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ISBN 978-85-352-5414-3
ISBN Versão digital 978-85-352-7270-3
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T698 Os coordenadores
Tratado de direito constitucional, volume I : constituição, política e
sociedade / coordenadores Felipe Dutra Asensi, Daniel Giotti de Paula.
- 1. ed. - Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
24 cm (Universitária)

Inclui bibliografia e índice


ISBN 978-85-352-5414-3

1. Direito constitucional. I. Asensi, Felipe Dutra. II. Paula, Daniel


Giotti de.

13-05009 CDU:342

V
A FUNDAMENTALIDADE DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS 1

TRADUÇÃO DE ANA PAULA SOARES CARVALHO

4.1.1. INTRODUÇÃO

S DIREITOSfundamentais são um tipo de direito subjetivo, cuja a


diferença reside em sua fundamentalidade. Um estudo do con-
ceito dos direitos fundamentais demanda, assim, que se proceda
a uma clarificação do conceito dos direitos subjetivos bem como do conceito
da fundamentalidade.
Aqui será analisado de perto apenas o conceito da fundamentalidade. No
âmbito dessa investigação, é preciso recorrer ao conceito de direitos subjetivos
formulado por Robert Alexy. Segundo ele, um direito substantivo é um todo
que consiste em três entidades: a disposição jurídica (Rechtsbestimmung), a
norma jurídica (Rechtsnorm) e a posição jurídica (Rechtsposition). Os direitos
fundamentais, enquanto subcaso dos direitos subjetivos, compartilham dessa
estrutura. Um direito fundamental é um todo, o feixe (Bündel) de normas de
direito fundamental e posições de direito fundamental que são classificadas
interpretativamente como uma disposição fundamental. 2
Os direitos fundamentais são direitos subjetivos com propriedades espe-
cíficas. Algumas dessas propriedades podem ser atribuídas a outros tipos de
direito subjetivo - por exemplo, a direitos subjetivos públicos ordinários, a
outros direitos subjetivos infraconstitucionais e a direitos humanos do direito
internacional público. Entre essas características estão: a validade jurídica (os
direitos fundamentais funcionam de acordo com as condições específicas do
sistema jurídico), o caráter abstrato (as disposições sobre direitos fundamentais
são formuladas na forma de conceitos abstratos), e a generalidade (os direitos
fundamentais são válidos antes e independentemente de seu uso concreto).3

1. Agradeço à Profa. Ana Paula Soares Carvalho pela tradução da versão em português deste artigo.
2. R. Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt am Main 2006, p. 54 e seguintes e 163 e ss.
3. Sobre o conceito da generalidade dos direitos subjetivos ver Frederick Schauer. The Generality
of Rights", Legal Theory 6 (2000), p. 323-36.

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TRATADO DE DIREITO CONSTITUCIONAL 4.1. CARLOS BERNAL PULIDO

Contudo, o caráter fundamental dos direitos fundamentais - dito de forma sucinta: s suas qualidades especiais se todos os direitos subjetivos pudessem ser impostos com 0
fundamentalidade - parece ser a diferença especifica dos direitos fundamentais. El auxílio de recursos extraordinários.
expressa por meio do prefixo "fundo" em "direitos fundamentais". A fundamentalida Uma primeira estratégia para limitar a classe dos direitos fundamentais baseia-se na
4
constitui uma propriedade exclusiva específica dos direitos fundamentais. identificação de determinadas propriedades formais enquanto propriedades fundamentais
A questão central dessa investigação pode ser apresentada nos seguintes termos: dos direitos fundamentais. Essas propriedades formais estão relacionadas ao posiciona-
que consiste a fundamentalidade dos direitos fundamentais? A fundamentalidade é mento (Verortung) dos direitos fundamentais em uma fonte específica do direito. Quatro
propriedade complexa, constituída a partir de distintas subpropriedades. Em vista d' propriedades formas distintas são comumente denominadas propriedades fundamentais
o ponto de partida pode ser formulado de forma mais precisa: quais propriedades conf do direito fundamental. A seguir, a sequência dessas propriedades iniciando-se pelas mais
mama fundamentalidade dos direitos fundamentais e conferem, dessa forma, aos direit estritas, chegando até as de sentido mais lato: (1) o pertencimento da disposição fundamental,
fundamentais sua natureza específica no âmbito da classe dos direitos subjetivos? No q que estatui o direito fundamental, ao capítulo dos direitos fundamentais da Constituição; (2)
se segue deste texto, é essa a questão que pauta a abordagem das propriedades dos direit o pertencimento da disposição fundamental, ao texto da Constituição; (3) o pertencimento
fundamentais. da disposição de direito fundamental, ao texto da Constituição ou a outra fonte do direito
A questão referente às propriedades fundamentais dos direitos fundamentais tem si (principalmente pactos, convenções ou outros contratos sobre direitos humanos), na medida
ficado a um só tempo teórico e prático. Do ponto de vista teórico, a resposta a essa questão em que a Constituição remete a essas outras fontes do direito; e (4) o reconhecimento não
importante para se responder à questão geral que diz respeito às características dos direi · de uma disposição fundamental, mas da validade de uma norma de direito fundamental
fundamentais. Do ponto de vista prático, a compreensão das propriedades fundamen (Grundrechtsnorm) ou de uma posição de direito fundamental caucionada (gewiihrt) por ela
dos direitos fundamentais é relevante para a identificação de um direito subjetivo espe por meio da jurisdição constitucional (Ve1fassungsgerichtsbarkeit). No que se segue, cumpre
enquanto direito fundamental por meio das cortes, especialmente por meio da jurisdi analisar com mais atenção essas quatro propriedades formais.
constitucional (Verfassungsgerichtsbarkeit). Esse nivelamento também é significativo pa
a deliberação. De um lado, a corte precisa saber quais são as propriedades característic 4.1.2.1. O pertencimento da disposição fundamental
dos direitos fundamentais para poder determinar se, em casos casos específicos, os ao capítulo dos direitos fundamentais da Constituição
pectivos direitos subjetivos pode ser classificados como direitos fundamentais. De ou Com relação à primeira propriedade - o pertencimento da disposição fundamental ao
essas propriedades têm o papel de qualificadoras. Se um direito fundamental apresen capítulo dos direitos fundamentais da Constituição - há três possibilidades. Ela pode ser
propriedades fundamentais específicas, isso pode ser tomado como fundamento para a compreendida como: (1) condição igualmente necessária e suficiente para a classificação
buir a esse direito fundamental um peso maior na deliberação. de um direito subjetivo como direito fundamental; (2) condição simplesmente necessária
No âmbito da classe das propriedades que são consideradas propriedades fundam para isso; (3) condição suficiente.
tais dos direitos fundamentais, é preciso fazer a diferenciação entre propriedades form Um exemplo da leitura (Deutung) dessa propriedade enquanto condição igualmen-
e materiais. te necessária e suficiente é a interpretação dominante do Artigo 53, Inciso 1, Frase 1 da
Constituição Espanhola. A disposição (Bestimmung) diz o seguinte: "Os direitos e liberdades
reconhecidos no capítulo 2 desse título comprometem o poder público".
4.1.2. PROPRIEDADES FORMAIS
Na interpretação (Auffassung) da maior parte dos constitucionalistas espanhóis, aproprie~
Nem todos os direitos subjetivos do sistema jurídico são ou podem ser classificad dade fundamental dos direitos fundamentais consiste no fato de que esses comprometem
como direitos fundamentais. Os direitos fundamentais comprometem os legisladores (binden) o legislador e os poderes públicos. 5 Porém, de acordo com o artigo 53, inciso 1, frase
estabelecem com isso um limite ao processo político e às decisões políticas. Eles també 1 da Constituição espanhola, essa propriedade é apenas o efeito de uma causa: o fato de
serão corroborados (bewehrt) por recursos extraordinários. A partir daí, os direitos fund a disposição fundamental que estatui o direito fundamental pertencer ao capítulo sobre
mentais conformam uma classe exclusiva de direitos subjetivos. Não fosse esse o caso, direito fundamental da Constituição - nesse caso o Capítulo II do Título I da Constituição .
processo democrático seria extremamente limitado. Os direitos fundamentais perderi Quando - como no caso da Espanha - essa propriedade é tida como necessária e suficiente,
4. A fundamentalidade é também uma propriedade dos direi~os human~s. ~pesar disso, a f_undamentalidade
o que se diz implicitamente é que procedem as seguintes afirmações: a) um direito subjetivo
direitos humanos não deve ser confundida com a fundamentahdade dos d1reJtos fundamentais expressas pelo . é um direito fundamental somente quanto há uma disposição fundamental que estatui o
xo "fundo". Como se mostrará adiante, algumas propriedades n:iat~riais são idêntic~s, tanto para.ª fundamental!
dos direitos humanos quanto para a fundamentalidade dos direitos fundamentais. Contud?, a fundarr:en_tah
dos direitos humanos faltam propriedades formais específicas que conferem fundamentahdade aos direitos 5. Ver, especia!men!e, _F. Rubio Llorente, ,,Los derechos fundamentales. Evolución, fuentes y titulares en Espaií.a",
<lamentais. Visto que a fundamentalidade dos direito~ fundamen_tai~ conforma um todo de propnedad~s for Claves de l~ razon practzca 75 (1997), p. 2 e ss.; P. Cruz Villalón, ,,Formación y evolución de los derechos fundamen-
e informais ela não pode ser idêntica à fundamentahdade dos direitos humanos. Sobre a fund~ment~hdade tales", Rev!st~ E,sp_miol~ ~e Derecho Constitucional, 25 (1989), p. 40 e ss.; do mesmo autor., ,,Derechos Fundamentales",
direito hm1.;anos ver R. Alexy, ,,Menschenrechte ohne Metaphysik(", De,(ll_sche Zeitsclzri(t für P/11/osoplz~e 52 (20 Enczclopedza Jlmdzca baszca, Vol. II, p. 2399; L. Aguiar de Luque, ,,Los límites de los derechos fundamentales" Revista
p. 15-24; e, do mesmo autor. Discourse Theory and Fundamental Rights , m: A. J. Menendez/E. O. Enksen ( dei Centro de Estudios C~ns'.itucionales, 14 (1993), p. 10; G. Peces Barba, Curso de derechos fundamentales: Teoría general,
Arguing Fundamental Rights, Dordrecht 2006, p. 15-29. Madnd 1995, p. 484; J. Jimenez Campo, Derechos Fundamentales. Concepto y garantías, Madrid 1999, p. 15, 17, 21 e 24.

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4.1. CARLOS BERNAL PUt.:IDO
TRATADO DE DIREITO CONSTITUCIONAL

direito fundamental e esta pertence ao capítulo constitucional dos direitos fundament da disposição ao capítulo dos direitos fundamentais da Constituição como condição igual-
b) todos os direitos subjetivos estatuídos por disposições fundamentais pertencentes mente necessária e suficiente impede que se esclareça essa natureza universal da funda-
capítulo dos direitos fundamentais da Constituição são direitos fundamentais. mentalidade dos direitos fundamentais. Em quarto lugar, pode-se sempre questionar se o
Essa concepção da fundamentalidade dos direitos fundamentais tem o mérito de permi capítulo dos direitos fundamentais de uma Constituição está incompleto. É possível que
julgar precisamente se um direito subjetivo é ou não um direito fundamental. Ela subr faltem direitos fundamentais. Frases do tipo ,,O capítulo dos direitos fundamentais da
também o fato de que aos direitos fundamentais corresponde um elemento paroq Constituição do país (x) é incompleto porque ele não inclui nenhum direito fundamental
à igualdade" são providas de sentido. Esse não seria o caso se o pertencimento ao capítulo
Este consiste no fato de que toda sociedade, em sua assembleia constituinte, distin
quais direitos são direitos fundamentais e os identifica explicitamente enquanto dir · dos direitos fundamentais da Constituição fosse condição suficiente e necessária para ao
fundamentais no texto constitucional. A favor dessa leitura argumenta também o cA fundamentalidade dos direitos fundamentais. Em quinto lugar, há um petitio principi no
interpretativo da sedes materiae. De acordo com esse cânone, o posicionamento (Verort argumento sedes materiae invocado. A premissa (5) é apenas uma formulação renovada da
de uma disposição dentro de um capítulo específico de uma fonte de direito - nesse cas conclusão do argumento. Não é demonstrado a partir dela que a fundamentalidade dos
Constituição - é significativo para a sua interpretação. 6 O argumento sustentado por e direitos fundamentais consiste no pertencimento da disposição fundamental ao capítulo
cânone se expressa da seguinte forma: (1) a assembleia constituinte é racional; (2) para dos direitos fundamentais. E, finalmente, a divisão da Constituição em capítulos não foi
vaguardar a racionalidade, o legislador constituinte divide os direitos constitucionais tarefa da assembleia constituinte, mas sim do editor das publicações do texto constitucional.
capítulos, de modo que em cada capítulo da Constituição sejam reunidos todos os dir Nesses casos, a divisão da Constituição não reflete a vontade da assembleia constituinte.
subjetivos - e apenas os direitos subjetivos - que manifestem aquela propriedade que Todas essas razões vão de encontro à leitura do pertencimento ao capítulo dos direitos
quer expressar com o título de cada capítulo; (3) o capítulo dos direitos fundamentais fundamentais da Constituição como uma condição necessária. Elas mostram que (a) não
Constituição reúne uma série de disposições; (4) essas disposições manifestam uma p está correto. (b) também não o está: nem todos os direitos subjetivos estatuídos por dispo-
priedade comum; (5) visto que o título do capítulo é "direitos fundamentais", essa prop sições no capítulo dos direitos fundamentais da Constituição são direitos fundamentais.
dade comum consiste na fundamentalidade dos direitos subjetivos estatuídos por Em quase todas as constituições há direitos subjetivos que, apesar de terem sido estatuídos
disposições; da mesma forma (a) e (b); assim (resultado) o pertencimento da dispo por disposições localizadas no capítulo dos direitos fundamentais, não se constituem como
fundamental ao capítulo dos direitos fundamentais da Constituição é condição neces direitos fundamentais. Como exemplo disso, pode-se mencionar o artigo 22 da Constituição
e suficiente para a fundamentalidade dos direitos fundamentais. colombiana, que estatui o direito subjetivo à liberdade. Esse direito subjetivo não é um
Apesar disso, essa interpretação não procede. Pode-se mencionar uma série de ar direito fundamental. Por razões materiais, a liberdade não pode ser matéria de direito
mentos (Gründe) contra ela. Primeiramente, há constituições - por exemplo, a Constitui· fundamental. Em vista disso, o direito à liberdade também não pode ser reconhecido como
do México7 - que não possuem nenhum capítulo dedicado exclusivamente aos dire· direito fundamental por meio da jurisdição constitucional (Verfassungsgeríchtbarkeit). A tese
fundamentais, mas que mesmo assim asseguram esses direitos. Em segundo lugar, do pertencimento ao capítulo dos direitos fundamentais da Constituição como condição
procede a premissa (2) do argumento invocado anteriormente. Não se pode dizer que. suficiente à fundamentalidade dos direitos fundamentais não pode ser combinada com
todo capítulo da Constituição são reunidos todos e somente os direitos que manifest isso. As propriedades materiais dos direitos fundamentais têm prevalência em face de suas
uma mesma propriedade, a qual é expressa pelo título do respectivo capítulo. Em t propriedades formais. Um direito subjetivo precisa manifestar pelo menos uma propriedade
Constituição há direitos fundamentais que estão fora do capítulo dos direitos funda material para ser um direito fundamental. É preciso, porém, que ele manifeste também pelo
tais. Em terceiro lugar, é certo afirmar que o conceito dos direitos fundamentais mani menos uma propriedade formal para ser considerado um direito fundamental.
um elemento paroquial. Entretanto, ele possui também um elemento universal. Não>
4.1.2.2. O pertencimento da disposição
acaso, - independentemente das respectivas formulações das disposições fundament
fundamental ao texto da Constituição
discriminações ou violações (Verletzung) da liberdade são proibidas com base em dir ·
fundamentais. A existência dessa correspondência (Übereinstimmung) entre os conteú O pertencimento da disposição fundamental ao texto da Constituição pode, por sua
dos direitos fundamentais nas constituições de diferentes países é razão para se atrib · vez, ser compreendido como condição igualmente suficiente e necessária, como condição
conceito dos direitos fundamentais e, precisamente, ao conceito da fundamentalidade, unicamente necessária ou como condição unicamente suficiente. A leitura (Deutung) dessa
natureza não completamente paroquial, mas também universal. A adoção do pertencim propriedade como condição necessária ou como condição suficiente e necessária implicaria
no fato de que apenas os direitos subjetivos estatuídos por uma disposição no texto cons-
6. Sobre o argumento sedes materiae ver J. Bengoetxea, ,,Legal System as a Regul".tive Ideal", in H.-J. Koch
Neumann (Hg.), Praktische Vermmft ll!ld Rechtsanwendung: Leg~l Sy~tem m_zd Practl~al re,as_on: Verhandlungen titucional seriam classificados como direitos fundamentais. Essa leitura não é, entretanto,
Weltkongress der intemationalen Vereimgung für Reclzts- und Soz1alpl11losoplue (IVR) m Gottmgen, August 1_991, convincente. Para isso há pelo menos quatro razões. Primeiramente, essa leitura destaca
Beiheft 53, Stuttgart 1994, p. 76. Ver tambémJ. Bengoetxea, The Legal Reasoning of the European Court ofJustice:
a European Jurisprudence, Oxford, 1993. p. vi e 99. , . , . natureza paroquial da fundamentalidade dos direitos fundamentais sem fazer justiça tam-
7. Sobre os direitos fundamentais no Mexico, ver M. Carbonell, Los derechos fzmdamentales en Mexzco, Mex1co bém à sua natureza universal. Em segundo lugar, é válido questionar a completude de um
2004.
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TRATADO DE ÜIREITO CONSTITUCIONAL
4.1. CARLOS BERNAL PULIDO

porque os direitos fundamentais possuem um caráter fundamental. A fundamentalidade


texto constituicional no caso de faltarem a ele alguns direitos fundamentais. De acordo c
é a razão pela qual os direitos funç:lamentais são garantidos com os recursos interpostos
a leitura em questão, esse questionamento seria desprovido de sentido. Em terceiro lu
junto à corte constitucional (Verfassungsbeschwerde), e não o efeito desse fato. Os recursos
essa interpretação não é capaz de esclarecer porque em alguns países é aceito o fato de
haja disposições fora da Constituição que estatuem direitos fundamentais. Em quarto 1 extraordinários garantem apenas alguns direitos fundamentais específicos - por exemplo,
essa leitura não é capaz de esclarecer o caráter de direito fundamental de determina o direito à vida, à liberdade, à igualdade, etc. - que têm significado especial para a socieda-
de. Esse significado especial para a sociedade não é, porém, idêntico à fundamentalidade.
direitos subjetivos que não possuem relação imediata com a Constituição 8, mas que
reconhecidos como direitos fundamentais por meio da jurisprudência (Rechtsprechu Apesar disso, é infundada a tese segundo a qual o pertencimento de uma disposição
Exemplos conhecidos disso são o direito fundamental à esfera privada na jurisprudên que estatui um direito subjetivo à Constituição representa uma condição suficiente para
a fundamentalidade do direito fundamental. Como no caso do artigo 38 da Constituição
da Supreme Court dos Estados Unidos9 e o reconhecimento de direitos fundamentais
jurisprudência da Federal High Court da Austrália, cuja Constituição não contém nenh alemã, há direitos subjetivos da Constituição que não vão ao encontro das propriedades
materiais dos direitos fundamentais. Por essa razão, não podem ser identificados como
catálogo de direitos fundamentais. 10
direitos fundamentais.
Também não é plausível a tese que defende que·o pertencimento de uma dispos·
estatuinte de direito fundamental à Constituição representa uma condição suficiente às 4.1.2.3. O pertencimento da disposição fundamental
fundamentalidade. Nem todos os direitos subjetivos estatuídos no texto constitucion' ao texto constitucional ou ao bloco constitucional
representam direitos fundamentais. Exemplo disso é o artigo 38 da Constituição ale
que estatui os direitos dos deputados. Esses direitos são de fato direitos subjetivos, m O pertencimento de uma disposição fundamental ao texto constitucional ou a outra
fonte de direito que faça referência à Constituição não é nem condição suficiente nem
não direitos fundamentais.
Um fundamento para a tese do pertencimento de uma disposição estatuinte de direi necessária à fundamentalidade do direito fundamental garantido. Em sistemas jurídicos
substantivo à Constituição como condição suficiente para a fundamentalidade dos direit de alguns Estados influentes, são válidos alguns dos direitos subjetivos que são estatuídos
fundamentais consiste no fato de que todos os direitos subjetivos da Constituição ap por disposições, que pertencem ao assim chamado bloco constitucional, como direitos fun-
sentam quatro efeitos que pertencem à natureza dos direitos fundamentais, quais sej damentais - mas nem todos. O conceito do bloco constitucional foi desenvolvido no direito
(1) o compromisso de todos os poderes públicos, (2) a aplicabilidade (Durchsetzbarkeit) p constitucional francês. O preâmbulo da Constituição da república francesa de quatro de
caminho do processo jurídico constitucional, (3) o efeito de difusão e (4) aplicação dir outubro de 1958 faz referência a outros documentos, que completam o catálogo dos direitos
dos direitos fundamentais no âmbito das relações privadas (eficácia horizontal dos di com classe de direitos constitucional. O texto do preâmbulo diz:
tos fundamentais) (Drittwirkung). Visto que (a) todas as disposições constitucionais :.:.: "O povo francês proclama solenemente sua ligação aos direitos do homem e aos princípios da soberania nacional tal
não apenas as disposições do capítulo dos direitos fundamentais - comprometem o pod como definidos pela Declaração de 1789, confirmada e completada pelo preâmbulo da Constituição de 1946, bem
público de forma integral e estabelecem medidas iguais para assuntos privados e (b) tod como aos direitos e deveres definidos pela Carta do ambiente de 2004."

elas podem ser impostas por cortes constitucionais, todos os direitos subjetivos estatuíd
pelo texto constitucional apresentam esses quatro efeitos igualmente. O Conseil Constitutionnel dá a entender nesse texto que os direitos subjetivos no texto da
Contra a tese de que essa propriedade seja uma condição suficiente, pode-se aventa. Constituição conformam, junto com direitos subjetivos em documentos específicos, um bloco
. seguinte objeção: direitos fundamentais são somente aqueles direitos subjetivos que pode constitucional.11 A esse bloco pertencem todos dos direitos subjetivos da Constituição bem
ser feitos valer por meio de recurso (Rechtsbelf) extraordinário para a garantia do cumprim como os direitos subjetivos que foram estatuídos por documentos aos quais se faz referência
to dos direitos fundamentais, seja ele recurso (Beschwerde) individual ou recurso interpos no preâmbulo da Constituição. Além disso, a jurisprudência (Rechtssprechung) do Conseil
junto à corte constitucional, o processo de "recurso de amparo" espanhol, ou a "acción Constitutionnel alargou o bloco constitucional. O bloco constitucional constrói um padrão
tutela" colombiana. Essa objeção, no entanto, tem problemas. O fato de que esses recurl com o intuito de testar a constitucionalidade de regulamentos legais. 12
estejam à disposição enquanto "extraordinários" especificamente para o cumprimento d' O conceito de bloco constitucional foi apropriado em outros sistemas legais. Não está
direitos fundamentais não quer dizer que eles confiram aos direitos fundamentais sua f sempre claro se bloco constitucional é compreendido em seu sentido original. Na Espanha,
damentalidade. Ao contrário, esses recursos garantem (bewehren) os direitos fundament por exemplo, o conceito é usado para designar o conjunto das normas com status constitucio-
nal (Verfassungsrang) que delimitam as competências do Estado bem como das comunidades
8. Quer-se dizer com isso que eles não são reconhecidos enquanto posições de direito fundamental que se encon
no âmbito do campo semântico de uma disposição da constituição.
9. Para uma crítica do reconhecimento do caráter de direito fundamental desse direito subjetivo ver R. Bork,
Right of Privacy: The Construction of a Constitutional Time Bomb", in ders., The Tempting of America: The P
11. A primeira decisão do Conseil Constitutionnel na qual foi usado esse conceito foi a decisão de 8 de julho de
Seduction of tlze Law, Free Press, 1990. p. 95 e ss. 1966. Ver Recueil des Décísions du Cansei/ Constitutionnel, p. 15.
10. Sobre isso, ver T. Campbell, J. Goldsworthy und A. Stone (Hg.), Protecting Rights Wit/zout a Bill of Riglzts: Institui
12. Sobre o bloco constitucional na França, ver Louis Favoreu, ,,Bloc de constitutionnalité", in: O. Duhamel und Y.
Performance and Reform in Australia, Aldershot, 2006, especialmente o Capítulo I: B. Galligand und F. L. (Ted) Mort Meny (org.), Dictionnaire constítutíomzel, Paris 1992, p.87.
,,Australian Exceptionalism: Rights Protection Without a Bill of Rights", p. 17-39.

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TRATADO DE. DIREITO CONSTITUCIONAL 4.1. CARLOS BERNAL. PULIDO

autônomas. 13 Por outro lado, esse conceito é usado em alguns países latinoamericanos co direitos fundamentais atribuídos (zugeordnet), mas de direitos fundamentais sem disposi-
Panamá, Costa Rica e Colômbia 14 para designar um todo de disposições que, para além ção fundamental. Algumas constituições preveem expressamente a validade de direitos
pertencerem ao texto constitucional, apresentam status de direito constitucional e co fundamentais sem disposições de direito fundamental, bem como a validade de direitos
tituem um parâmetro para a constitucionalidade das leis. Alguns dos direitos subjetiv fundamentais não escritos. Um caso conhecido é a emenda nove da Constituição dos Estados
que compõem esse conjunto de disposições são direitos fundamentais - mas nem tod Unidos da América, que diz: "a enumeração de determinados direitos na Constituição não
Esse todo consiste normalmente no conjunto das disposições do texto constitucional e d deve ser feita de modo a negar ou limitar outros retidos pelo povo" (The enumeration in the
disposições dos pactos e convenções de direitos humanos. Na Constituição colombiana, Constitution, of certain rights, shall not be construed to deny or disparage others retained by the
artigo 93 conforma a base do bloco constitucional. De acordo com essa disposição, os direit people.). O art. 52. LXXVIII § 22 da Constituição do Brasi117 e o art. 94 da Constituição da
humanos - no sentido das convenções internacionais subscritas pela Colômbia - possu Colômbia possuem formulações semelhantes.18
primazia no sistema legal colombiano. A corte constitucional colombiana dá a enten
nesse artigo, que esses direitos humanos possuem caráter de direito fundamental e, co 4.1.2.5. Resultado referente às propriedades formais
quentemente, fundamentalidade. 15 Como resultado da análise das propriedades formais, é possível afirmar que um direito
O artigo 93 da Constituição colombiana pode servir de exemplo de como direitos su . fundamental manifesta fundamentalidade e com isso representa um direito fundamental
jetivos garantidos por disposições que não pertencem ao texto constitucional são reconh quando preenche as seguintes condições: é estatuído por meio de uma disposição perten-
cidos e tratados como direitos fundamentais. Há também, porém, direitos subjetivos q cente (1) ao capítulo dos direitos fundamentais da Constituição (2) ao texto da Constituição
pertencem ao bloco constitucional, mas que não são direitos fundamentais. em geral ou (3) ao bloco constitucional; ou (4) a respectiva norma legal, bem como a posição
legal, tenha sido reconhecida pela jurisprudência constitucional enquanto posição de direito
4.1.2.4. O reconhecimento da fundamentalidade
fundamental, bem como norma de direito fundamental. (4) é por si só uma condição sufi-
por meio da jurisi;>rudência constitucional
ciente. É condição necessária que direitos subjetivos preencham uma das condições (1) a (4).
O reconhecimento de uma norma de direito fundamental ou de uma posição de dire Quando se pergunta se determinado direito subjetivo tem caráter fundamental e se, por
fundamental por meio da jurisprudência, em especial da jurisprudência constitucio essa razão, constitui-se enquanto direito fundamental, há que se recorrer a essas quatro
representa uma condição não necessária, mas suficiente para a fundamentalidade. A ju condições para se chegar a uma resposta. É preciso considerar ainda que essas quatro con-
prudência constitucional desempenha um papel significativo no que tange à classifica dições expressam graus de segurança decrescente na determinação da fundamentalidade.
(Einstufung) de normas jurídicas ou posições jurídicas enquanto normas de direito fund Assim, (1) expressa relativamente o grau mais alto de segurança e (4) o grau relativamente
mental ou posições de direito fundamental. E isso ocorre de duas formas. Por um lado, mais baixo de segurança. Esses graus são também significativos para a deliberação. O fato de
jurisprudência constitucional classifica normas e posições jurídicas por meio da interpr que um direito subjetivo correspondente (einschliigig), em um caso determinado , represente
tação de disposições fundamentais (Grundrechtsbestimmungen) da Constituição ou do blo um direito fundamental é uma premissa normativa relevante para a determinação do peso
constitucional. Essa classificação consiste na declaração oficial de que uma norma legal abstrato do direito na fórmula de ponderação (Gewichtsformel). Essa premissa normativa
posição legal deva ser nivelada como norma de direito fundamental ou posição de direi pode, nessa condição, ser tanto certa como incerta. A certeza do reconhecimento dessas
fundamental por estar no campo semântico de uma disposição fundamental. Quando.'. premissas é um elemento da certeza do reconheciemnto das premissas da deliberação. Em
esse o caso, o pertencimento da disposição fundamental em questão à Constituição ou a, outras palavras, é o reconhecimento do terceiro fator da fórmula de ponderação.19
bloco constitucional, somado à classificação por meio da jurisprudência constitucion
confere à norma de direito fundamental ou à posição de direito fundamental sua fu
4.1.3. PROPRIEDADES MATERIAIS
damentalidade. Por outro lado, a jurisprudência permite atribuir caráter fundamental
determinadas normas legais e posições legais que não se encontram no campo semântico As propriedades formais não são suficientes para formular um conceito adequado e
uma disposição fundamental. Esse é o caso do assim chamado reconhecimento de direit completo da fundamentalidade dos direitos fundamentais. É pertinente questionar se o
fundamentais não escritos por meio da jurisprudência constitucional.16 Não se trata aí
..
17. O texto desse artigo diz o seguinte: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem out-
13. Sobre o conceito do bloco constitucional na Espanha, ver F. Rubio Llorente, ,,El bloque de constitucionalid ros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Revista Espm1ola de Derec/zo Constitucional (27) 1989, p. 9-37. .. Federativa do Brasil seja parte".
14. Sobre o conceito do bloco constitucional na Costa Rica e no Panamá, ver A. Hoyos, ,,El Contrai Judicial y 18. O texto desse artigo diz o seguinte: "La enunciación de los derechos y garantías contenidos en la Constitución
Bloque de Constitucionalidad en Panamá", Boletín Mexicano de Derecho Comparado, 25 (75) 1992, p. 785-807. y en los convenios internacionales vigentes, no debe entenderse como negación de otros que, siendo inherentes a
15. Sobre o bloco constitucional na Colômbia com vistas às distinções mais significativas da corte constitucio la persona humana, no figuren expresamente en ellos".
colombiana, ver M. Arango Olaya, ,,El bloque de constitucionalidad en la jurisprudencia de la Corte Constitucio 19. Para um tratamento detalhado da estrutura da deliberação no sentido da fórmula de ponderação e da certeza
Colombiana", Precedente 2004, p. 79-102. das premissas como um fator da deliberação, ver R. Alexy. Die Gewichtsformel", in J. Jickeli/P. Kreutz/D. Reuter
16. Exemplos interessantes do reconhecimento de direitos não escritos por meio da jurisprudência constitucio (org.), Gediichtnissclzrift fiir Jürgen Sonnenschein, Berlin 2003, p. 771-792. Sobre a certeza das premissas normativas da
podem ser encontrados em deciões das cortes constitucionais francesa e italiana. Sobre isso, ver ainda M. C. Pontea deliberação, verC. Berna! Pulido, "The Rationality of Balancing", Arclziv fiir Rechts- und Sozialplzilosophie 92 (2006),
La reconnaissance des droíts non écríts pour les courts constítutionnelles italíenne et française, París 1997. p. 195-208.

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TRATADO DE DIREITO CONSTITUCIONAL 4.1. CARLOS BERNAL PULIDO

texto, o bloco e a jurisprudência constitucionais já estatuiram e/ou reconheceram to porém, um objetivo claro. Este consiste em prover uma resposta para questão referente ao
os direitos fundamentais ou se outros direitos subjetivos deveriam ser classificados co significado dos direitos subjetivos no sistema jurídico. É sempre racional questionar se
direitos fundamentais. Para tratar dessas questões relevantes para a discussão política normas jurídicas que garantem (gewéihren) direitos subjetivos são corretas ou se elas falham
todas as sociedades, faz-se necessário incluir o tema das propriedades materiais. em garantir os direitos morais das pessoas. Neste sentido, Steiner afirma que "theories of
O questionamento do peso das propriedades materiais na determinação moral rights advance views about how specific other person's valued services should be interpersonally
fudamentalidade dos direitos fundamentais está ligado complexo problema filosófico q distributed by enforceable systems of rules". 23
se pergunta sobre a existência ou não de direitos fundamentais fora do direito. Dito Por essa razão, deve-se partir aqui da existência de direitos morais. Porém, há que se
forma mais precisa, a questão que se coloca é se existem ou não direitos morais ou direit perguntar então: quais propriedades materiais conferem fundamentalidade a alguns direitos
fundamentais morais. Os direitos fundamentais morais20 são um tipo de direito moral que, morais de forma que eles possam ser reconhecidos como direitos fundamentais no campo
virtude de seu conteúdo, devem ser tratados e reconhecidos com direitos fundamentais p da moral e do direito?
sistema jurídico. Visto que pertencem à classe dos direitos morais, a aceitação de sua existênc Essa questão só pode ser respondida no terreno de um conceito do indivíduo político
depende da aceitação de direitos morais. Não houvesse direitos morais, as proprieda:d (polítischen Person), Os direitos fundamentais protegem interesses fundamentais individuais
morais não seriam relevantes para a fundamentalidade dos direitos fundamentais. Partind em face da sociedade e do Estado. O indivíduo político e sua proteção em face da sociedade e
se daí, seriam direitos fundamentais apenas aqueles direitos estatuídos pela assemble do Estado vão definir assim quais interesses fundamentais lhe serão atribuídos. Nesse caso,
constitucional ou pela corte constitucional. Aceitando-se, do contrário, a existência de direit de que interesses fundamentais se trata?
fundamentais, seriam então os direitos fundamentais da Constituição ou da jurisprudên Esses interesses fundamentais dependem da relação mútua entre o Estado e o indivíduo
constitucional o resultado de uma institucionalização dos direitos fundamentais morais. N político. Os interesses materiais do indivíduo político e as propriedades materiais do Estado
caso, as propriedades formais dos direitos fundamentais institucionalizados nas constitui condicionam-se mutuamente. Desde os primórdios do Estado constitucional democrático, os
e em outros documentos e as propriedades materiais dos direitos morais determinariam junt direitos democráticos têm como foco proteger o indivíduo dos ataques do Estado, garantir a
a fundamentalidade dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais manifestariam participação (Mitwirkung) do indivíduo em processos democráticos e engendrar a igualdade
propriedades materiais anterior e independetemente de sua institucionalização no siste jurídica. 24 Desde que o princípio do Estado social foi incluído na definição do Estado, a
jurídico. O fato de um direito subjetivo manifestar uma propriedade material dos direit garantia de uma existência mínima passou à condição de direito fundamental e a igualdade
fundamentais seria razão para institucioná-lo enquanto direito fundamental. passou também a ser interpretada no sentido da igualdade de fato. Os direitos fundamentais
Não se pode aqui proceder a um exame completo da questão referente à existêncí definem o indivíduo político como livre, autônomo nos privado e público, iguais face a outros
de direitos morais. Apesar disso, cabe introduzir um argumento para a sua existênci indivíduos e como portadores (Tréiger) de determinadas necessidades básicas. A proteção
Uma forte razão contra a existência de tais direitos consiste na afirmação de que direit dessa liberdade, autonomia e igualdade e o atendimento dessas necessidades é o objetivo do
subjetivos não erigem exigências morais específicas. Nesse sentido, a identificação de at Estado. Esses objetivos, a um só tempo, exigem e justificam a ação estatal, que se encontra
corretos seria significativo para a moral. A identificação de atos corretos basear-se-ia condicionada pela proibição tanto do excesso quanto da omissão.
identificação das intenções corretas ou das razões corretas para os atos ou dos resultad Aos interesses fundamentais do indivíduo político - liberdade, autonomia, igualda-
desejados dos atos. Seria também afirmado, nessa medida, que a observação dos direit de - junta-se a satisfação de determinadas necessidades fundamentais. Estas devem ser
dos outros não é necessária para averiguar essas intenções, razões ou resultados. Sob consideradas enquanto propriedades materiais para a definição dos direitos fundamentais
esse tema, Bentham afirmou: na moral e - por meio da institucionalização da moral25 - no direito. Elas conformam o
conceito triádico de indivíduo político a ser investigado no que segue. Esse conceito possui
(., .) natural rights is sim pie nonsense: natural and imprescriptibly rights, rhetorical nonsense - nonsense upon stílts."
Bentham parte da premissa de que a estrutura complexa do conceito de direito subjetivo deva ser limitada ao cam
três dimensões: a dimensão liberal do indivíduo, a dimensão democrática do indivíduo e a
do direito. Em suas palavras: "Right ... is the child of law: from real laws come real rights; but from imaginary la dimensão de bem-estar social (sozialstaatlichen) do indivíduo . As propriedades materiais da
from laws of nature, fancied and invented by poets, rhetoricians, and dealers in moral and intellectual poisons, co fundamentalidade dos direitos fundamentais consistem em outras propriedades necessá-
22
imaginary rights, a bastard brood of monsters.
rias à dignidade humana e para o desenvolvimento de um indivíduo liberal, democrático
Essa interpretação não procede. É de fato verdade que o conceito do direito subjetivo e protegido pelo Estado de bem-estar social.
utilizado de forma preponderante no campo do direito. As teorias dos direitos morais tA
23. H. Steiner, ,,Moral Rights", in D. Cop (org.), Oxford Handbook of Ethical Theory, Oxford, 2006, p. 460.
24. Ver M. Stolleis, Gesclziclzte des õffentlichen Rechts in Deutsclzland, München 1992, Tomo 2, p. 114 e ss.
20. No âmbido da moral, fala-se comumente em "direitos humanos". No entanto, para conferir mais consistên 25. Sobre a institucionalização dos direitos fundamentais morais no campo do direito ver: R. Alexy, ,,Die
à argumentação, utiliza-se aqui o termo "direitos fundamentais morais". Por conseguinte, no âmbito da m Institutionalisierung der Menschenrechte im demokratischen Verfassungsstaat", in S. Gosepath und G. Lohmann
direitos fundamentais e direitos humanos são compreendidos como sinônimos. (org.), Philosophie der Menschenrechte, Frankfurt a. M. 1999, p. 246 e s.; F. I. Michelman, ,,Brauchen Menschenrechte
21. J. Bentham, ,,Anarchical Fallacies", in J. Bowring (org.), Tlze Works of Jeremy Bentham, London, 1838-1 eine demokratische Legitimation?", in H. Brunkhorst, W. Kõhler und M. Lutz-Bachmann (org.), Recht auf
Reimpressão: New York, 1962, Vol. 2, verso 230. Menschenrechte, Frankfurt a. M. 1999, p. 53; e J. Habermas, ,,Der interkulturelle Diskurs über Menschenrechte", in
22. Idem nota anterior, verso 730. Recht auf Menschenrechte, p. 216.

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TRATADO DE DIREITO (ONSTITUCIÔNAL 4.1. CARLOS BERNAL PULIDO

4.1.3.1. Os interesses fundamentais do indivíduo liberal seu pertencimento, ele permaneça livre para obedecer apenas a si mesmo. 32 De acordo com
De acordo com a apreensão liberal do indivíduo ou do Estado, o objetivo do Esta a teoria democrática, a todos os indivíduos deve ser reconhecida, na medida do possível, a
consiste em garantir ao indivíduo o exercício de sua liberdade. Nesse sentido, por exe habilidade de colocar normas a si mesmo.
plo, Locke defendeu que a justificação (Rechtfertigung) da legitimidade do poder esta A ideia central da teoria democrática foi desenvolvida nas últimas décadas por Habermas,
consiste na proteção da propriedade do indivíduo. 26 Para Locke, a propriedade era com sua teoria do discurso. Essa teoria pressupõe um conceito do indivíduo democrático ou
conceito comum que incluia a liberdade. De forma similar, Kant afirmou que a diretriz m deliberativo. Assim como o conceito do indivíduo liberal, aquele do indivíduo democrático
importante das ações estatais seria o princípio jurídico (Rechtsprinzip) geral. Segundo e sugere algumas habilidades fundamentais do indivíduo que podem funcionar como bases
princípio, ,,o direito é a incorporação das condições sob as quais o arbítrio de um pode para as propriedades materiais da fundamentalidade dos direitos fundamentais.
conciliado com o do outro segundo uma lei universal de liberdade."27 Esse princípio apo O princípio do discurso conforma o núcleo da teoria do discurso habermasiana. Segundo
para o fato de que a liberdade é um interesse fundamental do indivíduo e sua proteção esse princípio, devem ser tomadas como válidas apenas aquelas normas com as quais todos
o objetivo mais importante do Estado. Mas o que é essa liberdade? No que ela consiste? os interessados - enquanto participantes em discursos racionais - estiverem de acordo. 33
John Rawls ofereceu uma resposta a essa questão com seu conceito de indivíduo liberal O princípio do discurso é a base do princípio democrático. Pode-se deduzir daí que o con-
Segundo Rawls, o indivíduo se faz conhecer por meio de duas propriedades morais den · ceito do indivíduo pressuposto pelo princípio do discurso conforma a base do conceito do
minadas habilidades morais. A primeira habilidade moral é descrita como a habilidade indivíduo democrático. Dito de outra forma, as habilidades fundamentais do indivíduo
ser razoável (,,reasonable"). Essa habilidade consiste na capacidade de possuir um senso democrático consistem nas habilidades fundamentais de um participante de processos
justiça.28 A segunda habilidade é a de ser racional. Essa habilidade tem foco na capacida deliberativos em um discurso racional.
de se ter uma compreensão do bem (Guten). 29 A primeira habilidade moral consiste na ca O princípio do discurso pressupõe um indivíduo capaz de participar da deliberação
cidade humana de tomar parte conscientemente na cooperação social. A segunda habilida política e dar seu consentimento. Essas habilidades podem ser concentradas no conceito
moral refere-se à habilidade de aspirar a objetivos que refletem uma compreensão tant da imputabilidade (Zurechnungsfiihigkeit). A imputabilidade é necessária para que se tome
do bem assim como do todo. Ambas as habilidades dependem uma da outra. A primeir parte na comunicação. Ela consiste em duas outras habilidades fundamentais, quais sejam,
habilidade moral conforma o fundamento da proteção dos pressupostos individuais da vid (1) a habilidade de negociar afirmações e defendê-las com argumentos em face de objeções,
política, i.e. das liberdades políticas e dos direitos à participação em processos democráticos e (2) a habilidade de portar-se criticamente em face do embate entre os argumentos próprios
A segunda habilidade moral é o fundamento das liberdades individuais. e os argumentos de outrem. 34
Essas duas habilidades conformam as bases da fundamentalidade material dos direitos Quando se pensa, pois, em proteger, por meio dos direitos fundamentais, o indivíduo
fundamentais para a teoria liberal. Em vista disso, todos os direitos subjetivos necessários. democrático, são justamente essas duas habilidades, resumíveis à imputabilidade, que se
ao desenvolvimento dessas duas habilidades morais do indivíduo devem ser reconhecidos deve ter em vista Por isso, uma propriedade material suficiente para a fundamentalidade
como direitos fundamentais por assembleiais constituintes ou cortes constitucionais.~~ dos direitos fundamentais pode ser sustentada no conceito do indivíduo democrático. Um
Rawls lista um catálogo desses direitos subjetivos, chamados por ele de basic liberties. A direito subjetivo pode ser considerado direito fundamental quando protege a imputabili-
esse catálogo pertencem as liberdades de pensamento e consciência, as liberdades políti; dade do indivíduo. Os direitos fundamentais democráticos - como o direito ao voto e as
cas, as liberdades físicas, a integridade do indivíduo e os direitos e liberdades garantidos liberdades necessárias ao curso do processo democrático - expressam essa propriedade.
2
pelo estado de direito. 31 Há boas razões para sustentar a tese de que esse catálogo é muito
restrito. Isso, entretanto, não se encontra no escopo deste trabalho. 4.1.3.3. As necessidades fundamentais do indivíduo
protegido p~le> Estado do bem-estar social
4.1.3.2. Os interesses fundamentais do indivíduo democrático A teoria do Estado de bem-estar social pressupõe também uma dimensão do indiví-
A teoria democrática sugere ainda uma concepção de indivíduo que conforma uma, duo político. Aqui, o pano de fundo são as necessidades fundamentais. Contra as teorias
segunda dimensão do indivíduo político. Segundo essa concepção, são também atribuídos democráticas, essa concepção argumenta que a proteção da liberdade e a autonomia não
ao indivíduo interesses fundamentais. O núcleo dessa concepção consiste no conceito da são suficientes para garantir o status básico do indivíduo. Em toda sociedade há um gran-
autonomia, que reflete o ideal de Rousseau, ou seja, estabelecer (finden) uma forma de socie.. de número de indivíduos que, por meio do exercício de sua liberdade e autonomia, não
dade política na qual cada indivíduo e seus bens sejam protegidos, mas em que, apesar de. são capazes de satisfazer suas necessidades. 35 O objeto dessas necessidades são os bens

26. J. Locke, Second Treatise of Government. Disponível em <http://www.gutenberg.org/etext/7370> 32. J. J. Rousseau, Contrai Social, Berlin 1922, p. 13.
27. I. Kant, Grundlegung zur Metaphysik der Sitten, Berlin 1911, p. 230. 33. J. Habermas, Faktizitiit und Geltung, Frankfurt a. M. 1992, p. 172. .. .
28. J. Rawls, Política/ Liberalism, New York 1993, p. 49 e 338. 34. K. Günther, "Welchen Personenbegriff braucht die Diskurstheorie des Rechts? Uberlegungen zum mternen
29. Idem nota anterior, p. 338. Zusammenhang zwischen deliberativer Person, Staatsbürger und Rechtsperson", in H. Brunkhorst und P. Niesen
30. Idem nota anterior, p. 330. (orgs.), Das Recht der Republik, Frankfurt a. M. 1999, p. 83 e ss.
31. Idem nota anterior, p. 328. 35. Ver E. Tugendhat, Vorlesungen über Ethik, Frankfurt am M. 2003, p. 338 e ss.

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necessários à condução de uma boa vida - alimentação, moradia, seguro de saúde, rend constituinte e a corte constitucional determinam quais devem ser os direitos fundamentais
mínima, e assim por diante - e que fomentam o exercício das liberdades individuais concretos que garantem interesses democráticos e liberais, bem como quais são as neces-
políticas. O princípio da solidariedade fundamenta a ideia de que, no caso de um in sidades de bem-estar social do cidadão da sociedade em questão. Também quando essa
víduo não conseguir satisfazer sozinho suas necessidades, a sociedade deve fazê-lo p concretização parece, de alguma forma, não obrigatória (ungebunden), pode-se demandar
intermédio do Estado. 36 correção (Richtigkeit). O tipo de concretização pode, ainda, ser sempre criticado tendo-se
Nesse sentido, a satisfação de uma necessidade fundamental do indivíduo conform em vista a dimensão ideal.
uma propriedade material da fundamentalidade dos direitos fundamentais. Po
conseguinte, um direito subjetivo que visa à satisfação de necessidades fundamentais
indivíduo deve ser reconhecido enquando direito fundamental. Os direitos fundamentais
que manifestam essa propriedade são comumente direitos a algo correlacionado às
obrigações do Estado.

4.1.3.4. Resultado referente às propriedades materiais


As propriedades materiais da fundamentalidade dos direitos fundamentais devem ser.
compreendidas como condições suficientes que um direito subjetivo deve possuir para ser
considerado direito fundamental. Consequentemente, um direito subjetivo deve ser reconhecido
como direito fundamental quando proteger as habilidades morais do indivíduo liberal ou su
imputabilidade, bem como quando visar satisfazer as necessidades fundamentais do indivíduo
Soma-se a isso o fato de que um direito subjetivo se constitui como direito fundamental quand
assegurar a igualdade em termos de sua habilidade liberal e imputabilidade dos indivíd
ou quando garantir a igualdade na distribuição dos bens que satisfazem as necessidades
fundamentais. Um direito subjetivo precisa manifestar ao menos uma propriedade material
para ser considerado um direito fundamental. Com isso, as propriedades materias ganha
prioridade em face das propriedades formais.
As propriedades formais se mostram significativas também da deliberação. Valem as
seguintes regras: quanto mais um direito fundamental manifestar uma propriedade material
ou quanto mais o direito proteger as habilidades morais ou a imputabilidade do indivíduo
liberal, maior peso deve ser dado a ele na deliberação.

4.1.4. CONSIDERAÇÕES FINAIS


A fundamentalidade dos direitos fundamentais consiste em um conjunto de proprie"'
dades formais e materiais. Para ser um direito fundamental, um direito subjetivo precis
manifestar pelo menos uma propriedade formal. Nesse ponto, encontra-se uma condição
necessária. Entre as propriedades formais e materiais há uma relação. Essa relação consis-
te no fato de que os direitos fundamentais reconhecidos por assembleias constituintes e
cortes constitucionais representam uma institucionalização dos direitos morais, de forma
que os direitos fundamentais da Constituição , bem como da jurisprudência constitucio~
nal, manifestam, normalmente, pelo menos uma propriedade material. Apesar disso, é.
preciso reconhecer que - visto que as propriedade materiais são abstratas - a assembleia.
constituinte e a corte constitutional tem uma discricionariedade (Spielraum) para concretizar
essa propriedade na institucionalização. No âmbito dessa discricionariedade, a assembleia
36. Sobre esse papel do princípio da solidariedade, ver: M. Borgetto, La notion de Fratemité en Droit Public
París 1993, p. 398.

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