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Sífilis: diagnóstico

e tratamento
UNIDADE 2 TRATAMENTO DA SÍFILIS

Mayra Gonçalves Aragón


Pâmela Cristina Gaspar
Rosângela Maria Morais da Costa
Nesta unidade, iremos abordar o tratamento de sífilis, o
que inclui as drogas utilizadas e os esquemas terapêuticos
recomendados pelo PCDT-IST 2020 para o tratamento de
sífilis recente (primária, secundária e latente recente), sífilis
tardia (latente tardia e terciária) e neurossífilis. A unidade
tem por objetivo incentivar o cursista a aprofundar seus
conhecimentos sobre as drogas utilizadas no tratamento
da sífilis, reconhecendo as indicações de instituição de
tratamento imediato, informações sobre a penicilina, os
antimicrobianos alternativos e tratamento em PVHIV. Além
disso, iremos abordar questões relacionadas à penicilina,
como reações adversas e a importância de sua adminis-
tração na atenção primária.
Aula 1: Drogas utilizadas no tratamento
da sífilis

Por mais de quatro séculos, várias medidas e drogas foram utilizadas para o tratamento
da sífilis até o descobrimento daquela que mudou o destino dessa enfermidade: a penici-
lina. Dentre os tratamentos utilizados anteriormente, mesmo sem segurança de resposta
clínica e apesar dos muitos efeitos colaterais, destacaram-se o mercúrio, o guayaco, os
iodetos e o bismuto. Em 1910, com a descoberta do salvarsan, as pessoas passaram a
dispor de um medicamento de elevada atividade sobre o Treponema pallidum. Em 1943,
a penicilina passou a ocupar a primeira opção terapêutica e assim se mantém até a atu-
alidade. A utilização de antibióticos alternativos deve ser considerada apenas quando o
tratamento com penicilina não é possível ou é absolutamente contraindicado.

O tratamento da sífilis é baseado na classificação dada no momento do diagnóstico. Por-


tanto, é fundamental considerar as manifestações clínicas de cada fase, o tempo provável
de doença, os dados epidemiológicos, os riscos e as vulnerabilidades, o envolvimento do
sistema nervoso central (SNC), a condição de gravidez e a forma congênita. Para a neurossí-
filis, por exemplo, a droga escolhida é a penicilina cristalina pela capacidade de atravessar a
barreira hematoencefálica. Na sífilis durante a gestação, a penicilina é a única opção segura e
eficaz. Então, se a gestante com sífilis não for tratada com penicilina, é considerado tratamen-
to inadequado da mãe e o recém-nascido será considerado como caso de sífilis congênita.

Em razão do momento epidêmico atual, é importante ressaltar a necessidade de se


estabelecer o tratamento imediato em algumas situações, como:

• Situação 1: pacientes sintomáticos, com critérios clínicos e epidemiológicos para


sífilis, sem possibilidade de se submeter a um teste diagnóstico. Considerar, na
prescrição do tratamento empírico imediato, a sífilis recente e estender a conduta
às parcerias sexuais.

• Situação 2: pacientes com 1 teste para sífilis positivo (teste treponêmico ou teste não
treponêmico), independentemente de apresentar ou não sintomatologia sugestiva
e que se apresentem numa das situações listadas a seguir:

• Gestantes

• Vítimas de violência sexual

• Pessoas com chance de perda de seguimento (que não retornarão ao


serviço)

• Pessoas com sinais/sintomas de sífilis primária ou secundária

• Pessoas sem diagnóstico prévio de sífilis.


É importante ressaltar que, nesse contexto, o seguimento complementar, clínico e labora-
torial, deverá ocorrer até a finalização do caso, considerando os critérios de cura.

Além da avaliação clínica e do seguimento laboratorial,


se houve exposição à pessoa com sífilis (até 90 dias),
recomenda-se ofertar o tratamento presuntivo a todas
as parcerias sexuais (independentemente do estágio
clínico ou sinais e sintomas), com dose única de benzil-
penicilina benzatina, 2,4 milhões UI, IM (1,2 milhão UI
em cada glúteo).

Muitas pessoas com infecções sexualmente transmissíveis (IST) não buscam tratamento
porque são assintomáticas (a maioria) ou têm sinais e sintomas leves e não percebem
as alterações. As pessoas sintomáticas podem preferir tratar-se por conta própria ou
procurar tratamento em farmácias ou outras alternativas. Mesmo aqueles que buscam
atendimento na unidade de saúde podem não ter uma IST corretamente diagnosticada
ou tratada. No final, apenas uma pequena proporção de pessoas com IST pode chegar
à cura e evitar a infecção de suas parceiras sexuais.

Para que se interrompa a cadeia de transmissão das IST, é fundamental que os conta-
tos sexuais das pessoas infectadas sejam tratados. Portanto, essa informação deve ser
repassada à pessoa com IST ao mesmo tempo que se fornecem instrumentos para comu-
nicação e todo apoio até o final do processo. Como vimos na história do Freddy, ele tra-
balha como vendedor em um shopping center, porém, ocasionalmente, atua como traba-
lhador do sexo, e às vezes não usa preservativo durante a prática sexual. Vamos conferir
no infográfico interativo “Siga o LUES” como ocorre esse acordo consensual entre Freddy
e o seu cliente?

Confira o infográfico 4 na plataforma - Siga o Lues: o cliente

Como vimos no infográfico interativo “Siga o LUES”, Freddy referiu-se à prática de rela-
ções sexuais sem preservativos, e isso impacta diretamente na cadeia de transmissão da
sífilis. Mais adiante, durante uma consulta na USF Novo Mundo, Freddy será orientado
quanto ao cuidado necessário com relação às suas parcerias sexuais.

Sífilis: diagnótico e tratamento


Tratamento da sífilis
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Vamos revisar quais são as principais drogas usadas no
tratamento da sífilis?
1. Penicilina

Em 1928, a descoberta do poder bactericida do fungo Penicilium notatum, por Alexander


Fleming, iria modificar a história da sífilis e de outras doenças infecciosas. A penicilina age
interferindo na síntese do peptideoglicano, componente da parede celular do Treponema
pallidum. O resultado é a entrada de água no treponema, o que acaba por destruí-lo.

Figura 1 - “Old Photograph Sir Alexander Fleming Scotland” by Tour Scotland Photographs is
licensed under CC BY-NC-ND 2.0

Fonte: CC Search ([201-])

Em 1943, Mahoney mostrou que a penicilina agia em todos os estágios da sífilis. A sen-
sibilidade do Treponema pallidum à droga e a rapidez da resposta com regressão das
lesões primárias e secundárias com apenas uma dose são vantagens que permane-
cem até hoje. A concentração sanguínea eficaz deverá ser mantida por maior tempo
que o da divisão do treponema.

A penicilina G benzatina é usada para o tratamento padrão da sífilis. De ação prolon-


gada e administrada por via intramuscular, sustenta os níveis treponemicidas no san-
gue por 7 a 10 dias. A penicilina aquosa, de administração intravenosa, é usada para
pessoas com neurossífilis, sífilis ocular ou otológica, devido à incapacidade da peni-
cilina G benzatina atravessar a barreira hematoencefálica para alcançar o Treponema
pallidum que pode ter invadido o SNC. A neurossífilis é particularmente preocupante

Sífilis: diagnótico e tratamento


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para pessoas vivendo com HIV (PVHIV) infectadas com sífilis.

Portanto, a penicilina, com a sua alta eficácia no tratamento de todas as formas da


sífilis, mantém-se como droga de escolha e, até o momento, não foram documentados
casos de resistência.

a) Reações às penicilinas

• Reação de Jarisch-Herxheimer

A reação de Jarisch-Herxheimer é uma manifestação benigna e autolimitada do trata-


mento antimicrobiano, especialmente de espiroquetas, tendo como exemplo clássico
o tratamento da sífilis com penicilina benzatina. Pode ocorrer após o tratamento de
pacientes em todos os estágios da sífilis. A frequência da reação varia de 30% a 70%
nos casos de sífilis primária e secundária. A etiopatogenia é atribuída a antígenos
lipoprotéicos da parede do Treponema pallidum com atividade inflamatória, liberados
após a morte dos treponemas.

A reação foi relatada em doenças causadas por espiroquetas, como leptospirose e


borrelioses. Clinicamente, consiste na exacerbação das lesões cutâneas ou mucosas,
sintomatologia sistêmica (febre, calafrios, cefaleia, mialgias, artralgias) e alterações
laboratoriais (leucocitose com linfopenia). Inicia-se entre 4 e 12 horas após o trata-
mento. A reação, além da penicilina, foi descrita com eritromicina, amoxicilina, tetra-
ciclina e quinolonas. O quadro reacional regride em um período que varia de 6 até 24
horas. O tratamento é sintomático, devendo ser feito com analgésicos e antitérmicos.
Observe na figura a seguir um caso de reação de Jarisch-Herxheimer.

Sífilis: diagnótico e tratamento


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Figura 2 - Reação de Jarisch-Herxheimer

Fonte: Health Jade (2019).

É importante informar sobre esse evento para as pessoas que receberem prescrições de
penicilina, diante da possibilidade diagnóstica de sífilis, para que seja estabelecida a dife-
renciação com quadros de alergia à penicilina, que se caracterizam por urticária e exante-
ma pruriginoso. Nas gestantes, essa reação, mesmo que pouco frequente, pode precipitar
a ocorrência de parto prematuro ou sofrimento fetal em consequência da alta liberação de
prostaglandinas, e isso deve ser informado também a essa parcela da população.

• Reação alérgica

Os casos de reação às penicilinas são, em sua maioria, de natureza benigna, com


as reações anafiláticas muito raras, ocorrendo em 0,004 - 0,04% das pessoas que
recebem esse medicamento. Portanto, a administração da penicilina benzatina na
atenção primária à saúde (APS) não deve ser uma barreira na estratégia de otimiza-
ção do tratamento da sífilis.

Para a maior segurança do doente e da equipe, uma investigação pormenorizada


deve ser feita com dados de história clínica pregressa sobre sinais e sintomas que
caracterizam as reações mais graves, entre elas, reação anafilática e lesões cutâne-
as graves, como síndrome de Stevens-Johnson. Sintomas como dor e reação local,
exantema maculopapular, náusea, prurido, mal-estar, cefaleia, história de algum
evento suspeito há mais de dez anos, história familiar, isoladamente, não configu-
ram alergia à penicilina.

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De igual importância, o serviço de saúde deve dispor de recursos necessários para
diagnóstico e tratamento inicial de um quadro de anafilaxia. A anafilaxia não é exclusivi-
dade da penicilina, inclusive, o risco de anafilaxia é mais frequente no uso de outros medi-
camentos comumente prescritos, como os anti-inflamatórios não esteroides (AINE), bem
como diversos alimentos (ex.: nozes e frutos do mar). Assim, a APS deve estar preparada
para esse quadro de urgência, sendo a adrenalina a droga de escolha para o tratamento
da reação anafilática

A administração de penicilina na atenção primária tor-


nou-se, em alguns momentos, um tema conflitante.
Quer dar uma olhada no que diz o Conselho Federal
de Enfermagem quanto à prática de administração de
penicilina nas unidades da atenção primária do SUS? Veja
também, na série Cadernos da Atenção Básica – CAB, do
Ministério da Saúde, qual o manejo adequado da ana-
filaxia relacionada à penicilina. Para saber mais sobre
segurança da penicilina, veja o relatório da CONITEC.
Acesse os links a seguir e bom estudo!

Decisão nº 0094/2015, do Conselho Federal de


Enfermagem

http://www.cofen.gov.br/decisao-cofen-
-no-00942015_32935.html

Nota Técnica COFEN/CTLN nº 03/2017

http://www.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2017/06/
NOTA-T%C3%89CNICA-COFEN-CTLN-N%C2%B0-03-2017.pdf.

Cadernos da Atenção Básica – CAB 28 Volume II:


Acolhimento à demanda espontânea – Queixas mais
comuns na Atenção Básica.

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/acolhimento_
demanda_espontanea_queixas_comuns_cab28v2.pdf

Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia do


SUS (CONITEC). Penicilina benzatina para prevenção da
Sífilis Congênita durante a gravidez.

http://conitec.gov.br/images/Consultas/Relatorios/2015/
Relatorio_Penicilina_SifilisCongenita_CP.pdf

Sífilis: diagnótico e tratamento


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A utilização da Penicilina G Benzatina na APS é considerada uma estratégia impor-
tante de enfrentamento à epidemia de sífilis! O temor em aplicar a penicilina colabora
na manutenção da cadeia de transmissão da sífilis. Cabe reforçar a importância da pres-
crição e aplicação oportuna das equipes de atenção primária, em especial, da enferma-
gem. Conforme explicado em Nota Técnica Cofen/CTLN, em 03/2017, o enfermeiro
pode e deve aplicar e prescrever a penicilina conforme protocolos estabelecidos e
que a ausência do médico na unidade não configura motivo para a não aplicação
oportuna dessa medicação.

2. Antimicrobianos alternativos para o tratamento da sífilis

Após vinte anos da descoberta da penicilina, surgiu a doxiciclina, que foi incorporada aos
esquemas de tratamento da sífilis, especialmente para os pacientes com impossibilidade
de utilizar a penicilina. No entanto, é contraindicada para uso em gestantes. O uso de
silicone (prótese ou silicone líquido industrial) em região de glúteos e membros inferiores
é uma das causas de impedimento da aplicação intramuscular de Penicilina G Benzatina,
sendo, assim, recomendado o uso da doxiciclina como medicação alternativa por via oral.

No início da década de 1980, foi apresentada a ceftriaxona como droga de eficácia simi-
lar à penicilina e como tratamento alternativo. A ceftriaxona demonstrou eficácia seme-
lhante à da penicilina em todas as etapas de apresentação da doença, embora os dados
sejam restritos a estudos observacionais. Apresenta boa penetração no SNC e é uma
opção para o tratamento da neurossífilis em adultos não gestantes com alergia à penici-
lina, nos quais a dessensibilização não é possível.

É fato que o tratamento antimicrobiano adequado é um componente-chave nos


programas de controle da sífilis. Dominar e compreender os esquemas terapêuticos
é parte importante dessa gestão, assim como garantir a disponibilidade das drogas
aprovadas para o tratamento.

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Tratamento da sífilis
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Aula 2: Tratamento da sífilis recente
(primária, secundária e latente recente)

Caro(a) cursista, na versão do PCDT-IST 2020, foi definida uma mudança na classificação
clínica da sífilis. Em PCDT-IST 2019, o Ministério da Saúde seguia a classificação da OMS
(Organização Mundial da Saúde), que considerava a evolução de 2 anos para sífilis recen-
te. A partir dessa nova revisão do PCDT-IST, passa a seguir classificação adotada pelo CDC
(Centers for Disease Control and Prevention) e outros protocolos internacionais, em que o
período de evolução para sífilis recente fica restrito a um ano de evolução.

De acordo com o CDC, a sífilis é dividida em estágios que


orientam seu tratamento e monitoramento:

• Sífilis recente (primária, secundária e latente recente):


até um ano de evolução;

• Sífilis tardia (latente tardia e terciária): mais de um


ano de evolução

Assim, em PCDT-IST 2020, como já vimos, a sífilis recente,


antes considerada até 02 (dois) anos de evolução, mudou
para um 01 (ano) de evolução. A sífilis tardia, antes consi-
derada quando mais de 02 (dois) anos de duração, mudou
para mais de um 01 (ano) de duração.

No momento, iremos focar no tratamento da sífilis recente, isto é, com até 1 ano de evo-
lução, e iremos contemplar as formas primária, secundária e latente recente.

Tratamento de eleição na sífilis recente

A penicilina G Benzatina, na dose total de 2.400.000 UI, é dividida em 2 aplicações: uma


ampola de 1.200.000 UI, via intramuscular, em cada região muscular recomendada. A região
ventroglútea é a via preferencial. Outros locais alternativos são a região do vasto lateral da
coxa e o dorso glúteo. Confira, na figura a seguir, cada uma dessas regiões musculares.
REGIÕES INDICADAS PARA APLICAÇÃO DE INJEÇÃO INSTRAMUSCULAR

Músculo da face
Músculo Dorso-glúteo ântero-lateral da coxa Músculo ventro-glútuca

Figura 3 - Regiões indicadas para aplicação de injeção intramuscular

Fonte: Adaptado de AVASUS (BRASIL, 2020).

Em pacientes comprovadamente alérgicos, sem possibilidade de realizar a dessensibili-


zação, e alérgicos severos, o tratamento com a penicilina está contraindicado. No caso de
impossibilidade do uso da penicilina, orienta-se como alternativa o uso da doxiciclina. No
entanto, a doxiciclina é contraindicada para gestantes.

Voltando ao caso do Freddy, após muito pensar, ele resolveu buscar atendimento na USF
Novo Mundo. O Dr. Ivan e a residente médica, Roberta, realizaram o seu acolhimento, e,
com o Freddy, foi decidida a intervenção.

Após conversar com o Freddy e ele concordar, foi decidido que o tratamento, após o
diagnóstico de sífilis recente, seria realizado com Benzilpenicilina benzatina na dose de
2,4 milhões UI, via intramuscular, dose única, a ser administrado 1,2 milhão UI em cada
glúteo. Confira, na tabela a seguir, de forma resumida, o tratamento para sífilis recente.

Tratamento para a sífilis recente

Alternativa
Estadiamento Esquema terapêutico
(exceto para gestantes)

Benzilpenicilina benzatina
Sífilis recente: sífilis primária,
2,4 milhões Doxiciclina 100mg, de 12/12h,
secundária e latente recente
UI, IM, dose única VO, por 15 dias
(com até um ano de evolução)
(1,2 milhão UI em cada glúteo)

Tabela 1 - Tratamento para sífilis recente

Fonte: Autoria própria

Sífilis: diagnótico e tratamento


Tratamento da sífilis
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Aula 3: Tratamento da sífilis tardia
(latente tardia e terciária)

No tratamento da sífilis tardia, isto é, com mais de um 1 ano de evolução, serão contem-
pladas as formas latente tardia, latente com duração ignorada e sífilis terciária. Como a
infecção pelo Treponema pallidum pode não apresentar qualquer sinal ou sintoma, ou o
paciente pode não perceber os sinais e sintomas, é muito provável que um exame posi-
tivo (reagente) para sífilis em pessoa assintomática seja um caso de sífilis tardia (latente
tardia, latente com duração ignorada ou sífilis terciária) e assim deve ser tratada como
tal. No entanto, caso a pessoa tenha um exame negativo (não reagente) há um ano ou
menos, deve-se considerar como caso de sífilis recente.

Tratamento de eleição na sífilis tardia


A penicilina G benzatina, na dose total de 7.200.000 UI, é dividida em 3 doses de 2.400.000
UI, via intramuscular, com o intervalo de uma semana entre elas. Cada dose deve ser rea-
lizada com 2 aplicações, com uma ampola de 1.200.000 UI em cada região muscular reco-
mendada. Em pacientes comprovadamente alérgicos, sem possibilidade de realizar a des-
sensibilização, ou alérgicos severos, o tratamento com a penicilina está contraindicado.

A doxiciclina é a medicação alternativa, exceto na gesta-


ção, quando essa medicação é contraindicada. A penici-
lina é a única opção segura e eficaz para o tratamento
adequado das gestantes.

O intervalo recomendado entre as doses é de 7 dias (uma semana), com uma margem
de até 7 dias de atraso. Assim, caso esse intervalo ultrapasse 14 dias, o esquema deve
ser reiniciado por completo. Para possibilitar mais chance de realização do tratamento
completo, é muito importante que seja explicado ao paciente a importância da realização
das 3 doses de penicilina. Ademais, esse tratamento deve ser acompanhado de perto
pela equipe de atenção primária. Caso o paciente não compareça à unidade de saú-
de para tratamento das doses subsequentes, cabe realizar busca ativa para que
essa pessoa não perca a chance de completar esse tratamento e assim haja cura
da infecção e quebra da cadeia de transmissão da sífilis. Isso é especialmente impor-
tante no caso de gestantes e parcerias sexuais das gestantes para diminuir o risco de
transmissão vertical da sífilis.

Como diria o Dr. Antônio Austregésilo, primeiro professor da cátedra de Neurologia da


Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, criada em 1912: “Em clínica, deve-se pensar
sifiliticamente”. Sua célebre frase foi repetida durante todo o século XX.

Pois bem, caro(a) cursista, vamos pensar sifiliticamente também no século XXI?? Acompa-
nhe, a seguir, o manejo de um caso bem interessante.

Para explicar a importância de acompanhamento do tratamento completo de sífilis tar-


dia ou com duração indeterminada, vamos analisar o manejo de um paciente com sífilis
tardia que iniciou o tratamento com Penicilina G benzatina no dia 01 de setembro. Ficou
determinado que ele retornasse à unidade para receber a segunda dose no dia 08 de
setembro e a terceira dose no dia 15 de setembro. No entanto, o paciente não compa-
receu à unidade de saúde no dia 08 de setembro.

Após busca ativa, pelo agente comunitário de saúde, o paciente retornou no dia 10 de
setembro, sendo realizada a segunda dose nesse dia, ou seja, com 2 dias de atraso. A ter-
ceira dose foi reagendada para o dia 17 de setembro, com possibilidade de ser aplicada até
dia 24 de setembro. Mas, caso o paciente não tivesse sido localizado, e não tivesse vindo
no dia 10 de setembro, e só comparecesse à unidade de saúde no dia 16 de setembro com
desejo de aplicar a segunda dose de penicilina, qual a conduta a ser adotada? O que fazer?
Pois bem, caro(a) cursista, esse caso seria considerado como perda do tratamento, sendo
necessário reiniciar o esquema, com 3 doses, com primeira dose prevista para o dia 16 de
setembro; segunda dose, dia 23 de setembro; e terceira dose, dia 30 de setembro.

Vejamos, na tabela a seguir, como proceder no tratamento da sífilis tardia (latente tar-
dia, latente com duração ignorada e sífilis terciária), observando o estadiamento da
doença e o esquema terapêutico a ser adotado. Você pode compartilhar esse conheci-
mento com sua equipe e também discutir as melhores opções a serem adotadas nos
casos mais complexos.

Sífilis: diagnótico e tratamento


Tratamento da sífilis
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Tratamento para a sífilis recente

Alternativa
Estadiamento Esquema terapêutico
(exceto para gestantes)

Benzilpenicilina benzatina
2,4 milhões
Sífilis recente: sífilis primária, UI, IM, 1x/semana
(1,2 milhão UI em cada glúteo) Doxiciclina 100mg, de 12/12h,
secundária e latente recente
por 3 semanas. VO, por 30 dias
(com até um ano de evolução)

Dose total: 7,2 milhões UI, IM

Tabela 2 - Tratamento da sífilis tardia

Fonte: Autoria própria

Tratamento da neurossífilis
O tratamento de neurossífilis contempla os quadros de sífilis que apresentam compro-
metimento do sistema nervoso central (SNC) pelo Treponema pallidum. Nesse caso, tam-
bém se enquadra a sífilis com comprometimento ocular.

O envolvimento do SNC pode ocorrer em qualquer estágio da sífilis, isso inclui o acome-
timento ocular. O comprometimento do SNC acompanhado de manifestações clínicas
eram comuns, na sífilis terciária, antes do uso de antibióticos. Entretanto, com a era anti-
biótica, a apresentação clínica sofreu alterações, com predominância de quadros oligos-
sintomáticos e atípicos. O diagnóstico de neurossífilis é um desafio e necessita de corre-
lação com achados clínicos, alterações de líquido cefalorraquidiano (LCR) e o resultado
de VDRL no LCR.

O(A) profissional de saúde deve ficar atento(a) para possíveis sinais e sintomas oculares e
neurológicos, principalmente em pessoas vivendo com HIV (PVHIV). Caso um(a) profissio-
nal da atenção primária identifique um paciente com suspeita de neurossífilis, a punção
lombar para investigação não deve ser postergada e, se necessário, deve-se realizar o
encaminhamento para o especialista.

Sífilis: diagnótico e tratamento


Tratamento da sífilis
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Há indicações para punção lombar em caso de suspeita
de neurossífilis nos seguintes casos:

• na presença de sintomas neurológicos ou oftalmológicos;

• na evidência de sífilis terciária ativa;

• após falha ao tratamento clínico sem reexposição sexual;

• após falha de tratamento para PVHIV, independente-


mente da história sexual.

Observe, no quadro a seguir, as principais indicações para o tratamento da neurossífilis.

Todos os casos com VDRL reagente no LCR, independentemente da presença de sinais e


sintomas neurológicos e/ ou oculares

Casos que apresentem VDRL não reagentes no LCR, com alterações bioquímicas no LCR

presença de sinais e sintomas neurológicos e/ ou oculares e/ ou achados de imagens so


SNC característicos da doença

E
desde que os achados não possam ser explicados por outra doença

Quadro 1 - Quem deve ser tratado para neurossífilis

Fonte: PCDT (BRASIL, 2020).

Tratamento de eleição na neurossífilis


O tratamento de eleição é a penicilina potássica/cristalina, com 3 a 4 milhões UI 4/4h IV,
ou por infusão contínua, totalizando 18-24 milhões por dia, por 14 dias. Em pacientes
comprovadamente alérgicos, sem possibilidade de realizar a dessensibilização, ou alér-
gicos severos, o tratamento com a penicilina está contraindicado. Nesses casos, o trata-
mento alternativo é a ceftriaxona 2g IV 1x/dia por 10 a 14 dias.

Sífilis: diagnótico e tratamento


Tratamento da sífilis
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Você sabe qual serviço realiza punção lombar para
investigação de neurossífilis em seu município ou na
sua região? Caso tenha uma suspeita de sífilis terciária
com sintomas neurológicos, existe algum centro de
especialidades com infectologia para referência? Onde
o paciente vai fazer o tratamento para neurossífilis? É
necessário verificar e discutir fluxos de investigação e
encaminhamento para neurossífilis em seu município
para que os casos suspeitos consigam seguir pela Rede
de Atenção à Saúde (RAS) com brevidade.

Tratamento de sífilis em pessoas vivendo com HIV


(PVHIV)
O tratamento da sífilis em pessoas vivendo com HIV (PVHIV) deve ter atenção especial
do(a) profissional de saúde. A prevalência de sífilis é maior entre as PVHIV que entre pes-
soas negativas para o HIV. No entanto, as pesquisas têm demonstrado que isso se deve a
fatores comportamentais e não aos imunológicos. Importante frisar que as recomenda-
ções de diagnóstico e tratamento farmacológico para as PVHIV são as mesmas utilizadas
para as pessoas sem infecção por HIV.

Quanto ao curso clínico de sífilis, ele pode ser um pouco diferente em casos de coinfecção
com HIV, com manifestações atípicas ou mais severas, em especial, com uma predispo-
sição para o desenvolvimento de lesões oftálmicas e neurológicas. Então, as PVHIV com
diagnóstico de sífilis devem passar por um exame neurológico minucioso, e, em suspeita
de algum comprometimento ocular ou SNC, devem ser encaminhadas, sem demora, para
investigação com punção lombar e encaminhamento para especialista.

Mesmo com esse cuidado para neurossífilis, não foi verificado benefício da realização
rotineira de punção lombar em casos de sífilis em PVHIV assintomáticas. O tratamento da
sífilis em PVHIV deve ser realizado de acordo com a fase clínica da sífilis.

Presença de sitomas neurológicos ou oftalmológicos.

Evidência de sífilis terciária ativa.

Após falha ao tratamento clínico, independentemente da história sexual.

Quadro 2 - Indicação de punção lombar, em PVHIV,


para pesquisa de neurossífilis

Fonte: PCDT (BRASIL, 2020).

Sífilis: diagnótico e tratamento


Tratamento da sífilis
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A aquisição mais frequente de sífilis e outras IST em PVHIV
alerta sobre a vulnerabilidade dessa população. Pessoas com
exposição sexual de alto risco, por vezes, apresentam acesso
mais limitado aos serviços de saúde por diversas razões,
como dificuldades econômicas e estigmatização social. Por
isso, é importante refletir sobre o acesso desses usuários.

O seu serviço de saúde apresenta barreiras de acesso para


as pessoas com sífilis, demais IST e PVHIV? Como facilitar
o acesso para que pessoas com suspeita de alguma IST
possam ser avaliadas rapidamente por um(a) profissio-
nal de saúde, sem constrangimento, devido a questões
relacionadas à sexualidade e/ou à identidade de gênero?

Sífilis: diagnótico e tratamento


Tratamento da sífilis
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RESUMINDO...

Como vimos nesta unidade, é importante que o profissional de saúde


consiga classificar o caso de sífilis de maneira adequada e estar atento
à possibilidade de neurossífilis, pois esses pontos são cruciais para a
decisão terapêutica que promova benefícios ao paciente. A esse respeito,
fizemos uma revisão das drogas utilizadas para o tratamento da sífilis de
acordo com o seu estadiamento, recomendadas pelo PCDT-IST 2020, que
deve ser a referência para os profissionais de saúde e gestores do SUS.

Como está sendo realizado o tratamento de sífilis na sua unidade de


saúde? A penicilina benzatina é prescrita e aplicada? Você e sua equipe
têm discutido sobre o uso da penicilina benzatina? Existe algum medo
ou receio sobre sua aplicação, por parte dos profissionais ou pacientes?
No caso de contraindicação do uso da penicilina, como tem sido sua
experiência com esquemas terapêuticos alternativos?

Sífilis: diagnótico e tratamento


Tratamento da sífilis
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REFERÊNCIAS
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Sífilis: diagnótico e tratamento


Tratamento da sífilis
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