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Para ganhar a atenção necessária para uma discussão aprofundada, talvez tenhamos que
usar um truque, como na anedota sobre as reuniões do antigo partido comunista da União
Soviética:
Como na anedota, poderia dizer que temos três tipos de amor (dos dois primeiros não vou
falar, como disse o sujeito do partido) e o mais elevado tipo é o do papel do Supremo
Tribunal na interpretação das leis e da Constituição (falo do poder legiferante). E como isso
afeta o juiz das garantias. "E é sobre isso que vou falar com mais detalhes" ... como diria
o camarada secretário-geral da pequena cidade soviética (atenção: o leitor deve ler a nota
de rodapé nº 1).
Escrevi aqui, há semanas, no início do julgamento do juiz das garantias, artigo intitulado O
juiz das garantias e a interpretação desconforme com a Constituição, pelo qual procurei
mostrar, com todo cuidado e lhaneza, que uma coisa é fazer jurisdição constitucional e
outra é a de desconfigurar um texto legal votado legitimamente pelo parlamento, colocando
no seu lugar outro texto. Juristas como Christian Baldus perguntariam: como ficaria aqui a
interpretação histórica negativa? Já Bernd Rüthers diria que houve uma interpretação sem
limites (unbegrenzte Auslegung).
Antônio Pedro Melchior escreveu artigo perguntando se Assassinaram o juiz das garantias.
Não foi muito ouvido. Ninguém quer ir às reuniões do "partido", como na anedota
soviética. O meu artigo falando sobre a interpretação conforme e a possível mutilação do
juiz das garantias, alertando para o que estava sendo feito (falava no voto do ministro Fux),
também se perdeu no entremeio de tantos textos. Agora o julgamento já avançou.
O que é importante para o processo penal? A advocacia também é culpada disso tudo. Não
discutimos porque não damos importância ou não damos importância porque não
discutimos? Eis o paradoxo Tostines do JG. Enquanto isso, parcela majoritária da
comunidade jurídica prefere, nas redes e grupos de Whatsapp, dedicar-se a outros assuntos
"de maior importância", como, digamos assim, festejos de aniversários... Os próprios blogs
jurídicos pouco tratam do assunto. Por isso, digo para você, caro Antônio Pedro: "temos de
chamar esse povo para uma reunião... e parece que teremos de usar o truque dos Três
Amores do Partido..."!
O que o Antônio Pedro disse no seu artigo segue a linha do que escrevi. Diz o articulista:
"O parlamento decidiu que o juiz das garantias deveria ser o órgão competente para
examinar a admissibilidade da denúncia e o fez com fundamento técnico indiscutível". E o
STF decide em outro sentido. Há professores e advogados, que, embora minoritários,
consideram correta essa troca de lugar do juiz no recebimento da denúncia. Eu não
concordo, porque qual seria o sentido de colocar o recebimento da denúncia para o outro
juiz, que terá, necessariamente, de examinar tudo o que houve na fase anterior, restando,
assim, inexoravelmente "contaminado",[2] retirando do cerne do JG a sua própria razão de
ser (recomendo a leitura da nota nº 2).
Em suma, recebimento da denúncia feito pelo juiz da instrução dá razão ao que Antônio
Pedro lembrou sobre a advertência — visionária — do professor Jacinto Coutinho, há
alguns anos: "se você mete um instituto acusatório numa estrutura inquisitorial, o que você
vai receber é um novo instituto inquisitorial". É a máxima Lampedusa das reformas
processuais no Brasil: algo tem que mudar para ficar tudo como está. No Brasil,
Lampedusa convida Machado de Assis para almoçar.
É isso. Precisamos falar sobre o juiz das garantias. Precisamos falar sobre os limites da e na
interpretação. Jurisdição constitucional não serve para substituir o legislador. Um bom
exemplo para dissertações e teses de doutorado é a comparação do texto do artigo 3c da Lei
com o que o STF reescreveu no mesmo 3c. E, por favor, não se pode dizer que os críticos e
eu estamos exagerando. Basta um olhar sobre o conceito de interpretação conforme e
nulidade parcial sem redução de texto. Não se admite — conforme a doutrina —
interpretação conforme nos moldes esses feitos pelo STF 3c (falo aqui apenas desse
dispositivo).
De todo modo, estão todos convidados, por mim e pelo Antônio Pedro, para a respeitosa
discussão sobre Os Três Amores do Juiz de Garantias. Porque só sobre juiz de garantias
não atraímos ninguém. Talvez falando de Três Amores...
[1] Não resisto em fazer também uma anedota: a metáfora não tem nenhuma relação com o
comunismo. Não tem nada a ver com "partido é bom", "partido é ruim". Também não tem
nada a ver com sexo. Nem com amor. E aqui também estou fazendo uma anedota sobre a
anedota — e isso reside no fato de que é só uma metáfora para explicar aquilo que pretendi
dizer.
[2] Sobre essa delicada questão, remeto o leitor para o item "3. O juiz das garantias
diante do livre convencimento e da livre apreciação", do meu artigo publicado aqui
nesta ConJur.
Lenio Luiz Streck é jurista, professor, doutor em direito e advogado sócio fundador do
Streck & Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br