulta, finalmente, o comportamento ético que
materializa a decisão.
Por exemplo, um gestor analisa uma oferta de matéria-prima de um candidato a novo fornecedor
da sua empresa. Tratando-se de material oriundo frequentemente de países em que campeia o
trabalho infantil, resolve informar-se da proveniência e do circuito de produção. De posse dos dados,
conclui que, de facto, os materiais vêm de países que não respeitam os direitos humanos em vários
aspectos graves e, particularmente, nos direitos das crianças. Perante esta evidência, o gestor
acha-a suficientemente grave para decidir de forma a contrariar o carácter antiético da oferta.
Consequentemente, descarta a mudança de fornecedor e informa a sua associação profissional
acerca das informações que colheu e da decisão que tomou.
Linda Treviño e Katherine Nelson ampliam este modelo clássico de decisão ética, propondo uma
sequência de etapas (ver caixa) que permitem ao decisor entrar em linha de conta com alguns
processos individuais, incluindo os que envolvem aspectos menos racionais. Apesar de orientada
para a gestão, esta prescrição pode estender-se aos demais contextos da vida social e permite
sugerir recomendações e apoios à decisão.

Etapa Recomendações Apoios

Recolher os factos Reconhecer as limitações para as Existem factos passados importantes


ultrapassar: os factos podem para analisar a situação presente?
simplesmente estar indisponíveis ou Que factos estão associados à
não existirem informações suficientes origem da situação?
para lhes aceder.
Definir as questões Não se apressar a procurar soluções Qual a apreciação que outros
éticas sem primeiro identificar as questões de (colegas, familiares) fazem da
ética. situação? Detectam outras questões
Detectar possíveis conflitos entre as eticamente problemáticas?
perspectivas deontológica e
consequencialista. Por exemplo: dizer
a verdade (princípio) com
consequências negativas (utilidade
negativa) para outrem.
Identificar as partes Identificar qualquer pessoa ou grupo Como se sentirão as partes atingidas
afectadas com uma participação na situação em pela decisão? Pedir a outrem que se
questão e como elas são afectadas ponha no lugar das partes
pela decisão. interessadas para testar reacções.
Identificar as Antecipar os danos e / ou benefícios O que sei sobre as consequências de
consequências para cada uma das partes envolvidas. decisões análogas?
Identificar as consequências que têm
14 MANUAL DE COMPETÊNCIAS PESSOAIS, INTERPESSOAIS E INSTRUMENTAIS

uma elevada probabilidade de


ocorrência e, dentre estas, as que são
particularmente negativas
Ponderar:
• consequências de curto versus
Que mensagem envio com esta
longo prazo;
decisão?
• Consequências simbólicas
Identificar as Identificar as obrigações e as razões Que deveres morais estão
obrigações prementes de cada uma das partes associados aos diferentes papéis
envolvidas sociais / profissionais das pessoas
envolvidas?
Considerar a Saber que valores são pessoalmente Como quero viver a minha vida do
integridade pessoal importantes e como priorizá-los ponto de vista moral?
O que faria uma pessoa íntegra nesta
situação?
“Como quero ser lembrado quando
desaparecer?”
Pensar criativamente Procurar alternativas de acção para Que poderia fazer se estas
sobre acções além das imediatamente aparentes alternativas não existissem?
possíveis
Sondar a intuição Dirigir a atenção para os sentimentos Sinto que esta opção vai ferir ou
que acompanham o processo de prejudicar alguém? Isto é, lesa a
decisão? empatia que sinto por alguém
envolvido?

Figura 1-Recomendações para a tomada de decisão ética

Para poderem constituir orientações válidas, recomendações como estas deverão ser
associadas a procedimentos que nos coloquem em alerta quanto a tendências egocêntricas e a
enviesamentos derivados de influências contextuais. Como vimos, a despeito do que se indica que
as pessoas deveriam fazer, sabe-se hoje que o processo de tomada de decisão ética é determinado
pela interacção complexa entre algumas características do decisor enquanto indivíduo e diversos
factores sociais e/ou organizacionais. Assim, os processos cognitivos envolvidos, as diferenças
individuais e a presença de características organizacionais incentivadoras ou inibidoras do escrutínio
ético das situações interferem na tomada de decisão sobre assuntos de carácter ético de tal modo
que as etapas previstas no modelo nem sempre são susceptíveis de ser plenamente consumadas.
Em qualquer caso, trata-se de incrementar o pensamento sistemático e reflexivo por contraponto
ao modo intuitivo, emocional e automático. De pensar com mais tempo e mais aprofundadamente
antes de decidir e agir.
Tomar consciência das questões éticas
São muitas vezes evocadas velhas regras de algibeira que prometem resolver as derradeiras
dúvidas quanto à eticidade de um determinado acto ou decisão. Por exemplo: “se você tem dúvidas
sobre se uma intenção é ética, então não o deve ser” ou “gostaria de ver o que pretende fazer
relatado na primeira página de um jornal? Se tem dúvidas é porque não é ético”. Ou ainda: “gostaria
que a sua mãe soubesse o que tenciona fazer? Se não, é porque não é ético”. Na verdade, a
despeito da utilidade instrumental de algumas destas recomendações normativas, apresentá-las
isoladamente pode sustentar a ilusão de que ser ético é fácil, de tal modo que uma simples pergunta
AGIR DE FORMA ÉTICA 15

faria sumir todas ambiguidades. Sendo verdade que os problemas morais, muitas vezes,
desencadeiam julgamentos intuitivos acerca do que está certo ou errado, a verdade é que a maioria
das decisões que envolvem questões éticas são complexas, antes de mais, porque não afectam
apenas matérias de que o decisor está consciente. No quotidiano, a interligação das decisões é a
norma. Sendo a atenção um recurso escasso51, qualquer decisão gera consequências e dilemas
que os indivíduos não detectam. Como acentuam Treviño e Brown52 os problemas éticos não andam
de bandeira na mão a chamar a nossa atenção!
Grande parte do que antes foi apresentado já deverá ter levado o leitor, ou leitora, a dar-se conta
de que a maioria das dificuldades de agir eticamente radica no relativo desconhecimento das
consequências negativas das nossas acções. Mais importante ainda, decidimos e agimos sem nos
darmos conta de que existe um problema ético. Daí que o primeiro passo para melhorar o nosso
desempenho neste domínio seja aumentar a sensibilidade às implicações éticas das situações.
Reconhecer uma questão ética consubstancia o uso do que se designa “consciência moral”.
Tradicionalmente, esta tem sido definida como a articulação entre a identificação das consequências
para os outros das possibilidades de acção de um indivíduo, numa dada situação, e o entendimento
intuitivo deste sobre o assunto53. Sendo questionável, como vimos, que as pessoas tenham
conhecimento consciente de todas as consequências das suas acções, parece mais realista e
prudente propor simplesmente que alguém possui consciência moral relativamente a uma situação
específica quando está ciente de que as suas acções afectam negativamente os interesses e o
bem-estar de outrem54. Isto é, quando o indivíduo possui a consciência, mesmo difusa, de que algo
pode ocorrer de prejudicial a outrem em resultado da sua decisão. A relevância ou importância que
a questão ética detectada possui para o indivíduo exprime-se no conceito de intensidade ética.
Em termos práticos, fortalecer a “consciência moral” consiste em desenvolver a capacidade de
reconhecimento ético. E este envolve o estabelecimento de rotinas de perscrutação: esta decisão
pode ser prejudicial a alguém ou a algum grupo de pessoas? Existe algum dilema ético associado,
i.e., a decisão envolve uma escolha entre um mal e um bem que acarreta um mal inevitável?
Igualmente, para garantir alguma segurança na decisão, é fundamental obter e analisar a
informação relevante sobre os factos conhecidos e tentar indagar da existência de factos
desconhecidos, mas de ocorrência provável.
No que toca a conflitos de interesses, reconhecer a sua existência é particularmente difícil para um
indivíduo isolado. O interesse próprio parece manifestar-se de forma mais automática do que as
obrigações profissionais ou os interesses dos outros. A tendência para o que se poderia designar
“ética egocêntrica”, como vimos antes, é de tal modo forte que parece irrealista imaginar que se
possam detectar essas situações de conflito sem apoio de outrem. E mesmo no que toca a este a
apoio, a única estratégia eficaz para obstar à percepção egocêntrica dos conflitos de interesses
consiste em intervir antes que as pessoas já tenham desenvolvido uma perspectiva enviesada nos
seus julgamentos, e/ou fazendo com que as pessoas detectem e se foquem nos pontos fracos das
suas posições ou intenções comportamentais.
Conhecer e avaliar as alternativas de decisão
Perante uma situação que reconhecemos como potencialmente problemática em termos éticos,
a primeira preocupação com vista a gerar alternativas de decisão deverá ser a de obter e verificar
factos. O que significa… ir além dos factos. Especificamente, trata-se de nos interrogarmos sobre o
que não sabemos, mas também acerca do que é (ir)relevante do ponto de vista ético. Indagar,
sobretudo, que outras partes, para além das que estão sinalizadas, podem ter interesse e ser
afectadas pelas consequências da decisão?
Na vida organizacional, muitas situações apresentam-se de forma repetida, o que permite
antecipar opções de resposta a situações potencialmente problemáticas em termos éticos. Assim,
as organizações podem produzir normas de decisão e acção para reduzir a incerteza e obstar a
algumas dificuldades de construção de alternativas. Como alguns notam55 as empresas investem
16 MANUAL DE COMPETÊNCIAS PESSOAIS, INTERPESSOAIS E INSTRUMENTAIS

muito tempo, dinheiro e energia a fazer com que os seus colaboradores sigam normas, desde
regras de preenchimento de impressos até formas correctas de atendimento dos clientes. Por que
não haveriam de fazer o mesmo no que toca às normas éticas? Indicar com clareza que presentes
dos fornecedores são ou não aceitáveis ou, ainda, que despesas de deslocação deverão ser
consideradas são apenas exemplos restritos, mas óbvios, de normas relacionadas com a conduta
ética nas organizações, cuja repercussão é imediata e controlável.
Focar-se nos princípios
De modo geral, quando estão psicologicamente distantes, por exemplo, quando antecipam
situações futuras, as pessoas são capazes de pensar sobre os pontos de vista de outras pessoas e
sobre alternativas de acção nessas situações56, mesmo quando contraditórias entre si. São, aliás,
mais capazes de pensar conceptualmente, ponderando os princípios que guiam a decisão do que no
momento em que a concretizam ou, como vimos antes, o “dever” nem sempre é congruente como o
“querer”.
Também no que toca a escolhas éticas, quando predizemos como nos iremos comportar numa
dada situação, em que existem opções tentadoras, mas antiéticas, é o pensamento abstracto que
domina: conseguimos isolar as dimensões do problema e estabelecer intenções com base no que
deveríamos fazer, separando o que desejamos e o que achamos que devemos fazer. Daí que uma
recomendação óbvia aponte para que pensemos mais nos princípios do que nos possíveis ganhos
ou perdas envolvidos na situação. Para aumentar a probabilidade de que exista congruência entre
os princípios e a acção é necessário prolongar este enfoque nos princípios até ao momento de
passar à acção Uma táctica de apoio para conseguir cumprir esta recomendação consiste em
evocar, no momento de agir, uma das “regras de algibeira” anteriormente mencionadas: “sentir-se-ia
confortável a partilhar esta decisão com a sua mãe?” Ou ainda: “imagine uma nota biográfica sobre
si. O que gostaria que constasse nela do ponto de vista dos seus princípios?”.
Analisar as alternativas de acção conjuntamente
Tal como acontece noutros domínios, ter mais alternativas não garante a eficácia na decisão
ética. Mas o modo como se analisam as várias opções de acção pode fazer a diferença.
Especificamente, quando as pessoas pensam sobre uma opção de cada vez, analisando prós e
contras, tendem mais a basear a decisão na valência das emoções que lhes estão associadas do
que quando comparam duas ou mais opções simultaneamente, avaliando-as conjuntamente57.
Porque muitas decisões podem beneficiar de aprofundamento da elaboração cognitiva e do controlo
das emoções, é importante entender como usar a análise conjunta de alternativas como uma
ferramenta no domínio moral. Tal como no enfoque nos princípios, esta abordagem força-nos a
explicitar critérios de mais alto nível e a fazer uso de pensamento abstracto, o que pode actuar como
uma espécie de tampão à saliência do “querer” em detrimento do “dever”. De resto, existem
evidências de que usar deliberada e conscientemente formas de pensamento sistemático antes de
fazer opções moralmente questionáveis pode melhorar a qualidade ética das decisões58,
provavelmente porque reforça o “dever” em detrimento do “querer”, no momento de decidir.
Tornar saliente e pública a intenção ética
Quando se comprometem publicamente com uma decisão, as pessoas tendem a mantê-la e agir
de forma coerente mesmo contra obstáculos e evidências antagónicas. Por exemplo, quanto mais
um gestor defende firme e publicamente determinado projecto, mais irá persistir em levá-lo por
diante, mesmo que os resultados se mostrem continuadamente negativos e/ ou haja reacções
adversas. Porque conduz a um nível de persistência que tende a ir além da racionalidade, esse
fenómeno, a escalada de compromisso (ver capítulo Y -decisão), produz frequentemente resultados
desastrosos. Todavia, como sugerem Anne Tenbrunsel e Max Bazerman59, é possível usá-lo em
prol da decisão ética. Assim, induzindo um compromisso explícito e público com uma intenção ética
aumenta-se a probabilidade de agir em conformidade no momento de concretizar a decisão,
actuando de forma coerente e persistente. Trata-se, afinal, de tirar partido de uma táctica de auto-
AGIR DE FORMA ÉTICA 17

persuasão assente na necessidade de percepção de congruência entre os nossos actos actuais e


as intenções publicamente assumidas antes.

Reflectir sobre os efeitos da decisão


Alguém disse que a verdadeira sabedoria depende de saber como aprender as lições de todas
as situações em que nos envolvemos, perguntando “ Que aprendi com isto?”. Na etapa final de um
processo de decisão com preocupações éticas, importa, pois, reflectir sobre os resultados, i.e.,
aquilatar dos efeitos reais da decisão. Mas também avaliar em que medida uma decisão idêntica no
futuro pode servir ainda melhor todas as partes interessadas.
Uma boa prática consiste em obter feedback o mais imediatamente possível a seguir à decisão.
Uma vez que existe a tendência para distorcer as consequências de forma egocêntrica, a ajuda de
um observador independente pode aumentar a exactidão da identificação e análise do impacte da
decisão. As pessoas tendem a resistir mais a enviesamentos e distorções quando sabem que têm
de prestar contas a outrem. Por isso, nas organizações, um método eficaz para obter uma análise
mais precisa consiste em responsabilizar o decisor no que respeita não só às consequências da
decisão, mas também ao processo que a ela conduziu.

Em suma…
O produto da reflexão efectuada neste capítulo pode, porventura, sumarizar-se assim:
independentemente das nossas intenções, desconhecemos grande parte dos atropelos éticos que
cometemos e, tal como acontece noutros tipos de decisões, conhecemos mal as nossas
preferências. O que, no caso da ética, quer dizer que temos dificuldades em traduzir em
comportamentos o que julgamos serem os nossos valores e princípios. Consequentemente,
decidimos e agimos muitas vezes contra as nossas próprias orientações morais declaradas.
Conhecer os principais obstáculos ao reconhecimento da existência de questões éticas nas
situações quotidianas, dentro e fora das organizações, pode constituir-se como um passo essencial
para decidir eticamente. São ainda partes integrantes e fundamentais das competências para a ética
identificar e saber como atenuar os enviesamentos que nos impelem para o autofavorecimento e
que mitigam a percepção das consequências negativas das nossas decisões.

B) ANALISAR A COMPETÊNCIA
As afirmações seguintes60 reflectem crenças pessoais sobre a moralidade.

Indique em que medida concorda com cada afirmação. Para responder, utilize a seguinte
escala:

2 3 4 5

Discordo Discordo Não concordo nem Concordo Concordo


totalmente discordo Totalmente
18 MANUAL DE COMPETÊNCIAS PESSOAIS, INTERPESSOAIS E INSTRUMENTAIS

Resposta

As grandes empresas obtêm os seus lucros abusando dos trabalhadores.

Fora da minha família mais próxima, eu não confio realmente em ninguém.

As pessoas só trabalham quando lhes pagam para isso.

Quando alguém me faz um favor, sei que ele, ou ela, espera um favor em troca.

A natureza humana é assim: quase tudo o que as pessoas fazem é apenas para
zelar pelos seus interesses.

A maioria das pessoas não percebe que as nossas vidas são governadas por
jogos de interesses criados em segredo por políticos e grandes empresas.

Qualquer vendedor está apenas interessado em vender, não em servir o cliente.

Digam o que disserem, os homens estão interessados em mulheres por uma única
razão.

Se eu não me preocupar comigo, ninguém o vai fazer por mim.

As empresas geram lucro à custa dos seus clientes.

Familiaridade gera desprezo, i.e., “santos da casa não fazem milagres”.

Quando o meu chefe me cumprimenta, é só para me levar a trabalhar mais.

Os relatos de atrocidades cometidas na guerra são geralmente exagerados para


fins de propaganda.

TOTAL

Uma pontuação total acima de 55 pontos pode indicar uma propensão para olhar o mundo
de forma tendencialmente cínica. O cinismo é um dos maiores obstáculos ao
comportamento ético. Impede uma apreciação aberta das situações que envolvem perigos
de decisão antiética e constitui uma justificação a priori para deslizes neste domínio.

C – TREINAR A COMPETÊNCIA
Nos exercícios seguintes, pode o leitor aplicar algumas indicações para a decisão ética expostas
e discutidas no capítulo.

Detectores de radar
Os detectores de radar são dispositivos simples, mas muito sensíveis, com a ajuda dos quais os
condutores são avisados da existência de um radar da polícia nas proximidades.
Quando um automóvel equipado com um desses dispositivos entra dentro do campo de acção
do radar, o detector activa um aviso luminoso e sonoro para que o condutor possa desacelerar antes
AGIR DE FORMA ÉTICA 19

que a velocidade excessiva possa ser detectada pelo equipamento da polícia. O uso de detectores
de radar é proibido em alguns países, mas a sua produção e promoção é uma realidade.
Um gestor de uma das empresas que produzem e vendem detectores de radar afirmou: “ nós
somos especialistas em electrónica e instrumentação de alta tecnologia. Os detectores são apenas
um item no nosso portefólio. Produzimos para os revendedores que os querem comprar. O que
fazem com eles depois de os entregarmos não é da nossa conta”
Pergunta:
• Concorda com esta afirmação?
• Existe algum problema ético nesta situação? Se sim, quais as partes envolvidas?
• Ensaie uma resposta a este gestor.

Ética na empresa

Reflicta nos casos seguintes e procure responder às seguintes perguntas:

 Quais os problemas éticos do caso?

 Que consequências

 Que decisão ou decisões tomaria?

Caso A

O Consultor organizacional, Nelson Esteves, reúne-se com o seu cliente, o Director de


Recursos Humanos de uma PME em ascensão, para determinar o perfil de um posto de trabalho
que irá ser preenchido através de um processo de recrutamento sob a sua responsabilidade. Está
igualmente presente na reunião o Director Comercial uma vez que o posto de trabalho em causa diz
respeito a uma função da sua área.
De forma clara, o Director Comercial interveio para dizer que considera impensável uma
mulher naquelas funções. Apesar de reconhecer que conhece boas profissionais na área, a
“experiência” diz-lhe que as mulheres sucumbem mais facilmente ao stress que aquele tipo de
trabalho provoca, “além de faltarem mais por causa dos filhos”, acrescenta.
O Director de Recursos Humanos ressalva que a empresa não faz qualquer tipo de
discriminação e sublinha a importância de garantir que o anúncio de emprego, a publicar na
imprensa, evite a menção a qualquer forma de discriminação. Mas, acrescenta, “não se esqueça de
que o seu papel é o de ir ao encontro do perfil que consideramos desejável…”
Caso B

Notas capítulo X
20 MANUAL DE COMPETÊNCIAS PESSOAIS, INTERPESSOAIS E INSTRUMENTAIS

1
e.g., Jeanes, E. & Muhr, S. L. (2010). The impossibility of guidance – a Levinasian critique of business ethics. in S. L.
Muhr, B.M. Sørensen, & S. Vallentin (Eds.) Ethics and organizational practice– Questioning the moral
foundations of management (pp. 143-162). Edward Elgar: Cheltenham.
2
De Cremer, D. (2009). Being unethical or becoming unethical: An introduction. In D. De Cremer (Ed.), Psychological
perspectives on ethical behavior and decision making (pp. 3-13). Greenwich: Information Age Publishing.
3
Banaji, M., Bazerman, M., & Chugh, D. (2003). How (un)ethical are you? Harvard Business Review, 81(12), 56-64.
4
Jones, T. M. (1991). Ethical decision making by individuals in organizations: An issue-contingent model. Academy of
Management Review,16, 366-395, p. 367).
5
A palavra “deontologia” deriva do étimo grego deon, que significa “dever” ou “obrigação”.
6
Moore,D. A., Tetlock, P. E., Tanlu L.,& Bazerman, M. H. (2006). Conflicts of interest and the case of auditor
independence: moral seduction and strategic issue cycling. Academy of Management Review, 31,110-129.
7
Carroll, A.B., & Buchholtz, A.K. (2008). Business & Society (7th edition). Ohio: Thompson South-Western.
8
e.g., Bartlett, A. & Preston, D. (2000). Can ethical behaviour really exist in business? Journal of Business Ethics, 23
(2):199 – 209.
9
e.g., Orlitzky, M. (2008). Corporate social performance and financial performance: A research synthesis. In A. Crane,
A. McWilliams, D. Matten, J. Moon, & D. S. Siegel (Eds.),The Oxford Handbook of CSR (pp 113-134). Oxford:
Oxford University Press.
10
Karpoff, J. M., Lee, D. S., & Martin, G. S. (2008). The cost to firms of cooking the books. Journal of Financial and
Quantitative Analysis, 43, 581–611.
11
Sullivan, B. N., Haunschild, P., & Page, K. (2007). Organizations non gratae? The impact of unethical corporate acts
on interorganizational networks. Organizational Science, 18, 55–70.
12
Treviño, L. K. & Nelson, K. A. ( 2011). Managing business ethics: Straight talk about how to do it right, 5th Ed.
Hoboken, NJ: Wiley.
13
Adam Smith (1776/1981)
14
e.g., Treviño & Nelson, 2011.
15
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