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Caso Clínico

Expansão maxilar rápida não


cirúrgica em paciente adulto.
Uma alternativa possível
Gerson Luiz Ulema Ribeiro*, Gustavo da Luz Vieira**, Daltro Ritter***,
Orlando Motohiro Tanaka****, André Weissheimer*****

Resumo
Este artigo teve como objetivo demonstrar to, relatando um caso clínico com mordida
a possibilidade de expansão maxilar rápida cruzada posterior unilateral esquelética tra-
sem assistência cirúrgica em paciente adul- tada com disjuntor de Haas modificado.

Palavras-chave: Expansão rápida da maxila. Disjuntor de Haas. Mordida cruzada.


Tratamento em adulto.

* Mestre e Doutor em Ortodontia pela UFRJ, Professor Adjunto e responsável pelas Disciplinas de Ortodontia da UFSC. Diplomado pelo Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial.
** Mestrando em Ortodontia e Ortopedia Facial pela PUC-RS.
*** Especialista e Mestre em Ortodontia pela UERJ, Doutor em Ortodontia pela UNESP, Professor Convidado das Disciplinas de Ortodontia da UFSC.
**** Mestre e Doutor em Ortodontia pela UFRJ, Coordenador do Curso de Mestrado em Ortodontia da PUC-PR, Diplomado pelo Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial.
***** Aluno do Curso de Especialização em Ortodontia da UFSC.

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Gerson Luiz Ulema Ribeiro, Gustavo da Luz Vieira, Daltro Ritter, Orlando Motohiro Tanaka, André Weissheimer

IntRodução com idade entre 18 e19 anos12. Porém, apesar dos pacientes não
A deficiência transversal maxilar, gerando mordida cruzada apresentarem as seqüelas supracitadas, não foi observada a separa-
posterior, é uma das más oclusões mais prevalentes em Ortodon- ção dos incisivos centrais superiores em ambos os estudos.
tia1. Sua correção exige a realização de uma expansão maxilar A separação da sutura palatina observada na radiografia oclu-
rápida, sendo preconizada inicialmente por Haas10 apenas em sal e o surgimento do diastema inter-incisivos são indicativos de
crianças. Apesar de pouca informação disponível sobre a EMR expansão esquelética da maxila, sendo considerados fatores pa-
sem assistência cirúrgica em pacientes adultos e sobre a idade tognomônicos4,10.
precisa na qual esse tratamento não é tão efetivo, existe um con- O presente artigo apresenta o caso clínico de uma paciente de
senso na literatura: Quanto maior a idade do paciente, pior o 17 anos em que foi realizado o método de Expansão Maxilar Rápida
prognóstico6. (EMR) sem assistência cirúrgica, visando a correção de uma mordi-
Portanto, o tratamento deve ser realizado em idade precoce, da cruzada posterior. Serão abordados tópicos relativos à mecânica
com o intuito de obter mais estabilidade, o que é proporcional à ortodôntica empregada, o tipo de expansor utilizado, protocolo de
quantidade de disjunção óssea5,6,10. Quanto mais disjunção óssea ativação, contenção, bem como os possíveis efeitos indesejáveis
e menos expansão dentária, melhores os resultados quanto à es- decorrentes da EMR.
tabilidade em longo prazo do aumento transversal maxilar10.
A idade mais adequada para aplicar o método de EMR é o pe- ReLAto do CAso CLÍnICo
ríodo puberal4, sendo mais facilmente obtida até os 13 anos de ida- A paciente B. N., gênero feminino, leucoderma, 17 anos de ida-
de, mas pode ser verificada em jovens de até 18 anos2,5,6,11,12,18. Em de (Fig. 1), com atresia maxilar (Fig. 2) e mordida cruzada posterior
adultos, existe controvérsia quanto à possibilidade de se obtê-la, unilateral verdadeira (Fig. 3) foi tratada com a técnica de expansão
pois a sutura palatina mediana pode resistir à pressão exercida pelo maxilar rápida sem assistência cirúrgica.
aparelho, causando algumas seqüelas, como inclinação de dentes4 e O aparelho expansor utilizado foi o disjuntor de Haas modifica-
movimentação dentária por meio da parede cortical vestibular8, dor, do, com anéis, além dos primeiros molares e primeiros pré-molares,
edema e ulceração6, recessão gengival15. Entretanto, Handelman¹¹ também nos segundos pré-molares, para se obter maior ancora-
conseguiu aumentar a dimensão transversal da maxila em cinco gem (Fig. 4, 6).
pacientes adultos com idade entre 30 e 55 anos e em 47 adultos Após a instalação do disjuntor e ativação de ½ volta no primeiro

FiGURA 1 - Fotos extrabucais iniciais, demonstrando discreta assimetria facial.

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FiGURA 2 - Maxilar atrésico, com perda do perímetro do arco, causando api- FiGURA 3 - Foto intrabucal inicial. Observa-se a mordida cruzada posterior uni-
nhamento dental. lateral esquelética.

FiGURA 4 - Instalação do disjuntor de Haas modificado com anéis nos dentes FiGURA 5 - Foto frontal intrabucal e o diastema inter-incisivo após 14 dias.
16,15,14 e 26, 25, 24.

FiGURA 6 - Disjuntor de Haas modificado ativado.

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dia, foi recomendado à paciente que realizasse duas ativações de ¼


de volta por dia, sendo uma no período matutino e outra no período
noturno. Tal procedimento foi realizado até que as cúspides pala-
tinas dos dentes posteriores superiores ocluíssem com as cúspides
vestibulares dos dentes posteriores inferiores. Isso ocorreu após 21
dias de ativação. Pode-se notar nas figuras 5 e 8, o diastema entre
os incisivos centrais superiores, ocorrido após duas semanas.
No início do tratamento, a sutura palatina mediana encontra-
va-se obliterada (Fig. 7), porém a expansão maxilar rápida promo-
veu sua abertura (Fig. 8), que teve completa ossificação após a fase
de contenção (Fig. 9).
A paciente foi monitorada semanalmente durante as 3 se-
manas do período de ativação e mensalmente durante a fase de
FiGURA 7 - Radiografia oclusal inicial demonstrando arco superior atrésico. contenção. Após esse período (Fig. 10), foi iniciado o tratamento

FiGURA 8 - Radiografia oclusal comprovando a abertura da sutura palatina FiGURA 9 - Radiografia oclusal final com a completa ossificação da sutura pa-
mediana. latina mediana.

FiGURA 10 - Foto intrabucal final com significativo aumento transversal da FiGURA 11 - Vista oclusal da maxila pós-expansão. Note o aumento da largura
maxila. e perímetro do arco, bem como o volume palatal.

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ortodôntico corretivo.
O ganho em expansão entre os primeiros molares foi de 6,5mm,
conferindo à maxila uma morfologia mais apropriada (Fig. 11). Para
estabilização do resultado obtido foram necessários 6 meses de
contenção. Não foi constatado nenhum efeito colateral, como dor
ou edema. A oclusão da paciente apresenta-se estável, ou seja, não
houve recidiva da mordida cruzada. Também não foi constatado
surgimento de mordida aberta ou recessão gengival.
Os efeitos transversais dento-esqueléticos suscitados pela te-
rapia da expansão maxilar rápida ficam evidentes nos traçados ce-
falométricos sobre as telerradiografias póstero-anteriores inicial,
imediatamente após a estabilização do parafuso expansor e após
remoção do disjuntor de Haas modificado (Fig. 12), resultando no
aumento da dimensão transversa da maxila (Fig. 13).
Ademais, com o tratamento da mordida cruzada posterior pela
técnica da EMR conseguiu-se melhorar a harmonia facial da pa-
ciente (Fig. 14).

B C
FiGURA 12 - A) Traçado cefalométrico inicial sobre telerradiografia póstero-anterior inicial. B) Traçado cefalométrico imediatamente após a estabilização do parafu-
so expansor sobre telerradiografia póstero-anterior intermediária. C) Traçado cefalométrico final sobre telerradiografia póstero-anterior final.

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dIsCussão Esse fato contraria os estudos de Handelman11,12, que não encon-


A visão cautelosa da expansão maxilar rápida em adultos está trou diastema entre os incisivos centrais superiores em seus mais
baseada, em parte, nos estudos anatômicos sobre maturação da de 50 pacientes tratados com EMR.
face, os quais mostram que a sutura palatina mediana e as suturas Sustentado por Northway, Meade Jr.15; Chang, McNamara Jr. e
circunmaxilares tornam-se mais rígidas e começam a se fusionar Herberger7, no presente caso clínico não houve abertura da mordi-
na metade da segunda década de vida13,16. da, bem como recidiva de mordida cruzada posterior.
Vários autores3-6,14-17 relataram que a EMR está associada com A expansão conseguida de 6,5mm está de acordo com os pa-
seqüelas indesejáveis, como dor, edema, ulceração, inclinação dos drões encontrados por Handelman11; Capelozza et al.6; Stuart e
dentes posteriores, recessão gengival e perfuração vestibular do al- Wiltshire18.
véolo. Entretanto, o caso clínico descrito neste artigo não apresen- Em razão do alto custo, morbidade, risco e relutância dos pa-
tou estes efeitos colaterais, corroborando com Handelmann11,12. cientes em realizar cirurgias, pode-se optar pela EMR não cirúrgi-
Segundo Graber e Vanarsdall9, a expansão ativa das duas me- ca, que tem alta eficácia, estabilidade e é aplicável em boa parte
tades da maxila produz diastema na linha mediana entre os inci- dos casos que requerem uma expansão transversal da maxila. No
sivos centrais superiores, conforme ocorrido no caso clínico apre- entanto, quando se requer expansão maxilar maior que 8mm, ou
sentado, após duas semanas e suportado por Alpern e Yurosko2. existe significativa recessão gengival, o procedimento indicado é a

FiGURA 13 - Superposição dos traçados demonstrando o aumento da dimensão transversa


da maxila.

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Expansão maxilar rápida não cirúrgica em paciente adulto. Uma alternativa possível

FiGURA 14 - Fotos extrabucais finais, com melhora da harmonia facial.

EMR assistida cirurgicamente11. gicamente.


A expansão maxilar rápida permite o tratamento de discrepân- O caso clínico relatado e a literatura fornecem evidências de
cias transversais em pacientes adultos jovens sem a necessidade que embora a sutura palatina mediana esteja fechada quando ava-
de compensação dentária ou assistência cirúrgica, com algumas liada radiograficamente, a mesma pode não se encontrar realmen-
limitações e resultados clínicos satisfatórios5. te fusionada. Por conseguinte, a sutura palatina mediana pode ser
Para Capelozza Filho e Silva Filho et al5, a expansão rápida da manipulada ortopedicamente por meio da expansão maxilar rápida
maxila após a fase de crescimento está indicada para pacientes de em pacientes adultos jovens, promovendo o aumento significativo
até aproximadamente 30 anos, com boa saúde periodontal, que da dimensão transversal e facilitando o tratamento ortodôntico
aceitem um provável desconforto e que necessitem de no máximo corretivo.
uma expansão moderada (<4mm) da maxila ao nível ósseo.
Porém, cada caso deve ser minuciosamente avaliado, analisan- ConCLusão
do-se os riscos e benefícios do procedimento. Deve-se considerar Pode-se concluir que há divergência na literatura quanto à
a idade, a condição periodontal e a severidade da mordida cruzada possibilidade, limitações e sucesso da expansão maxilar rápida não
para determinar se a conduta não cirúrgica da expansão maxilar cirúrgica em pacientes adultos. Compete ao ortodontista avaliar
rápida propiciará correção satisfatória da deficiência transversal da cada caso cuidadosamente, para determinar se os benefícios da
maxila. O paciente deve estar esclarecido e em concordância que EMR não cirúrgica superam os riscos, elucidando o paciente sobre
se não houver EMR, a expansão deverá ser aquela assistida cirur- suas vantagens e limitações.

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Non-surgically assisted rapid maxillary expansion in adults.


A possible alternative
Abstract
The present paper aims to demonstrate the possibility of unilateral posterior crossbite clinical case treated with a
nonsurgical rapid palatal expansion in adults, reporting an modificated Haas expander.
key words: Rapid maxillary expansion. Haas expander. Posterior crossbite. Adult treatment.

RefeRênciAs

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Endereço para correspondência

Gerson luiz Ulema ribeiro


Rua Max Colin, 1356 - Bairro América
CEP 89204-635 - Joinville - SC
E-mail: gersonlr@expresso.com.br

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