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Resumo: Este estudo tem por objetivo analisar, mediante abordagem interdisciplinar, exame de
literatura e fontes primárias, a entrada do protestantismo norte-americano no Brasil e sua influência
na constituição do pensamento republicano brasileiro, de modo a explicar como se fez presente em
uma das reformas mais significativas para o desenvolvimento da instrução pública paulista: a
Reforma da Escola Normal de 1890, também conhecida como Reforma Caetano de Campos. O
protestantismo será tomado como uma das principais causas motivadoras de um determinado tipo
de comportamento racional que propiciou à sociedade brasileira, neste período, novas significações
conceituais a partir da circulação e apropriação de novos modelos que associado a outras condições
conjunturais, contribuiu para pôr em movimento o processo de modernização da sociedade
brasileira por meio da educação. Nas últimas décadas do século XIX, evidenciaram-se profundas
transformações internas e externas ao país que possibilitaram aos protestantes norte-americanos
uma participação importante por meio de seus colégios e de sua relação com as elites progressistas
de São Paulo que os viam como representantes típicos de um país republicano, livre e democrático.
A permanência e o sucesso de suas iniciativas estiveram vinculados diretamente à relação de troca
que se estabeleceu entre o desejo do protestantismo norte-americano de se fixar em terras brasileiras
e o interesse dos republicanos paulistas no transplante de novas idéias e modelo de organização
social.
As últimas duas décadas que antecederam a queda do Império foram palco de profundas
transformações no cenário sócio-político e econômico brasileiro. A profusão de acontecimentos que
nesse período se sucederam, nas diferentes esferas da vida social, tem sido analisada sob diversos
pontos de vistas na historiografia nacional, principalmente pela grande circulação de sujeitos,
idéias, experiências e modelos importados. Entretanto, ainda se pode observar uma lacuna existente
nessas abordagens, quando vista a partir de análises que tomam a estrutura educacional brasileira
desse período, como parte de uma crise mais ampla do regime imperial. Nesse cenário em
constantes transformações, a instrução pública passou a ser concebida como um dos instrumentos
privilegiados para a difusão no país do espírito da civilização moderna. A consciência de que a
instrução pudesse desempenhar tais funções só foi possível pela disseminação das idéias liberais de
democratização e obrigatoriedade do ensino público a todos os cidadãos, como exigência para a
participação nos novos rumos mundiais, elevando, assim, as discussões sobre qual o modelo que
melhor se adequaria às novas exigências. Isso permitiu, aos imigrantes e missionários norte-
americanos, que se instalaram na Província de São Paulo, na segunda metade do século XIX, uma
participação importante nesse cenário em razão do estabelecimento de seus colégios e de sua
proximidade com setores das elites republicanas paulistas, que os viam como representantes típicos
de um país livre, democrático e protestante. Essa participação se concretizou, de forma mais
acentuada, com a presença de duas mulheres, representantes do pensamento liberal protestante
norte-americano, na organização das Escolas-modelo do Carmo, anexa à Escola Normal de São
Paulo, que segundo Casemiro dos Reis Filho, foi “a base de toda reforma da instrução pública
paulista, nos primeiros anos da República” (1995, p. 53).
Referencial teórico
Objetivos
Diversos estudos dão conta de que esse período, marcado por profundas transformações no
cenário sócio-político e econômico brasileiro, possibilitou aos imigrantes norte-americanos, que se
instalaram no interior e capital paulista, na segunda metade do século XIX, uma participação
importante nessas mudanças em razão do estabelecimento de seus colégios e de sua proximidade
com setores das elites republicanas, que os viam como representantes típicos de um país livre e
democrático. Entretanto, ainda não se realizou um estudo que compreendesse esse fato histórico a
partir das motivações que levaram os indivíduos a agirem tal qual agiram, ou seja, uma análise que
considere a presença protestante como causa motivadora de um determinado tipo de comportamento
racional que propiciou à sociedade brasileira novas significações conceituais.
Metodologia
Esta pesquisa não pretendeu ser um estudo de natureza puramente teórica, nem tampouco
de revisão bibliográfica a respeito das obras publicadas sobre esse tema. Entretanto, na medida do
possível, adota-se uma interlocução com os diferentes autores e posições teóricas a partir de
inquietações, e não de afirmações contundentes centradas em idéias pré-concebidas. A revisão
bibliográfica, ou melhor, o diálogo teórico com os autores deu-se na medida em que o estudo exigiu
um posicionamento a respeito de determinadas afirmações conceituais concordantes ou
discordantes, bem como para aprofundar e/ou esclarecer certos pontos ainda pouco explorados.
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A segunda edição do livro de Davi Gueiros Vieira, utilizado nesta pesquisa não traz a data de publicação,
entretanto, é possível circunscrevê-la à década de 1990.
Protestantismo e o processo de racionalização ocidental
Quando falo em protestantismo nesta pesquisa, tenho diante de mim, como construção
teórica, a idealização de um movimento originário da Reforma do século XVI, que, transplantado
para os Estados Unidos, ganhou os seus fundamentos mais expressivos na ordenação
indivíduo/sociedade, modificando, segundo critérios sobrenaturais da revelação, a conduta e postura
diante da realidade. Força motriz que impulsionou o aparecimento de uma atitude individualista
diante do mundo e da própria religião. A compreensão de que esse modelo paradigmático alcançou,
nos Estados Unidos, sua maior expressão, é de fundamental importância para a explicação do
grande interesse que aquela nação despertou sobre a mentalidade política e social brasileira. Levou-
se em conta, ainda, o princípio de secularização, responsável pela substituição da filiação religiosa
pela filiação do tipo associativa, percebido nos Estados Unidos no começo do século XIX.
O espaço aberto para a entrada de protestantes e a tolerância a seu culto no Brasil, deram-se
primeiramente a partir da oportunidade estabelecida na relação política entre Portugal e Inglaterra.
Entretanto, foi somente a partir da segunda metade do século XIX que os protestantes de origem
missionária desembarcaram nos portos brasileiros. Originários do movimento de expansão
missionária norte-americana do Sul dos Estados Unidos, Metodistas, Presbiterianos, Batistas e
Congregacionais chegaram com propósitos idênticos de evangelizar e educar a nação. A influência
dessas igrejas foi mais tarde reconhecida antes no campo educacional do que propriamente no
religioso. Estas tinham como estratégia suprir as necessidades espirituais e educacionais dos
imigrantes de fala inglesa e penetrar na cultura dominante católica para levar os ideais de uma
civilização cristã, nos moldes americanos.
O impacto que a nação norte-americana exerceu no Brasil ganha dimensões mais elásticas
se levarmos em consideração o momento histórico no qual estavam mergulhados os países
periféricos da América Latina, face ao processo de transformação engendrado no Ocidente em todas
as suas esferas. Essas transformações eram impulsionadas tanto pela nova fase da expansão do
capitalismo industrial, como fortalecida pelas idéias liberais que exigiam a democratização do
ensino público em todos os setores da sociedade, como requisito indispensável para a participação
na nova ordem mundial. E é justamente no processo de disseminação da educação que se encontram
as bases necessárias para a veiculação e consolidação da nova visão de mundo. Esse aspecto
consensual da educação é visto por Bourdieu (1974) como característica inerente a sua função de
transmissora da cultura pela socialização de códigos comuns. Para ele, a escola é sobretudo um
repertório de lugares comuns, “não apenas um discurso e uma linguagem comum, mas também
terrenos de encontro e acordo, problemas comuns e maneiras comuns de abordar tais problemas
comuns” (BOURDIEU, 1974, p.207).
A década de 1870 pode ser considerada como um divisor de águas, representando o início
de uma fase de grandes transformações que atingiram vários setores da vida do país e em especial o
ensino público. Neste período, a província de São Paulo foi responsável por um crescimento
populacional e material bastante expressivo, devido ao processo de urbanização ocorrido a partir
dessa década, e pelo deslocamento do centro de desenvolvimento econômico do Rio de Janeiro para
São Paulo, grandemente impulsionado pelo desenvolvimento do setor da industrialização do café no
Oeste paulista.
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Expressão formulada em Warde (2000).
Assim, coube aos Estados Unidos serem o modelo de uma realidade nacional invertida, segundo se
pode observar na metáfora do espelho de próspero utilizada por Morse (1988).
É bom deixar claro que a concepção de educação idealizada pelos republicanos não podem
ser vista como um conjunto de pensamentos e tendências uniformes. Entretanto, devido à
impossibilidade de se fazer nesta pesquisa uma distinção entre os indivíduos e os grupos, considerei
que a tendência geral na organização do sistema educacional defendida pelos republicanos paulistas
podia ser definida em relação a sua dupla finalidade: derrubar a Monarquia e instituir um novo
regime político descentralizado, federativo e republicano.
A Grande Reforma
A pesquisa deixou claro que, apesar de Caetano de Campos ter passado à história como
responsável pela Reforma da Escola Normal, na verdade foi Rangel Pestana o grande reformador
daquela instituição. Talvez essa fama possa ser compreendida pelo modo como o nome desse ilustre
educador projetou-se na história da Escola Normal, principalmente nos primeiros anos do período
republicano.
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Caetano de Campos era formado pela Faculdade de Medicina da Corte. Foi dono de clínica particular,
médico da Beneficência Portuguesa, Diretor da Santa Casa de Misericórdia e professor do “Colégio Pestana”
e da “Escola Neutralidade”, na capital paulista.
Pelo Decreto nº 27 de 12 de março de 1890, Prudente de Moraes (DECRETOS E
RESOLUÇÕES, 1897, p.30) apresentou a chamada Grande Reforma, que, em síntese geral,
reformulava a Escola Normal e convertia em escola-modelo as escolas anexas. Com as seguintes
considerações, justificava-se a reforma da Escola Normal de São Paulo:
Considerando que a instrução bem dirigida é o mais forte e eficaz elemento do progresso e
que ao governo incumbe o rigoroso dever de promover o seu desenvolvimento;
Considerando que de todos os fatores da instrução popular o mais vital, poderoso e
indispensável é a instrução primária largamente difundida e convenientemente ensinada;
Considerando que, sem professores bem preparados, praticamente instruídos nos modernos
processos pedagógicos e com cabedal científico adequado às necessidades da vida atual, o
ensino não pode ser regenerador e eficaz;
Considerando mais que a Escola Normal do Estado não satisfaz as exigências do tirocínio
magistral a que se destina, por insuficiência do seu programa de estudos e pela carência de
preparo prático dos seus alunos:
Decreta: (...)
Ambas estiveram à frente das inovações implantadas na Escola Normal desde a reforma de
12 de março, tendo Miss Márcia P. Browne permanecido por mais tempo à testa dos trabalhos de
ampliação e organização de novas escolas-modelos na rede de ensino público do Estado. Miss
Browne e Maria Guilhermina foram assim os esteios da reforma na condução das duas escolas-
modelo. Coube à primeira dirigir a seção masculina e à segunda a seção feminina da escola-modelo
do Carmo, anexa à Escola Normal de São Paulo. Estava, assim, instalado o processo de renovação
do ensino primário na capital, conduzido por duas das mais destacadas representantes do modelo
que segundo seus proponentes fariam a diferença em matéria de educação.
Embora citadas nas páginas da história da educação brasileira, muito pouco se conhece da
vida dessas duas mulheres. Sabe-se um pouco mais de Miss Browne. Segundo os registros
encontrados, tanto nas referências de João Rodrigues (1930), como no livro ponto da escola-
modelo, Browne permaneceu como diretora entre os anos 1890-1894,4 e logo foi nomeada diretora
da Escola Modelo da Luz ou Prudente de Moraes, antes de retornar definitivamente aos Estados
Unidos em 1896. Descrita como uma figura de difícil trato, autoritária e pouco afeita a
contrariedades, segundo alguns registros de seus ex-launos, Miss Browne, destacou-se por sua
personalidade combativa à frente das escolas-modelo agindo como uma guerreira dedicada e
valente.
De Maria Guilhermina, pouca coisa ficou registrada na história da educação paulista. Pouco
se sabe de sua trajetória pessoal e profissional. Segundo Rodrigues (1930, p. 280), Maria
Guilhermina rescindiu contrato em 1891, alegando estado de saúde precário. É assim que ficou
registrada sua passagem pela história da educação paulista, como uma mulher de constituição frágil
e débil, cabendo a Miss Browne assumir então a direção geral da escola-modelo. Entretanto, através
dos registros de José Feliciano de Oliveira (1932, p.218) e da leitura interpretativa e atenta do
próprio João Rodrigues (1930), parece-me que se pode supor que o real motivo do pedido de
rescisão estava mais na personalidade conflitiva de Miss Browne do que propriamente na
justificativa alegada.
Rodrigues (1930, p. 218) informa de uma visita de inspeção que Prudente de Moraes fez à
Escola Normal, no inverno de 1890. Segundo o autor, o governador iniciou a inspeção pela seção
feminina, onde se deteve em conversa com Maria Guilhermina por um longo tempo. Miss Browne
pareceu ter ficado enciumada com a atenção dispensada por Prudente e temerosa de não lhe sobrar
tempo para uma visita do governador a sua seção, irritou-se a tal ponto que foi necessário ser
acalmada por Caetano de Campos que acompanhava a visita. Esse incidente deve ter precipitado o
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No segundo semestre de 1893, Miss Browne se ausentou por um período em viagem de licença para os
Estados Unidos, retornando no início de 1894.
rompimento entre as duas senhoras. Creio que a hipótese de uma rusga entre elas pode ser
sustentada no registro que fez Oliveira (1932, p.15).
Conclusão
O modelo de educação trazido pelos protestantes norte-americanos e que fazia parte de seu
universo sócio-cultural foi uma adaptação feita das experiências de Pestalozzi que propunha na
educação uma renovação dos métodos tradicionais utilizados pelas escolas. Esses métodos
ganharam força nos Estados Unidos, que por meio de iniciativas protestantes, transplantaram para o
Brasil as mesmas estruturas na tentativa de também propagar suas idéias religiosas e pedagógicas
em terras brasileiras.
Espera-se que as questões e os problemas aqui levantados possam contribuir para o avanço
de outras pesquisas, que tenham como objetivo, estudar os impactos da presença protestante na
cultura e em especial o alcance de sua influência no processo de renovação do pensamento
educacional brasileiro.
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