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Emergências Pediátricas: Emergências Psiquiátricas em Crianças e Adolescentes

Sistema de Protocolos

Emergências Pediátricas: Emergências Psiquiátricas


em Crianças e Adolescentes
Todas Áreas

Objetivos:
a) Conceituar emergências psiquiátricas na infância e na adolescência.
b) Descrever as principais condições observadas em crianças e adolescentes, em contexto
de emergências psiquiátricas.
c) Descrever o manejo diagnóstico e terapêutico de crianças e adolescentes no contexto
de emergências psiquiátricas.

Data da última alteração: sexta, 08 de abril de 2022

Data de validade da versão: segunda, 08 de abril de 2024

Autores e Afiliação:
Autores
William Luiz Aoqui 1, Rebeca Mendes de Paula Pessoa 1, Cristina Marta Del-Ben 2

Afiliação
1 Médico Assistente do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
2 Professora Associada do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

Definição / Quadro Clínico:


Definição
Emergência em psiquiatria da infância e da adolescência pode ser definida como a) uma
situação de risco para a integridade física e psíquica do paciente ou de terceiros,
considerando o contexto no qual o paciente está inserido; ou b) uma ameaça à vida da
criança ou ao seu desenvolvimento, na qual uma intervenção imediata é necessária. O
objetivo primário da intervenção é garantir a segurança do paciente pelo controle
imediato da situação de risco.

Fatores Etiológicos e Quadro Clínico

I - Violência
O comportamento violento se caracteriza pelo uso intencional de força física ou de poder,
real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma
comunidade, que resulte, ou tenha grande possibilidade de resultar, em lesão, morte,
dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. No caso de crianças e
adolescentes, a violência se constitui em quaisquer atos ou omissões dos pais, parentes,
responsáveis, instituições e, em última instância, da sociedade em geral, que redundem
em dano físico, emocional, sexual e moral às vítimas. Existem diversas naturezas do
comportamento violento, dentre elas a violência física, psicológica, sexual, negligência e
exploração.

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Fatores de risco
• Faixa etária pré-escolar (menor que 4 anos) e adolescentes.
• Crianças portadoras de necessidades especiais ou transtorno mental.
• Dinâmica familiar conflituosa.
• Histórico prévio de violências na família.

Violência sexual
A violência sexual pode ser empregada por diferentes maneiras, que incluem: estupro, ato
sexual com penetração, manipulação de genitália, mamas e ânus da criança, assédio
sexual, exploração sexual, exposição da criança/adolescente a pornografia, exibicionismo,
voyeurismo, jogos sexuais e práticas eróticas não consentidas e/ou impostas.

Abordagem das violências


O manejo de crianças/adolescentes vítimas de violência deve ser norteado por três
objetivos:
a) aliviar de imediato os efeitos do ocorrido;
b) identificar e manejar eventuais necessidades emocionais, sociais e educacionais
decorrentes do evento;
c) prevenir abusos subsequentes.

As ações para atingir esses objetivos incluem:

• Escuta e acolhimento da criança/adolescente em ambiente reservado, com a anuência


dos cuidadores e do próprio paciente.
• Compilação detalhada de todos os elementos possíveis de história, permitindo que a
criança/adolescente relate os fatos, respeitando também, quando for o caso, o desejo da
criança/adolescente de não falar a respeito.
• Alívio do sofrimento da criança/adolescente, seja por meio do emprego de medicações
para diminuir a ansiedade ou a agitação psicomotora, ou pela adoção das medidas para
garantir a integridade física e mental da criança/adolescente.
• Notificação dos casos de violência, tanto suspeitas como confirmadas, à vigilância
epidemiológica, pois os casos de violência constituem agravo de notificação compulsória.
• Envolvimento de rede de suporte, como Assistência Social e órgãos de proteção, como
Conselho Tutelar e Vara da infância e da Adolescência e das redes de saúde básica e
especializada, dependendo da presença de diagnósticos associados.
• Encaminhamento para hospitais de referência para crianças vítimas de violência, onde
serão feitos exame físico minucioso buscando evidências de violência física/sexual aguda
ou crônica, solicitação de exames laboratoriais e radiológicos, além de condutas
medicamentosas na prevenção de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis.
• Elaboração de relatórios e envio para as instâncias competentes.

II - Automutilação
Automutilação é um comportamento autoinfligido, sem intenção de morte. Em geral, o
estado emocional do paciente é de raiva extrema, desespero ou intolerância ao estresse,
e este comportamento pode funcionar para aliviar a ansiedade ou provocar mudanças no
comportamento de terceiros ou no ambiente.
As automutilações envolvem lesões de pele como cortar, beliscar, morder, inserir objetos,

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puxar cabelos e se queimar. Ingestão de objetos não comestíveis ou de substâncias não


venenosas também pode ocorrer.
O comportamento de automutilação pode estar presente em quadros de psicose,
deficiência intelectual, transtorno do espectro autista, grandes privações, entre outros.

Fatores de risco
• Adolescente do sexo feminino.
• História prévia de automutilações.
• Ser vítima de bullying.
• Eventos de vida adversos e/ou traumáticos.
• Desesperança.
• Traços de personalidade mal adaptados.

Abordagem de comportamento de automutilação


• Investigação de ideação/planejamento suicida, o que sugere uma psicopatologia mais
grave, e, consequentemente, uma supervisão mais intensiva.
• Identificação de fatores estressores e protetores, incluindo a caracterização da qualidade
dos relacionamentos mais íntimos ou significativos.
• Delimitação dos riscos imediatos e em longo prazo, considerando-se os fatores
protetores e de risco.
• Embora não exista evidência de tratamento medicamentoso para automutilações, o
tratamento das comorbidades é indicado.
• Encaminhamento para intervenções psicológicas pode ser uma alternativa de
seguimento a médio/longo prazo.

III - Suicídio
Suicídio é um dos maiores problemas de saúde pública que preocupa o mundo todo e,
atualmente, configura-se como uma das três principais causas de morte de crianças e
adolescentes entre 10 e 24 anos de idade. Diferentemente da população adulta, as
tentativas de suicídio no início da adolescência são mais frequentes no sexo masculino.

Avaliação do risco suicida


• A criança/adolescente pode ser admitida no pronto atendimento/serviço de emergências
imediatamente após tentativa de suicídio, ou referindo ideias suicidas. No caso da
tentativa de suicídio, é importante inicialmente focar na estabilização clínica para, em
seguida, proceder com a avaliação do risco suicida.
• Na avaliação de risco suicida, é fundamental que o profissional estabeleça uma aliança
terapêutica com o paciente, sendo empático, no intuito de assegurar ao paciente que o
médico possui interesse genuíno no que ele está dizendo e tenta entendê-lo, evitando
julgamentos.
• Deve ser estabelecido um ambiente de confidencialidade em que o paciente possa expor
seu sofrimento e explicar a situação. Porém, existem situações em que o sigilo não pode
ser garantido, principalmente se implicar em risco para o paciente e/ou terceiros. Por isso,
é necessário conversar com o paciente sobre as circunstâncias pelas quais o sigilo possa
ser rompido no intuito de não quebrar a relação de vínculo que está sendo construída.
• É fundamental que se pergunte ativamente sobre a tentativa de suicídio e sobre
pensamentos e planejamentos suicidas. Se houver ocorrido é importante caracterizar a
gravidade da intenção suicida e seu contexto.
• Em situações em que a tentativa de suicídio não se concretizou, o médico pode começar
com perguntas mais amplas e inespecíficas, para, em seguida, progredir para perguntas

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mais específicas, como nos exemplos abaixo:


o “Alguma vez, você teve o sentimento de não querer nem levantar da cama?”
o “Alguma vez, você quis dormir com o desejo de não acordar?”
o “As coisas têm estado tão difíceis que você chega a pensar que seria melhor morrer?”
o “Alguma vez, você pensou em se matar?”
o “Alguma vez, você chegou a planejar sua própria morte? Se sim: Pode me contar sobre
este plano? Já esteve perto de executar este plano?”

Investigação de diagnóstico psiquiátrico de base


• Há evidências de que cerca de 90% dos pacientes que chegam à emergência após
tentativa de suicídio têm diagnóstico de transtorno mental, sendo depressão o mais
comum, seguida do transtorno afetivo bipolar, uso de substâncias psicoativas e transtorno
de conduta. Algumas condições psiquiátricas implicam em maior risco suicida, como a
presença de sintomas psicóticos, como vozes de comando para se matar, e episódio
depressivo grave com demarcada desesperança.

Outras condições que implicam em maior risco suicida


• Tentativa de suicídio no último ano.
• Tentativa prévia de suicídio através de meios altamente letais.
• Ausência de planos para o futuro, desesperança.
• Eventos estressores de vida, como perdas pessoais e término de relacionamentos.
• Uso nocivo de álcool ou outras substâncias psicoativas.
• Internação psiquiátrica recente.
• Manutenção de pensamentos suicidas com intencionalidade clara.
• Resistência ou recusa de ajuda ou tratamento.
• Ambiente familiar conflitivo e/ou com baixo suporte de supervisão e cuidado.
• Violência física, sexual e psicológica, como o bullying.
• Populações específicas, como LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexo) e
minorias étnicas, que sofrem com estigma, não aceitação do grupo social e ambiente
familiar pouco continente.

Abordagem do risco suicida


Situações de alto risco suicida caracterizam-se pela presença de pensamentos suicidas
intensos e persistentes, tentativas de suicídio grave ou transtorno mental grave.
• Deve-se garantir um ambiente protetivo e de supervisão, sendo indicada hospitalização,
que muitas vezes, pode ser involuntária.

Situações de médio/baixo risco suicida caracterizam-se pela ausência de ideação suicida


ou transtorno mental grave no momento da avaliação, presença de planos e projetos de
curto e longo prazo, melhor controle de impulso em situações de conflito e estresse,
dinâmica familiar adequada e suporte protetivo por parte de seu cuidador, e bom vinculo
com profissional/sistema de saúde.
• Deve-se garantir tratamento extrahospitalar em serviço de saúde especializado.

IV - Agitação e agressividade
Comportamento agitado ou agressivo em crianças e adolescentes pode incluir uma
diversidade de manifestações de comportamento, que vão desde falta de cooperação,
perda de controle, hostilidade, comportamento de oposição e desafio, até manifestações
francas de violência.

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Existem diversas condições médicas que podem estar associadas ao comportamento


agitado/agressivo, como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH),
transtorno opositor e desafiador (TOD), transtorno de conduta, transtornos de humor
envolvendo irritabilidade, que pode estar presente tanto nos episódios maníacos como nos
depressivos, abuso de substâncias psicoativas, psicoses, transtornos do desenvolvimento,
como deficiência intelectual e autismo, traumas cerebrais, infecções do sistema nervoso
central, distúrbios metabólicos, entre outros.

Avaliação inicial
• Coletar o maior número de informações possíveis sobre fatos que antecederam o
episódio de agressividade e agitação, para compreensão de possíveis fatores
desencadeantes e agravantes do comportamento agitado/agressivo.
• Investigar o comportamento de base da criança/adolescente, seu temperamento e
padrão de relacionamentos no seu cotidiano.
• Investigar histórico de transtorno mental prévio ou atual, acompanhamento médico ou
multiprofissional e uso de medicações (tipo de medicação, dose, tempo de uso).
• Investigar a ocorrência de episódios de agitação e agressividade prévios semelhantes, e
o manejo da situação naquela ocasião.
• Caracterizar as estratégias que cuidadores utilizam para acalmar os seus filhos e
também conhecer estratégias que falharam, como forma de evitá-las.
• Compreender o estágio de desenvolvimento e as habilidades de comunicação da
criança, pois a agressividade pode advir de habilidades de comunicação ineficientes ou
ainda não estruturadas.
• Em adolescentes, investigar uso de substâncias psicoativas, eventos estressores,
conflitos em relacionamentos familiares e pessoais, e presença de alguma condição
psiquiátrica, já que nesta faixa etária é comum ocorrerem os primeiros episódios de
transtornos psicóticos e de humor.

Abordagem do comportamento agitado e agressivo

Medidas ambientais de segurança


• Checar se o paciente traz consigo materiais que possam feri-lo ou ferir terceiros.
• Evitar mobiliários e equipamentos que possam ser arremessados e possam ferir o
próprio paciente ou as pessoas envolvidas no atendimento.
• Respeitar certa distância física (aproximadamente um braço estendido) do paciente.
• Não bloquear saídas da sala de atendimento, para que o paciente não se sinta acuado.
• Envolver outros membros da equipe no manejo verbal e, se for o caso, de contenção.

Manejo verbal e comportamental


• Manter a neutralidade. Não responder de maneira defensiva, irritadiça, hostil ou
autoritária.
• Não se ofender ou tomar como pessoal as agressões verbais do paciente, procurando
entender que se tratam da manifestação de sintomas e sofrimento.
• Não julgar e não confrontar.
• Acolher a criança/adolescente agressiva, demonstrando empatia e interesse no que o
paciente está dizendo.
• Conversar de maneira calma e suave, evitando tom de voz mais alto ou irritadiço, tentar
estabelecer diálogo, estimular a criança/adolescente a se expressar verbalmente.
• Prover as necessidades básicas do paciente, como alimentação e vestimenta adequada,
evitando desconfortos que possam desencadear/agravar comportamento agitado ou

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agressivo. Brinquedos e objetos pessoais também podem ajudar a tranquilizar o paciente.


• Evitar contato visual direto e movimentos rápidos e bruscos, que possam ser
interpretados como ameaçadores pelo paciente.
• Procurar estabelecer limites de maneira firme, mas acolhedora, sem ameaças. Exemplo:
“Estou aqui para ajudá-lo, mas preciso de sua colaboração para que tente se controlar, de
forma a não continuar agredindo ou ameaçando as pessoas”.
• Responder ao paciente de maneira positiva, evitando uso de imperativos e palavras
negativas. Exemplo: “Entendo que você queira sair, mas antes eu preciso entender melhor
o que está acontecendo com você, para poder ajudá-lo”, ao invés de dizer simplesmente
ao paciente que ele não pode sair.
• Não interromper o paciente enquanto ele fala.
• Evitar reforçar o comportamento disruptivo (comportamento opositor, agressivo). Muitas
vezes, a criança emite este comportamento por não ser capaz de usar recursos mais
adequados para lidar com frustração. A atenção excessiva a comportamentos mal
adaptados e concessões em contexto de agressividade favorece que a
criança/adolescente adote o mesmo comportamento em situações semelhantes no futuro.
• Em situações onde houver estressor específico que seja responsável pela agitação e/ou
agressividade da criança/adolescente, deve-se desviar o foco da criança desta
situação/pessoa, distanciando-a do estressor e/ou ofertando alguma atividade que possa
ser atrativa para a criança/adolescente.
• Evitar fazer barganha com a criança/adolescente, por meio de, por exemplo, promessas
de presentes ou vantagens, no caso de comportamento adequado.
• Evitar punição física e ameaças, pois isto amplia o repertório de violência da criança e
escalona ainda mais o comportamento agitado/agressivo.

Uso de técnicas de isolamento ou contenção


• Se o manejo verbal e comportamental não for suficiente para redução da
agitação/agressividade e a criança/adolescente permanecer em situação de risco para si
mesma ou outrem pode ser necessária a utilização de técnicas de isolamento ou
contenção.
• O uso de isolamento ou contenção se justifica apenas em situações em que a criança
apresente um risco iminente de auto ou heteroagressão.
• É desejável o consentimento do cuidador para realização da contenção, explicando os
motivos que justificaram tal conduta. Idealmente, o cuidador deve ser afastado durante o
processo de contenção, embora deva ser envolvido nas tomadas de decisão.
• Isolamento ou contenção devem ser utilizados como último recurso, quando todas as
demais tentativas de tranqulização do paciente tenham falhado, e pelo menor período de
tempo possível.
• A indicação de contenção é conduta médica, sendo fundamental a participação
presencial do médico durante todo o processo, incluindo a prescrição de medicação e
orientações para a família.

Tipos de contenção
• Isolamento: Confinamento involuntário em uma sala trancada, sendo o paciente
fisicamente impedido de sair, mas podendo movimentar-se e usar instalações de higiene
pessoal.
o O isolamento é a estratégia que deve ser utilizada antes da contenção física ou
mecânica.
o No isolamento, deverá haver observação contínua, de maneira presencial ou por meio
de equipamentos de áudio e vídeo.

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• Contenção Física: Imobilização involuntária do paciente pela equipe, segurando-o de


maneira firme e sem uso de qualquer outro meio.

• Contenção Mecânica: Imobilização involuntária do paciente utilizando faixas de couro ou


tecido em quatro, cinco ou sete pontos, que fixam a pessoa no leito.
o Para a realização das contenções física e mecânica, é necessário dispor de equipe
treinada neste procedimento (desejável um mínimo de 5 pessoas) liderada pelo médico
que coordenará toda ação.
o Durante a contenção, as condições de conforto e segurança do paciente devem ser
monitoradas continuamente, assim como as condições de higiene, hidratação,
necessidade de reposição calórica e de eletrólitos, sinais vitais, perfusão, compressão de
áreas corporais contidas para evitar garroteamento e preservação da permeabilidade das
vias aéreas.

• Reavaliações médicas das condições globais do paciente e da indicação de manutenção


de contenção devem ser realizadas a cada 30 minutos.
• O isolamento e a contenção devem ser encerrados assim que o risco iminente de
auto/heteroagressão tenha sido controlado.
• A retirada da contenção mecânica deve ser acompanhada por vários membros da
equipe de saúde.
• Sempre que possível, o paciente deve ser estimulado a expressar seus sentimentos e
fazer uma reflexão a respeito dos comportamentos que antecederam o processo de
contenção.

V – Diagnósticos Específicos

Intoxicação por substâncias psicoativas


• O adolescente intoxicado possui alto risco de lesões, devido a prejuízos no juízo crítico
da realidade, sendo imprescindível a realização de exame físico completo e minucioso.
Alterações do nível de consciência podem indicar a coexistência de condições associadas,
como traumatismo cranioencefálico.
• O quadro clínico da intoxicação aguda varia conforme a substância ingerida. Em
contexto de emergência, as intoxicações observadas em adolescentes são,
principalmente, aquelas causadas pelo uso de álcool, cocaína, estimulantes, alucinógenos,
opioides e inalantes.
• Importante lembrar que, quando comparados com adultos, os adolescentes têm maior
tendência a usar álcool e outras drogas de forma episódica, mas em maior quantidade
(binges), o que torna o consumo de substância mais perigoso para a integridade física e
psíquica do paciente.
• O tratamento da maioria das intoxicações por substâncias psicoativas é conduzido de
forma conservadora. Os objetivos são a estabilização dos sinais vitais, equilíbrio
hidroeletrolítico e metabólico e o controle de alterações comportamentais, como a
agitação psicomotora, descrita anteriormente.
• É importante lembrar que um episódio de intoxicação por substâncias psicoativas pode
ser uma tentativa de suicídio. Portanto, após a estabilização clínica e resolução da
intoxicação, é fundamental que se investigue sobre ideação/planejamento suicida.
• Após a resolução da intoxicação, é importante a investigação sobre o uso de mais de um
tipo de substâncias psicoativas e a caraterização do seu padrão de consumo.
• O diagnóstico de transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas

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(abuso/dependência) caracteriza-se pelo uso contínuo da substância, independente das


consequências atuais ou potenciais, que podem ser sociais, legais, na escola e no
trabalho, perda do controle da frequência e da quantidade de substância utilizada,
desenvolvimento de tolerância, necessitando de doses cada vez mais altas para obter o
efeito desejado e de sintomas de abstinência, na ausência de uso ou redução da dose.
• No momento da alta, os pacientes devem ser estimulados a procurar ajuda e
encaminhados para seguimento em serviço especializado.

Transtornos de ansiedade
• A criança/adolescente pode apresentar sintomas ansiosos agudos, associados a
sofrimento intenso e agitação psicomotora, que podem demandar atendimento em serviço
de emergência, particularmente se houver manifestações somáticas e autonômicas
associadas.
• Entre os transtornos de ansiedade que podem desencadear episódios agudos, que
justifiquem atendimento emergencial incluem-se os transtornos de estresse agudo,
estresse pós-traumático e pânico.
• Diversas condições médicas podem apresentar sintomas semelhantes aos observados
nos transtornos de ansiedade. Nos estágios iniciais do transtorno, ou no primeiro contato
com o serviço de saúde, é fundamental realizar avaliação clínica e laboratorial para o
diagnóstico diferencial com outras condições médicas.
• Se o manejo verbal não for suficiente para melhora dos sintomas ansiosos, podem-se
utilizar medicações psicotrópicas, como os benzodiazepínicos, que devem ser utilizados
pontualmente, apenas em casos com sintomas agudos e intensos. Recomenda-se evitá-los
em crianças com diagnóstico de transtorno de desenvolvimento, como deficiência
intelectual e autismo.
• Na alta do serviço de emergências, o paciente deve ser encaminhado para serviço de
saúde mental para avaliação por psiquiatra e/ou equipe multiprofissional.

Transtorno de personalidade borderline


• O transtorno de personalidade borderline pode ocorrer em adolescentes, a partir dos 11
anos de idade.
• O transtorno de personalidade borderline apresenta sintomas internalizantes (distúrbios
na identidade, ideação paranoide relacionadas ao estresse, sensação crônica de vazio, e
tentativas de evitar abandono), emocionais (instabilidade afetiva e raiva intensa) e
externalizantes (impulsividade, comportamento suicida e automutilatório, e instabilidade
em relacionamentos interpessoais), sendo o último grupo de sintomas a principal razão
para a busca por atendimento de emergência.
• O uso de antipsicóticos, de preferência de segunda geração, como a risperidona, está
indicado apenas no caso de falta de controle de impulso e comportamento
agitado/agressivo. Também pode ser útil no manejo de sintomas ansiosos agudos.
• Após o controle da situação que justificou atendimento de emergência, paciente deve
ser encaminhado a serviço de saúde mental especializado para seguimento em longo
prazo. .

Transtornos psicóticos
• Caracterizam-se pela presença de alterações no pensamento (delírios) e/ou na
sensopercepção (alucinações), que geram prejuízo significativo no contato com a
realidade, sofrimento intenso e desorganização do comportamento, que justificam o

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atendimento emergencial.
• No caso de primeiro episódio psicótico ou primeiro contato com o serviço de saúde, é
fundamental o estabelecimento de raciocínio clínico para o diagnóstico diferencial e a
exclusão de outras condições médicas, por meio de avaliação clínica e neurológica
completa, exames laboratoriais e de imagem.
• Quadro secundário ao uso de substâncias psicoativas também deve ser considerado
como diagnóstico de exclusão.

Transtornos de humor
• Atendimentos de emergência nos transtornos de humor são, em geral, decorrentes de
situações de risco, como ideação suicida, nos episódios depressivos e agitação e
agressividade, no episódio maníaco.
• Importante lembrar que episódios depressivos podem se apresentar com humor irritável
e não deprimido em crianças e adolescentes, assim como queixas somáticas frequentes,
regressão do desenvolvimento, diminuição do brincar e queda do rendimento escolar.

Estado confusional agudo (delirium)


• Também pode ocorrer na população pediátrica e caracteriza-se por redução do nível de
consciência e alteração na cognição, com início em período de horas a dias e curso
flutuante.
• O tratamento baseia-se, fundamentalmente, no tratamento da condição médica de base.
• Medidas ambientais e de suporte, como presença de familiares e de objetos pessoais
podem ajudar no manejo do caso.

Exames Complementares:
N/A

Tratamento:
Intervenções farmacológicas:
O manejo medicamentoso deve ser sempre precedido e acompanhado pelas intervenções
ambientais, verbais e comportamentais, descritas anteriormente. Frequentemente,
intervenções não farmacológicas aplicadas adequadamente são suficientes para o manejo
de agitação e agressividade em crianças e adolescentes. A tabela 1 apresenta as
medicações mais frequentemente utilizadas em crianças e adolescentes e suas
respectivas doses e vias de administração.
• A escolha da medicação dependerá de diversos fatores, como diagnóstico psiquiátrico
de base e apresentação atual, história medicamentosa, reações adversas, tolerabilidade
da medicação, respostas prévias, possíveis interações com as medicações de uso atual e
via de administração (oral, endovenosa ou intramuscular).
Em geral, a primeira escolha é o ajuste da dose e/ou do horário de administração de
medicação que a criança/adolescente já utiliza. A antecipação do horário de prescrição
e/ou utilização de dose complementar podem ser suficientes para controle da situação
aguda.
• Recomenda-se iniciar com doses baixas de medicação, com o intuito de evitar efeitos
colaterais. Caso a resposta inicial não seja satisfatória, depois de 30 minutos, podem ser
administradas doses adicionais da mesma medicação. Importante evitar polifarmácia.
• A via oral (VO) é a preferencial para administração da medicação. A via endovenosa (EV)
é considerada como última opção, tanto pelo número limitado de medicações que podem
ser utilizadas por esta via, quanto por dificuldades operacionais, em contexto de agitação.
Se o paciente já possuir acesso vascular e o mesmo estiver em lugar seguro e acessível, a

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via EV pode ser priorizada em relação à via intramuscular (IM).


• Os antipsicóticos de primeira (haloperidol e clorpromazina) e de segunda geração
(risperidona e olanzapina) são as medicações mais frequentemente utilizadas para o
manejo da agitação psicomotora. Podem ser associados com benzodiazepínicos ou anti-
histamínicos (prometazina) para potencialização dos efeitos de tranquilização.
• Risperidona é a droga de primeira escolha, seguida por haloperidol (segunda escolha).
Havendo má resposta ou efeitos colaterais, as opções seriam clorpromazina ou
olanzapina.
• No caso de uso de haloperidol, deve-se atentar para o risco de efeitos extrapiramidais e,
no caso da clorpromazina, para o risco de sedação excessiva.
• A associação de olanzapina com benzodiazepínicos deve ser evitada, pelo risco de
sedação excessiva.
• Havendo necessidade de medicação intramuscular, a primeira opção é o haloperidol
isolado ou associado à prometazina ou midazolam. A preferência é pelo uso de
prometazina, pelo risco de efeito paradoxal com o uso de benzodiazepínicos. A segunda
opção seria a clorpromazina.
• Os benzodiazepínicos clonazepam, diazepam e lorazepam e podem ser utilizados para o
manejo de ansiedade, intoxicação ou abstinência de substâncias psicoativas e catatonia
(lorazepam). No entanto, o uso de benzodiazepínicos deve ser cuidadoso, pois podem
apresentar efeito paradoxal em crianças, particularmente naquelas com transtornos do
desenvolvimento (p.ex., déficit intelectual e autismo).
• Como primeira escolha para os quadros ansiosos agudos, recomenda-se o uso de
clonazepam, pela apresentação em gotas, que facilita o manejo da dose.
• Diazepam pode ser administrado por via oral ou endovenosa. A via oral tem rápida
absorção. A administração por via endovenosa deve ser lenta, pelo risco de depressão
respiratória com administração em bolus. A via intramuscular deve ser evitada, por ter
absorção errática devido à alta lipossolubilidade do diazepam.
• Agonistas de receptores alfa-adrenérgicos (clonidina) são alternativas para o manejo de
ansiedade, hiperatividade e hiperexcitabilidade, mas devem ser usados com cautela, pelo
risco de hipotensão.
• Prometazina também pode ser uma alternativa para manejo de ansiedade ou agitação
leve. É contraindicada nos dois primeiros anos de vida e deve ser evitada em estado
confusional agudo.

Diretrizes para manejo farmacológico de Agitação/Agressividade

Secundária a delirium
• Tratamento da condição clínica e controle da dor.
• Evitar medicações anticolinérgicas, benzodiazepínicos e opioides.
• Antipsicóticos (risperidona, haloperidol, clorpromazina, olanzapina).
• Se contraindicado uso de antipsicótico, pode ser considerado o uso de clonidina.

Secundária à intoxicação ou abstinência de substância


• Investigar a substância envolvida, por meio de história clínica, exame físico e exame
toxicológico.
• Em casos de substância desconhecida ou não identificada, abstinência ao álcool ou
benzodiazepínicos e intoxicação por estimulante: administrar benzodiazepínicos
(diazepam, lorazepam).
• Intoxicação por fenciclidina: administrar benzodiazepínicos.
• Intoxicação por álcool ou benzodiazepínicos: usar antipiscóticos.

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• Abstinência de opioides: administrar clonidina


• Toxicológico negativo, mas história sugestiva: usar benzodiazepínico associado ou não a
antipsicótico.

Transtornos do desenvolvimento
• Antipsicóticos (risperidona, haloperidol, clorpromazina, olanzapina).
• Também pode ser considerado o uso de clonidina.
• Evitar benzodiazepínicos.

Outros transtornos mentais ou etiologia desconhecida


• Antipsicótico isoladamente ou associado a benzodiazepínico.

Metas e Indicadores:
N/A

Referências Bibliográficas Externas:


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Emergências Pediátricas: Emergências Psiquiátricas em Crianças e Adolescentes
Sistema de Protocolos

Anexos:
Tabela 1: Tabela 1
Medicações frequentemente utilizadas em emergência psiquiátrica na infância e na
adolescência

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